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N.º 9. 8.ª sessão preparatoria 1853.

Em 12 de Janeiro

EM 12 DE, PRESIDENCIA DO Sr. ROUSSADO GORJÃO, Decano.

Ao meio dia fez o Sr. Secretario Arrobas a chamada, verificando-se estarem presentes 55 Srs. Deputados.

(Pausa).

O Sr. Presidente: — Depois que se fez a chamada apenas entraram mais 6 Srs. Deputados; e como é uma hora da tarde vai lêr-se a Acta da Sessão anterior.

Foi lida a Acta contra a qual não houve reclamação.

Correspondencia.

Officios: — 1.º Do Ministerio do Reino, remettendo o caderno dos elegiveis do concelho de S. Cosmado. — Para a Secretaria.

2.º Do mesmo Ministerio, remettendo mais alguns cadernos em addicionamento aos que já foram remettidos, dos elegiveis para Deputados em differentes concelhos do Reino. — Para a Secretaria.

3.º Do Sr. Deputado eleito, Barão de Almeirim, participando que por incommodo de saude não póde comparecera algumas Sessões. — Inteirada.

4.º Do Sr. Deputado eleito, Antonio Ferreira de Macedo Pinto, fazendo igual participação. — Inteirada.

5.º — Do Sr. Deputado eleito, Julio da Silva Sanches, participando, que por negocios domesticos, e de urgencia, não tem podido comparecer na Junta Preparatoria. — Inteirada.

O Sr. Presidente: — Depois de se ter lido a Acta entraram mais alguns Srs. Deputados; e segundo o accordo tomado por esta Assembléa, visto estarem presentes 62, vou dar seguimento á votação que ficou pendente antes de hontem por falta de numero, sobre a Proposta do Sr. Santos Monteiro.

Houve, creio eu, alguma hesitação sobre a maneira de propôr, mas ninguem pediu a palavra para propôr novo modo de votação. Eu propuz que aquelles Senhores que julgam que ha maioria legal, estando presentes 62, ficavam sentados; e fiz a Proposta desta maneira, porque era evidente que o numero que se levantasse, era aquelle que rejeitava a Proposta. Conseguintemente vou agora propôr deste mesmo modo, na certeza de que os Senhores que se levantarem, são aquelles que intendem que para se; constituir a Junta é necessario a maioria absoluta de 131 que o Decreto Eleitoral manda eleger no Continente do Reino, a os que ficarem sentados, os que intendem que basta a maioria absoluta relativa ao numero que já está eleito; isto é 62, que é a maioria dos 123 actualmente eleita. Deste modo intendo que fica regular a votação.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Mas v. Ex.ª nesse numero quer contar os Deputados do Ultramar?

O Sr. Presidente: — Isso é uma questão secundaria, e era já a minha opinião, ainda que á não posso aqui exprimir, quando n'outro dia m que se queria complicar essa com a que agora se vai votar. Por consequencia, eu vou propôr agora a primeira questão, isto é, se o numero de 62 basta para nos constituirmos em Junta Preparatoria, e depois de resolvida esta, é que havemos tractar do que diz respeito aos Srs. Deputados do Ultramar.

Submettida á votação a Proposta do Sr. Santos Monteiro, venceu se que 62 formam a maioria legal para poder constituir-se a Junta Preparatoria.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu peço a v. Ex.ª que note o seguinte: a questão não está decidida, e por isso eu queria até certo ponto oppôr-me a esse trabalho que tivemos. O que é que conseguimos? Está a Junta constituida? Não está, porque ainda agora vamos a vêr, se os Deputados do Ultramar podem votar; por consequencia fizemos um trabalho esteril e inutil, e a Camara está muito enthusiasmada por uma cousa que não vale, porque se fez uma votação, que não teve resultado?

O Sr. Presidente: — Agora é que se vai tractar dessa questão, e eu convido o Sr. Conde da Lousã a vir tomar o logar de Secretario, visto que o Sr. Arrobas quer tomar parte nesta questão

O Sr. Jeremias Mascarenhas: — Pedi a palavra sobre a ordem, para saber se ha alguma Proposta formulada para se discutir, afim de se não divagar, e se tractar de uma cousa certa e determinada. Parece-me que era conveniente que os Srs. Deputados, que quizessem promover esta discussão, apresentassem uma Proposta por escripto, porque sendo verbal dá logar a confusão. Por consequencia peço que a Meza me esclareça, se existe alguma Proposta por escripto a este respeito, e não a havendo, que v. Ex.ª convide os Srs. Deputados que querem promover a discussão, a apresentar a sua Proposta.

O Sr. Presidente: — Vai lêr-se o Requerimento do Sr. Arrobas.

Foi lido na Meza, céo seguinte Requerimento: — Requeiro que se consultem os Senhores presentes sobre se devem ou não contar-se os Deputados do Ultramar para constituir a Junta Preparatoria. — Arrobas.

O Sr. Santos Monteiro: — Eu desejo apresentar um Requerimento em substituição a esse, porque esse não póde ser agora discutido. O meu Requerimento é uma nova pergunta, para que a Junta decida, se; intende que os Deputados do Ultramar devem ou não fazer parte della, e isto é differente da Proposta que está sobre a meza. O Requerimento do Sr. Arrobas foi apresentado antes de nós termos assentado em qual havia de ser o numero, que deve constituir a Junta Preparatoria, e agora a questão é saber se os Deputados do Ultramar fazem parte da Junta ou não. Eu intendo que sim.

O Requerimento foi apresentado em uma hypothese, que já desappareceu, porque já se sabe quantos Deputados eleitos pelo Continente são precisos para nos constituirmos em Junta; e sendo o Requerimento do Sr. Arrobas para saber se esses Deputados do Ul-

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tramar podiam influir nessa votação, isso já está vencido: agora a questão é saber se esses Deputados podem ser contados para se constituir a Junta. (Vozes: — E a mesma cousa) Não e; eu peço que se leia a Proposta do Sr. Arrobas.

O Sr. Presidente: — Eu peço aos Srs. Deputados eleitos que não usem da palavra, sem lhes ser concedida pela Meza, porque assim prejudicam os outros Senhores que a tem pedido. Se o Sr. Santos Monteiro quer fallar sobre a questão, eu o inscrevo para em tempo competente fazer uso della, mas agora não póde continuar, porque ha outros Senhores inscriptos primeiramente.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. Presidente, no fim de contas, quer nós estejamos a discutir, quer estejamos calados, não ha Junta, porque a não póde haver, e é notavel que estejam aqui a embrulhar uma questão, de sua natureza facillima, e de uma intuição clarissima, como a luz do Sol. Os Srs. Deputados do Ultramar são já Deputados feitos, e nós somos projectos de Deputados: por consequencia não ha paridade entre elles e nós, e a Junta Preparatoria não póde compôr-se, senão de Deputados eleitos, e não dos outros Deputados.

Mas, Sr. Presidente, se esta questão fosse duvidosa, o Decreto de 30 de Setembro tinha-a resolvido. O que diz o Decreto de 30 de Setembro? Que a Junta Preparatoria ha de ser constituida com metade e mais um dos Deputados eleitos pelo Continente do Reino; portanto, em quanto aqui se não apresentar uma summidade e alta intelligencia que me prove que Moçambique, Gôa e Angola, pertencem ao Continente de Portugal, em quanto me não provarem que Bissau, Cacheu, Cabo-Verde pertencem ao Continente do Reino, não é possivel que os Deputados por ahi eleitos façam parte da Junta Preparatoria. E não quer a Junta que eu me admire de ver estar a gastar tempo com uma questão inutil, e que nos não illustra em cousa alguma.

Sr. Presidente, eu disse aqui, em outra Sessão, que alguns, não são todos, que alguns Srs. Deputados eleitos não podiam estar aqui em presença das disposições do Decreto Eleitoral: intendeu-se á fortiori que eu queria dizer com isto, que não reconhecia, nem aptidão, nem intelligencia nos Deputados eleitos. Não foi essa a minha intenção. A minha intenção é uma intenção legal, e não tem nada com a intelligencia moral, nem com os Cavalheiros eleitos por estas localidades, porque a minha resolução é não irrogar censura a ninguem, e porque não quero trazer para aqui scenas de pugillato. Quando tenho com alguem de que me desaffrontar, é lá fóra. Por consequencia intenda-se bem que eu venho aqui para discutir e não para brigar, porque se eu quizesse dizer injurias, tinha bastante decisão para as dizer lá fóra. Isto é uma satisfação que eu quero dar para ficar de todo conhecido. Eu, do primeiro relance, fico logo conhecido; mas ha muita gente que não me quer conhecer; agora fico conhecidissimo. (Riso.)

Portanto a questão está reduzida a um termo muito simples e claro. Se os illustres Cavalheiros querem que os Deputados do Ultramar façam parte, ou sejam contados, para se constituir a Junta Preparatoria, provem-me primeiro que o Ultramar pertence ao Continente do Reino: em quanto o não provarem, não podem estes Deputados fazer parte da Junta Preparatoria.

O Sr. Arrobas: — Sr. Presidente, ouço dizer que o artigo 102.º do Decreto Eleitoral é, clarissimo; ouço dizer que é evidente serem necessarios 66 Deputados eleitos para se constituir a Junta; e no entretanto tambem ouço dizer a alguns Srs. Deputados que o numero 62 e aquelle que deve formar a maioria, por ser isso clarissimo no Decreto Eleitoral. Tractarei de demonstrar que não é tão claro, que não é tão evidente como se pertende.

Por consequencia, Sr. Presidente, eu digo que se não deve olhar unicamente á letra do Decreto, porque d'ahi resulta um absurdo, mas que se deve olhar ao seu espirito; e que sendo o Decreto formulado com o fim de facilitar a constituição da Junta Preparatoria, não póde dar-se-lhe nenhum sentido, que traga em resultado a possibilidade de difficultar esta constituição.

O Sr. Deputado Cunha Sotto-Maior diz, que a Junta Preparatoria é uma reunião de Deputados eleitos, e que os Deputados do Ultramar não devem fazer parte ou serem contados para se constituir a Junta Preparatoria. Admitto esse principio; até mesmo me fariam muito favor, porque tenho bastante que fazer fóra da Camara; mas no que me não conformo é com a razão que dá S. Ex.ª de que os precedentes estabelecem que os Deputados do Ultramar não devem fazer parte da Junta Preparatoria. Nunca os Deputados do Ultramar se excluiram da contagem para se formar a Junta Preparatoria. Eu intendo que a Junta Preparatoria não é só a reunião dos Deputados eleitos (pelo menos não o tem sido ale aqui) é a reunião de todos os Deputados que tem um Diploma, e em quanto se não disser que o diploma não está regular, deve suppôr-se que o Deputado está legalmente eleito, e que tem direito a tomar parte nas deliberações, e ser contado para todos os effeitos.

Pois, Sr. Presidente, que objectos tem a Junta Preparatoria a tractar? Declarar um facto evidente. A Junta declara que ha tantos diplomas, sobre cujos diplomas não póde haver duvida, e lera preenchido o seu fim constituindo se em Camara.

Ora, Sr. Presidente, eu quando apresentei esse Requerimento (devo ser franco), não foi por me julgar offendido se não fizesse parte da Junta; foi porque queria facilitar a constituição da Camara, e lermos a vantagem de ir formando as Commissões, poupando tempo, e durante que as Commissões iam examinando os diplomas e os documentos eleitoraes, chegavam os demais Deputados, e constituia-se a Camara. Eu julgo que quando se apresenta um principio, que, applicado de outra maneira, dá em resultado um absurdo, deve dar-se uma outra interpretação, e não devemos cingir-nos unicamente á letra do Decreto.

Em quanto ao argumento do Sr. Cunha, de que para se admittir a contagem dos Deputados do Ultramar e preciso provar que as nossas Possesôes do Ultramar pertencem ao Continente — digo a S. Ex.ª que nego a definição de Junta Preparatoria, que S. Ex.ª lhe deu; e negando-lhe a definição, não preciso dizer, se Gôa ou Angola estão no Continente.

Sr. Presidente, a questão que eu apresentei, era aquella que devia ter-se tractado muito antes; e assim ter-se-ía evitado toda esta discussão, porque de nada servia saber-se, se havia de ser o numero de 66 ou 62 aquelle com que se devia constituir a Junta Preparatoria, em quanto se não decidisse, se na con-

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tagem entravam ou não os Deputados do Ultramar. Eu declaro que se elles não forem contados para se constituir a Junta Preparatoria, eu não me considero Membro da Junta, e por consequencia não venho aqui sentar-me, em quanto se não constituir a Camara, por que eu intendo que podem seguir-se muitos absurdos de não ser contado um Deputado n'um dia, para se constituir a Junta, e conta-lo depois; por que no primeiro dia, por exemplo, constituia-se a Junta Preparatoria, por que estavam presentes 62 Deputados do Continente e não estavam os do Ultramar; ámanhã abria-se a Sessão com 62 Deputados, e logo depois fallavam um ou dois Deputados do Continente, e não se podia funccionar porque os do Ultramar não podiam ser contados; porque se não havia necessidade delles para se constituir a Junta, tambem não havia necessidade delles para trabalhar. Attenda-se aos absurdos, que d'aqui se seguem! Assim era muito possivel que depois de constituida a Junta Preparatoria, muito tempo não funccionasse; e não era possivel que fossem chamados para fazer numero, a fim de se abrir a Sessão, e que não fossem depois contados para a votação.

Ora eu quiz dar outra interpretação ao artigo, differente da que lhe dá o Sr. Cunha, porque pela minha parte não vejo que elle seja clarissimo, como tenho ouvido dizer; e suppondo o unico fim que podia haver na sua adopção o facilitar a Constituição da Junta Preparatoria; vendo mais que essa interpretação não involve em si absurdo algum, antes pelo contrario não faz senão satisfazer ao fim que de certo o Legislador teve em vista, não tenho duvida em continuar a sustentar esta opinião, de que os Deputados do Ultramar devem ser contados no numero dos 62, e que podem tomar parte nos trabalhos da Junta Preparatoria.

Qual é a razão por que o Legislador substituiu o numero de 62, ao de 80, que a Lei anterior exigia para se constituir a Junta? Não foi senão por que viu a difficuldade de reunir esse numero de 80; por consequencia substituiu-o por 66, que era a maioria absoluta dos Deputados eleitos pelo Continente, e que a Junta agora tornou ainda mais facil reduzindo-o a 62, maioria absoluta dos Deputados já eleitos no Continente. Ora se se seguisse a opinião dos srs. Deputados eleitos, que sustentam a doutrina contraria, podia dar-se o absurdo que, estando reunida a maioria absoluta dos Deputados de todo o Reino, isto é 80, ainda assim a Camara não podesse funccionar, por não estarem presentes 66 do Continente. Para que tal absurdo se não dê, é que eu fiz a minha Proposta, e continúo a sustenta-la, por estar intimamente convencido de que nisto não faço mais do que ir conforme com a doutrina do Legislador quando fez este Decreto, que foi facilitar a Constituição da Junta Preparatoria.

O Sr. Santos Monteiro: — Eu fui o auctor de toda esta palestra, e por isso tenho precisão de me explicar, e fazer vêr a intelligencia que dou ao artigo 102 do Decreto Eleitoral, que não fiz, mas que tenho de o acceitar tal qual como está. Este numero de 62, que eu intendo, e que esta Junta já intendeu necessario para se poder constituir em Junta Preparatoria, não exclue, na minha opinião, os Deputados eleitos pelo Ultramar de funccionarem. O que diz o Decreto é, que para se poder constituir a Junta era necessario que d'uma certa quantidade de Deputados eleitos, estivesse aqui um certo numero, mas não exclue os outros. Para a Junta poder começar a funccionar era necessario que aqui se reunisse metade e mais um dos Deputados eleitos paio Continente. Ora como a Representação Nacional se compõe de Deputados eleitos pelo Continente, Deputados que hão-de ser eleitos pelas ilhas, e Deputados do Ultramar, era preciso que estivessem aqui reunidos todos ao mesmo tempo os Deputados eleitos pelo Continente do Reino, e que se fizessem as eleições nas ilhas com muita antecedencia, e o mesmo no Ultramar, para se poder contar a maioria absoluta, sem se fazer referencia só ao Continente; de outro modo não podiam cá estar na época marcada para a abertura da Camara. (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Está argumentando com o que não existe) Estou argumentando como intendo, e não me imporia que ámanhã lá fóra, em logar de me chamarem Demosthenes me chamem Mirabeau. (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Era grande injuria!) Eu desejo dizer as cousas, como as intendo, e se o Sr. Antonio da Cunha veiu ha 6 annos para aqui, eu não vim ha mais tempo, porque não quiz, e está na Sala quem sabe isto perfeitamente. Hei-de dizer as cousas como as souber dizer.

Declaro que não fiz o Decreto Eleitoral, não sei se hei-de votar por elle; mas se elle estiver carregado de absurdos, eu ainda que vote por elle, não hei de deixar de usar do direito que me dá a Constituição para, como souber, lhos tirar. Mas vamos á questão.

O artigo 102 do Decreto Eleitoral exige que esteja reunido um certo numero de Deputados Eleitos pelo Continente, sem o qual a Junta se não póde constituir para funccionar; e eu na minha opinião intendo que se deve funccionar com esse numero de Deputados eleitos, mas incluindo tambem os Deputados, não só eleitos, mas já confirmados, de toda a Monarchia, nem podemos deixar de o intender assim, aliás negariamos os nossos proprios factos. Ignorava a Junta que os Srs. Secretarios eram Deputados do Ultramar? Pois a não ser esta a interpretação que se deve dar ao artigo 102 do Decreto Eleitoral, qual é a razão, porque consentiu que na Meza se sentassem nada menos de dois Deputado do Ultramar? Consentimos que se sentassem, porque desde o principio temos intendido este artigo sempre neste sentido. Por consequencia não ha razão, não vejo principio algum pelo qual nós possamos excluir d'aqui os Deputados que além de eleitos tem a confirmação. Se o fizessemos, estavamos em contradicção com os nossos proprios actos, consentindo que os Deputados do Ultramar se sentassem na Meza.

Agora pergunto eu: o que teem feito todas as Juntas Preparatorias? Impediram já alguma vez de funccionar os Deputados do Ultramar? Ninguem o dirá; e este Decreto Eleitoral não lira direitos já adquiridos pelos Deputados do Ultramar. Este Decreto, como disse o Sr. Avila, é de certo modo um Regimento interno da Junta Preparatoria, mas não revoga nada do que selem aqui praticado; e eu não vejo que elle prohiba aos Deputados do Ultramar usarem de um direito, que elles adquiriram primeiro do que nós.

Ajuda mais: além de haver Deputados pelo Ultramar, ha, ainda que não estão na Sala, mas estão em Lisboa, Cavalheiros eleitos pelo Ultramar, a

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quem nós não podemos de modo algum fechar estas portas, porque têem um titulo tão legitimo como o nosso; e se aqui vierem não terão elles direito a tomar parte fios nossos trabalhos preparatorios? Pois se os Deputados eleitos tem direito a tomar parte nos trabalhos da Junta Preparatoria, aquelles que tem um titulo muito mais legitimo do que o nosso, não o hão-de poder fazer? Ninguem o dirá. Creio que não haverá quem combata estas razões, e se se apresentarem algumas em contrario disto que sejam melhores, e que me convençam, desde já declaro que as aceito, porque o meu unico desejo é acertar, e sei ser docil para não insistir na minha opinião, quando me convenço que é errada, e já dei provas disso, quando ainda ha pouco me pareceu que o Sr. Arrobas tinha levado a questão para outro ponto, para onde eu a não queria levar.

Depois do que fica dito, parece-me que não ha questão nenhuma, nem a póde haver.

O Sr. Guerra Bordalo: — Sr. Presidente, está em discussão o requerimento feito pelo meu nobre Amigo p Sr. Arrobas, que diz assim (Leu).

E este requerimento que eu vou discutir; e talvez comece por fazer algumas observações, que pareçam alheias a esta questão; entretanto se esta Reunião tiver a bondade de me escutar como eu espero, Verá que estas observações prendem com o requerimento que está em discussão.

Entrei para esta Caza com a intenção de provocar uma declaração da Meza, que tinha por fim saber quantos Srs. Deputados eleitos tem comparecido ás Sessões, desejando que»o publicasse no Diario do Governo o numero dos Srs. Deputados que se tinham apresentado; porque estou persuadido que em Lisboa ha numero sufficiente, até muito maior não só de 62, mas de 66, e talvez de 70, para se constituir a Junta Preparatoria; e que erradamente estão persuadidos alguns Senhores que não ha este numero. É talvez por esta persuasão que não têem apparecido, esperando que chegue o Vapôr que ha de trazer alguns Srs. Deputados do Norte, e assim intendem que só depois de chegar o Vapôr é que se poderá constituir a Junta Preparatoria. Entretanto se tão verdadeiras as informações que tenho recebido, estou persuadido que na Capital existem mais de 62 e mais de 66, e mais de 70 (Uma voz: — 76) 76 ouço eu dizer que estão agora, e logo que conste que estão em Lisboa 76 Srs. Deputados, eu faço justiça ao seu zelo, estou persuadido que nenhum deixará de comparecer, e apresentar-se para poderem começar os trabalhos. Isto creio que satisfará não só a esta Reunião, mas hade satisfazer necessariamente o Paiz que deseja que os nossos trabalhos comecem.

Ora começando eu por fazer esta declaração, e provocando tambem a declaração da Meza sobre o numero dos Srs. Deputados que se tinham apresentado, intendi que excitando esta maneira o zêlo dos Srs. Deputados, que não obstante terem-se apresentado, não têem depois comparecido, elles compareceriam, e que comparecendo, nós evitavamos toda esta questão que se tem suscitado sobre se eram necessarios 62 ou 66; e ainda que isto já esteja resolvido, se tivessem comparecido os 66, ninguem já punha em duvida que a Junta se podia constituir, e talvez se tivessem comparecido tambem ninguem teria posto em duvida, se os Srs. Deputados do Ultramar deviam ou não ser contados para se constituir a

Junta Preparatoria, e por consequencia para tomar parte nas suas deliberações. É por isso que eu dizia, como disse nó principio, que prendiam estas observações, que eu tinha a fazer, com o requerimento que está em discussão.

Discutindo agora directamente sobre o mesmo requerimento, eu sinto muito não poder tirar uma conclusão inteiramente conforme com a do seu auctor; ainda que me parece que não estamos era idéas e sentimentos muito distantes um do outro.

Sr. Presidente, não tenho duvida alguma em dizer precisa e claramente que me parece que os Srs. Deputados do Ultramar, posto não possam ser contados para se constituir a Junta Preparatoria, devem comtudo tomar parte nas suas deliberações. Eu creio que vou demonstrar com a Lei, que esta conclusão é a unica que se póde tirar em presença dos argumentos, que eu vou fazer, e tambem da resposta, que vou dar aos argumentos por absurdo que se apresentaram em sentido contrario.

O Artigo 102 do Decreto Eleitoral diz: = Logo que se tenha reunido a metade e mais um dos Deputados eleitos pelos circulos do Continente do Reino, constituir-se-hão em Junta Preparatoria.

E evidente que o Decreto exige para se constituir a Junta Preparatoria, que tenham comparecido metade e mais Um dos Deputados eleitos pelo Continente, mas isto é para se constituir a Junta Preparatoria, comtudo ainda que o Decreto diz no artigo 102 Deputados Eleitos pelos circulo do Continente do Reino, isto é exige metade e mais um dos Deputados eleitos pelos circulos do Continente do Reino; para se constituir a Junta, neste artigo não diz se os Deputados do Ultramar podem ou não tomar parte nas nessas deliberações. Entretanto não é necessario ir muito longe para encontrar uma disposição relativamente aos Srs. Deputados do Ultramar; por que no artigo 113 do mesmo Decreto diz-se:

Os Deputados que tomarem assento na Camara pelas Provincias Ultramarinas em uma Legislatura, ou tiverem sido eleitos para ella, continuarão na seguinte, ou seguintes, até que sejam substituidos pelos seus successores.

Por consequencia temos o Decreto neste artigo estabelecendo que os Srs. Deputados pelo Ultramar, que já serviram na Camara anterior, podem tomar parte nas nossas deliberações não só da Junta que tem de Se constituir com os Srs. Deputados Eleitos pelos circulos do Continente, mas da Camara.

Nem eu vejo que haja os absurdos que se apontaram, não sei que seja necessario provar que Angola pertence ao Continente, para provar que os Srs. Deputados do Ultramar devem tomar parte nas nossas deliberações. Logo que a Junta esteja constituida, não acho tambem absurdo algum em que os Srs. Deputados do Ultramar tomem parte nas nossas deliberações, e comtudo não possam ser contados para se constituir a Junta. E sem duvida este um dos argumentos mais fortes que se apresenta, ou que parece que faz mais algum effeito, parque se diz — é realmente um grande absurdo não se contarem logo e contarem-se ámanhã. Pois hoje não havemos de contar, e ámanhã podem-se contar os Srs. Deputados pelo Ultramar para tomarem parte nas nossas deliberações! O mesmo argumento se podia applicar aos Srs. Deputados, que tiverem de comparecer e ainda não compareceram; de certo que elles não hão

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de ser contados para se constituir a Junta, porque não estão aqui na Sala; com tudo logo que appareçam a tomar parte nas nossas deliberações, embora não possam ser contemplados para se constituir a Junta, hao-de ser contados para essas deliberações. Por consequencia que absurdo é que contemos os Srs. Deputados pelo Ultramar, para tomarem parte nas nossas deliberações, direito que não lhes podemos negar, e que os não contemos para se constituir a Junta Preparatoria? Não ha de certo nisto absurdo algum.

Mas, como já disse, se não era necessario demonstrar, se Angola pertencia ao Continente ou não, para se saber se os Srs. Deputados pelo Ultramar haviam de votar ou não; o que era necessario demonstrar, era que a Lei negava aos Srs. Deputados do Ultramar o direito, que nós não lhes podemos negar, nem a Lei lhes nega de tomarem parte nas nossas deliberações, para se concluir que não podiam ser contados para deliberar: logo que a maior do sylogismo fosse, que os Srs. Deputados do Ultramar não podem votar, por que a Lei lhes não concede este direito, então é que se podia dizer que os Srs. Deputados do Ultramar não podiam tomar parte nas nossas deliberações; porém não ha Lei que tal diga; a Lei que manda que elles se não contem para se constituir a Junta Preparatoria, é o artigo 102 do Decreto; todavia não ha Lei alguma que lhes negue o direito de votar e deliberar, e se não ha Lei neste sentido, tambem não lh'o podemos negar, embora não os contemos para se constituir a Junta Preparatoria. Por tanto e possivel que não exista o absurdo que se apontou.

Não acho tambem absurdo que a Lei diga, que os Deputados, que pertencem já a uma Camara constituida, não possam ser contados para constituir uma Junta Preparatoria que tenha logar depois da Camara para que elles hajam sido eleitos; e que a Lei queira que sejam só Deputados novos, isto é, os que foram eleitos, aquelles que constituam a Junta. O fim que o Legislador teve em vista, posso eu ignora-lo; porém seja este ou não, o que é certo e que do espirito e lettra da Lei vê-se que os Deputados do Ultramar não pódem ser contados para constituir a Junta. Porem não acontece assim quanto á segunda questão; porque em quanto a esta a Lei não nega, de modo algum aos Deputados do Ultramar o direito de tomarem parte nas deliberações da Junta depois d'ella constituida.

Estou certo que o Legislador quando no artigo 102 fallou só em Deputados eleitos do Continente, foi por que suppôz, que não era possivel que quando comparecessem os Deputados eleitos pelo Continente, comparecessem ao mesmo tempo os do Ultramar; é impossivel acontecer isto; por que todo o mundo sabe que entre o acto da eleição e o da reunião das Côrtes nunca medeia um espaço sufficiente para virem aqui os Deputados eleitos pelo Ultramar, na época em que se reune a Camara; e por isso muito bem andou o Legislador, quando determinou, que os Deputados do Ultramar entrem não só na Camara para que foram propriamente eleitos, mas nas posteriores até serem legalmente substituidos pelos seus successores, e por isso em quanto aqui se não apresentarem novos Deputados pelo Ultramar, eleitos em virtude do mesmo Decreto, pelo qual nós fomos, os que actualmente são Deputados por aquellas Provincias continuam, e ainda que não sejam contados para perfazer o numero que se reputou legal para constituir a Junta, visto que esse numero deve ser composto dos Deputados eleitos pelos circulos do Continente do Reino; com tudo a Junta logo que esteja constituida, continuam a ter nella assento os Deputados pelo Ultramar, e deliberam conjunctamente com elles. E neste sentido que eu creio que á primeira vista parecendo estar muito distante do meu nobre amigo o Sr. Arrobas, quanto ao seu pensamento, com tudo nas nossas idéas nos aproximamos muito.

Terminando digo, que eu intendo que não devem contar-se os Deputados do Ultramar para constituir a Junta Preparatoria, com tudo que depois se lhes não póde negar o direito de tomarem parte nas nossas discussões, e tomarem tambem parte nas nossas deliberações (Apoiados).

O Sr. Rivara: — Duas questões tem sido ventiladas nesta Assembléa: — Primeira — qual deve ser o numero legal, com que se deve compor a Junta Preparatoria?.. Esta questão já a decidiu a Junta, e eu nada tenho que dizer a este respeito. Segunda questão, e d esta actualmente a que serve de thema apresente discussão, — se os Deputados do Ultramar podem e devem ser contados para o numero legal?.. Ouvi dizer, que era bem claro o artigo 102 do Decreto Eleitoral de 30 de Setembro de 1852; mas eu intendo que não é tão claro que não se tenham apresentado já tres interpretações ao mesmo artigo.

Primeira — que os Deputados do Ultramar nem podem tomar logar na Junta, nem tomar parte nas suas discussões e deliberações depois da constituida. — Escuso de gastar tempo e palavras para affirmar á Assemblea, que eu de nenhuma maneira posso conformar-me com esta interpretação dada ao artigo 102.

Segunda, e é a que tem actualmente mais votos a seu favor — que os Deputados do Ultramar podem e devem estar na Casa; não podem com tudo entrar na conta para perfazer o numero que se reputou legal para se constituir a Junta Preparatoria.

Eu voto por consequencia dar uma terceira interpretação no artigo 102, porque enfim cada um dá a que lhe parece melhor; a que eu vou dar é para mim bem clara, e é das coizas mais naturaes que as idéas sejam sempre claras para cada um que as tem. Direi pois, como terceira interpretação, — que os Deputados do Ultramar devem entrar na contagem do numero de 63, que se reputou legal para se constituir a Junta Preparatoria, e que os Deputados do Ultramar sendo, como são, pelo menos tanto como os Deputados eleitos, não quero dizer que são mais, porque não entro nessa questão, mas sendo Membros desta Caza, como nós Deputados eleitos, têem, pelo memos Decreto Eleitoral, iguaes direitos, dando até a devida significação e applicação á disposição do artigo 113.º do mesmo Decreto, pelo qual elles se conservam na Camara desde a primeira Junta ou Camara em que elles tomaram parte ale sê reunir outra Junta ou Camara na qual têem de funccionar e votar, como funccionaram e votaram na primeira para que foram eleito, até que sejam competentes e legalmente substituidos pelos seus successores. Digo, pois, que para mim é claro que tendo elles iguaes direitos aos de nós outros não vejo razão para os quererem lançar fóra não só do numero dos 62, reputado legal para constituir a Junta Preparatoria,

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mas tambem obstar a que estejam aqui e tomem em parte nas nossas discussões e votações, tanto mais quando até elles têem obrigação de estarem na Camara ou Camaras até que cheguem os seus supplentes.

Não quererem contar os Deputados do Ultramar no numero de 62 para constituir a Junta, e demais a mais não se querer que façam parte da Junta depois de constituida, e tomem parte nas suas decisões, é, na minha opinião, uma coisa contra o espirito e lettra do Decreto no artigo citado; por que o artigo 102 diz, — Logo que se tenham reunido metade e mais um dos Deputados eleitos pelos circulos do Continente do Reino, constituir-se-hão em Junta Preparatoria. — Parece-me que isto quer dizer, que logo que entrem nesta Casa os Membros que n'ella podem ter assento neste numero de metade e mais um que se reputa necessario para se constituir a Junta, ella se deve constituir, e tomarem parte nas suas discussões e deliberações os Deputados presentes, ainda que esse numero de 62 seja composto de Deputados do Continente. O artigo não falla senão do numero.

Resumindo concluirei, dizendo, que os Deputados do Ultramar podem constituir-se para entrarem no numero de 62, que se reputou legal e sufficiente para se constituir a Junta, por que elles têem iguaes direitos a nós; e sendo tanto Membros da Assembléa como nós outros, devem tambem tomar parte nas discussões e deliberações da Junta Preparatoria. O contrario disto é odioso, por que me parece não estar nem no espirito, nem na letra do Decreto Eleitoral. (Apoiados)

O Sr. Jeremias Mascarenhas: — Sr. Presidente, sou já Deputado antigo; sou já sobejamente conhecido; não tenho necessidade de me inculcar, e por isso não tinha empenho em tomar parte nas primeiras discussões desta Junta; devia deixar campo para os Srs. Deputados eleitos, que são novos, poderem satisfazer a natural propensão, que todos temos, de sermos conhecidos do publico, quando pela primeira vez nos apresentamos em scena publica. Devia pois abster-me de tomar parte neste debate, mas sou um dos Deputados pelo Ultramar: a questão respeita aos Deputados em geral passados e futuros daquellas provincias, a resolução della ha de ser um precedente, que por ventura deva poderosamente influir nas decisões das Juntas Preparatorias das Legislaturas seguintes.

E conveniente por isso, que a causa não corra á revelia; que haja um protesto contra a decisão da Junta, se fôr contraria aos direitos dos Deputados pelo Ultramar; pela contestação das razões infundadas, com que se pertende cercear os direitos, aliás incontestaveis, dos Deputados pelo Ultramar para tomarem parte nas deliberações da Junta.

Entro pois neste debate e fallarei nelle precisa e resumidamente, não só para não tomar-me fastadioso á Junta, mas tambem para satisfazer aos meus amigos, quê me pedem brevidade. Não seguirei os meus adversarios a passo e passo; mas para haver precisão e clareza no debate, em que vou entrar, dividirei a discussão em duas partes; na primeira examinarei, se os Deputados pelo Ultramar, a pezar da letra do artigo 102.º do Decreto Eleitoral de 30 de Setembro ultimo devem ser contados para fazerem o numero marcado para se constituir a Junta Preparatoria; na segunda examinarei se, supposto mesmo que não devam ser contados para este numero, podem elles tomar parte nas deliberações da Junta Preparatoria.

Não tenho a fortuna de ser formado em Leis, mas tenho por curiosidade lido as obras de alguns Júris-consultos; tenho alguma noção de Hermeneutica juridica, e seguindo esta, a interpretação das Leis é de duas qualidades, uma authentica, outra doutrinal esta ou é lala e extensa, ou restricta e limitada, ou declaratoria. A lala é, quando a disposição da Lei se extende para mais do que parece significar a letra da Lei, a fim de se attender ao espirito da mesma. A restricta é, quando o sentido se limita para menos, do que significa a letra, e a declaratoria, quando o sentido se não amplia, nem restringe, mas se toma exactamente conforme a natural significação das palavras. Esta é a doutrina corrente, como sabem os Srs. Jurisconsultos, que se assentam nesta Casa, a quem peço perdão, se metto a fouce na seara alheia;, mas faço-o por precisão, e parecer-me necessario para o fim, que me propuz.

O Sr. Avila, meu respeitavel amigo, e que me merece particular consideração por muitos titulos, n'outro dia, quando fallou, ainda que de passagem nesta questão, disse, que esta Junta não tinha direito para interpretar o Decreto Eleitoral de 30 de Setembro; e eu estou perfeitamente de accôrdo com S. Ex.ª, se fallou da interpretação authentica porque nem a Junta, em quanto Preparatoria, nem depois de constituida em Camara, nem a Camara dos Dignos Pares, nem outro algum Poder Politico tem este direito, senão só e exclusivamente o Poder Legislativo; isto é, os Corpos Collegislativos com a Sancção Regia. Mas, se S. Ex.ª fallou da interpretação doutrinal, como parece, peço venia a S. Ex.ª para dissentir da sua opinião; porque estou convencido, que deste direito da interpretação não póde ser privado um simples particular, que quer intender a Lei, e muito menos a Junta Preparatoria, que tem de applical-a ás especies de constituição da Junta, da validade, e nullidade das eleições dos Deputados eleitos, e em outras muitas, que se comprehendem debaixo das suas attribuições legaes. Isto posto para se saber bem o sentido do artigo 102.º do Decreto Eleitoral, é mister interpretal-o doutrinalmente para evitar absurdos, e conflicto ou collisão com outras Leis, e dar-lhe uma interpretação lala para se corresponder á intenção do Legislador, que é o espirito da Lei (Apoiados) como vou mostrar.

Nunca uma Lei é cousa ociosa; pertende-se por ella alguma cousa; ella serve de meio para se conseguir algum fim. (Apoiados) Sendo isto assim; que é o que se pertendeu neste artigo? Porque apparece elle sómente neste Decreto, e não n'outros muitos que o tem precedido? Qual foi o motivo, que tornou necessaria esta disposição regimental? E facil saber. Na Junta Preparatoria da Camara dissolvida não se attendeu a Proposta, de que para funccionar a Junta bastava o numero, que correspondesse ao de metade e mais um das eleições já realisadas, com deducção das eleições reiteradas, da qual opinião fui tambem eu, mas resolveu-se que era necessaria para a constituição da Junta a presença de metade e mais um do numero total dos Deputados que devem compor a Camara, entrando neste numero os Deputados pelas Ilhas, e pelo Ultramar, com quanto se soubesse, que nessas provincias não tenha havido eleições, pela certeza do tempo.

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Desta decisão resultou não poder constituir-se a Junta por alguns dias, por falla do numero necessario, e mesmo algumas vezes não poder a Camara trabalhar. Lamentou-se então muito esta perda do tempo com prejuizo do serviço publico. (Apoiados) Ora ninguem poderá duvidar, que para evitar esta difficuldade, que havia, para se reunir a metade e mais um de todos os Deputados; e a perda do tempo, que era seu natural resultado, é que o Legislador se lembrasse de inserir no Decreto Eleitoral de 30 de Setembro o artigo 102.º regimental, a fim de facilitar a constituição da Junta, e seus trabalhos. Ora se se intender precisamente este artigo, segundo a significação das palavras, não se conseguiria o fim, que se propuzera nesta disposição, mas até se difficulta riam a constituição da Junta e seus trabalhos (Apoiados) o que é directamente contrario ao espirito da mesma disposição.

Logo o que quiz o Decreto é, que para a constituição da Junta bastava o numero que correspondesse a metade e mais um dos Deputados pelo Continente do Reino; mas a redacção foi má. (Apoiados) O que escapa não poucas vezes aos espiritos atilados e precavidos, a despeito da mais seria attenção, e diligencias escrupulosas. O que os Redactores do Decreto queriam dizer, e que para se constituir a Junta bastava a presença dos Membros, que fizessem o numero egual á metade e mais um dos Deputados eleitos pelo Continente, e de nenhuma sorte quizeram, que não fossem contados neste numero os Deputados pelo Ultramar e pelas ilhas; e de certo porque quereriam que não fossem contados? Que fim, ou beneficio nisto se conseguiria? Que motivo presidiria a esta disposição? Porque, sem razão importante, nem. mesmo plausivel, quereriam ferir os direitos dos Deputados pelas ilhas o pelo Ultramar, garantidos pelas Leis, e consagrados pela diuturna e uniforme practica de todos os Parlamentos transactos? Não havia de certo razão nenhuma, nem se quer pretexto.

Logo torna-se evidente, incontestavel, e demonstrado, que com quanto da letra do artigo 102.º, pela má redacção, parece que os Deputados eleitos pelas ilhas, e os Deputados ou da anterior Legislatura, ou eleitos pelo Ultramar não deviam ser contados para o numero marcado para a constituição da Junta, pelo contrario não podem deixar de ser contados, segundo o espirito claro da disposição do mesmo ar.

Accrescentarei mais duas palavras ao que acabo de dizer. Esta Lei é permanente, como se diz no Relatorio da mesma. Supponhamos que segundo a Legislação em vigor, se tivessem realisado no Ultramar as eleições um anno antes de findar a Legislatura; supponhamos, que assim como no Continente se tivesse procedido nas ilhas ás eleições, logo depois de acabada a Sessão Ordinaria do quarto anno da Legislatura, como se ordena na Carta Constitucional; e por conseguinte os Deputados eleitos pelas ilhas, e pelo Ultramar estivessem cá em Lisboa na época da abertura da Sessão do primeiro anno da Legislatura; eu pergunto, se os Deputados pelas ilhas, e os do Ultramar, no supposto de que não houvessem os da Legislatura antecedente, haviam ou não de fazer parte da Junta? Qual seria a Lei que os excluisse? Qual o motivo porque se excluiriam? E o que ganhava nisto a Nação? Nada de certo; haveria só um capricho do Legislador, absurdo impolitico, e injusto.

Parece que tenho demonstrado, quanto hasta, que; os Deputados pelas ilhas, e pelo Ultramar devem ser contados para se fazer o numero marcado no artigo 108.º do Decreto Eleitoral. Agora passarei á segunda parte, que é provar evidentemente que os mesmos Deputados tem direito incontestavel a tomarem parte nas deliberações da Junta.

Sr. Presidente, tendo demonstrado, que os Deputados presentes pelo Ultramar, e os Deputados eleitos pelas ilhas, se estivessem presentes, deviam ser contados, para fazer-se o numero decretado para se constituir a Junta, segue-se, por uma consequencia necessaria, e rigorosamente logica, que elles tem o direito indispensavel de tomarem parte nas deliberações da Junta Preparatoria. Mas quero ceder desta argumentação, aliás victoriosa; quero mesmo suppôr, que elles não devem ser, conforme a letra do art. 102, contados para fazerem o numero nelle marcado; mas digo, e vou provar, que mesmo supposta esta! hypothese absurda, os Deputados pelo Ultramar tem inquestionavel direito de tomar parte em todos os trabalhos da Junta Preparatoria. Qual é a lei, perguntarei eu aos meus respeitaveis Collegas e adversarios, qual é a lei, que lhes inhibe este direito? Lei antiga de certo não ha: e se é o Decreto Eleitoral de 30 de Setembro, peço-lhes por especial favor, que me indiquem o artigo ou paragrafo, onde se faz esta inhibição. Não ha de certo; mas dir-me-hão, que no dito Decreto o art. 102.º requer para a constituição da Junta, a presença de metade e mais um dos Deputados eleitos do Continente do Reino. Logo segue-se, que são excluidos os Deputados pelas ilhas e provincias Ultramarinas? Donde se tira esta conclusão! Do antecedente ella não se segue de certo; similhante modo de argumentar seria tudo, menos logico e racional. Seria um contrasenso dizer que, porque a Lei requer metade e mais um dos Deputados eleitos do Continente do Remo, ficam excluidos da Junta os do Ultramar, e das ilhas. Neste caso, eu tiraria tambem outra conclusão, cujo absurdo é igualmente evidente: é necessaria metade e mais um dos Deputados eleitos do Continente para a constituição da Junta. Logo os que vierem depois, e excederem este numero, ainda que sejam do Continente, não podem tomar parte nos trabalhos da Junta. Admittirá esta Assembléa a absurda deducção que acabo de tirar? Não a tachará d'um contrasenso inqualificavel? Logo, a consequencia que se tira do art. 102.º, de que não podem os Deputados pelas provincias Ultramarinas tomar parte nas deliberações da Junta, sobre absurda e falsa, é contra os preceitos os mais vulgares da Logica, e até offensiva da practica constante da Legislação em vigor, e mesmo do Decreto de 30 de Setembro. Compulsai, Senhores todas as Actas, e vereis que desde que a Lei de 4 de Julho de 1838 dispoz que os Deputados pelo Ultramar eleitos para uma Legislatura continuem a tomar assento nas Legislaturas seguintes, até serem legalmente substituidos, não ha Junta Preparatoria de Legislatura alguma, em que não tenham sido contados, para fazerem numero, e tomado parte em todos os seus trabalhos; nem podia deixar de ser assim sem manifesta e flagrante contradicção.

As sessões da Junta Preparatoria não fazem parte da respectiva Legislatura? Como pois, tendo os Deputados direito de tomarem assento na Legislatura, seriam inhibidos de tomarem parte nos trabalhos da

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Junta, que é parte da Legislatura? Esta mesma disposição traz o Decreto de 30 de Setembro. Como, pois, conciliar uma disposição, que inhibe, como se argumenta, aos Deputados pelo Ultramar tomar parte nos trabalhos, com outra, que lhes garante o direito de tomar assento na respectiva Legislatura? Não é possivel. Nenhuma lei se faz por divertimento, por ociosidade, e sem motivo algum, nem sem fim real ou ostensivo d'algum resultado de utilidade pública: o contrario supporta o Legislador mentecapto e estulto. Qual seria, pois, o motivo, porque os redactores da Lei quereriam inhibir os Deputados do Ultramar e ilhas a concorrerem para os trabalhos da Junta? Que vantagem, e interesse publico ou particular, real ou ostensivo se conseguiria nesta inhibição. Nenhum, de certo. Ouço dizer, que alguem suppõe que os redactores do Decreto intenderam, que os Deputados pelas ilhas e pelas provincias Ultramarinas não deviam tornar parte na verificação dos poderes dos do Continente, mas deixar-lhes a decisão a este respeito, como d'um negocio de familia. Isto não póde ser razão, nem pretexto; eu sempre fui de opinião, que a verificação dos poderes era um negocio muito serio e importante, não devia ser resolvido pelos proprios interessados, não devia ser negocio de compadres como se se dissesse = approva tu a minha eleição, eu approvarei a tua = isto digo em theoria, não faço applicação a esta Junta; longe de mim similhante intenção: que a sua decisão devia ser entregue a algum Tribunal imparcial, por exemplo, ao Tribunal Supremo de Justiça (Apoiados) como se achava consignado no Projecto da Constituição da Hespanha pelo Ministerio Murillo. Este ponto achei-o adoptavel, ainda que reprovasse muitas das suas provisões retrogradas.

Mas, em que se fundaria o direito dos Deputados pelo Continente, de que os Deputados pelas ilhas e pelo Ultramar não tomem parte na verificação de seus poderes? Não são todos Deputados e Representantes da Nação? Se cada um dos Membros da Camara tem direito de vigiar, que não se ausente nella, não participe dos seus direitos, um só que fosse illegalmente eleito; porque razão não leriam o mesmo direito os Deputados das ilhas, e Ultramar? Não se riam estes tambem Membros da Camara, como aquelles? Como, e em que se differençam quanto aos direitos? Ainda mais: quem é que verifica os poderes dos Deputados das Ilhas, e provincias Ultramarinas? Não são Deputados do Continente! Então donde vem a pertenção de quererem, que elles não tenham ingerencia na verificação dos do Continente? (Apoiados) Tem os do Continente mais direitos, maiores prerogativas, e algum exclusivo que compita só a estes? Em que se fundará? Quaes são os titulos, que lho conferem? Apresentai-mos, e eu me comprometto a mostrar a sua nullidade, a sua insubsistencia, a sua inutilidade.

Não, Senhores, não ha nenhum titulo de preferencia, entre uns e outros; não ha prerogativa que não seja commum a todos, todos os Deputados são da Nação; representam a Nação; sejam eleitos por qualquer provincia da Monarchia. Perante o Sagrado Pacto Fundamental da Monarchia, todos os habitantes do Continente, das ilhas, e do Ultramar são portuguezes: não ha entre elles differença alguma, que não seja a do talento e virtudes, e por conseguinte os representantes nomeados por qualquer parte da Monarchia, são todos Representa files da Nação; todos tem eguaes direitos perante a Lei (Apoiados).

Tenho pois demonstrado, como me parece até á evidencia, que os Deputados pelas ilhas, e provincias Ultramarinas devem ser contados no numero requerida para se constituir a Junta, e tomarem parte em todos os seus trabalhos.

Antes porém de concluir permitta-me v. Ex.ª que declare, que não tenho empenho, nem interesse em ser contado para o numero, riem em tomar parte nos trabalhos da Junta, e até teimarei como um particular favor, se consentirem que fique neutro, isto é, que não tome parte nos trabalhos, principalmente nas votações sobre as eleições; porque, se depois da discussão eu me convencer, dê que ha alguma eleição, que me parece reprovavel, sentirei grande magoa, sendo obrigado a lançar na urna a esfera preta; magoa que pertendo evitar e mesmo mostrar, que não tenho empenho nem a favor, nem contra, e por isso me tenho proposto a abster-me, quanto fôr possivel, de influir nas votações sobre as eleições. (Apoiados, vozes: — Muito bem, muito bem)

O Sr. Barão de Lazarim: — (Sobre a ordem). Acabo de receber a noticia telegráfica de que hontem pelas tres horas da tarde sairam os Vapôres a barra do Porto (Agitação). Assim escusamos de gastar mais tempo com esta questão sobre o numero.

O Sr. José Estevão: — A minha palavra foi supprimida pelo Telegrafo! Eu não a tinha pedido, senão para chamar pelo Vapôr, porque só elle póde resolver a questão; esta mesma especie de enthusiasmo, com que a Camara acaba de receber a noticia da saída dos Vapôres do Porto para aqui, faz conhecer que toda esta discussão tem sido inutil, e que era melhor que todos nós estivessemos em casa, em vez de estarmos aqui discutindo, o que? Nada, porque nada era discutivel. O numero não se discute; o numero é um facto; e sem esse facto, não se póde deliberar. Podiamos discutir seis, oito, ou dez dias, mas não podiamos resolver a questão. Mas a verdadeira questão aqui não é de numero, não é uma questão de arithmetica; a questão é do tempo, e é do estado dos nossos caminhos, das nossas estradas. Os Deputados não tem vindo porque não tem podido vir, e aproveito a occasião para lêr á Camara o que lhe participa um Collega seu, e bastava isto para a questão se dever considerar resolvida, e resolvida por um acto official. Isto não é uma questão de Jurisprudencia, é uma questão de Obras Publicas.

Eis aqui o extracto de um officio do Sr. Placido Antonio da Cunha Abreu, que vem publicado no Diario do Governo, e diz assim = Um officio do Sr. Deputado eleito Placido Antonio da Cunha Abreu, participando que em consequencia do máo tempo não lhe tem sido possivel emprehender.... = - = É preciso emprehender a vinda para aqui! Diz mais = emprehender a sua vinda para esta Capital, e logo que se lhe offereça o primeiro meio de seguir viagem, o fará, para se apresentar na Junta Preparatoria. —

Está claro que é preciso uma coragem heroica para venceras difficuldades e affrontar uma jornada de cincoenta legoas por cima de charcos, e debaixo de chuvas! É um Engenheiro de Obras Publicas que escreve isto! Ora se este não póde vir, como poderiam vir os outros? Pois se um homem, que tem obrigação de andar sempre ao rigor do tempo, enxarcado e cheio

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de lama, espera occasião para emprehender uma jornada de cincoenta legoas como hão de vir os mais, que não estão costumados a isto, e que não tem feito jornadas? Era querer um impossivel.

Ora, o que seria racional, sé se tivesse feito, era o seguinte. Visto que nós não podiamos fazer que estivessem em Lisboa os Deputados do Norte, não nos deviamos reunir aqui em quanto esses Deputados não chegassem, e em quanto não soubessemos que havia em Lisboa numero sufficiente para a Junta poder deliberar. Não fallo nos 62 nem nos 66; e necessario que haja em Lisboa um numero muito maior, porque se contarmos só o numero fixo, e o mesmo que nada, em adoecendo um ou dois, já não póde haver Sessão. Supponhamos que temos em Lisboa 59 Deputados eleitos pelo Continente, que fallam tres segundo a deliberação da Junta, mas que se sabe que esses tres vem em caminho para a Capital; não e isso bastante para contarmos com o numero, porque no meio da estrada póde tombar-se a sete, em que venham esses tres, molestarem-se e chegarem a Lisboa, mas não poderem vir á Camara. Por consequencia, isso não basta; e necessario para nos reunirmos que tenhamos a certeza de que existe em Lisboa um numero superior aos 72; de outro modo não fazemos nada.

Ora, Sr. Presidente, esta questão do numero é velha; ha 10 annos ou mais que se tracta aqui desta questão; sempre que tem de se constituir a Camara ella apparece. (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — É verdade) E verdade; mas o Sr. Deputado é dos que tambem tem fallado sempre nella. (O Sr. Cunha: — Mas tenho-a sempre repellido, tenho fallado para a considerar como uma grande pieguice, e se não fosse o respeito pelos Cavalheiros que estão presentes, era questão que eu tractaria ás gargalhadas).

Isto é uma miseria que só serve de manifestar o nosso estado de atrasamento em todas as cousas; por consequencia a minha opinião era que nós não deviamos tornar a reunir, sem lermos certeza de que ha numero sufficiente para podermos logo começar a funccionar; tudo que não fôr isto, não presta para nada. Pois os Srs. Deputados querem tractar de uma questão de caminhos e de estradas com uma conta de sommar, diminuir, e repartir? O primeiro absurdo que eu vejo em tudo isto é a teima de nos quererem reunir aqui sempre no primeiro dia de Janeiro; quer dizer, em tempo em que ninguem póde andar em Portugal. E que é o que resulta desta Lei, que não é para o nosso estado? E que levamos todo o mez de Janeiro e parte de Fevereiro para nos podermos constituir; trabalhamos Março e Abril, e em Maio já não ha cabeças que possam trabalhar em Lisboa. Isto é exacto. Se nomeassem um Conselho medico para examinar o nosso estado nessa época, estou certo que, segundo todas as regras de Hygiene diria que era impossivel continuarmos a trabalhar, e que a nossa intelligencia tinha descido tres gráos da sua capacidade; acabado o mez de Abril estamos na Costa d'Africa, já não é possivel trabalhar.

Tenho dito já de mais para mostrar a necessidade de esperarmos que haja numero sufficiente para nos constituirmos, e que é necessario fazer conta tambem com as falhas; e necessario contar tambem com a preguiça e má vontade; porque o individuo que é preguiçoso, sendo eleito Deputado, continua a ser preguiçoso, e se o ser eleito Deputado tirasse esse vicio, era muito bom eleger Deputado toda a Nação Portugueza, ou pelo menos uma grande parte della.

Concluindo, declaro que pela minha parte não volto cá mais sem saber que ha numero (Uma voz; — Como se póde saber?) Como! Declarando-o e fazendo-o constar aos Deputados. Pois não vemos o que nos acontece todos os dias aqui? Reunem-se 62 Deputados, e v. Ex.ª abre a Sessão; e um quarto de hora depois um Deputado porque lhe doe a cabeça e está incommodado, vai-se embora. Em seguida e necessario proceder a uma votação, não ha numero porque saíu este Deputado: diz V. Ex.ª — Toque a campainha, vá depressa caçar esse Deputado — mas elle já se tem retirado, não apparece, e nós não podemos dar um passo. Pois não é isto uma miseria? E não se dá isto aqui todos os dias? Não estamos aqui horas e horas á espera de um Deputado para fazer numero? Aqui está presente o nosso Collega o Sr. Julião que foi numero o anno passado: não se lembra, Sr. Julião, que foi aqui recebido quasi com o mesmo alvoroço, com que se recebeu agora a noticia da partida dos Vapôres do Porto para aqui? (Rito)

Não digo mais: tudo isto é eminentemente ridiculo. Não ha numero, e por consequencia V. Ex.ª, deve levantar a Sessão, e não a abrir, senão quando tiver certeza de que existem em Lisboa Deputados sufficientes para a Camara se poder constituir. Esta é a minha opinião.

O Sr. Avila: — (Sobre a ordem). Desejo que a Meza me informe, (se é possivel) qual é o numero de Deputados que já se apresentaram nesta Sessão. O Sr. Presidente: — Já chegaram a apresentar-se 76. O Sr. Avila. — Então estão acabadas todas as questões, e os escrupulos dos Srs. Deputados, porque ha em Lisboa 76 Srs. Deputados; ainda mesmo deduzindo os 8 do Ultramar ficam 68, mais que 62 e que 66, logo podemos funccionar; se vierem todos.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu não tenho maior empenho em fallar, mas já que me fizeram ter o incommodo de vir aqui, é justo que ouçam as razões que tenho a dar. Se acaso não fossem Cavalheiros tão distinctos, tão circunspectos, tão sisudos e tão respeitados por mim, aquelles que aqui estão presentes, esta questão tinha-a tractado ás gargalhadas. Eu disse n'um destes dias que me parecia incrivel que 60 e tantos homens estivessem seriamente a tractar de uma questão futil em si, e inutil em seus resultados. (O Sr. José Estevão: — Todos a teem tractado) Mas eu tractei-a admirado e espantado que com este Sol, que nos allumia em 1853, viessem os Deputados eleitos com uma questão, que parece incrivel se trouxesse a terreno, quando a lettra do Decreto é tão clara, que eu em vista della e dos poucos Deputados que havia na Casa, propuz a v. Ex.ª (não sei se está lembrado) que não viessemos aqui, senão quando houvesse o numero de que falla o Decreto. Não tenho culpa de que esta questão aqui viesse; não a queria tractar; e se nos tivessemos circunscripto rigorosamente aos nossos deveres, o que acontecia? Vinhamos para a Camara, V. Ex.ª locava a campainha e dizia está aberta a Sessão; o Sr. Secretario fazia a chamada, e dizia simplesmente ha 50 ou 60 Deputados, e por consequencia V. Ex.ª dizia — Não ha numero. Cada um pegava no seu chapeo e íamo-nos embora. Era esta a cousa mais logica que se devia fazer. Não sei a razão, porque appareceu esta discussão, a não

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ser a grande vontade que os Srs. Deputados teem de mostrar a sua intelligencia, a sua grande eloquencia, a força dos seus argumentos e o vigor dos seus raciocinios. Nisto se tem gasto 10 dias, sem se decidir nada, absolutamente nada. Mas decidida esta questão, vou eu suscitar outra; vou oppor-me á decisão tomada, e vou fazer o seguinte argumento que é irrespondivel. Se vós decidis que os Deputados do Ultramar não possam fazer parte da Junta Provisoria, como é que fostes tomar a sua auctoridade para decidir que o numero de 62 era válido para se constituir a Junta Preparatoria? Isto mostra, Sr. Presidente, que um absurdo leva-nos necessariamente a outro absurdo. Por consequencia nada temos feito e nada podemos fazer.

Felizmente o tempo está máo, e se haviamos de andar á chuva, a pisar lama e a emporcalhar-nos, é melhor vir para aqui conversar. O Vapôr póde arribar a Vigo, e podem os Srs. Deputados vir enjoados e ficarem nas hospedarias ou nas suas casas e não virem cá. Eu faço a profecia de que ámanha ainda não ha numero. E então vou tomar o conselho do Sr. José Estevão, e em quanto não houver numero não volto cá, porque não venho fazer cousa alguma.

Depois disto estamos aqui com uma questão, se os Deputados do Ultramar são mais ou menos do que nós os eleitos Eu o que sei é que não são nossos pares nas questões que se suscitarem na Junta, e não o são em vista do Decreto Eleitoral. (O Sr. Arrobas; — Mas têem-no sido nas demais Juntas) É verdade; mas é porque até aqui não havia o Decreto de 10 de Setembro. (O Sr. Corrêa Caldeira: — Apoiado) Em nenhum dos Decretos Eleitoraes, até agora publicados, se dizia, como se diz no de 30 de Setembro de 1852 — que a Junta Preparatoria se constitue em estando reunidos metade e mais um dos Deputados eleitos pelo Continente. Esta palavra Continente é sacramental, e exprime bem a idéa do Legislador. Se é absurdo, não sei; mas está escripto.

Um Sr. Deputado julgou metter uma lança em Africa, dizendo que Gôa pertencia á Monarchia Portugueza!! Bem o sei, mas eu o que disse foi que Gôa, Angola, Cabo Verde, etc, não estavam no Continente, e em se me provando isso, então dou as mãos á palmatoria.

O Sr. Arrobas: — Eu peço a palavra, porque quero responder ao Sr. Cunha Sotto-Maior.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Pois tambem peço a palavra para responder ao Sr. Deputado, que parece-me vai matar! Pois não lhe tenho medo.

O Sr. Presidente: — Eu peço aos Srs. Deputados que se abstenham de qualquer expressão mais violenta, e de que possa resultar animosidade.

O Sr. Arrobas: — Notarei em primeiro logar a S. Ex.ª o Sr. José Estevão que, não estando presente o Sr. Deputado eleito Placido de Abreu, e existindo sobre a meza um officio do mesmo Senhor, que não diz, não quer dizer, nem nós podemos fazer que elle diga, outra cousa que não seja o mesmo que muitos outros Srs. Deputados que estão no Porto teem dicto, isto é, que não teem vindo apresentar-se na Junta Preparatoria, porque o Vapôr ainda não pôde partir, por causa do tempo. Que precisão lemos nós de dar a essa communicação uma importancia diversa daquella que deve ter, e para que se ha de dizer que o Sr. Deputado tem medo, ou leme emprehender a jornada?

Sr. Presidente, o Sr. Placido de Abreu diz que não póde ainda apresentar-se nesta Junta por causa de o máo tempo o não ter permittido...

O Sr. Presidente: — Mas eu peço ao Sr. Deputado que se limite ao objecto da discussão.

O Orador: — Perdoe V. Ex.ª mas este objecto a que me refiro, estava tanto em discussão, como quando o Sr. José Estevão se referiu a elle, e por consequencia V. Ex.ª uma vez que permittiu que o Sr. Deputado fallasse sobre este assumpto, permitta tambem que eu, camarada do Sr. Placido, ainda que não tenho a honra de ter relações com elle responda a S. Ex.ª pelo Sr. Placido.

O Sr. Presidente: — Parece-me que uma ou outra palavra que por incidente se apresenta, não deve ser objecto de discussão, e peço ao Sr. Deputado que se limite ao objecto principal de que estamos tractando.

O Orador; — Eu pedi a palavra para fallar igualmente na materia. O Sr. Antonio da Cunha Sotto-Maior disse que queria vêr provar, que as nossas Possessões do Ultramar estavam no Continente: S. Ex.ª fez esta pergunta com bastante entono, mas ha de permittir lhe diga tambem, que me admirou muito ver S. Ex.ª estar-se servindo de uma cousa que não está em discussão, que não o póde estar, e que não tem relação nenhuma com o caso presente: portanto, peço a S. Ex.ª que me dispense de me suppôr, com uma pertenção tão ridicula, e de querer julgar-me... (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu não julgo ninguem.)

A Junta Preparatoria é a reunião de Deputados eleitos, cujos diplomas e mais actos Eleitoraes se suppõem válidos; mas os Deputado» já proclamados, esses não são suppostos, são já indubitaveis; e tendo elles feito parte até hoje das Juntas Preparatorias, porque razão, ou porque motivo não hão de tomar parte nesta Junta? Eu desde já declaro que não faço tenção de tomar parte na discussão deste negocio, e isto por uma razão muito simples, porque me não contam: intendo que seria muito para estranhar que eu viesse fazer parte da Junta, e quando fosse á votação não fosse considerado como seu Membro. Portanto, intendo que não devo fazer parte da Junta, mas tambem hei de dizer que em quanto eu puder resistir, não me fazem sair daqui. A Junta poderia tomar uma resolução que não esteja de accôrdo com a razão e com a justiça, mas eu não me conformava com ella; por consequencia, fique V. Ex.ª completamente descançado que não sáio daqui (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu tambem não o quero pôr fóra) e se sahir, não julgue que é porque intendo que não pertenço a ella, mas sim, porque não sendo necessario para se constituir esta reunião de individuos em Junta Preparatoria, julgo que tendo outros affazeres de grande importancia, não posso perder tempo, que é o que isso viria a ser. Portanto, o illustre Deputado não póde usar dós seus argumentos para combater a minha Proposta.

Mas de passagem não posso ainda deixar de fallar sobre o incidente promovido pelo Sr. Deputado eleito José Estevão, quanto ao officio do Sr. Placido. Eu sei que o Sr. José Estevão não tem a menor idéa de offender ninguem: faço-lhe toda a justiça, e não lh'a faço pro fórma faço-lh'a, porque do coração estou convencido disso; mas no entretanto peço a S. Ex.ª que se lembre, que algumas proposições, que avançou, involvem uma especie de irrogação de cobar-

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dia a um individuo, que tem feito muitas campanhas, e que tem entrado em muitas batalhas. Eu não pensei, nem por sombras, que o Sr. José Estevão quizesse offender o Sr. Placido, peço-lhe me faça esta justiça.

Ora, S. Ex.ª talvez me possa dizer que o Sr. Placido podia emprehender a jornada por terra, mas o Sr. Placido, como todos sabem, é Director dos Obras Publicas de um Districto, e tem por isso muito que fazer. Não me parece pois que um individuo, nestes casos, deva antes fazer uma jornada de 10 dias, quando a póde fazer em 24 horas. Consta-me que este Engenheiro tem feito alguns serviços, tratando de remediar um pouco os estragos causados pelas chêas; por conseguinte, póde explicar-se muito bem deste modo, o não ter o Sr. Placido preferido antes fazer a jornada por terra, em logar de a fazer por mar, mesmo porque póde ainda querer fazer mais alguns serviços, estando lá, aproveitando o tempo da demora.

O Sr. Presidente: — Mas eu pedia ao Sr. Deputado que tivesse a bondade de vir á questão.

O Orador: — Desculpe v. Ex. se sair da ordem; mas tratando-se de um individuo, que é meu camarada, intendi dever dizer duas palavras em seu abono. A respeito porém, do meu Requerimento, eu concluo dizendo que, poderá elle não ser justo; poderá não ser conveniente; poderia mesmo enganar-me, póde ser tudo isto; mas não é absurdo, porque elle foi apresentado para desfazer um absurdo, a não dar-se o caso de que sejam dois absurdos em logar de um, e que vá um de encontro ao outro.

Eu, Sr. Presidente, ouvi dizer que se estava tratando de discutir sem haver numero, e direi unicamente que fiz todos os esforços possiveis para que se não fallasse, e para que a Proposta do Sr. Monteiro se não apresentasse; mas como depois ella appareceu, e como vi que muitos Srs. Deputados tomavam parte da questão, intendi tambem que tinha o mesmo direito para fallar, e foi por isso que pedi a palavra.

O Sr. Presidente: — Ainda tem a palavra dois Srs. Deputados, o Sr. José Estevão, e o Sr. Cunha. (O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu cedo da palavra — O Sr. José Estevão: Tambem cedo) Mas não se póde fazer cousa alguma, porque não ha numero na Casa; por consequencia, ámanhã a Sessão é á mesma hora. Está levantada a Sessão. — Eram 3 horas da tarde.

O REDACTOR

José de Castro Freire de Macedo

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