72 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Onde está, pois, a precipitação?
E que houve tempo para o projecto poder ser estudado, prova-o em o discurso do illustre Deputado, que, áparte a injustiça da sua critica, mostrou conhecê-lo a fundo. Mas não foi só S. Exa. a quem o tempo chegou para o estudar. Outros o estudaram também e até muito antes d'elle ser dado para ordem do dia este anno. Aqui tenho eu, por exemplo, o Diario do Governo n.° 88, de 22 de abril de 1901, onde vem publicada uma representação da Associação Commercial do Porto, sobre as propostas de fazenda que o Sr. Conselheiro Mattozo Santos apresentou na sessão transacta ao Parlamento, e nessa representação, que aliás, não é de nenhum correligionario do Governo, mas sim firmada por um honrado e considerado membro ao partido progressista, diz-se o seguinte, depois da se ter feito a critica das outras propostas, que peço licença para ler á Camara.
«Deixando a proposta n.º 5, que offerece menos interesse sob o ponto de vista especial por onde compete a esta corporação orientar o seu trabalho, segue a proposta n.º 8, que versa sobre o imposto do sêllo.
Esta proposta merece em geral a nossa approvação, á parte o exagero de algumas taxas que já veem de leis do sêllo anteriores.
A alteração de organisar a tabella geral do imposto por ordem alphabetica tambem se nos afigura digna de applauso pela facilidade na consulta que proporciona aos interesses. Haveria apenas a fazer talvez alguns reparos a respeito da doutrina consignada no fim da proposta sob o titulo de «Observações», mas por brevidade prescindiremos d'esses reparos».
Já vê, pois, o illustre Deputado Sr. Luiz José Dias que em muito menos de onze meses a Associação Commercial do Porto pôde estudar, não só a proposta que se discuto, mas todas as outras que com ella constituiram o plano financeiro do nobre Ministro da Fazenda (Apoiados)! Bastaram-lhe dois, fevereiro e março (Apoiados). Não, não houve precipitação, nem era preciso que a houvesse. Pelo contrario. O que houve foi uma larguissima e ampla discussão no seio da commissão de todos os artigos e de todas as verbas, porque se ha projecto que tenha sido estudado com escrupulo e com cuidado, é este. (Apoiados). E nem o nobre Ministro desejou nem pediu nunca outro cousa á commissão.
Se quisesse furtar-se á discussão, se quisesse publicar com precipitação qualquer lei sobre o sêllo, em vez de uma proposta como apresentou ás Côrtes, o que o Sr. Conselheiro Mattozo teria feito seria usar da auctorização que lhe dava o que lhe dá o artigo 9.° da lei vigente para restringir ou ampliar as disposições sobre o sêllo, como julgar conveniente. (Apoiados). Ora, foi isso exactamente o que S. Exa. não fez. Preferiu o fastidioso trabalho de discutir durante dias e dias na commissão a sua proposta, e bem haja por isso, por que conseguiu assim trazer á Camara um projecto de lei, que, se não é perfeito, é o menos defeituoso e o mais completo que até agora aqui tem vindo sobre sêllo.
Em seguida accusou-nos o illustre Deputado Sr. Luiz José Dias de termos reduzido as verbas sobre o luxo e perguntou quem é que tal nos pediu ou aconselhou. É certo que não citou uma só d'essas verbas, o que não admira visto estarmos a discutir o projecto na generalidade, mas quis naturalmente alludir á eliminação das taxas relativas a velocipedes e ás das honras inherentes a cargos publicos; porque, com effeito, entendemos dever supprimir a licença para uso de velocipede e as verbas que diziam respeito á carta de concelhio e ao titulo de grandeza, quando destas mercês andam adstrictas a quaesquer cargos ou funcções publicas.
Responderei a S. Exa. que quanto á eliminação da verba respeitante a velocipede, obedecemos ás indicações de leis illustres correligionados seus, os Srs. Deputados Arthur Montenegro e Homem de Mello, os quaes, o anno passado, quando aqui se discutiu a contribuição de renda de casas e sumptuaria, sustentaram, e muito bem, que eram exagerados os tributos que incidiam sobre este genero de sport, que convem desenvolver e não difficultar, pela sua reconhecida utilidade pratica. (Apoiados). E a respeito das taxas da lei actual sobre as mercês inherentes a cargos publicos, essas eliminámo-las por as consideraram mais que injustas, absurdas.
Pois que culpa, por exemplo tem V. Exa., Sr. Presidente, de que, quando chegar á Presidencia da Relação, lhe deem a carta do conselho, que V. Exa. não quer nem ambiciona, mas que ha de pagar, sem ter sequer a faculdade que todos teem de recusar dentro de 30 dias as mercês com que os agraciam (Apoiados) se a lei actual não for alterada?
Desde que a honra é do cargo e não da pessoa, nunca, a meu ver, pode nem deve ser esta obrigada ao pagamento de quaesquer impostos.
Mas a commissão, diz ainda o illustre deputado o Sr. Luiz José Dias, e foi este o seu terceiro ponto de ataque ao projecto, invocou taes cousas sobre multas, que teve a habilidade de converter a lei em arcabuz e em armadilha, e mostrou até que não conhecia a evolução dos principios penaes.
Assim será, mas pondo de parte a affirmação de que o projecto é ao mesmo tempo arcabuz e armadilha, accumulação de funcções que por demasiado subtil, não chego a comprehender; eu vou dizer á Camara o que é que fizemos sobre multas, e ella decidirá depois e não temo a sentença, quem é que ignora os taes principios evolutivos que devem reger o imposto como elemento educativo, de que nos falou o illustre Deputado, se é a commissão, que graduou as multas, se é S. Exa. que quer a applicação da mesma pena sempre, invariavelmente, seja qual for a transgressão e haja ou não haja reincidencia. (Apoiados).
Sr. Presidente: pela lei vigente a multa por qualquer transgressão é sempre o decuplo do sêllo. Ora, que fizemos nós? Parecendo-nos que não se deve punir a primeira falta com severidade igual á que merece a segunda ou terceira, estabelecemos que a primeira transgressão será punida com a multa do dobro do sêllo, a segunda com o quintuplo e a terceira com o decuplo. Quer dizer, applicamos como maximo, só na terceira reincidencia, o decuplo, que é agora a regra geral. Ora haverá nada mais equitativo, haverá nada mais justo? (Apoiados). Decerto que não.
Mas fizemos mais. Estabelecemos que, quando a apresentação dos documentos por sellar ou mal sellados for voluntaria, nesse caso a multa é só de importancia igual á do imposto devido. E fizemos isto, sabe V. Exa. porque? Pela mesma razão por que o Sr. Ressano Garcia acabou com a multa de cinco vezes o decuplo das leis de 21 de julho de 1893 e 4 de maio de 1896, imposta aos bancos e sociedades anonymas, quando transgrediam a lei do sêllo, por entendermos que não ha pena que seja proficua e util desde que está em desproporção com o delicto. (Apoiados). Mas fazendo-o, mas attenuando como attenuámos os excessivos rigores da lei actual, não mostrámos, como suppõe o illustre Deputado o Sr. Luiz José Dias, ignorar a evolução penal. Bem pelo contrario, demos provas de que conheciamos o adoptavamos esse grande principio a que chamarei de dulcificação, que parece vir desde muito regendo, a evolução das penas no nosso direito criminal e das multas na legislação fiscal.
E se não, veja a Camara como á diminuição das penas na legislarão criminal corresponde exactamente a attenuação das multas nas leis do sêllo.
No Codigo Penal de 1852 havia ainda a pena de morte, a de trabalhos publicos e a de prisão maior perpetua. Vem a lei de l de julho de 1867 e substitue-as pela pena de pri-