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N.° 8
SESSÃO DE 18 DE JANEIRO DE 1900
Presidencia do exmo. sr. Luiz Fisher Berquó Poças Falcão
Sacretarios - os exmos. srs.
Joaquim Paes de Abranches
Frederico Alexandrino Garcia Ramirez
SUMMARIO
Approvada a acta e lido o expediente, o sr. João Franco realisou um aviso previo ao sr. ministro dos negocios estrangeiros (Beirão) sobre assumptos internacionaes. - Foram proclamados deputados os srs. Pedro Gaivão e Adolpho Loureiro, prestando juramento este ultimo e mais os srs. Vieira de Castro, Joaquim Rojão e Queiroz Ribeiro. - O sr. Antonio Cabral trocou explicações com o sr. ministro dos negocios estrangeiros (Beirão), mosttando a necessidade de pensionar um filho do medico Sousa Proenca, que morreu na India victima da peste. - Declarou-se constituida a commissão de resposta ao discurso da coroa. - Apresentaram avisos previos os srs. Sousa e Silva e Teixeira de Sousa. - Requereram documentos os srs. Augusto Fuschini e Moraes Sarmento.
Na ordem do dia elegeram-se as commissões administrativa, de orçamento, de fazenda, de legislação civil e de legislação criminal. - Prestou juramento o sr. Queiroz Ribeiro.
Primeira chamada - Ás duas horas da tarde.
Presentes - 4 srs. deputados.
Segunda chamada - Ás tres horas.
Abertura da sessão - Ás tres horas e um quarto.
Presentes - 66 srs. deputados.
São os seguintes: - Abel Pereira de Andrade, Alberto Affonso da Silva Monteiro, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Baptista Coelho, Alfredo Carlos Le-Cocq, Alvaro de Castellões, Antonio Augusto do Sousa e Silva, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Lopes Guimarães Pedroza, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Simões da Reis, Antonio Teixeira de Sousa, Antonio Vellado da Fonseca, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur de Sousa Tavares Perdigão, Augusto Cesar da Silveira Proença, Augusto Fuschini, Augusto Guilherme Botelho de Sousa, Augusto José da Cunha, Carlos de Almeida Pessanha, Conde de Cana (Bernardo), Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Barbosa do Conto Cunha Sotto Maior, Francisco Joaquim Fernandes, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Limpo de Lacerda Bavasco, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Bessano Garcia, Ignacio José Franco, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José Sinel de Cordas, João Lobo de Santiago Gouveia, João Marcellino Arroyo, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim José Fernandes Arez, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim da Ponte, Joaquim Simões Ferreira, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Antonio de Almada, José de Azevedo Castello Branco, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria Barbosa de Magalhães, José Mathias Nunes, José Mendes Veiga de Albuquerque Calheiros, José Osorio da Gama a Castro, José Pimentel Homem de Noronha, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel Homem de Mello da Camara, Manuel Paes de Sande e Castro, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, Matheus Teixeira de Azevedo, Ovidio Alpoim Cerqueira Borges Cabral, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos e Salvador Augusto Gamito de Oliveira.
Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho Ferreira Loureiro, Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Francisco Felisberto Dias Costa, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim Rojão, José Joaquim da Silva Amado, José Paulo Monteiro CanceJla, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Manuel Affonso de Espregueira, Miguel Pereira Coutinho (D.) e Visconde de Mangualde.
Não compareceram a sessão os srs.: - Abilio Augusto de Madureira Beça, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Faustino dos Santos Crespo, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Tavares Festas, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Conde de Idanha a Nova (Joaquim), Conde de Paçô Vieira, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Henrique da Cunha Mattos de Mendia, Jacinto Candido da Silva, João Augusto Pereira, João Catanho de Menezes, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João de Sousa Bandeira, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Augusto Lemos Peixoto, José Bento Ferreira de Almeida, José Braamcamp de Mattos, José Dias Ferreira, José Gonçalves da Costa Ventura, José Julio Vieira Ramos, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Julio Ernesto de Lima Duque, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz José Dias, Luiz Pereira da Costa, Manuel Telles de Vasconcellos, Marianno Cyrillo de Carvalho, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde da Guilhomil, Visconde da Ribeira Brava, Visconde de S. Sebastião e Visconde da Torre.
Acta. - Approvada.
Não houve expediente.
O sr. Presidente consta-me que estio nos corredores os srs. João Monteiro Viera de Castro e Joaquim Rojão; convido os srs. deputados conde de Caria e Antonio Rodrigues Nogueira a introduzirem s. exas. na sala.
Foram introduzidos, prestaram juramento e tomaram assento,
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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
O sr. Presidente: - Não estando presentes os srs. ministros das obras publicas, fazenda e remo, a quem foram dirigidos os primeiros avisos previos, vou conceder a palavra ao sr. João Franco, por estar presente o sr. ministro dos estrangeiros, a quem é dirigido o aviso previo assignado por s. exa.
O sr. João Franco: - Sr. presidente, não era meu intuito voltar a referir-me ao assumpto que n'uma das ultimas sessões aqui levantei, dirigindo ao mesmo tempo ao sr. ministro dos negocios estrangeiros algumas perguntas. Sei muito bem que ha assumptos que pela sua natureza especial e melindrosa, não se recommendam como proprios a prolongar debates parlamentares, estando n'este caso aquelles que, ainda quando não tenham um exclusivo caracter internacional, podem no emtanto referir-se a qualquer nação estrangeira.
Sei tambem, sr. presidente, qual foi o intuito com que dirigi as perguntas ao sr. ministro dos estrangeiros, que já agora constam, como era meu desejo que constassem, dos annaes parlamentares Todos temos conhecimento da maneira como s. exa. se dignou responder-me, e portanto o meu fim não é dirigir aggressões ao governo em mateira d'esta ordem ou natureza; não é declamar uma objurgatoria patriotica, tão facil do fazer como inutil e desnecessaria: é formular o aviso que vem do pleno conhecimento da situarão que o para atravessa, aviso feito aos srs. deputados da nação e, pela publicidade que as sessões d'esta camara revestem, a todos os cidadãos, desde o primeiro, o mais altamente collocado na escala social, até ao ultimo, o que mais seja desventurado da sorte. (Apoiados.)
O aviso resulta por ai mesmo nitidamente, da maneira como o sr. ministro dos estrangeiros se dignou responder-me.
Não é precisa nem mais clara nem mais eloquente resposta para quem, interessando-se pelos mais altos interesses e negocios do paiz, queira saber pela lição do presente corrigir a preadivinhar o futuro. (Apoiados.)
Sr. presidente, não foi, pois, o intuito que eu acabo de declarar o affirmar que seria improprio e inconveniente, que me levou a usar novamente da palavra para responder ao sr. ministro, que lauto saiu fora da sua habitual serenidade o nunca desmentida cortezia e delicadeza parlamentar, com um accentuado - não - ao pedido que lhe fiz de licença para o interromper. (Apoiados.)
Mas quando o sr. Beirão, ministro dos negocios estrangeiros, esquecido do que deve a si, como o mais antigo, o mais experimentado, e incontestavelmente um dos mais distinctos parlamentares d'esta casa do parlamento, (Apoiados.) e do que deve áquella discrição que e propria de quem tem responsabilidades officiaes, como as que impendem sobre s. exa., lavra censuras nas respostas que, sobre assumptos administrativos e diplomaticos, dá ás perguntas dirigidas pelos deputados da opposição, fazendo retaliações e dirigindo provocações, s. exa. toma a responsabilidade de só tornar acceso e demorado o debate que nem elle, Sem o parlamento, nem o paiz têem interesse algum em ver tomar essa direcção ou orientação. (Apoiados.)
Assim aconteceu quando o sr. Beirão, respondeu ao eloquentissimo discurso, como são todos os proferidos pelo meu amigo e distincto parlamentar o sr. João Arrojo, (Apoiadas.) sobre a inanidade e mysterio da politica diplomatica do actual governo. Com effeito, s. exa. não se contentou, como ora seu direito e obrigação, em mostrar, se o podia fazer, quaes os resultados obtidos pela diplomacia portugueza durante os tres annos de administração que já conta a actual situação politica; passou tudo isso em silencio, não dizendo cousa alguma, o dirigiu-se por uma forma indirecta ao partido regenerador, á ultima administração de que tive a honra de fazer parte, para a accusar de ter cedido diante de pressões, de se ler curvado ante exigencias, como se isso representasse alguma cousa de maio perigoso e mais prejudicial ao paiz do que os resultados colhidos pela administração diplomatica da actual situação politica. (Apoiados.)
Sr. presidente, um parlamentar da estatura e elevação do sr. ministro dos negocios estrangeiros não precisa, para se defender, de ir até ao arsenal velho e antigo das retaliações o precedentes politicos e parlamentares para justificar aquillo que não póde ter justificação positiva e para incriminar os seus adversarios politicos.
Mas se mais do uma vez tenho visto empregar esse processo de combate por parte dos membros da camara, e tenho escutado e ouvido em silencio essas retaliações e recriminações muitas vezes falsas ou de falseados precedentes, aos membros do governo não tenho consentido nem consentirei o emprego d'esse processo. Em primeiro logar, porque sobre elles pesa uma responsabilidade superior á de qualquer dos membros d'esta camara, e em segundo logar, o principalmente, porque nos ministros se póde suppor conhecimento de factos e de cousas que os habilitem a dar ás suas palavras uma auctoridade e firmeza que faltam á palavra de qualquer de nós. (Apoiados.)
Sr. presidente, é não só o meu timbre de deputado e de homem, mas é o meu habito e systema parlamentar, não negar nem contrariar os factos n'aquillo que têem de verdadeiros.
Não ha sophismas por mais babeis que sejam, não ha negações por mais eloquentemente desenvolvidas e preparadas que ellas possam ser, que n'um pequeno paiz como o nosso, em que todos nos conhecemos, e em que todas as cousas são do conhecimento de toda a gente, possam deixar a impressão de que é falso aquillo que tem uma existencia real, como tambem não ha calumnias, recriminações, nem violencias de linguagem, que possam fazer acreditar que é verdadeiro aquillo que repousa sobre uma base inteiramente falsa. (Apoiados.)
A administração politica de que eu fiz parte durante quatro annos, teve por vezes horas bem amargas em assumptos de natureza internacional.
Sobre factos d'esta natureza nem ninguem ganha em demorar as discussões e supposições dos seus motivos, e portanto, sem descer á analyse de cada um d'estes factos, limitar-me-hei a dizer o que não póde ser contestado, e é que quando essa situação politica deixou as cadeiras do poder, nenhum incidente diplomatico havia pendente (Apoiados.) que podesse inquietar ou sobresaltar a attenção do paiz, ou que podesse por qualquer forma tirar o somno aos ministros que lhe succederam, embaraçai-os de qualquer maneira na sua administração ou mesmo na orientação que entendessem e quizessem dar á politica diplomatica. (Apoiados.)
Se tivemos horas amargas, fomos nós que com ellas soffremos; se por vezes tivemos de nos curvar, verbo que o sr. ministro dos negocios estrangeiros n'aquella cadeira e com áquella pasta entendeu dever usar, outras nações mais fortes e poderosas o têem feito, e repito, fizemol-o por vezes em liquidação de responsabilidades que encontrámos, e não deixámos aos nossos successores uma unica para liquidar. (Apoiados.)
Oxalá todos podessemos dizer o mesmo; infelizmente a primeira vez que tive a honra de entrar nos conselhos da corôa, a grande questão que impendia sobre o governo de que eu fazia parte, que lhe amargurava a existencia, perturbava o paiz, e que foi o principal factor do nosso desastre financeiro, foi uma questão que vinha recente do tempo da administração progressista, de que fazia parte o actual sr. ministro dos negocios estrangeiros. (Apoiados.) Essa herança, sr. presidente, ou outra similhante é que nós não deixámos á actual situação politica, (Apoiados.) e o principal timbre dos homens publicos deve ser o de resolver as dificuldades e não o de as adiar, procurando deixar aos seus successoros quanto possivel circumstancias e meios para dar ao governo o estudo e a orientação que julgar mais convenientes. Isto posso dizer da ultima situa-
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cio progressista de que já então era distincto ornamento o sr. Beirão. Da actual situação politica sabe v. exa. já o que temos sob o ponto da vista da politica diplomatica do governo.
Não sei se o sr. Beirão, ou seus antecessores n'aquella pasta dentro d'esta situação tiveram ou não de curvar a cabeça em presença de qualquer exigencia ou imposição externa, e se o soubesse não lh'o vinha lançar em rosto. (Apoiados.)
Se com isso o para tivesse alguma cousa a ganhar, quer nos males que podasse, evitar, quer nas compensações a receber, fal-o-ia; mas simplesmente para ter. o prazer de amesquinhar perante o estrangeiro os governos do meu paiz de fracos e inconscientes, nunca, sr. presidente, a minha voz se levantaria para, sob uma forma de aggressão, o fazer contra os ministros presentes ou passados!
Por isso não vou indagar se a passividade em que o paiz se tem encontrado, se essa inercia lhe tem sido mais prejudicial, do que a actividade nem sempre efficaa tem sido coroada de bons resultados.
Para não deixar que a questão saísse dos seus legitimos termos, queria que ficasse bem patentemente posta a attenção de todos sobre ella, a fim do não pender valor e importancia.
A actual situação politica sob o ponto de vista diplomatico não póde negar a existencia dos factos que fizeram objecto das perguntas ou interrogações que dirigi ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.
A falta de resposta, sr. presidente, em assumpto de natureza diplomatica d'esta importancia e contextura, é uma eloquente e positiva resposta. (Apoiados.)
Não ha ministro algum que, perguntando-se-lhe se houve quem fizesse oferecimentos de emprestimos ao governo, que representa a nação portuguesa, não prefira dizer não, a vir, como o ar. ministro dos negocios estrangeiros, faltar em assistencia financeira.
Não, ha ninguem, sr. presidente, que, perguntando-se-lhe se porventura a realisação d'essa operação envolvia a consignação dos rendimentos aduaneiros de todas os nossas colonias, podendo responder não, se cale n'um, silencio Imprudente, dizendo que não conhece, nem foi communicado ao governo portuguez o texto do convenio. (Apoiados.)
Ninguem, sentado n'aquellas padeiras, e perguntando-se-lhe se, por essa communicação, poderá entender-se que fica embaraçada a acção futura do governo portuguez sobre a materia, não deseja, muito mais, podendo fazel-o, dizer não, que envolver-se n'essa tem demasiado transparente de affirmações de um completo e absoluto respeito pela soberania integridade dos nossos territorios. (Apoiados.)
Sr. presidente, tal como appareceu na imprensa periodica por, uma maneira que classifiquei do nota officiosa, classificação que o sr. ministro dos negocios estrangeiros não contestou, fica o facto de, pé, não como accusação contra o governo, parque não é como tal que quiz produzil-a, por isso que outras accusações posso fazer sem ter necessidade, de me referir a assumptos d'este melindre; fica do pé como aviso a todos que quiserem ter idéas sobre qual a situação que, o paiz atravessa, sobra, quaes os perigos que podem impender cobre elle e sobre quaes são as providencias que urge tomar desde já e não guardar para o momento a que se referiu o sr. ministro dos negocios estrangeiros, como se fosse exactamente, quando o fogo lavrasse dentro de uma casa que se deviam, tomar as precauções principaes para evitar esse incêndio, que por força havia de ser destruidor!
Sr. presidente, não quero discutir se esse facto é da responsabilidade do actual governo, se o facto da realisação do accordo se deve ter como consequencia dos actos da sua administração, não porque não tivesse o legitimo direito de o fazer, como deputado da minoria, mas porque circumatancias de, momento me prohibem de entrar n'esta materia.
Seja como for, oxalá que, quando a actual situação politica tenha abandonado as cadeiras do poder, possa dizer aos seus successores o que acabei de dizer ao sr. Beirão: Não deixamos nada que possa embaraçar a acção dos nossos successores, não fica nos horisontes da politica internacional d'este paiz nenhuma nuvem, por mais ténue e teve, que possa, n'um momento para o outro, dar origem mais temerosa tempestade.
Com isto todos terão a lucrar, com isto, sr. presidente, afastar-se-ha dos horisontes da nação portugueza o mais temeroso e implacavel de todos os desastres que sobre ella possam cair.
Eu folgaria em ouvir da boca do sr. Beirão, ou de qualquer outro ministro, a animação de que esses receios desappareciam por completo, e que absolutamente deixavam lê ser um perigo para ser unica e simplesmente uma recordação. (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, não nos illudamos; não queira o sr. Beirão dar ao parlamento e á nação uma tranquillidade que elle mesmo, faço-lhe essa justiça, não tem.
Quando uma praça está cercada, a primeira cousa necessaria e indispensavel para organisar a defeza é medir os recursos pelas necessidades, a fim de que cheguem tara o maior espaço de tempo possivel. Applique-se a analogia á situação de Portugal, e tire-se conclusão.
Vale mais isto do que chamar em soccorro da patria os esforços de todos; mais vale pensar desde já n'isto, porque a verdade é que o maior perigo para Portugal são os portuguezes; e que é na administração interna que está o perigo, e no desordenado das despesas onde se póde fundar tudo que mais haja a recear.
Sem uma boa administração financeira ninguem póde estar seguro do dia de ámanhã; e não basta ter patriotismo, é necessario proval-o, o sobretudo ter prudencia e previdencia.
Não é de hoje, porque está demonstrado desde ha muito que, se não tivermos uma administração subordinada ao equilibrio do orçamento de forma real e indiscutivel, não podemos estar seguros de podermos pagar os nossos encargos no estrangeiro, nem ter esperança de podermos viver honradamente.
Vale isto mais do que negociações diplomaticas mais ou menos irrisorias para procurar credito nas praças estrangeiras!
O perigo não póde ser desconhecido de ninguem; as circunstancias que o paiz atravessa não, podem ser de forma alguma ignoradas por quem tem interesses nos negocios publicos!
Mas o unico remedio de que podemos lançar mão não é esperar o tal momento a que se refere o sr. Beirão para nos jantarmos aqui, ou n'outra parte, a, clamar ou a berrar palavras que nada valem!
O remedio está em partir do principio de que é necessario introduzir profundas reformas, não, na propria administração publica, mas sim nos actos d'essa administração, em ordem a podermos ter um orçamento equilibrado, de forma positiva e duradoura!
Tudo que não seja isto, póde ser muito bom para discursos cheios de rhetorico, mãe não serve senão para estarmos a embalarmo-nos com esperanças e a fazer como o macaco, que tapa a cabeça quando c4e na agua, para não ver a morte approximar-se.
Esta a verdadeira situação; e quem não a quizer ver assim, não é bom portuguez.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Ministro da Negocios Estrangeiros (Francisco Beirão): - Sr. presidente o discurso que acaba de
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proferir o illustre deputado, o sr. João Franco, continha-se nos termos do aviso previo que s. exa. mandou para a mesa, mas só na apparencia, porquanto o illustre deputado fez referencias ao discurso - chamemos-lhe assim - que eu tive a honra de proferir ante-hontem, n'esta casa do parlamento, mas essas referencias foram ao que lhe pareceu ouvir mi entender, e não ao que eu disse e quiz precisamente dizer.
D'esse aviso previo tambem se deprehendia bem não se exigir da minha parte resposta alguma; comtudo, a muita consideração que me merece o illustre deputado, reforçada ainda por, mais de uma vez, me parecer ver transluzir das suas palavras suspeita de que da minha parte houvera qualquer falta para com s. exa., obriga-me a fazer algumas, mas mui poucas observações, em resposta ás que s. exa. entendeu dever fazer acêrca d'aquillo que eu disse.
Sr. presidente, como o illustre deputado me avisava pretender referir-se ao meu discurso - continuemos a chamar-lhe assim - eu que ha pouco recebi as notas tachygraphicas, as quaes ainda não revi, servi-me d'ellas a fim de apurar bem quaes as proprias palavras a que s. exa. desejava reportar-se.
O illustre deputado começou por dizer que eu, quando s. exa. me interrompeu, faltei á cortezia a que me preso nunca ter faltado (Apoiados.), procurando fundamentar essa accusação dizendo que eu tinha respondido á sua interrupção com um accentuado - não.
Não me lembrava, sinceramente o digo, de ter proferido só esse monosyllabo, mas, felizmente, estão aqui as notas tachygraphicas e leio n'ellas que, quando o illustre deputado me pediu licença para me interromper, respondi por esta forma: - "Peço perdão, mas não dou licença".
Estava no meu direito, é certo, de não permittir a interrupção, mas, antes de d'elle fazer uso, tive para com o illustre deputado a consideração de lhe pedir desculpa; isto quanto á primeira referencia.
Quanto á segunda, o illustre deputado quiz ver nas minhas palavras uma aggressão ao partido regenerador, sobretudo, á sua ultima situação ministerial.
Sr. presidente, no discurso, no proprio discurso em que o illustre deputado julgou perceber essas allegadas retaliações, pedia eu aos illustres deputados que medissem bem as responsabilidades que cada um tomava para si, só pelo facto de provocar no parlamento discussões sobre materia internacional. Por differentes vezes tenho accentuado a reserva com que entendo deverem versar-se taes assumptos. Mais. É verdade, e tem o illustre deputado rasão, sou antigo parlamentar, e creio que n'este momento sou até o mais antigo n'esta camara, mas posso dizel-o afoitamente, durante a minha vida publica, longa como ó, nunca levantei questões internacionaes no parlamento, nunca, sequer, dirigi uma pergunta a um ministro dos negocios estrangeiros, cuja resposta eu presumisse poderia ser inconveniente aos interesses do estado. Nunca o fiz, nunca! Póde o illustre deputado compulsar os registos parlamentares, examinar todos os annaes, rebuscar todas as minhas humildes e modestas palavras, que não ha de ver que eu houvesse jamais levantado ou provocado questão sobre relações internacionaes do meu paiz com as potencias estrangeiras.
Sr. presidente, eu que tenho seguido sempre esta norma, havia de vir hoje, que tenho a honra de desempenhar o melindroso cargo de ministro dos negocios estrangeiros, provocar questões d'essa ordem, e, sobretudo, referentes a assumptos mortos, e que o melhor para todos seria esquecer por completo? Não de certo. A presumpção do illustre deputado tem, pois, de ceder perante estas simples considerações.
Mas quando d'esse lado da camara se levanta alguem e me accusa de seguir uma politica mysteriosa e ao mesmo tempo tibia - o que seja dito do passagem, mal se comprehende - eu tenho o direito do perguntar, sem retaliações, sem me referir a quaesquer outros actos, mas só aos da minha gerencia, tenho o direito, repito, de perguntar onde estão os actos em que o governo tenha tido a grande desventura ou o grande infortunio de ver prejudicado moral ou materialmente o paiz?
Repito: tenho o direito de inquirir qual foi o acto, desde que a situação progressista está no poder, desagradavel e affrontoso para a nação?
Qual era, pois, o acto em que aquelle illustre deputado se fundava para fazer accusações d'essa ordem? (Apoiados.) Era esta, em sumula, a minha pergunta.
Mas o sr. João Franco não ficou só por aqui, quiz referir-se ao passado, lembrar uma data triste para a nação e acrescentou que uma situação a que eu tinha pertencido, lhe tinha legado dificuldades.
Não é exacto.
Essa situação resolveu a questão a que o illustre orador se quiz referir; podia não a ter resolvido, é certo, mas entendeu que se devia sacrificar ella e deixar o poder livre aos seus successoros (Apoiados.) e tomou sobre si a responsabilidade de um acto desagradavel, como ainda a toma hoje. Mas, sr. presidente, isso já agora é uma pagina de historia contemporanea que todos conhecemos, sobre que se fez luz e com ella justiça, mas em que julgo melhor não insistir.
Aqui estão as simples referencias feitas pelo illustre deputado; mas s. exa. habilmente, fugindo da questão do fallado accordo anglo-germano, a respeito do qual se re-apparecesse, já se poderia dizer, como o antigo poeta, Ecce iterum Chrwpinus! fez uma diversão para a administração financeira do estado, para sobre ella cair a fundo.
Creia o illustre deputado e todos os illustres deputados que podem interpellar o governo sobre a situação financeira, como sobre a situação diplomatica, porque hão de receber resposta cabal e completa.
O sr. João Franco: - Como a que receberam as minhas perguntas.
O Orador: - Vou responder em duas palavras.
O illustre deputado vê na situação financeira um perigo para o estado.
Mas o illustre deputado deve ser justo para com o governo. Pois não é sobretudo na parte especial em que a situação financeira póde colidir com as nossas relações internacionaes, não é principalmente n'essa parte que o governo tem tomado todos os cuidados para evitar qualquer incidente desagradavel para o paiz?
Eu citarei poucos factos, mas que são conhecidos da camara.
Onde poderia estar o maior perigo que ô illustre deputado quer ver na nossa situação financeira, senão n'aquella parte que constituo o pagamento da divida externa?
O que tem feito este governo? Apesar da vehemencia das accusações dos illustres deputados, a despeito das ironias, dos epigrammas, o governo tem procurado sempre fazer um convenio honroso com os portadores da divida externa, de maneira que a nossa situação se possa liquidar e entrar n'uma completa regularidade. Essas negociações continuam, mau grado, repito, os epigrammas, as ironias o até os apodos, em que as delegações respectivas são chamadas irrisorias e o governo mostrará em occasião opportuna o que fez. (Apoiados.)
Não é só isto. Em relação ao proprio pagamento de juros da nossa divida, que muitas vezes por occasião dos seus vencimentos n'um praso fixo tem apresentado, não direi impossibilidades, mas dificuldades de se fazer, este governo tomou uma providencia de terceira ou guarita ordem, mas cujos resultados são de primeira ordem (Apoiados.) O pagamento dos juros passou a ser uma operação de thesouraria. É a junta do credito publico que faz esses pagamentos, sem que o governo tenha tido a minima dificuldade para isso. Providencia de terceira ou quarta or-
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dem, repito, mas cujos resultados são de primeira ordem. (Apoiados.)
Depois os illustres deputados vinham aqui na sessão passada invocar todos os dias o serviço enorme que tinham feito, constituindo em deposito sagrado aquellas celebradas obrigações dos caminhos de ferro como recurso para pagamento de certa quantia por virtude do julgamento que um tribunal arbitral ha de proferir. E, seja dito de passagem, sempre me pareceram menos prudentes quaesquer referencias a um processo pendente e ao julgamento que hão de proferir arbitros, acima de toda a suspeita, e quaesquer manifestações de receio, pelo resultado final do pleito. (Apoiados.) Confio, certo, que aquelle tribunal ha de fazer-nos justiça, (Apoiados.) e tenho a convicção de que o resultado do pleito ha de cair, como uma desillusão, sobre aquelles que andam procurando descontal-o em nossc desabono e detrimento. Mas, emfim, desde que os illustres deputados julgaram dever constituir um deposito sagrado para assegurar esse pagamento, qualquer que elle venha a ser, pergunto: Pois este governo não resgatou essas obrigações, esses titulos não estão na posse da fazenda publica, como estavam? Então o que para vós era caso e louvor, ha de ser para nós objecto de vituperio? (Apoiados.) Como!? O que é gloria para uns, para outros ha de ser pena? (Apoiados.) Não póde ser. Não ha senão uma justiça, façam-nos a mesma que querem para si.
O outro perigo que nos podia ameaçar seria uma circulação fiduciaria que fosse alem dos limites do possivel e do rasoavel.
Que fez o governo? Por uma providencia de terceira ou quarta ordem...
O sr. Arroyo: - De quinta ordem.
O Orador: - De quinta ordem seja, o governo teimou em não augmentar essa circulação fiduciaria; resistiu, e d'essa resistencia, o que se viu? Os illustres deputado: sabem bem o que resultou.
Quem tem assim procedido, póde ter a consciencia de haver, procurado afugentar todos os perigos para que os illustres deputados vem aqui chamar a attenção do governo.
Prudencia! Devemol-a ter, por certo. Previdencia! É condição forçada dos homens d'estado.
Mas, alem d'isso, é necessario tambem ter animo, e incutir no povo confiança, em si proprio, para que se não possa dizer como o illustre deputado o disse em termos duros:, os maiores inimigos de Portugal são os portuguezes. É necessario que os homens publicos, que, como já disse n'esta camara, têem missão de almas, digam ao povo que elle vale jnaia no conceito das nações da Europa do que se julga; e em logar de vir aqui dizer-lhe que póde haver uma hora em que Portugal deva morrer de pé, convem dizer-lhe que ao paiz cumpre porfiar por viver e que para isso tem todos os recursos.
Uma nação só morre quando em vez de perseverar na lucta em que se acha empenhada se deixa tristemente abater!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - Vae ler-se um officio enviado pelo tribunal de verificação de poderes, que approva as eleições dos srs. Pedro Mascarenhas Gaivão, por Lagos, e Adolpho Loureiro, por S. Thomé.
(Leu-se.)
O sr. Presidente: - Em vista da communicação que acaba de ser lida, proclamo deputados os srs. Mascarenhas Gaivão e Adolpho Loureiro.
Constando-me estar nos corredores da camara o sr. Loureiro, convido os srs. deputados Fortuna Rosado e Vellado da Fonseca a introduzirem s. exa., a fim de prestar juramento.
Foi introduzido e prestou juramento.
O sr. Antonio Cabral: - Pedi a palavra para um assumpto estranho ao que acaba de ser discutido.
Quero chamar a attenção do sr. ministro dos estrangeiros para um facto de que s. ex a, e talvez os meus illustres collegas, tenham conhecimento pelos jornoes.
No anno passado falleceu na India, victima da peste, um medico distinctissimo, o sr. Sousa Proença, que com todo o amor se dedicara ao estudo d'essa enfermidade, e que a procurava combater com a valentia de um soldado, como realmente foi na companha que intentou contra aquelle flagello.
Infelizmente succedeu-lhe o que succcdeu aqui a esse integra da sciencia chamado Camara Pestana. O distincto medico falleceu victima d'aquella doença, e, já quasi moribundo, dirigiu a El-Rei uma petição, rogando-lha o maximo interesse pela sorte de seu filho.
Essa petição vem hoje transcripta n'um jornal da manhã, e desejo pedir ao sr. ministro dos estrangeiros que me diga, caso o possa fazer, se o governo tenciona tomar qualquer providencia de forma a melhorar a situação do filho d'este medico; porque, caso s. exa. me responda que o governo não póde tomar qualquer providencia n'este sentido, eu desejo tomar a iniciativa, como representante da nação, de apresentar á camara um projecto de lei, com
O fim de melhorar a sorte d'essa creança que hoje não tem pae, que o perdeu n'uma campanha contra a peste na India; e que não tem mãe, pois já a tinha perdido anteriormente ao fallecimento de seu pae.
Sr. presidente, se o nobre ministro não me póde informar hoje sobre este ponto, desejo que s. exa. o possa fazer n'uma das proximos sessões; porque, repito, caso o governo não possa tomar qualquer providencia n'esse sentido, desejo elaborar um projecto de lei que tenha por fim melhorar a sorte d'essa creança, projecto de lei que mandarei para a mesa, a fim de que v. exa., sr. presidente, depois das commissões darem sobre elle o seu parecer, o dê para ordem do dia e o faça discutir, e até, se for possivel, conjunctamente com outra providencia que a camara tenha de tomar com relação á filha do sr. dr. Camara Pestana.
Para esclarecer este assumpto vou ler a petição que o dr. Sousa Proença fez quando já se encontrava na agoiua da morte. É a seguinte, conforme se encontra no Diario de noticias:
"Senhor. - Emygdio Jacob de Sousa Proença, delegado de saude de Damão, depõe nas mãos de Vossa Magestade respeitosamente esta supplica.
"Nos ultimos dias de fevereiro de 1897 declarou-se em Damão pequeno a terrivel epidemia de peste bubonica, a um durou seis mezes, fazendo innumeras victimas. Em dezembro do mesmo anno recomeçou o fiagello, propagando-se em Damão grande, que anteriormente tinha sido poupado por as mais rigorosas medidas de isolamento.
"O supplioante n'esta e n'aquella crise cumpriu o seu dever de medico encarregado do tratamento dos accommettidos da peste, porem no maior accesso da lucta o supplicante que tambem agora victima da mesma doença.
"E não é de admirar, pois que visitava, por media, trinta doentes diariamente, chegando a haver dias de setenta e oitenta.
"O supplicante, no desempenho do seu tão perigoso ministerio, inspirou-se sempre nos impulsos do seu coração e nos sentimentos altruistas que a educação lhe radicara na alma, conscio de que a abnegação e solicitude com que cumpria o seu dever eram recommendadas pela sua consciencia de medico official, ao appello de tantos desgraçados que, no perdimento dos melhores e mais validos membros da sua familia, se viam reduzidos á orphandade, ao abandono, á pobreza a mais horrorosa.
"Empenhou-se na lucta sem reserva nem reflexão alguma ácerca da sua segurança pessoal, não pensando nem
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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
em honras, nem em remuneração, mas simples e puramente movido por um sentimento humanitario de salvar o maior numero de acommettidos que podesse; porem, hoje, Senhor, no seu grabato do hospital, victima tambem como tantos e não mais digno do que os outros, lembra-se o supplicante de que tem um filho!
"Caisse elle n'um campo de batalha regado de sangue, ao fumegar da pólvora; n'um enthusiasmo tambem sublime inspirado no amor e engrandecimento da patria, a perpetuar os louros dos seus heroes, a passar de mão em mão o glorioso facho da civiliaação, que tão grande e tão poderosa fez outr'ora a nação portugueza; caisse assim, e morria descansado, porque ao enthusiasmo da gloria de ter cumprido o seu sagrado dever, a troco do seu sangue e da sua vida, aliar-se-ia a satisfação do seu amor paternal, na certeza de que deixava ao pobre orphão uma pensão de sangue!
"Mas não, Senhor! O supplicante morre hoje pobre, n'uma maca do hospital, victima da peste que com afinco procurava debellar nos outros, e com a alma alanceada de acerba magua por deixar sem recursos, sem protecção e sem amparo algum, o seu filhinho de seis annos de idade, orphão de mãe e brevemente de pae! Morre, sim, com a satisfação e a consciencia tranquilla de ter cumprido, como um sacerdocio, o seu espinhoso dever, mas o seu coração de pae estremece e chora, Senhor, por ver o seu filho empolgado por cruel desventura no alvorecer da vida!
"E n'este momento de dolorissimo transe, em que a alma se apressa a deslaçar-se d'este corpo para se entregar nas mãos do Creador, o supplicante volve em prol do seu infeliz filho o seu espirito angustiado, mas sereno para Vossa Magestade, para a inclita e augusta pessoa do seu bemquisto Rei, a cuja excelsa magnanimidade vae confiar a sorte d'essa pobre orphão. E n'este pensamento consolador, do seu leito da morto dieta estas linhas que vae firmar, supplicando fervorosamente a Vossa Magestade, como uma merco especial para um funccionario que vae morrer victima da sua dedicação e do sou dever, haja por bem conceder ao filho do supplicante uma pensão equivalente á pensão do sangue de um alferes do exercito ou ao menos uma pensão suificiente para o seu sustento durante o tempo dos seus estudos em Goa e no reino. Pede a Vossa Magestado El-Rei a graça de attender ao pedido. - E. R. M.
"Damão, 1898. = Emygdio Jacoo de Sousa Proença."
Sr. presidente, v. exa. viu pela leitura que fiz d'esta commovedora petição feita pelo dr. Sousa Proença, quando já estava nas vascas da agonia, quanto ô digno do respeito e consideração do paiz um medico que morre n'estas condições, (Apoiados.) como tambem é digna da consideração do paiz a sorte da infeliz creança que o pae deixa na orphandade e na miseria. (Apoiados.) No anno passado, se bem me recordo, a camara votou uma pensão para a filha de um alferes que de febres morreu no interior da Africa; pois agora, sr. presidente, parece-me que não é menos digno do respeito, menos digno da consideração da camara (Apoiados.) o filho de um medico que morre no seu posto de honra, como aconteceu a Sousa Proença.
Ainda ha poucos dias o dr. Camara Pestana, cujo infortunio commoveu todo o paiz, morreu em igualdade de circumstancias. V. exa., sr. presidente, ha de ter lido e sabe que consta que o governo tenciona apresentar ao parlamento uma proposta de lei tendente a melhorar a sorte da filha de Camara Pestana.
Ora a meu ver o filho do dr. Sousa Proença não é menos digno da attenção do governo do que a filha do dr. Camara Pestana.
Portanto, desejava que o nobre ministro me informasse, se póde fazel-o, se o governo tenciona tambem apresentar qualquer medida que possa melhorar a sorto do filho do illustre extincto.
Creio que o sr. ministro dos negocios estrangeiros dará uma resposta cabal e completa como s. exa. costuma dar a todas as interrogações que lhe são feitas, e n'este momento permitta-me s. exa. que eu o felicite, não só pela resposta cabal e completa que deu ao aviso previo do sr. João Franco, mas sobretudo pelo brilhante discurso...
O sr. Presidente: - Peço licença ao illustre deputado para lhe dizer que faltam apenas cinco minutos para se entrar na ordem do dia.
O Orador: - Eu vou terminar, sr. presidente, mas antes d'isso, permitta-me o sr. ministro dos negocios estrangeiros que o felicite pelo discurso brilhante (Apoiados.) não só na forma litteraria, mas na magnifica exposição de idéas, que s. exa. proferiu na penultima sessão parlamentar.
Aquelle discurso firma ainda mais as tradições de estadista distincto (Apoiados.) que tem o sr. ministro dos negocios estrangeiros, mas s. exa. ainda conquistou outro trinmpho, quando respondeu ao illustre deputado e meu amigo sr. João Arroyo, que n'esta camara falla e trata sempre proficientemente os assumptos a que se refere, e costuma produzir não só nos representantes da nação, quer d'este, quer do outro lado da camara, e ainda nos ouvintes estranhos a ella, uma impressão profunda. Então o sr. ministro dos negocios estrangeiros conseguiu, não só fazer desapparecer a impressão cansada pelo discurso eloquente do sr. Arroyo, mas foi ainda mais longe, proferiu talvez um discurso dos mais eloquentes da sua carreira de parlamentar.
V. exa., sr. presidente, viu os applausos com que a maioria secundou as palavras do sr. ministro dos negocios estrangeiros.
Felicito-me, portanto, muitissimo por ter n'esta occasião ensejo de fazer justiça ás palavras de s. exa., que é não só uma gloria para o seu partido, como é tambem uma gloria do paiz.
(O orador não reviu.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Veiga Beirão): - Não tenho conhecimento do assumpto a que se referiu o meu illustre amigo o sr. Antonio Cabral a respeito de um requerimento que vem publicado no Diario de noticias. Li-o á pressa, e devo dizer que este assumpto deve competir á pasta da marinha.
Se s. exa. o sr. ministro da marinha, como os outros meus collegas, não vieram á camara, foi porque, como o illustre deputado sabe, tiveram assignatura real. Em todo o caso, se ainda hoje o encontrar, eu lhe. communicarei as considerações que o illustre deputado fez, e estou certo que elle tomará na devida conta o pedido do s. exa.
Referiu-se, depois, o illustre deputado a outro distinctissimo medico que tambem falleceu, o sr. dr. Camara Pestana.
Effectivamente, o governo ha de apresentar ao parlamento uma proposta de lei com o fim do melhorar as circumstancias da sua familia e tambem para ver se é possivel perpetuar a memoria de um homem que tonto fez pela sciencia.
Agradeço ao illustre deputado as palavras mais do que amaveis, lisonjeiras, que ha pouco me dirigiu. Foi um sentimento de lealdade dizer ao para aquillo que entendo que o paiz deve saber. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu).
O sr. João Finto dos Santos: - Communico á camara que está constituida a commissão de resposta ao discurso da coroa, sendo v. exa. o presidente nato, e tendo-me escolhido para secretario.
O sr. Presidente: - Os srs. deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa, podem fazel-o.
O sr. Sousa e Silva: - Mando para a mesa os seguintes
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SESSÃO N.° 8 DE 18 DE JANERO DE 1900 7
Avisos previos
Pretendo interrogar o sr. ministro das obras publicas com relação ás obras do molhe do porto artificial de Ponta Delgada. = Sousa e Silva.
Pretendo interrogar o sr. ministro da marinha acêrca do regulamento de pilotagem do porto de Ponta Delgada. = Sousa e Silva.
Mandaram-se expedir.
O sr. Augusto Fuschini: - Apresento o seguinte
Requerimento
Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me sejam fornecidos, com a possivel urgencia, os seguintes elementos:
1.° Nota do valor nominal dos titulos de divida publica, interna e externa, que foram creados nos annos de 1892 até 1899 inclusive, com designação das leis que auctorisaram a respectiva creação. Para cada um dos grupos de titulos, tanto internos como externos, definidos pela taxa dos juros, desejo conhecer a situação em 31 de dezembro de cada um dos annos acima indicados - 1892 a 1899, inclusive - isto é, os valores nominaes:
Em circulação;
Em cauções;
Na administração do estado;
Na posse do thesouro.
Para os titulos em caução desejo que me sejam indicadas as operações caucionadas, importancia e natureza distas operações.
2.° Quantidade de prata comprada pelo thesouro nos annos de 1893 a 1899, inclusive, copia dos respectivos contratos de compra e preço por que foram escripturadas estas quantidades, quer no ministerio da fazenda, quer na casa da moeda. Iguaes esclarecimentos peço em relação ao nickel e ao cobre, comprados para amoedar.
3.° Importancia cunhada e posta em circulação de moeda de prata e cobre nos annos de 1893 a 1899, inclusive.
4.° Importancia total em circulação das cedulas emittidas pela casa da moeda - de 50 réis e de 100 reis - em 31 de dezembro de cada um dos annos de 1892 a 1899, inclusive. = Augusto Fuschini.
Mandou-se expedir.
O sr. Moraes Sarmento: - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que, pelo ministerio da guerra, me sejam fornecidos os esclarecimentos seguintes:
1.° Numero de praças alistadas nos diversos corpos do exercito, em conformidade com o disposto no artigo 8.° do decreto de 23 de março do anno findo;
2.° Copia de quaesquer ordens não publicadas em ordem do exercito mandando suspender ou adiar a execução de algumas das disposições contidas no decreto de 4 de outubro do anno findo, relativo ao licenciamento de praças de pret. = O deputado, José Estevão de Moraes Sarmento.
Mandou-se expedir.
O sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa o seguinte
Aviso previo
Desejo interrogar o sr. ministro das obras publicas acêrca da questão vinicola. = Teixeira de Sousa.
Mandou-se expedir. i
O sr. Presidente: - Vae passar-se á
ORDEM DO DIA
Eleição de commissões
O sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição da commissão administrativa. Convido os srs. deputados a formularem as suas listas.
(Pausa.)
Fez-se a chamada.
O sr. Presidente: - Convido os srs. Vellado da Fonseca e Mazziotti para servirem de escrutinadores.
Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 62 listas, sendo eleitos os srs.:
[Ver valores da tabela na imagem]
Francisco José Machado, com
José Joaquim da Silva Amado
Martinho Tenreiro
O sr. Presidente: - Constando-me estar nos corredores da camara o sr. deputado Queiroz Ribeiro, convido os srs. Fortuna Rosado e Miguel Coutinho a introduzirem s. exa. na sala.
Foi introduzido, prestou juramento e tomou assento.
O sr. Ressano Garcia: - Mando para a mesa a seguinte
Proposta
Proponho que a commissão do orçamento seja formada por onze membros, e que se proceda simultaneamente á eleição das commissões de fazenda e do orçamento. = Frederico Ressano Garcia.
Foi julgada urgente, admittida a discussão e approvada sem discussão.
O sr. Presidente: - Vae proceder-se simultaneamente á eleição das commissões do orçamento e de fazenda, sendo a commissão do orçamento composta de 11 membros.
Convido os srs. deputados a formularem as suas listas.
(Pausa.)
Fez-se a chamada.
O sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os srs. Antonio Vellado da Fonseca e Rodrigues Nogueira.
Corrido o escrutinio para a eleição da commissão do orçamento, verificou-se terem entrado na urna 50 listas, sendo eleitos os srs.:
[Ver valores da tabela na imagem]
Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral com
Antonio Menezes de Vasconcellos
Arthur Pinto de Miranda Montenegro
Francisco Felisberto Dias Costa
Francisco José Machado
Frederico Ressano Garcia
José Adolpho de Mello e Sousa
Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla
Luiz José Dias
Marianno Cyrillo de Carvalho
Visconde de Guilhomil
Corrido o escrutinio para a eleição da commissão de fazenda, verificou-se terem entrado na urna 60 listas, sendo eleitos os srs.:
[Ver valores da tabela na imagem]
Arthur Pinto de Miranda Montenegro, com
Arthur de Sousa Tavares Perdigão
Augusto José da Cunha
Francisco Felisberto Dias Costa
Frederico Alexandrino Garcia Ramirez
Frederico Ressano Garcia
João Pinto Rodrigues dos Santos
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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
[Ver valores da tabela na imagem]
José Dias Ferreira
Luiz José Dias
Marianno Cyrillo de Carvalho
Ovidio Alpoim Cerqueira Borges Cabral
O sr. Ressano Garcia: - Mando para a mesa a seguinte
Proposta
Proponho que se proceda cumulativamente á eleição da commissão de legislação civil e de legislação criminal. = Frederico Ressono Garcia.
Julgada urgente, foi admittida á discussão e approvada sem discussão.
O sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição simultanea das commissões de legislação criminal e de legislação civil.
Convido os srs. deputados a formularem as suas listas.
(Pausa.)
Fez-se a chamada.
Corrido o escrutinio para a eleição da commissão de legislação civil, verificou-se terem entrado na urna 51 listas, tendo sido eleitos os srs.:
[Ver valores da tabela na imagem]
Antonio Guimarães Pedrosa, com
Antonio Tavares Festas
Arthur Pinto de Miranda Montenegro
Augusto Guilherme Botelho de Sousa
Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello
Francisco João de Medeiros
José Maria Barbosa do Magalhães
Luiz José Dias
Visconde de Guilhomil
Corrido o escrutinio para a eleição da commissão de legislação criminal, verificou-se terem entrado na urna 51 listas, tendo sido eleitos os srs. :
[Ver valores da tabela na imagem]
Antonio Tavares Festas, com
Arthur Pinto de Miranda Montenegro
Augusto Guilherme Botelho de Sousa
Francisco Joaquim Fernandes
Francisco José de Medeiros
João Pinto Rodrigues dos Santos
José Dias Ferreira
Luiz José Dias
Visconde de Guilhomil
Serviram de escrutinadores os srs. Antonio Vellado da Fonseca e Rodrigues Nogueira.
O sr. Presidente: - Como na sala não ha numero sufficiente de srs. deputados para a sessão poder proseguir, vou encerrar a sessão.
A proximo sessão é ámanhã, sendo a ordem do dia a mesma que vinha dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas e cinco minutos da tarde.
Documento mandado para a mesa
Justificação de falta
Declaro a v. exa. e á camara que faltei á sessão de hontem, 17 de janeiro, por motivo justificado. = Carlos de Almeida Pessanha, deputado pelo circulo n.° 22.
Para a secretaria.
O redactor = Sergio da Castro.