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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 13 DE JANEIRO EM 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

Antonio Eleutherio Dias da Silva

Chamada — Presentes 61 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano Pequito,. G. de Lima, Annibal, Ayres de Gouveia, Quaresma, E. Dias, Gouveia Osorio, A. P de Magalhães, Mazziotti, Lemos e Napoles, Lopes Branco, Barão do Vallado, Albuquerque e Amaral, Abranches, Almeida e Azevedo, Ferri, Cyrillo Machado, Cesario, Claudio Nunes, Fernando de Magalhães, Fortunato de Mello, Ignacio Lopes, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, Medeiros, Sant'Anna e Vasconcellos, Gomes de Castro, J. A. de Sousa, Mártens Ferrão, Nepomuceno de Macedo, Sepulveda Teixeira, Rodrigues Camara, Mello e Mendonça, Neutel, Silva Cabral, Sete, José Guedes, Alves Chaves, D. José de Alarcão, Costa e Silva, Frasão, Sieuve de Menezes, Silveira e Menezes, Menezes Toste, Gonçalves Correia, Oliveira Baptista, Julio do Carvalhal, Camara Falcão, Camara Leme, Alves do Rio, Mendes Leite, Sousa Junior, Murta, Pereira Dias, Miguel Osorio, Modesto Borges, Monteiro Castello Branco, Ricardo Guimarães e Fernandes Thomás.

Entraram durante a sessão — Os srs. Affonso Botelho, Braamcamp, Vidal, Sá Nogueira, Correia Caldeira, Brandão, Gonçalves de Freitas, Seixas, Arrobas, Fontes Pereira. de Mello, Mello Breyner, Antonio Pequito, Pinto de Albuquerque, A. de Serpa, A. V. Peixoto, Zeferino Rodrigues, Barão das Lages, Barão do Rio Zezere, Beirão, Carlos Bento, Bivar, F. M. da Cunha, Gaspar Pereira, Henrique de Castro, Blanc, Silveira da Mota, João Chrysostomo, J. da Costa Xavier, Albuquerque Caldeira, Aragão Mascarenhas, Joaquim Cabral, Torres e Almeida, Matos Correia, José Pinto de Magalhães, Ferreira da Veiga, José da Gama, Figueiredo Faria, J. M. de Abreu, Casal Ribeiro, Batalhes, Mendes Leal, Levy M. Jordão, Freitas Branco, Vaz Preto, Placido de Abreu e Visconde de Pindella.

Não compareceram — Os srs. Abilio, Soares de Moraes, A. B. Ferreira, Carlos da Maia, Ferreira Pontes, P, da Cunha, Pinheiro Osorio, David, Palmeirim, Barão de Santos, Barão da Torre, Garcez, Bento de Freitas, Oliveira e Castro, Pinto Coelho, Almeida Pessanha, Conde de Azambuja, Conde da Torre, Cypriano da Costa, Domingos de Barros, Poças Falcão, Drago, Barroso, Abranches Homem, Coelho do Amaral, Diogo de Sá, Fernandes Costa, Izidoro Vianna, Gavicho, Pulido, Chamiço, Sousa Cadabal, Gaspar Teixeira, Pereira de Carvalho e Abreu, G. de Barros, Mendes de Carvalho, Fonseca Coutinho, J. J. de Azevedo, Calça e Pina, Ferreira de Mello, J! J. Coelho de Carvalho, Simas, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, Galvão, Infante Pessanha, Latino Coelho, Alvares da Guerra, Rojão, José de Moraes, Affonseca, Moura, Alves Guerra, Rocha Peixoto, Manuel Firmino, Pinto de Araujo, Marianno de Sousa, Charters, Moraes Soares, Simão de Almeida, Thomás Ribeiro, Teixeira Pinto e Vicente de Seiça.

Abertura — Ao meio dia e tres quartos.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.° Um officio do ministerio da fazenda, acompanhando cento e quarenta exemplares das contas das despezas do ministerio dos negocios da fazenda no anno economico de 1861-1862, e do exercicio de 1860-1861; e participando que dentro de poucos dias enviará as contas da gerencia do thesouro publico, que se estão imprimindo. — Mandaram-se distribuir.

2.° Uma representação de dois ex-segundos sargentos de caçadores n.° 3, que tomaram parte no movimento politico de 1846, pedindo que se approve o projecto de lei apresentado em 18 de junho de 1863. — A commissão de guerra.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTOS

1.° Requeiro que, pelo ministerio da guerra, seja mandado com urgencia a esta camara o orçamento da despeza que occasionaria o exercito e repartições dependentes do referido ministerio, segundo os principios estabelecidos no decreto de reorganisação publicado em 21 de dezembro ultimo. = Palmeirim.

2.° Requeiro que, pela secretaria do reino, seja remettida a esta camara:

I Copia do officio do governador civil de Vizeu, no qual dava conta das providencias que tinha adoptado com relação á camara municipal do concelho de Penalva do Castello, no mez de outubro ultimo;

II Copia da portaria do ministerio do reino, em resposta ao mesmo governador civil e relativa ao mesmo assumpto. = A. de Gouveia Osorio.

Foram remettidos ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS

PROJECTO DE LEI

Senhores. — Hoje que a liberdade é a mola intima da

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actividade nacional, seria pueril pretender demonstrar a legitimidade da liberdade religiosa: esta liberdade já não é una simples these de philosophia social; a sua causa, discutida em tempos de menos illustração, está definitivamente ganha na opinião com os progressos do espirito humano; perante elles desapparecem as objecções mesquinhas dos que, não comprehendendo a liberdade e ainda menos a religião, se oppõem á plena emancipação da consciencia.

Os representantes mais illustres das crenças religiosas dos differentes cultos, de accordo com os principios da philosophia liberal e despidos de preconceitos, reconhecem em nome da religião os direitos da consciencia, que já tinham por si o espirito e a tradicção do proprio catholicismo, como testemunham alem dos escriptos de Tertulliano, os de Santo Athanasio, o campeão da orthodoxia.

A liberdade religiosa porém não se consubstancia unicamente na liberdade da consciencia e da manifestação das crenças religiosas, e sómente será completa quando se realisar tambem como liberdade de cultos.

Confundir a liberdade religiosa com a de consciencia, com a protecção ou tolerancia, é desconhecer a religião, que não é só uma idéa nem um sentimento intimo, mas crenças e acto, pensamento e vida; é desnaturar a liberdade, que não consiste na tutella ou tolerancia, mas na independencia de quaesquer estorvos ao livre exercicio do direito.

Se n'algumas nações já está definitivamente consagrada a liberdade de cultos, a par da de consciencia, n'outras passou-se apenas da intolerancia ao systema de uma religião do estado com tolerancia para com as outras.

E este ainda o da nossa constituição; vicioso, porque a idéa de tolerancia pugna com a do direito que têem todos os cultos á protecção do estado; o direito exige respeito e rejeita a tolerancia; — vicioso tambem, porque essa tolerancia é só para os estrangeiros; — vicioso, finalmente, porque ao passo que a mesma constituição nos promette que ninguem será perseguido por motivos de religião, o codigo penal fulmina o portuguez que abraçar outra que não seja a do estado, e veda-lhe o accesso aos cargos publicos.

Como liberal repugna-me um systema que desconhece um direito natural do homem, e nega a igualdade fundamental dos direitos.

Como catholico julgo mais proveitoso ao proprio catholicismo a completa liberdade religiosa.

Como cidadão portuguez tenho a convicção de que a representação nacional, que se tem assignalado nos fastos da historia parlamentar pelos seus principios liberaes, não duvidará completar a sua, proclamando a liberdade de cultos.

Firme n'esta convicção, tenho a honra de submetter á vossa consideração o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E garantida a liberdade de consciencia e de cultos, e igual protecção para todos estes.

Art. 2.° E revogada toda a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, aos 12 de janeiro de 1864. = O deputado pela ilha do Principe, Levy Maria Jordão.

Foi admittido e enviado á commissão de legislação, ouvidas a ecclesiastica e de instrucção publica.

PROJECTO DE LEI

Senhores. — Em quasi todos os paizes da Europa, e em todos os tempos até hoje, têem sido considerados necessarios os officiaes praticos na arma de artilheria; mas tem-se tambem julgado indispensavel que elles possuam uma instrucção que os habilite a comprehender com facilidade a pratica dos importantes serviços d'esta arma especial. No nosso paiz têem elles sido tambem considerados uteis; mas é certo que não se tem cuidado muito de lhes ministrar a conveniente instrucção, nem se tem tratado de os incitar ao estudo ou, melhor, de lhes facilitar os principios indispensaveis. A nossa historia militar falla bem alto d'esses officiaes, para que apresentemos como argumento os seus bons serviços.

É considerando, porém, os officiaes praticos mais ainda pelo serviço que prestam até serem despachados em officiaes inferiores, que julgamos não poder prescindir d'elles; porque partindo do principio de que a classe dos sargentos seja indispensavel na arma de artilheria, e de que lhes estão destinados serviços de grande responsabilidade tanto em estado normal como em campanha, não comprehendemos n'elles dedicação, quando pela natureza do serviço futuro considerem as habilitações necessarias para o presente em pura perda.

Não basta uma garantia qualquer; não basta só um futuro na arma de infanteria; não bastam mesmo avultados interesses em qualquer outra posição para formar bons sargentos de artilheria. É necessario crear lhes esse amor pela arma, que gera a dedicação; é necessario o estimulo; é necessario convence-los de que é pelo tirocinio d'essa pratica trabalhosa e complicada, de que é pelo seu merito e valor que hão de adquirir um futuro glorioso, quando encanecidos n'esse tirocinio e trabalho.

Dar pois um logar n'esta arma aos que a vocação trouxe para ella em recrutas; conserva-los aqui pelas suas habilitações; fazer-lhes crear o amor pelo estudo; prepara-los a não considerar grande difficuldade a conclusão do respectivo curso geral; dar-lhes para isso os meios, e facilitar-lhes os principios é o que pretendemos conseguir com o projecto de lei que apresentámos.

Por elle limitámos o numero de officiaes praticos, aproveitando só os quê dão garantias de bom serviço, e removemos os principaes obstaculos que hoje se oppõem ao desenvolvimento de muitos talentos, a falta de meios e a difficuldade em conseguir os preparatorios; porque, propondo promover, com uma idade regular, officiaes já com estes preparatorios, e attendendo ao vencimento que actualmente têem os officiaes d'esta arma, que lhes conservámos, não pôde oppor-se rasão alguma plausivel para hesitarem na frequencia das escolas superiores, e concluirem ainda o curso geral.

Lembrâmos o promover a segundos tenentes os actuaes almoxarifes de artilheria, porque não considerámos, n'esta posição, recompensa sufficiente nem garantias para o futuro de sargentos, que serviram esta arma por vinte e mais annos com zêlo e com a possivel applicação.

Propomos o promover para infanteria ou cavallaria os sargentos que não poderem adquirir a instrucção que lhes julgam indispensavel; com o que "aquellas armas não perdem por certo, porque recebem era um gremio officiaes exercitados na pratica de um serviço importante e util ahi. E nem podem considerar-se prejudicados os sargentos d'estas armas, porque quasi todos os annos vão para artilheria alguns officiaes habilitados, o que compensará bem a promoção de um outro sargento a quem por antiguidade pertence a promoção ao posto do alferes, sendo principalmente divididos pelas duas armas de infanteria e cavallaria.

Admittindo a promoção dos sargentos a officiaes de artilheria é indispensavel fixar o quadro d'esses officiaes, e ainda o modo de fazer as promoções por fórma que estes officiaes tenham uma escala infallivel para o seu accesso. É o que temos em vista promovendo-os até capitão por um terço em concorrencia com os officiaes habilitados, e depois por a restricta antiguidade no quadro das praças de primeira ordem.

Por ultimo, attendendo ao serviço activo que prestam os officiaes do estado maior de praças de primeira ordem, e para que não continue a dar se o absurdo de ter um official menos interesses era official superior do que emquanto capitão, julgámos de toda a justiça que se lhes conceda a prestação alimenticia como aos officiaes de infanteria e cavallaria em activo serviço.

Por todas estas rasões tenho a honra de submetter á vossa consideração o seguinte projecto de lei.

Das promoções

Artigo 1.° Os actuaes almoxarifes serão promovidos a segundos tenentes de artilheria, ficando por esta fórma extincta esta classe do quadro da arma.

Art. 2.° Nenhum sargento será despachado para a arma de artilheria sem que conte, pelo menos, dois annos de pratica do posto de primeiro sargento em algum dos corpos da arma, e sem que esteja habilitado com o curso de officiaes praticos, que faz parte do presente projecto de lei.

Art. 3.° As promoções a segundos tenentes continuarão a ser feitas por dois terços de individuos habilitados com o curso geral, e um terço de sargentos habilitados com o curso de officiaes praticos; conservando-se as vagas correspondentes a uns e outros, quando os não haja habilitados em cada uma das classes.

Art. 4.° As vagas serão preenchidas á proporção que se forem dando no respectivo quadro.

Art. 5.º Os officiaes inferiores de artilheria que não tenham o curso de officiaes praticos serão promovidos para ajudantes de praças de primeira ordem, ou para as armas de infanteria e cavallaria, quando lhes competir por antiguidade em escala com os primeiros sargentos d'estas armas; sendo os sargentos pertencentes aos corpos da guarnição promovidos para infanteria, e os do corpo montado para cavallaria. Poderão comtudo optar para esperar na arma de artilheria a conclusão do respectivo curso de officiaes praticos.

Art. 6.° As promoções de segundos tenentes até capitães serão feitas por um terço de officiaes praticos e dois de officiaes habilitados com o curso geral.

Art. 7.° Os officiaes promovidos em virtude d'este projecto de lei perceberão as gratificações que actualmente têem os officiaes de artilheria, emquanto se conservarem nos corpos ou no estado maior, em compensação da demora de promoção inevitavel em rasão da concorrencia com os officiaes habilitados com o curso geral.

Art. 8.° Os officiaes do estado maior de praças de primeira ordem perceberão, alem do soldo, as prestações alimenticias, pomo os officiaes de infanteria e cavallaria em activo serviço.

Do curso

Art. 9.° O curso de officiaes praticos de artilheria é constituido:

§ 1.° Pelas disciplinas que se exigem para qualquer se matricular na escola Polytechnica.

§ 2.° Ensino e exercicios dos deveres que são communs ás praças de pret das differentes armas, e do que respeita á especialidade de cada uma d'ellas.

§ 3.° Redacção, escripturação e contabilidade militar.

§ 4.° Princípios os mais elementares de mathematica com referencia e immediata applicação aos diversos serviços do corpo, na guerra, nos arsenaes e nos laboratorios.

§ 5.° Princípios elementares de fortificação considerados nas suas relações com o serviço de artilheria.

§ 6.° Elementos os mais simples de levantamentos de plantas de desenho topographico e de machinas.

§ 7.° Princípios geraes sobre o trabalho dos arsenaes e laboratorios; sobre o material e animal do serviço das armas; sobre a conservação e emprego das munições de guerra.

§ 8.° Exercicios praticos no polygono.

Da secola e dos professores

Artigo 10.° O ensino será ministrado na escola do regimento de artilheria n.° 1, regida por officiaes da arma.

A esta escola concorrerão praças dos outros corpos.

Os logares de professores serão providos por commissão, e por proposta do commandante geral de artilheria ao ministerio da guerra.

Os officiaes empregados n'este serviço pertencerão ao quadro dos corpos da arma, e perceberão, alem dos seus vencimentos, a quantia de 10$000 réis mensaes para o expediente das aulas.

Serão dispensados de todo o serviço, á excepção do de instrucção e do de commando de companhia.

Um regulamento especial determinará a organisação da escola e quanto a ella for concernente.

Do ensino

Art. 11.° A escolha dos compendios, do methodo de ensino e dos exames que se houverem de fazer nos corpos; a revisão e approvação dos programmas feitos pelos respectivos professores; a confecção doa regulamentos, e em geral a administração das aulas pertence á commissão consultiva da arma.

Dos exames

Art. 12.º Os exames das disciplinas que se exigem como preparatorios para a escola polytechnica serão annualmente feitos na referida aula, ou nos estabelecimentos para isso destinados.

Os das disciplinas que ahi se não exigem serão feitos tambem annualmente no corpo perante uma commissão, a que presidirá um dos majores, e de que fará parte o respectivo professor e um outro official nomeado pelo commandante geral.

Art. 13.° Os attestados passados no estabelecimento em que forem feitos os exames, e os que deve dar o jury que preside aos outros exames, serão os documentos de habilitação para os officiaes praticos, e serão registados no commando geral de artilheria.

Disposições geraes

Art. 14.° No quadro do estado maior de artilheria será augmentado o numero de segundos tenentes necessarios para os commandos do material nas differentes secções dos dois districtos de artilheria.

Art. 15.° Os segundos tenentes promovidos de almoxarifes, era virtude d'este projecto de lei, poderão indifferentemente continuar no serviço em que se acham, ou passar aos corpos como melhor entender o ministro da guerra.

Art. 16.º Um regulamento especial determinará como devem ser feitos os exames para o concurso aos differentes postos inferiores, por fórma que se tenha, com os que a applicara, a possivel consideração.

Art. 17.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Lisboa, 12 de janeiro de 1864. = O deputado por Elvas, Francisco Maria da Cunha.

Foi admittido e enviado á commissão de guerra.

PROJECTO DE LEI

Senhores. — A necessidade de ligar as duas ricas e importantes provincias do Alemtejo e Algarve pela viação accelerada é instante, e geralmente reconhecida.

E esta uma verdade de tão facil intuição, que me parece desnecessario entrar na sua demonstração. Quem ignora que as boas vias de communicação concorrem efficazmente para a prosperidade da agricultura, para o desenvolvimento da industria e commercio, e que trazem a riqueza ao paiz? Ninguém por certo.

Se pois esta asserção é a expressão da verdade, e se nas duas mencionadas provincias ha tantos elementos de riqueza, industria e commercio, e uma producção variada, parece que todas as rasões de conveniencia publica aconselham a que se não descure, e sim que se trate quanto antes dos essenciaes melhoramentos de que carecem.

Mas qual será o melhoramento mais importante e essencialmente necessario áquellas duas ricas provincias? E o de uma viação accelerada, a fim de poder haver entre ellas uma rapida communicação.

Realisado este grande melhoramento, como é de desejar, a agricultura, o commercio e a industria devem por certo ali florescer, e ter grande incremento. Seria para desejar que se prolongasse o caminho de ferro da cidade de Beja até á sede do districto do Algarve sem interrupção, mas sendo muito difficil e despendiosa a construcção d'esta via accelerada em serras continuadas, por onde teria de passar, e aonde necessariamente teriam de sé fazer muitas obras de arte em rasão das grandes montanhas e ribeiras que teria a atravessar, o que daria em resultado uma despeza enorme, com o que o nosso thesouro, nas circumstancias em que se acha, não pôde, e alem d'isso a demora de muitos annos, permitta-se-me que diga, que as duas mencionadas provincias utilisam muito, e conseguem uma communicação rapida sem difficuldade, em muito menos tempo, e com poucas despezas em relação ás que se fariam se o caminho de ferro continuasse de Beja até Faro sem interrupção, construindo-se uma via ferrea de Beja até Mertola, melhorando-se a navegação do rio Guadiana, aonde sem difficuldade pôde navegar um barco a vapor, e fazendo-se no litoral do Algarve uma outra via ferrea, que deve começar em Villa Real de Santo Antonio e seguir, pelo menos, até Faro.

Deste modo fica estabelecida uma boa viação de communicação accelerada entre os districtos do Algarve e de Beja, e em grande parte do paiz.

Com o prolongamento do caminho de ferro de Beja a Mertola utilisa muito mais o thesouro, o Alemtejo, o Algarve, e em geral o paiz, do que se continuasse até Faro pela serra e sem interrupção.

Utilisa o thesouro, porque o prolongamento que indiquei é muito mais economico, menos despendioso, indubitavelmente mais vantajoso, e facil de se realisar em pouco tempo, pela pouca distancia que ha entre estes dois pontos, que não excede a quarenta e cinco kilometros, boa qualidade de terreno, que se presta com facilidade á construcção de um caminho de ferro; ao passo que sendo prolongado pela serra até Faro encontram-se mil difficuldades, uma grande extensão de terreno, e muitas montanhas, que obstam a que se realise com facilidade um tão grande melhoramento, o que traria comsigo despezas avultadissimas.

Utilisa o Algarve, porque as principaes cidades e villas d'esta importante provincia estão situadas no litoral, e por

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isso com muito mais facilidade e economia conduzem as suas mercadorias, generos e producções para o Alemtejo e para o paiz. O Alemtejo, porque em pouco tempo se acha ligado ao Algarve. O paiz, porque realisado este grande melhoramento, tem uma communicação rapida não só com a rica provincia do Algarve, senão tambem com algumas cidades e villas, que se acham situadas na margem esquerda do rio Guadiana, pertencentes á provincia de Andaluzia do reino de Hespanha.

Permitta-se-me que eu aqui manifeste o prazer que sinto por se haver concluido o caminho de ferro que vae das Vendas Novas a Beja, pela plena convicção em que estou de que este grande melhoramento ha de trazer grandes vantagens não só aquella importante cidade, senão tambem ao districto; mas para que estas vantagens sejam uma realidade torna se absolutamente necessario a continuação do mencionado caminho até Mertola. Esta villa é um ponto importante pela sua industria e commercio. Tem nas suas proximidades muitas minas, e a distancia de quinze kilometros a muito importante e rica mina de S. Domingos.

Com taes elementos de riqueza, parece me de toda a conveniencia que se trate quanto antes do melhoramento, que indiquei, que considero essencialmente necessario.

Quando se não dessem as rasões que ponderei, que me parecem procedentes, bastaria a ultima que apresentei para mostrar, até á saciedade, que o caminho de ferro de Beja a Mertola é de uma grande conveniencia e utilidade publica.

Esta verdade é reconhecida pelas camaras municipaes das villas de Mertola, Castro Marim e da cidade de Tavira. Nas representações que estas camaras dirigiram á camara dos senhores deputados, e que eu tive a honra de mandar para a mesa na sessão do anno passado, se faz sentir a necessidade d'este grande melhoramento.

Unindo o meu voto ao dos illustres signatarios das alludidas representações, e ás judiciosas reflexões que n'ellas se fazem, adopto como minhas as rasões que ali se ponderam.

Por todas estas considerações tenho a honra de propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Será prolongado o caminho de ferro desde a cidade de Beja até á villa de Mertola.

Art. 2.° Fica por esta lei o governo auctorisado a começar este caminho por sua conta, dois mezes depois da publicação da mesma lei, ou a contrata-lo, por meio de uma subvenção rasoavel por kilometro, com uma companhia que dê as necessarias garantias.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, 12 de janeiro de 1864. = O deputado pelo circulo de Mertola, Fortunato Frederico de Mello.

Foi admittido, e enviado ás commissões de obras publicas e de fazenda.

O sr. Frederico de Mello: — Mando para a mesa um requerimento de D. Izabel Fortunata de Magalhães Casqueiro de Sampaio, viuva de Antonio de Sampaio Xavier Casqueiro e Silva, mãe e tutora de suas tres filhas D. Amelia Augusta Xavier Casqueiro de Sampaio, D. Josefina Xavier Casqueiro de Sampaio, e D. Adelina Xavier Casqueiro de Sampaio, no qual pede ao poder legislativo lhe faça a justiça de ampliar a lei de 13 de julho de 1863, declarando n'ella, que sejam consideradas de sangue, para os devidos effeitos, as tres pensões approvadas pela referida lei, a fim de que as infelizes agraciadas não tenham que esperar cabimento.

Vem esta senhora perante o poder legislativo implorar um acto de justiça é de humanidade, que o governo de Sua Magestade não se julgou auctorisado a praticar.

Estava bem longe de imaginar, quando tive o prazer de ter publicada no Diario de Lisboa a lei de 13 de julho de 1863, que se suscitariam duvidas sobre a sua execução. Senti satisfação quando li aquella lei, porque n'ella se concede uma pensão justissima. Nenhuma pensão por certo pôde haver mais santa e justa, do que a que trata a referida lei. Se são justas as pensões concedidas ás viuvas e filhas dos homens eminentes, e que prestaram relevantes serviços ao estado, não o são menos as que se concederam ás familias d'aquelles que foram victimas da febre amarella por haverem prestado como medicos na infeliz epocha (1857), em que grassou em Lisboa aquella epidemia, serviços importantissimos e soccorros á humanidade. Mas, com sentimento o digo, não vejo com a publicação da referida lei realisados os meus desejos. Pela exposição d'este requerimento se deprehende, que se lhe não deu execução no thesouro, por se não ter declarado na mesma lei, que a pensão era de sangue, e por dizer respeito a um amparo futuro, e não do presente.

Entendo que esta resolução não podia ter logar, e que foi illegal em vista do que mui expressamente determinam a lei de 4 de junho de 1859, o decreto de 20 de setembro de 1860 e a lei de 13 de julho de 1863.

A lei de 4 de junho de 1859 considera de sangue as pensões que se derem ás familias dos cirurgiões e medicos que falleceram prestando soccorros aos doentes da febre amarella, faltando-lhes amparo. Por decreto de 20 de setembro de 1860 foram agraciadas as tres referidas senhoras, de que falla a citada lei de 13 de julho de 1863, com a pensão de 60$000 réis cada uma, em remuneração dos serviços prestados por seu irmão, João Maria Xavier Casqueiro de Sampaio, estudante do 5.º anno medico da escola de Lisboa, fallecido da febre amarella no hospital provisorio de Santa Clara, aonde se achava por commissão do governo prestando os serviços humanitarios aos doentes atacados d'aquella epidemia, fundando-se a graça em que elle era o amparo futuro de sua mãe e irmãos, visto que o pae tinha despendido com elle, na sua educação litteraria, os poucos meios que possuia. Pela carta de lei de 13 de julho de 1863 foram approvadas as pensões ás tres referidas senhoras Casqueiros de Sampaio.

Combinando-se as disposições das leis citadas conhece se evidentemente que as pensões de que trata o requerimento a que alludo são de sangue. Nem outra cousa se pôde deprehender da letra e espirito d'aquellas leis. Que necessidade havia de declarar na citada lei de 13 de julho de 1863 que as pensões de que ali se trata eram de sangue, quando nas leis anteriores citadas são consideradas como taes? Sendo pois as mencionadas pensões de sangue, como me parece de intuição, não deviam ficar esperando cabimento, como com menos justiça foi resolvido. Os fundamentos d'esta resolução, como já disse, não me parecem juridicos. A interpretação que se deu a final á lei, sobre que se suscitaram duvidas, não me parece a verdadeira. Não tenho em vista irrogar censura á resolução tomada, que não posso deixar de respeitar; mas interpretando a citada lei de um modo diverso por que foi interpretada na repartição do thesouro, permitta-se-me que eu apresente algumas considerações, a fim de mostrar que a letra e espirito da citada lei, combinada com as duas leis anteriores tambem citadas, não pôde ter o sentido que se lhe deu na mencionada repartição.

A citada lei de 13 de julho de 1863 não faz mais do que approvar tres pensões, que já tinham sido votadas pelo citado decreto de 20 de setembro de 1860. Se pois estas pensões foram votadas em virtude de serviços prestados na epocha em que infelizmente grassou n'esta capital a febre amarella, e se a lei de 4 de junho de 1859 considera de sangue taes pensões, como se conhece d'esta mesma lei, é evidente que a lei, de que se trata, quiz considerar de sangue as pensões ali concedidas; nem outra interpretação se lhe pôde dar, visto que nella se não declara o que é lateralmente expresso na lei ultima, que approvou cento sessenta e nove pensões, onde se diz = que devem esperar cabimento =. Se pois na lei, a que alludo, se não faz esta declaração, é claro que as pensões, de que ali se trata, não têem cabimento, e que se lhe devia logo dar execução. Quando podessem haver algumas duvidas sobre a letra das citadas leis que, como já disse, me parece não ha, bastava a leitura dos relatorios que as precedem para nos convencer até á saciedade, de que as pensões de que trato são de sangue. Tambem se fundamentou a resolução alludida = em que o amparo era futuro, porque as agraciadas tinham o pae vivo =. Não é isto exacto, e este argumento não procede, e não procede não só porque o decreto de 20 de setembro de 1860 determina as pessoas a quem são concedidas aquellas pensões, senão tambem porque o pae das agraciadas já não existia ao tempo em que foi publicada a ultima lei de 1863, que approvou as pensões, pois que falleceu em 1862, como se prova com o documento junto ao mesmo requerimento.

Pelas leves considerações que apresentei, entendo que a citada lei de 13 de julho de 1863 não necessita ser ampliada, e que pôde, nos termos em que se acha concebida, dar-se-lhe desde já a devida e legal execução; mas para attender aos desejos da requerente, e mesmo porque receio que sobre a mesma lei ainda possam haver algumas duvidas, e dar-se-lhe uma interpretação diversa da que eU lhe dou, não duvido mandar para a mesa este requerimento, e pedir a v. ex.ª que queira determinar se lhe dê o destino conveviente.

Aproveito esta occasião para chamar a attenção da illustre commissão que ha de examinar este requerimento, e pedir-lhe Com instancia que queira apresentar quanto antes um parecer em que seja ampliada a citada lei, no sentido e pelo modo por que se pede no mencionado requerimento.

O sr. Garcia de Lima: — Mando para a mesa um requerimento do chefe dos guardas barreiras do Porto e Villa Nova de Gaia, em que pede ser equiparado nos seus vencimentos ao commandante dos guardas barreiras da capital.

Este requerimento parece-me justo, por isso que o vencimento que este empregado tem actualmente não é sufficiente para a sua decente sustentação, e muito mais pelo pesado serviço que elle tem n'aquella fiscalisação.

Os fundamentos d'este pedido são sobremaneira justos, e por isso peço a v. ex.ª que mande este requerimento á commissão respectiva, para ella dar o seu parecer quanto antes.

O sr. Julio do Carvalhal: — Mando para a mesa um requerimento, para que v. ex.ª lhe dê o destino competente.

O sr. Quaresma: — Não obstante não estar presente o sr. ministro das obras publicas, não deixarei de fallar n'esta sessão sobre um objecto de que já me occupei no anno passado; refiro me á passagem dos barcos de vela por baixo da ponte de ferro do Mondego.

Já na sessão passada fiz ver á camara que, não se tomando algumas medidas que possam obstar aos inconvenientes que resultam da collocação da ponte do caminho de ferro na altura em que está, se hão de repetir as desgraças que no anno findo tiveram logar.

No inverno passado o Mondego, meio cheio, obstava a que os barcos que vinham da Figueira para Coimbra não podessem armar a vela, porque não cabia por debaixo da ponte: e para evitar as desgraças que se podiam dar em consequencia da força da corrente, lembrei eu que era preciso fazer um sirgadouro por onde passassem os barqueiros em occasião de cheias. Fez-se effectivamente uma passagem por fóra do primeiro tubo da ponte, porém este meio não obstou aos inconvenientes notados, porque aquella passagem feita de novo está ao mesmo nivel que a mota, de modo que quando haja grande enchente no Mondego a agita cobre esta mota, e os barcos ficam no mesmo risco que eu apontei no anno passado.

Não sei se o sr. ministro das obras publicas já recommendou á companhia que fizesse obstar a este mal; o que é certo porém é que, para elle se evitar, é necessario que a companhia mande fazer uma mota ou sirgadouro mais alto que o nivel das maiores cheias. Sem isto não é possivel a navegação, o que é um grande mal, não só para Coimbra, mas para toda a Beira, que tem o seu commercio com a Figueira (apoiados). É necessario portanto, para não se interromper a navegação, que a companhia mande fazer um sirgadouro, cujo nivel chegue a maior altura, para obstar ás desgraças que podem succeder em occasião de grandes cheias.

Concluo pedindo ao sr. ministro das obras publicas que, não obstante não estar presente, de certo terá conhecimento das observações, que acabo de fazer, pelo Diario de Lisboa.

O sr. Levy: — Sr. presidente, desejo pedir esclarecimentos á commissão de legislação sobre a sorte que teve o projecto do codigo penal, apresentado pelo governo ao corpo legislativo ha mais de um anno, e sobre o estado em que se acham os respectivos trabalhos.

A commissão não deve estranhar que eu assim proceda: ha para isso rasões que considero de grande importancia; a primeira, perdoê-me a camara, é uma rasão pessoal, porque tendo eu tido n'esse projecto de codigo uma parte muito principal, não se deve estranhar que peça esclarecimentos a esse respeito; a segunda é a grande importancia, que ninguem desconhece, do assumpto do projecto (apoiados).

Estou persuadido que, se a commissão de legislação se tem demorado em dar o seu parecer sobre um projecto certamente de tão grande alcance social, não é porque haja da parte d'ella qualquer motivo de desconsideração para com o mesmo projecto; e por isso insto para que, com a maior urgencia possivel, apresente a esta camara o seu parecer, porque tendo este projecto merecido no estrangeiro a attenção publica, estando já traduzido em tres linguas da Europa, tendo provocado a attenção dos publicistas e criminalistas mais distinctos de todos os paizes, e merecendo até a honra de ser citado ainda ha pouco no corpo legislativo francez por occasião da discussão da lei que fez algumas modificações no codigo penal d'aquelle imperio, não é justo que seja votado ao esquecimento pela commissão; parece-me por isto que o projecto deve merecer a attenção da commissão, e ser com urgencia submettido á discussão do parlamento.

Acresce alem d'isto outra circumstancia. Nós vemos que o governo veiu apresentar á camara um projecto para a abolição da pena de morte, abolição que estou persuadido será approvada unanimemente por toda a camara (apoiados); sendo um sentimento que está no coração de todos nós. Mas não basta abolir a pena de morte, é necessario abolindo-a, substitui-la por uma penalidade adequada ás idéas do seculo em que vivemos e conforme á verdadeira natureza do direito de punir; é por isso de alta conveniencia social que com este projecto Beja discutida conjunctamente pelo menos a parte do codigo penal, que contém o novo systema de penalidades (apoiados).

A approvação do projecto de codigo penal torna-se ainda por isso mais necessaria, depois de apresentado o projecto para a abolição da pena de morte, o qual de certo, como já disse, toda a camara approvará, porque supprimida de direito a pena de morte, como já o está de facto, porque ninguem ha que entre nós possa hoje levantar o patibulo, é necessario estabelecer um novo systema penal, mas não é possivel substituir a pena de morte por trabalhos forçados por toda a vida para o ultramar, como propoz é sr. ministro da justiça, quando todas as nações estão abolindo esta pena como indigna de uma sociedade civilisada, e quando entre nós é sempre commutada pelo poder moderador. É por isso que hei de combater n'esse ponto um projecto que propõe a substituição da pena de morte por outra que tambem deve ser abolida de direito, e que já o está de facto.

Foram estas as rasões que me levaram a pedir a palavra, e prometto instar todos os dias n'este mesmo objecto.

Faço estas considerações para dar logar a que qualquer dos membros da commissão me possa dar as explicações que julgar conveniente.

O sr. Monteiro Castello Branco: — Pedi a palavra para declarar ao meu nobre collega, que se a commissão de legislação ainda não apresentou o seu parecer sobre o projecto a que s. ex.ª se referiu, não é por desconsideração para com a materia, que reputa importante, e muito menos por falta de consideração para com a illustre commissão que o preparou (apoiados).

Entretanto o illustre deputado não pôde desconhecer que a commissão de legislação tem estado occupada, principalmente na sessão passada, com projectos de alta importancia. O paiz e a camara, todos reconheciam a necessidade de uma lei hypothecaria que instantemente reclamavam (apoiados); e foi d'essa lei, e tambem de outros assumptos reclamados pela urgencia do serviço publico, que a commissão se occupou na sessão passada.

Não se occupou do projecto de que fallou o nobre deputado por esta rasão, e porque em materia penal havia e ha o codigo de 1852, que, supposto lhe reconheçamos muitos inconvenientes, comtudo é mais perfeito que a legislação que nós tinhamos sobre hypothecas, que era insuficiente para as necessidades economicas actuaes, e mais insufficiente e quasi nulla era a que tinhamos sobre registo hypothecario.

Já vê portanto o nobre deputado, que a commissão de legislação, occupando-se d'estas materias e tendo apresentado os respectivos pareceres, não podia occupar se simultaneamente de outros objectos, especialmente do codigo penal, que não pôde deixar de levar muitas sessões para a sua discussão, prendendo só toda a attenção da illustre commissão. Entretanto pôde o illustre deputado estar certo, que este objecto não é descurado por nós, e está confiado para o relatar a um dos membros da commissão de legislação, que não póde deixar de ligar a este objecto a importancia que elle tem. Apenas a commissão tiver occasião

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de discuti-lo ha de immediatamente faze-lo para apresentar o respectivo parecer. E o que posso affirmar ao illustre deputado e á camara.

São estas as explicações que tenho a dar ao meu nobre collega.

O sr. Levy: - Declaro, que estou satisfeito por hoje com as explicações da commissão de legislação, e convencido de que, se até hoje não tem apresentado o seu parecer, não é por desconsideração para com o projecto, cuja importancia declara não desconhecer. Entretanto convem notar, que a importancia do estabelecimento do systema penitenciario não é inferior á da lei hypothecaria, como pareceu querer inculcar o nobre orador que acabou de fallar; e em todo o caso se era grande a affluencia de projectos na commissão de legislação para dar andamento ao projecto de codigo penal, o remedio era nomear uma commissão especial.

O sr. Monteiro Castello Branco: — Eu não disse que o projecto de codigo penal era de inferior importancia ao projecto de lei hypothecaria; disse que a legislação sobre hypothecas era insuficiente nas circumstancias actuaes, e que a legislação sobre o registo hypothecario não só é insufficientissima, mas essa mesma anomala e em manifesto atrazo com relação aos progressos da sciencia, e que por isto, pelas reclamações do paiz e porque na parte penal tinhamos um codigo feito ainda em 1852, convinha mais tratar primeiro da lei hypothecaria do que do codigo penal.

Ligo aos dois objectos igual importancia, a cada um com relação ao fim a que se dirige, entretanto nós sobre hypothecas e seu registo não tinhamos systema algum, e o paiz carecia d'elle.

O sr. Vaz Preto: — Começarei por pedir a v. ex.ª que me inscreva para quando estiver presente o sr. presidente do conselho ou o sr. ministro do reino, pois tenho de fallar sobre assumptos de grande magnitude, e na ausencia de ss. ex.as limitar-me-hei só a mandar para a mesa uma representação, e sinto na verdade que tambem o sr. ministro da justiça não esteja presente, por isso mesmo que esta representação diz respeito a um objecto momentoso da sua gerencia; é de um parocho esclarecido da provincia de Castello Branco, é do parocho de Oledo, que tem escripto por varias vezes na imprensa ácerca da dotação do clero, e como seu membro conhece e avalia as necessidades d'esta corporação respeitavel, e vem pedir á camara dos senhores deputados olhe para os males que a cercam, e que impedem que ella attinja a missão e fim elevado que tem a preencher na sociedade.

A dotação do cléro é uma necessidade absoluta, publica e urgente, já os dois ultimos antecessores do actual sr. ministro o reconheceram, e trouxeram á camara um projecto de lei, que s. ex.ª não aceitou; é mister portanto substitui-lo por um outro e traze-lo com brevidade para a discussão, e portanto eu pediria a s. ex.ª que quanto antes, usando da sua iniciativa e da influencia inherente á posição que occupa, fizesse chegar esse projecto á discussão, para satisfazermos á necessidade urgentissima de dotar o clero com os meios necessarios para poder subsistir e desempenhar desassombradamente e com dignidade as funcções que lhe competem.

Ainda bem que entrou o sr. ministro do reino; e como tenho differentes e importantes assumptos de que me occupar, usarei da palavra para fazer uma pergunta a s. ex.ª ácerca de um objecto que, pelas circumstancias que se deram e pelo que elle é em si, julgo de importancia summa.

Quando houve essa celebre reconstrucção ministerial, em que s. ex.ª veiu occupar essa cadeira, quasi toda a imprensa que n'aquella occasião apoiava os novos ministros que tinham sido recebidos com geral desgosto e desapprovação, os proprios amigos d'esse novo ministerio diziam e repetiam frequentes vezes e em altas vozes, e supponho que era opinião geral da familia historica = que a camara dos dignos pares precisava de ser reformada; que era uma camara que não tinha rasão alguma de ser; que era uma camara impossivel, absurda; uma camara finalmente que foi classificada com os mais feios epithetos =.

Sr. presidente, se então essa camara não tinha rasão de ser, hoje que acabaram os vinculos e que tem sido modificada por tantos modos, muito menos a tem.

A imprensa, que n'essa epocha clamava e reconhecia a necessidade da reforma da camara dos dignos pares, hoje ficou muda e silenciosa, assim como os ministros que pediam que esperassem pelos seus actos, e que se denominavam rasgadamente progressistas.

Cumpre-me portanto lembrar-lhes esse desejo de outr'ora, e que hoje pôde e deve ser realisado.

Façam pois a reforma, façam-na constitucionalmente, mas não por fornadas monstruosas como as que lhe têem introduzido, permitta-se-me a expressão, pois está geralmente adoptada.

Depois de tudo que tenho dito, desejava saber — se o sr. presidente do conselho de ministros, ou qualquer ministro, porque o ministerio é solidario, pelo menos deve-o ser, está resolvido ou não a propor a reforma da camara dos dignos pares; pois, no caso affirmativo, é necessario propo-la quanto antes, para que os deputados que hão de vir, venham, em côrtes constituintes, com poderes especiaes para reformar o artigo da carta, que é constitucional; se porém s. ex.ª não está resolvido a usar da sua iniciativa que, n'este caso, pertence antes ao ministerio, diga-o francamente, que eu farei o que me cumprir. Eu desde já declaro á camara que faria essa proposta se não receiasse que fosse rejeitada, por melhor e mais util que seja, porque todas as propostas que provém da opposição têem um tanto ou quanto não sei de que; julgam-nas de má procedencia, e são geralmente mal recebidas pela maioria da camara, e quasi sempre rejeitadas. Como eu julgo que isto é de grande interesse para o paiz, receio prejudicar a reforma com a minha proposta, e espero que s. ex.ª tome sobre si este objecto, e use da sua iniciativa.

For agora não digo mais nada a este respeito, mas fallarei em outros assumptos da localidade, importantissimos; porque, como este é da maior importancia, não desejava confundi-los, quereria primeiro ouvir o sr. ministro a este respeito, e portanto aguardo a sua resposta.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO, NA GENERALIDADE,

DO PROJECTO DE LEI N.° 123

O sr. Mártens Ferrão: —... (S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Ayres de Gouveia (sobre a ordem): — Pedi a palavra para ler o projecto de resposta ao discurso da corôa, leitura esta que devia ser feita pelo relator da commissão, o sr. Belchior José Garcez, que não está presente por se achar, talvez, incommodado (leu).

Mandou-se imprimir.

O sr. Ministro do Reino (A. J. Braamcamp): — Tenho grande prazer em responder ao illustre deputado, orador sempre benevolo, nas suas expressões e que pelo seu estudo e pelo modo com que as expõe, dá novo brilho e esclarece as questões de que se occupa. Embora não partilhe das opiniões que s. ex.ª apresenta, não posso deixar de prestar este testemunho, da minha parte insuspeito, da verdadeira consideração que tenho pelo illustre deputado.

Felizmente o projecto que está em discussão não envolve questão nenhuma politica. E assumpto de grande importancia, mas de mera administração, e todos nos devemos empenhar para que a lei saia o mais perfeita que seja possivel.

Não tenho a vaidade de acreditar que o projecto apresentado pelo governo não possa ser aperfeiçoado, e portanto aceitarei as alterações que entender não prejudicam o pensamento com que foi redigido e que facilitem o fim que elle se propõe, que é a construcção de estradas, o desenvolvimento da nossa viação publica (apoiados).

Sr. presidente, depois de um longo periodo em que as nossas provincias estiveram quasi ao desamparo, quasi que abandonadas, em que as perturbações politicas, as difficuldades financeiras coarctaram toda a acção do governo, começou felizmente uma nova era, e ha dez annos a esta parte, desprendendo-se de preconceitos antigos, temos feito sacrificios avultadíssimos para poder dotar o resto do paiz com alguns dos melhoramentos materiaes de que elle carece. Temos construido caminhos de ferro e muitas das principaes estradas; temos communicado a capital com muitas das capitães dos districtos do reino, e as vantagens que já temos colhido devem de certo animar-nos a proseguir desassombradamente nesta empreza. As nossas provincias começaram emfim a gosar de algumas das vantagens de uma civilisação illustrada, e não tardou que ellas compensassem, com grande usura, os sacrificios que tinhamos feito. Por toda a parte vemos que a riqueza publica vae crescendo de dia para dia. Aonde chega a viação facil e prompta, surgem novas riquezas que se achavam como que sepultadas por falta de communicações. Os municipios procuram desenvolver as suas obras e melhorar as condições economicas dos concelhos; a civilisação cresce, e com ella o bem estar dos habitantes e a prosperidade do paiz.

N'esta ultima digressão em que me coube a honra de acompanhar a Sua Magestade, tive occasião de ver os immensos progressos que em toda a parte se notam. Em Braga, em Coimbra e em outras povoações que então ou antes visitei, pude avaliar o empenho com que as camaras municipaes tratam dos interesses locaes e do grande desejo que as anima de acompanhar a moderna civilisação (apoiados), e de progredir e progredir rasgadamente. E necessario auxiliar, favorecer este impulso; os governos têem feito muito; têem já adiantado muito; mas o que se tem feito ainda é pouco, é nada, em comparação do muito a que temos de attender.

Servindo-me da expressão de um auctor hespanhol — estas estradas principaes que ligam a capital com as capitães dos districtos, são os troncos da árvore, mas faltam-lhe ainda os ramos, que são os que dão as flores e os fructos.

E na realidade se estas estradas de primeira ordem não ligarem com as estradas municipaes, que vão levar a vida a todos os pontos do paiz, são improductivas, ou pelo menos não dão todas as vantagens que devemos esperar de tantos capitães despendidos, tantos trabalhos em andamento.

Este foi o pensamento que dirigiu o governo na apresentação do projecto em discussão. O governo entende que é necessario progredir incessantemente n'este caminho; mas para uma obra tão grandiosa, para um commettimento de tal importancia, o governo só por si não tem os recursos necessarios; precisa auxiliar-se, precisa procurar forças na acção municipal, na iniciativa particular, porque só ellas é que podem dar elementos para chegar a este resultado.

No projecto procura-se amalgamar estas duas forças, estabelecer um certo nexo e união entre o governo e o municipio, para de accordo caminharem n'esta empreza (apoiados).

O illustre deputado que acabou de fallar aceitou o projecto na generalidade, impugnando sómente algumas das suas disposições; e sendo um dos pontos em que s. ex.ª fez reparo, que a proposta era copia da legislação franceza e hespanhola.

Não quero por fórma alguma, nem procurei nunca occultar essa circumstancia. Quando as leis de paizes diversos têem em vista um fim analogo, é muito de presumir que se estabeleçam principios e disposições tambem similhantes. A lei hespanhola copiou em parte a lei franceza; a lei belga tambem adoptou muita» das disposições da mesma lei franceza, tratando todas do mesmo assumpto, e querendo trata-lo debaixo do mesmo ponto de vista, as disposições deviam ser as mesmas (apoiados).

Ainda assim, no projecto apresentado pelo governo está consignado um principio que se não encontra n'aquellas legislações, principio que o illustre deputado quiz combater, rijas que emquanto a mim é de muita importancia, e do qual espero que o paiz deverá colher melhores resultados.

Na lei tanto franceza como hespanhola compete ao poder central, aos tribunaes e corporações administrativos, dirigir todos os trabalhos, resolver todas as pendencias e questões que possam suscitar-se; no projecto em discussão, pelo contrario, a acção do governo, por assim dizer, desapparece, e substitue-se pela acção local. Em logar da auctoridade que manda, que ordena, encontra-se uma commissão em que os interesses locaes estão devidamente representados; commissão que pela sua organisação tem como principal incumbencia animar as municipalidades; despertar a sua iniciativa, excita-las e promover os melhoramentos da localidade é um nucleo, um centro que liga e dá mais vida, mais acção administrativa ás camaras municipaes.

Os negocios, em logar de estarem como até agora dependentes das secretarias d'estado, encontram a sua resolução, quanto possivel, na localidade, e só por via de recurso têem de subir ás estações superiores. E n'esta parte, se bem ouvi o illustre deputado, peço licença para notar a s. ex.ª que se enganou quando quiz demonstrar que ao governo ficava, pelo projecto, pertencendo a decisão das pendencias, quando, bem pelo contrario, elle só conhece da classificação das estradas, nos casos de recurso da commissão districtal.

Mas diz-se = que a commissão districtal tem uma organisação em que o governo exerce demasiada preponderancia =; não é assim. Analysando as attribuições da commissão é facil conhecer que a acção do governo ali não é tão nociva e tão prejudicial como o illustre deputado pareceu indica-lo.

Na escolha dos membros que devem compor a commissão procurei tão sómente que ficassem convenientemente representados os diversos interesses. A commissão não tem a seu cargo o coagir, mas sim persuadir, animar, promover os trabalhos, e ao mesmo tempo habilitar o governo para poder ir auxiliar as camaras municipaes se assim necessitarem, mas auxiliar com conhecimento de causa e imparcialidade. A commissão tem como principal incumbencia a classificação, a inspecção das obras, e a approvação dos projectos; quer dizer, quasi exclusivamente as attribuições technicas; as outras, isto é, as economicas e as penaes, ficam pertencendo aos tribunaes administrativos, a quem hoje estão encarregados pelo codigo.

Portanto a commissão tem uma feição antes conciliadora, e sendo n'ella representado o governo pelo governador civil, e a parte technica pelo director das obras publicas, os concelhos ficam tambem representados pelos mais membros que a devem compor, que são eleitos pela junta geral do districto.

Passando algumas das attribuições que n'outras legislações pertencem á junta geral do districto para esta commissão, entendeu o governo que attendia a uma necessidade urgente d'este serviço, porquanto a junta, reunindo-se só uma vez no anno e por poucos dias, mal podia desempenhar as obrigações e os deveres que por esta proposta de lei competem á commissão.

Esta fiscalisação incessante que á commissão pertence para promover o desenvolvimento da viação municipal, mal poderia ser desempenhada por uma corporação que se reune com longos intervallos e por muito pequeno espaço de tempo. É este o fim principal da commissão, e tenho intima convicção de que a experiencia nos ha de mostrar que, longe de devermos cercear as attribuições, pelo contrario será de grande conveniencia para o paiz o amplia-las a muitas outras necessidades a que os districtos precisam attender.

O sr. deputado tambem insistiu na divisão dos caminhos municipaes em caminhos de primeira e segunda ordem, ou caminhos de grande communicação e os de interesse local; mostrando que pela legislação estrangeira estes pertencem exclusivamente ás camaras municipaes, ficando ás auctoridades superiores tão sómente a classificação e superintendencia emquanto aos primeiros.

Parece-me que, pelo projecto que estamos discutindo, não são de fórma alguma cerceadas as attribuições municipaes n'esta parte, porquanto se na classificação abrange as estradas de uma e outra classe, depois d'ellas classificadas, deixa ás camaras municipaes ampla faculdade para determinar quaes são as estradas de segunda ordem que julga conveniente construir, e proceder a todos os contratos necessarios para esse fim; e reserva tão sómente para as auctoridades technicas, para os empregados competentes o auxiliar, para assim dizer, as municipalidades na superintendencia d'essas obras, e precave-las contra as fraudes e mau desempenho dos empreiteiros. A conservação, o melhoramento, a policia das estradas ficam, como hoje estão, a cargo das camaras municipaes; e se as auctoridades superiores têem de distribuir pelas camaras e de lhes marcar qual é a quota que lhes pertence na construcção ou na conservação das estradas de grande communicação, emquanto ás outras não têem ella 1 ingerencia alguma, e mesmo emquanto a essas primeiras determina a lei que nunca possa ser a quota que lhes for lançada superior á metade da verba que as camaras municipaes tiverem de applicar á construcção de todas as estradas do concelho.

Mas pensará o illustre deputado que o estabelecer como obrigação das camaras o applicarem parte dos seus rendimentos para estas obras seja (se me não engano s. ex.ª empregou estas palavras) macular a instituição municipal...

O sr. Mártens Ferrão: — Eu não disse isso.

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O Orador (continuando): — Seja coarctar as franquias municipaes...

O sr. Mártens Ferrão: — Eu não contestei esse principio.

O Orador: — As camaras municipaes, pela nossa legislação, têem muitas despezas obrigatorias de menos importancia que esta... Mas, visto que s. ex.ª não contesta esse principio, limitar-me-hei a responder ao principal argumento com que s. ex.ª impugnou o projecto, insistindo em demonstrar que offende a autonomia municipal.

S. ex.ª disse, e disse com toda a rasão, e n'este ponto encontra-me a seu lado = que devemos procurar resguardar quanto possivel, e antes fortalecer as instituições municipaes (apoiados), porque são a principal base das nossas liberdades =. Eu aceito o principio, e desejaria poder amplia-lo a ponto que esta lei fosse completamente inutil.

S. ex.ª, fallando das diversas organisações municipaes que existem, tambem se referiu ao systema inglez; e seria na verdade para desejar que podessemos, como em Inglaterra e nos Estados Unidos, entregar aos municipios a realisação dos melhoramentos locaes sem que o governo tivesse que intervir. Mas é evidente que nem o espirito do nosso paiz, nem a nossa educação politica, nem os habitos dos nossos povos permittem, por emquanto, esta descentralisação absoluta. Precisâmos infallivelmente ainda de auxiliar, pelo menos, se não activar a iniciativa local. Estamos acostumados a esperar muito do poder central, e por muito tempo ainda não poderemos deixar de proseguir d'essa mesma fórma. Porém cumpre encaminhar os povos para esse fim, e como um primeiro passo entendo que é da maior utilidade, em logar da centralisação actual da acção absoluta do governo, procurar a ligação do poder central com o municipio, para ambos de accordo progredirem. Isto é, emquanto a mim, o modo de poder pouco a pouco ir levando os povos a procurar de per si e só pelos proprios recursos as vantagens que do governo não podem receber.

Disse s. ex.ª que este projecto é um projecto do imposto; não o entendo assim, nem vejo que n'elle se estabelece imposto novo alem do que existe. Este projecto, é sim um projecto para animar as camaras municipaes e para auxilia-las, para cortar muitas das difficuldades que ellas encontrariam pela nossa legislação actual, a fim de realisarem os melhoramentos que pretendem. Mas projecto de imposto não vejo que elle seja. O nosso codigo administrativo já estabeleceu o imposto da prestação do trabalho, e este projecto não faz senão regula-lo debaixo dos principios que pareceram mais convenientes e justos. S. ex.ª desejaria que a classificação do imposto ainda fosse mais desenvolvida, estabelecendo o numero de dias de trabalho em proporção com a quota do imposto que pagam os contribuintes. Porém pareceu-me que seria complicar ainda mais sem grande utilidade, alem de que os contribuintes maiores as mais das vezes pagam não só por si, mas pelos seus creados, pelos trens ou pelos animaes que possuem. Portanto o imposto, ainda estabelecido como elle está, apresenta todas as condições de uma equitativa progressão.

S. ex.ª pareceu pôr em duvida se na contribuição do trabalho dos carros se incluia a dos animaes. Responderei a s. ex.ª que a lei é clara, e tanto que no § 1.° do artigo 17.° se diz (leu).

Por consequencia se o conductor do carro fica livre do imposto, é evidente que os animaes tambem devem ficar.

Tratar na generalidade de todos os pontos do projecto, parece-me que é embaraçar mais a discussão, e creio que mais conviria na discussão da especialidade ir acompanhando as objecções que se apresentarem a cada um dos artigos, para responder com o desenvolvimento conveniente.

Não sendo, como não foi, impugnado o projecto na sua generalidade, no ponto capital, que é promover a construcção dos caminhos municipaes, pouco acrescentarei ao que tenho dito; tão sómente me parece dever chamar novamente a attenção da camara para o verdadeiro fim da proposta; desenvolver quanto seja possivel a viação, irradiando-a das villas mais populosas para os campos e para os logares ainda os mais distantes.

Se as estradas que communicam com os pontos principaes das povoações são importantes, ainda são muitissimo mais proveitosas as que d'ali vão ás aldeias e aos sítios mais agrestes.

Caminhos d'esta natureza não só vão levar áquelles povos alguma riqueza, alguns commodos materiaes, mas o que é mais, vão dar-lhes a civilisação, as luzes, a instrucção de que elles carecem.

Portanto eu entendo que é da maior necessidade o approvar-se esta lei; não devemos affrouxar no impulso que demos á viação publica; cumpre leva-la a todos os pontos do paiz, e os resultados que alcançarmos devem inspirar confiança nas grandes vantagens que devemos colher d'esta lei (apoiados). Desejo que ella seja discutida com toda a latitude possivel (apoiados), e aceitarei as emendas que porventura possam contribuir para que ella realise os beneficios que os povos reclamam (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O sr. Ministro da Marinha (Mendes Leal) (sobre a ordem): — Pedi a palavra sobre a ordem, para ter a honra de mandar para a mesa o relatorio do ministerio dos negocios da marinha. Peço a v. ex.ª e á camara que me dispensem de o ler (apoiados), porque me fatigaria e occuparia muito tempo á camara. Requeiro que seja impresso no Diario de Lisboa.

Por esta occasião declaro, que não vem immediatamente o relatorio dos negocios do ultramar, e levará talvez mais alguns dias, mas que espero será em breve apresentado.

O sr. Secretario (Miguel Osorio): — O relatorio, que o sr. ministro da marinha acaba de mandar para a mesa, vae ser remettido para a imprensa.

(Acha-se transcripto no fim d'esta sessão.)

O sr. Bivar: — Ao projecto que está sujeito á nossa discussão, pelos commentarios que lhe fez o sr. ministro do reino não faria eu á menor objecção, não duvidaria approva-lo; mas não me parece que as disposições do mesmo projecto se casem bem com as doutrinas e idéas manifestadas por s. ex.ª

Dos principios agora estabelecidos por s. ex.ª é necessario tirar as consequencias; e se nós as tirarmos teremos um projecto que, na minha opinião, fica muito melhor e fará desapparecer as apprehensões que muitos de nós temo» a respeito d'elle.

Disse s. ex.ª «Este projecto não centralisa, não pretende enfraquecer as attribuições municipaes, pelo contrario, o meu desejo é fortalece-las; porque vejo nos municipios um grande principio de liberdade, e ai do paiz que trate de o tirar». Muito bem; de accordo, completamente de accordo com as idéas de s. ex.ª Tiremos as consequencias d'ellas e nós veremos desapparecer d'este projecto as attribuições concedidas ás commissões de viação, e que foram cerceadas ás camaras municipaes. Eu entendo, que a concessão que se fez ás commissões de viação foram um dos principaes inconvenientes do projecto. Se estas commissões tivessem unica e simplesmente as attribuições technicas, de accordo, porque eu não pretendo provar que nos municipios exista o sufficiente pessoal com as habilitações necessarias para preparar e dirigir trabalhos d'esta ordem. Mas não é assim. Nós retrogradámos a 1852; em vez de conservarmos ao municipio todas as attribuições que elle tem, fazemos um projecto, pelo qual passam certas attribuições, que são do municipio, para a commissão de viação; commissão em que, peço licença a s. ex.ª para lh’o dizer, o poder central está principalmente representado; porque o principal elemento que existe na commissão, a maioria dos membros d'esta commissão são empregados do poder central; e tanto importa que as attribuições para a centralisação estejam nas mãos do poder central, como nas mãos dos empregados do governo.

Todos sabem que em 1852, quando se publicou em França aquelle celebre decreto que tratou de conceder ás auctoridades subalternas mais attribuições do que tinham, disse-se ali que = houvera um grande melhoramento, porque a centralisação havia soffrido um grande golpe =. Não é assim; a centralisação existe depois que se decretou, que certas attribuições pertencessem aos agentes do poder central. A unica differença que appareceu foi conceder aos povos, que recorriam em tudo e por tudo aos ministerios, o recorrerem ás auctoridades subalternas, que, como representantes do governo, estão junto aos povos exercendo as attribuições do poder central.

Por consequencia, não se diga que, pelo facto de entrarem dois membros escolhidos pela junta geral do districto, o poder municipal não soffre quebra alguma com relação á commissão; porque, por outro lado, os que representam a maioria da commissão, são o governador civil, o director das obras publicas e o inspector do districto, todos agentes do poder central.

Prestei toda a attenção ao discurso proferido pelo sr. ministro do reino, porque desejava bastante que s. ex.ª me desvanecesse as apprehensões que eu tinha a respeito do projecto, por isso que não era intenção minha, nem me era possivel de modo algum adoptar todas as disposições contidas no mesmo projecto.

Homem das provincias, eu desejo que á viação municipal se dê todo o impulso, porquanto, sem a municipal, os beneficios da grande, da viação acelerada, não podem chegar a todos os cantos do paiz, nem a acelerada recebe dos mais extremos pontos d'elle o impulso que esta lhe pôde dar (apoiados).

N'estes termos sou partidario dos intuitos do projecto, mas não entendo que para os levar ao cabo devamos cortar as attribuições do mandato municipal, exactamente n'aquelles pontos em que a utilidade municipal mais se desenvolve; em que ha mais incitamento para ella; e em que finalmente as attribuições municipaes são mais sympathicas, porque hoje infeliz da camara que não trata de melhorar as suas estradas.

O sr. ministro do reino deu testemunho do grande progresso em que encontrou a viação municipal, por occasião da sua digressão ás provincias do norte acompanhando Suas Magestades. E quando s. ex.ª é o proprio que testemunhou os esforços feitos pelas camaras municipaes; quando é o proprio que deu testemunho de que as camaras municipaes, sem embargo das difficuldades da legislação actual, têem caminhado e feito obras dignas de louvor, não me parece que seja esta a occasião de lhes dizer = as attribuições que tinheis sobre estradas acabaram, e passam para as commissões de viação dirigidas pelo governo =. Parece-me que a pena que se lhes impõe, não se casa bem com o elogio que s. ex.ª lhes fez (apoiados).

As attribuições da commissão de viação não são só technicas, como disse o sr. ministro do reino, e para o provar basta citar o n.° 4.° do artigo 3.° que diz, que = ás camaras municipaes compete determinar annualmente, em vista dos orçamentos e recursos das mesmas camaras, as obras a fazer no seguinte anno =; a camara municipal pelo artigo 9.°, vigia unicamente pela execução das obras e paga as despezas feitas, mas a commissão de viação é aquella que determina o que se ha de fazer.

Basta este simples enunciado, comparado com as disposições do n.° 3.° do artigo 123.° do codigo administrativo, para se provar que nós, longe de progredirmos, retrogradámos; longe de darmos mais força ao elemento municipal, cerceâmo-lo.

Não respondo a argumentos que já tenho ouvido apresentar, e com os quaes se quer contrariar o pensamento d'aquelles que desejam, não destruir o elemento municipal, mas cerca-lo de todas as cautelas, de modo que, longe d'elle caír em abatimento, se desenvolva e prospere. Aos argumentos daquelles que entendem que ha um descuido immenso nos nossos municipios, e que onde o poder central não apparece, mais nada se faz, digo que lhes não responderei. E ainda bem que o sr. ministro não apresentou um tal argumento. S. ex.ª unicamente nos disse = que era conveniente harmonisar á poder central com o poder municipal... que o que se queria era associar o poder municipal ao poder central, de modo que ambos de mutuo accordo levassem por diante obras que só por si o poder municipal não pôde fazer.

Ainda bem que o sr. ministro não apresentou outros argumentos, a que não me faço cargo de responder, porque é a prova de que s. ex.ª não partilha as idéas apresentadas por aquelles que entendem que o municipio para nada serve, e que é uma entidade que deve desapparecer.

Eu felicito o por isso, e tratarei de examinar até que ponto é verdadeiro o principio apresentado por s. ex.ª, quando nos disse que = o que era conveniente era associar o poder central ao poder municipal =.

Entendo que se deve associar o poder central ao poder municipal; mas antes de tudo, entendo tambem que o poder central deve empregar todos os meios para que o poder municipal não caía no abatimento, em que aliás cairia se não estivesse mais do que a olhar para o poder central, e a esperar d'elle todo o auxilio. E indispensavel levar o poder municipal a fazer todos os esforços, e a exercer toda a sua actividade, e quando se reconheça que esses esforços são impossiveis, então appareça o poder central. Mas antes não, porque tudo quanto é levar os municipios a não olhar e a não esperar senão do poder central, é um modo de administrar que, longe de ser vantajoso, é prejudicial tanto ao paiz como aos governos. E n'este sentido é que entendo que deve haver associação entre o poder municipal e o poder central.

Concordo com o que s. ex.ª disse, quanto a não ter tido em vista, na organisação da commissão de viação, dar preponderancia ao poder central sobre o poder municipal, o que estava prompto a aceitar todas as modificações que fossem n'este sentido, porque o unico fim, quanto á commissão de viação, era crear uma entidade que sempre estivesse vigilante a deferir todos os dias a todas as pretensões dos municipios a respeito de viação e a superintender sobre os actos dos mesmos municipios. Mas se o nobre ministro der bastante attenção ao projecto, ha de concordar em que, sendo esse o seu sentimento, as expressões do projecto não o apresentaram, e que bom será que da parte do governo, de accordo com a commissão, parta qualquer proposta que, conservando esta commissão, pelo menos evite a organisação que dá ao poder central toda a preponderancia na mesma commissão, quando este não é pensamento do illustre ministro.

O nobre ministro, de certo por que lhe não occorreu, esqueceu-se de responder a uma consideração, a meu ver bastante forte, apresentada pelo sr. Mártens Ferrão, contra o projecto, e é ácerca da faculdade que pelo artigo 6.° se concede ao governo de unica e simplesmente, com audiencia das camaras, resolver cobre a designação das estradas, e poder classificar como estrada municipal uma que já tivesse sido considerada como estrada real. Esta attribuição tão geral que se concede ao governo para poder determinar que uma estrada que até agora era real passe para municipal, ouvida simplesmente a camara quando, para assim dizer, dois interesses podem estar em luta — o interesse municipal e o interesse geral; quando dois poderes podem apresentar-se por modo que um fique mais sobrecarregado do que outro, porque o poder municipal sem embargo de não ser considerado como poder politico na nossa constituição, comtudo ninguem lhe pôde negar a existencia; digo, esta attribuição é a meu ver tão forte e pôde ser tão prejudicial aos municipios, que eu desejava bastante ou que ella desapparecesse do projecto, ou quando não desapparecesse se dessem aos municipios mais garantias do que se lhes dão.

Creio que pela lei de 1862 se estabelece a prescripção de que se não podem alterar os traçados das estradas e introduzir novas estradas nos mappas já approvados, ou mudar a classificação d'ellas sem intervenção do parlamento (apoiados). Parece-me que nós deveriamos guardar as mesmas prescripções com relação ás mudanças que o governo pretendesse fazer de estradas municipaes para estradas de primeira ordem, ou pelo menos de estradas reaes para estradas municipaes, porque isso seria uma garantia para o municipio. Creio que esta idéa era aceitavel, e está em harmonia com os principios da nossa legislação. Em todo o caso parece-me que ninguem deixará de concordar em que a municipalidade não deve ficar só e desamparada em vista do poder central, e que se lhe devem dar mais garantias do que a simples audiencia, quando o governo quizer pôr a cargo do municipio uma estrada que até então era considerada como real.

O meu amigo e sr. deputado Mártens Ferrão, sem arguir de defeituosos os meios que no projecto se apresentam para reunir o capital necessario á construcção das estradas municipaes, disse que = esta lei tambem era uma lei de imposto ¦ =, e o nobre ministro do reino contestou que o fosse; porquanto, do que se tratava era de regularisar o imposto de trabalho, já decretado por outra lei.

Quando assim fosse, se attendermos ás prescripções do projecto, não poderemos deixar de o considerar como uma lei de imposto. A regularisação que 86 faz amplia o imposto até onde o não ha; e desde esse momento está n'essas condições.

Mas eu creio que ninguem espera que as estradas se façam sem se levantarem meios para isso. E d'onde hão de elles vir senão da bolsa do contribuinte?

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É bom não crear impostos novos, e ir utilisando o mais possivel dos já existentes.

O imposto pessoal do trabalho está já prescripto pelas nossas leis; e portanto, ampliando-o, regularisando-o, seguimos o conselho de que não se devem lançar impostos novos senão quando se verifique a impossibilidade de tirar todo o partido dos já existentes.

A redacção do projecto, torno a dizer, offerece ainda mais duvidas. O ponto principal em que ella tem sido atacada é com respeito á organisação da commissão, porque é ahi, pela redacção que se lhe dá, que são fixadas as attribuições municipaes.

Creio ter fundamentado o meu voto e respondido do modo que me foi possivel aos argumentos com que o sr. ministro do reino pretendeu combater o discurso do sr. Mártens Ferrão.

Concluindo, pedirei a s. ex.ª, no interesse da lei e em harmonia com os proprios principios por s. ex.ª estabelecidos, que, de accordo com a commissão, faça desapparecer tudo quanto possa levar-nos a suppor que ha cerceamento de attribuições municipaes. Só assim daremos documento de que o parlamento deseja não difficultar a obra que se pretende levar a effeito, mas em tudo e por tudo fortificar o principio municipal.

O sr. Secretario (Miguel Osorio): — Vou ler um officio, recebido n'este momento, do sr. visconde de Sá da Bandeira.

Leu-se na mesa um officio do sr. visconde de Sá da Bandeira, participando que havia pedido a sua demissão de ministro da guerra, e que Sua Magestade lh'a havia aceitado; e bem assim agradecendo as provas de benevolencia, que a camara lhe tinha dado sempre.

A camara ficou inteirada.

O sr. Mártens Ferrão (sobre a ordem): — Eu desejaria que o governo, sobre o incidente que acaba de se apresentar, declarasse a cargo de quem estão os negocios da guerra. Nada se communicou á camara a tal respeito, e parece-me que valia a pena de o fazer, porque é este um negocio importante (apoiados).

O sr. Carlos Bento (sobre a ordem): — Como deputado e antigo collega do cavalheiro que acaba de deixar a gerencia dos negocios da guerra, considero-me na necessidade de declarar que, qualquer que seja o modo por que se avaliem as medidas de s. ex.ª, eu não posso deixar de reconhecer agora, como sempre, no que esta camara de certo me acompanha, que aquelle cavalheiro é homem que ha de ser em todos os tempos a honra do paiz a que pertence (muitos e prolongados applausos).

O sr. Visconde de Pindella: — Tratando se da discussão do projecto que actualmente nos occupa, eu não quereria deixar de fazer algumas reflexões sobre este assumpto, porque tenho a este respeito opiniões muito outras do que alguns que vejo n'este projecto.

Serei breve. Depois do que ouvi ao illustre deputado e meu amigo, pelo Algarve, que mais detidamente analysou as disposições do projecto, e impugnou as observações que o nobre ministro do reino offereceu ao meu illustre amigo, o sr. Mártens Ferrão, pouco tenho a dizer, mesmo para não roubar tempo á camara, e porque bem pouco a poderia illustrar.

Tambem eu entendo que este projecto (e pelo menos dois dos meus collegas são da mesma opinião), embora o nobre ministro do reino diga que = mais fortalece as camaras municipaes =; em logar de as fortalecer corta-lhes de certo modo as attribuições. Não vale dizer: «quero respeitar a sua iniciativa», quando depois de o ouvirmos, lemos este projecto que nos diz o contrario d'isso, nem que algumas duvidas, ou as muitas duvidas que possam haver sobre esta ou aquella obra encontram a sua resolução na localidade, como ha pouco ouvimos da bôca do sr. ministro do reino. Isto queria eu, queriamos nós, mas não o vimos no projecto em discussão (apoiados).

Em casos identicos sempre me oppuz á centralisação e a cortarem-se essas pouquissimas attribuições que os municipios ainda têem entre nós, e menos ficarão tendo se o projecto, cujo pensamento eu louvo, for approvado tal qual está (apoiados).

Guardarei, sr. presidente, para quando se tratar da especialidade, porque é então a occasião opportuna, fazer outras muitas considerações; mas como se tem fallado um pouco em detalhe no projecto, permittir-me-ha V. ex.ª e a camara que eu tambem declare — que não concordo com a formação da commissão districtal ou de viação, como o projecto lhe chama, porque na minha opinião, como tambem já está dito, mas não posso deixar de repetir, fica composta na maxima parte de empregados, e por consequencia fica o governo com acção muito directa e muito positiva n'esta commissão.

Eu desejaria que, mesmo para dar mais vida aos municipios e para maior regularidade das obras que se hão de fazer, que esta commissão fosse composta da junta geral de districto que, como todos sabemos, é presidida pelo governador civil e votada pelas camaras e concelhos municipaes.

D'este modo entendo que não haveria rivalidades entre as terras, porque aquellas que são cabeça de districto, por essa circumstancia desejam mais obras, maior engrandecimento; e isto não é censura, nem eu me dirijo a nenhuma em particular, mas é o que naturalmente acontece, e que tem uma explicação obvia, que escuso de indicar agora. A verdade é esta (apoiados).

Parece me pois que, se esta commissão fosse composta do presidente da camara, da auctoridade administrativa que, como todos nós sabemos, tem já um certo numero de attribuições para com o municipio, e dos membros da junta geral de districto, que são votados pelas camaras e concelhos municipaes, seriamos mais justos e as camaras tomariam a posição que eu desejo que tenham e que me parece que cada vez vão a perder mais.

Já disse a v. ex.ª, e repito, que se continuasse a discutir n'este campo, cairia na especialidade, do projecto, e agora apenas tratámos da generalidade d'elle; porém eu vi que tanto o illustre deputado que abriu o debate, como o nobre ministro que lhe respondeu, seguiram esta estrada, e por consequencia parece me que a camara não poderia reparar que eu continuasse tambem a tratar a questão n'este terreno; mas já disse que não desejava faze-lo, e unicamente quero consignar bem distinctamente o meu voto de que, louvando o pensamento do projecto, e desejando, como todos nós, a prosperidade dos municipios, desejava ao mesmo tempo que fossem zeladas as suas prerogativas, e não me parece que o projecto satisfaça a esta segunda parte. Se vamos neste andar, se formos tirando todas, as garantias ás camaras municipaes, reduzindo-as a uma especie de machinas, não sei como haverá quem queira, continuar a servir similhantes cargos que têem uma certa, responsabilidade, ou antes muitissima responsabilidade, sem remuneração alguma.

Espero que o nobre ministro e a illustre commissão, cujo relator, o sr. Aragão, vejo a meu lado, e tem tomado apontamentos, que é pessoa competentissima neste assumpto, porque já administrou com muito louvor, e sabe perfeitissimamente o que são estas instituições municipaes, hão de ter era vista o que acabo de dizer; posso estar em erro, mas é boa a minha intenção.

Não quero, sr. presidente, fazer um discurso, o meu fim é unicamente deixar bem certa a camara e o paiz de que eu não quererei nunca que se tirem aos municipios attribuições que elles merecem, e que entendo que devemos zelar as suas prerogativas.

O projecto, emquanto a mim, não é aquillo de que o nobre ministro está persuadido, digo o francamente (apoiados). Não vejo n'elle a iniciativa das camaras, nem vejo que sejam fortalecidas as suas prerogativas; pelo contrario entendo que nem uma nem outra cousa o projecto estabelece.

Eu sei pela pratica o estado a que estão reduzidos os municipios, as difficuldades com que lutam quando querem fazer alguns melhoramentos (justa compensação do seu trabalho e fadigas), e as obras que têem de levar a effeito para assim corresponderem á confiança que mereceram aos seus patricios, e, d'este modo, entendo que em logar de os ajudar, vamos desajuda-los. Louvo o projecto, repito, voto por elle, acho o seu pensamento magnifico, mas quizera-o desenvolvido de um outro modo, quizera tirar a acção ao governo, que é reconhecida, que é palpitante; e basta para o conhecer ver-se a commissão de viação que, como já disse, na sua maioria é composta de empregados, e por conseguinte o governo com toda a acção sobre ella. Voto contra este, permitta-se a phrase, monopolio do poder.

E como não ha de ter o governo toda a acção sobre ellas não havendo n'essas commissões senão dois membros da junta geral do districto? Alem d'isto, note a camara, esses podem pertencer a uma só terra, ficando as outras neste caso, sem ter quem as represente convenientemente (apoiados).

O nobre ministro respondendo ao meu illustre amigo, o sr. Mártens Ferrão, disse que = as juntas geraes de districto só se reunem uma vez por anno, e que por consequencia não se lhes podia dar mais esta attribuição =. Ainda que a lei não as obrigue a reunirem-se mais de uma vez por anno, o que é verdade é que ellas reunem se tantas vezes quantas o serviço publico, o exige, e por conseguinte não se recusariam a reunir-se para este serviço, que de mais a mais era para interesse de, todos.

Não continuo; tem a palavra o sr. relator da commissão, e creio que a tem tambem o meu nobre amigo, o sr. Mártens Ferrão. Ss. ex.ª dirão — o illustre relator da commissão aquillo que tem a dizer combatendo este principio, e o meu nobre amigo aquillo que ainda tiver a bem d'esta mesma idéa — de não cercear as attribuições dos municipios. Dito isto aguardo a especialidade do projecto para então me associar a algumas propostas, que os meus nobres amigos mandarem para a mesa, ou então terei a honra de apresentar as que entender. Não se diga, porque isso não basta, é necessario fazerem se estas pequenas estradas para que as grandes tenham toda a sua utilidade; não basta que se diga — é preciso que os concelhos tenham vida e se mostrem (n'esta grande regeneração de melhoramentos publicos; é necessario, é preciso tambem ver o modo como tudo isto se pôde e se deve realisar; n'isto é que está tudo, e eu espero que a camara o ha de attender. Tenho terminado (apoiados).

O sr. Mártens Ferrão (para um requerimento): — Ha pouco fiz uso do meu direito, e segundo as praticas parlamentares e constitucionaes dirigindo uma pergunta ao gabinete em referencia ao documento importante que acabava de ser lido na mesa.

Um dos ministros da corôa acabou de participar á camara que pedíra a sua demissão. Não sei se isso se pôde considerar como uma crise ministerial ou não, nem entro n'esta parte; mas o que desejo é saber quem ficou encarregado da pasta que geria este distincto cavalheiro. Resposta esta a que o gabinete não pôde deixar de corresponder, e mesmo folgará que da minha parte ou da de outro qualquer deputado saia esta provocação. Estas são as praticas constantes do parlamento. Desejaria pois que o governo, não havendo inconveniente, explicasse se alguma rasão de estado ou ponto politico motivou aquelle cavalheiro a saída dos conselhos da corôa.

Não é necessario dar mais amplitude a esta pergunta, e espero que a resposta do gabinete sera cathegorica.

O sr. Ministro da Marinha: — Em poucas palavras posso responder á pergunta feita pelo nobre deputado.

O sr. visconde de Sá antes de entender dirigir este documento á camara, tinha-se dirigido ao sr. presidente do conselho de ministros communicando lhe a sua resolução.

Já se vê que a pasta continua entregue á pessoa que a estava gerindo, emquanto não for substituida: e dos passos que se seguirem o governo dará communicação á camara. Vozes: — Muito bem.

O sr. Aragão Mascarenhas: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Mártens Ferrão: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã são trabalhos em commissões, e para sexta feira, alem da que já estava dada, mais os projectos n.°* 65 e 160 do anno passado.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Relatorio dos negocios da marinha apresentado á camara dos senhores deputados em 13 de janeiro de 1864

Senhores. — Como no anno anterior, venho cumprir o dever de expor-vos os actos da minha gerencia no periodo decorrido, e as considerações que, ácerca d'esta administração, o tempo, a experiencia, e a consulta dos homens, das corporações, e dos estudos competentes, me têem suggerido.

Tambem, como no anno anterior, na ordem dos factos me limitarei aos factos. Na ponderação das necessidades, a que nos cumpre satisfazer para nos elevarmos ao grau, não já. de potencia naval, mas sequer de nação maritima, nada vos dissimularei. N'este, como em todos os ramos, cumpre que o paiz saiba a verdade, toda a verdade, e só a verdade. Será o modo de dissipar erros perigosos e de evitar illusões funestas. Será porventura estimulo para acompanhar com patriotico esforço o que tenho em conta de auxiliar poderoso, senão essencial fundamento, da futura grandeza nacional.

Começando por vos apresentar singelamente o que foi feito, concluirei com vos resumir o que me parece conveniente ir-se gradualmente tentando e effectuando, sem nunca perder de vista o nosso estado e circumstancias.

PESSOAL

Majoria general. — Cumpriu-se a carta de lei de 13 de julho de 1863, que restabeleceu o importante cargo de major general da armada. Decretando-se o regulamento, que verdadeiramente completa a mesma lei, definiram se as respectivas attribuições de accordo com os principios n'ella contidos, e como era essencial para clara distribuição das obrigações e melhor ordenança do serviço.

Quadro da armada. — Conta hoje o quadro activo da armada os seguintes officiaes: Almirante graduado.................... 1

Chefe de esquadra...................... 1

Dito graduado......................... 1

Chefes de divisão...................... 4

Dito graduado......................... 1

Capitães de mar e guerra................ 9

Capitães de fragata..................... 20

Capitães tenentes....................... 30

Primeiros tenentes...................... 50

Segundos tenentes...................... 78

Vagas no posto de segundo tenente........ 22

Inspecções. — Têem sido ultimamente inspeccionados alguns officiaes, cuja idade, cançasso e deteriorações os arredavam naturalmente da laboriosa vida do mar, para que são indispensaveis, como é sabido, diversos predicados physicos, sem os quaes não ha possibilidade de bom serviço. Só perante os pareceres competentes da junta de saude foram aquelles officiaes passados á classe de veteranos, sendo as vagas que deixaram immediatamente preenchidas pela ordem rigorosa da escala.

Engenheiro constructor para Goa. — Enviou-se á capital da India, com o fim de se construirem ali duas corvetas de systema mixto pelos riscos e formas da Infante D. João, um engenheiro constructor, e vae mandar-se um mestre de carpinteiros. A barateza da mão de obra, a excellencia e muito menor custo das madeiras estavam aconselhando o aproveitamento d'aquelle antigo arsenal, e de outros meios ainda existentes, ou facilmente renováveis, para em taes paragens se continuarem construcções importantes. Os engenheiros constructores que vão servir na India, hão de ser substituidos no fim de cada cinco annos. D'esta pratica resultará haver sempre ali homens habilitados e a par com os ultimos passos da sciencia na Europa.

Officiaes marinheiros. — Deu-se plena execução á carta de lei de 13 de julho de 1863, que alterou a antiga qualificação, augmentou os vencimentos, estabeleceu as habilitações e modo de admissão, definiu emfim a situação e futuro aos officiaes marinheiros da armada. Foram os que existiam inspeccionados todos; os que já não podiam servir activamente passaram a veteranos; d'estes empregaram se nos serviços compativeis com as suas forças os relativamente mais validos e habeis. Abriu-se lhes por esta fórma,

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em execução da referida lei, uma prespectiva que, alentando-lhes a esperança, os convida ao bom serviço. Com se avigorar esta classe utilissima, prepararam-se novos elementos de força, aproveitando até ao fim as aptidões adquiridas, segundo os diversos graus da sua capacidade e prestimo.

Recrutamento maritimo. — Nesta difficilima parte da administração, não obstante os multiplicados esforços do governo para tornar justo, igual e o menos oneroso possivel similhante tributo, esforços provados nas reiteradas providencias tendentes a beneficiar as populações sem prejudicar o serviço, o resultado não tem sido tão completo quanto seria para desejar. O estudo e a experiencia estão indicando a necessidade de rever e modificar a legislação existente. N'este intuito, e para este fim, propuz, e já se acha nomeada, uma commissão, composta das pessoas mais peritas n'este ramo, delegadas pelos ministerios do reino, guerra e marinha. Emquanto porém se não melhora a legislação, foram aquellas diversas determinações, concernentes á lei actual, ampliadas, reunidas e codificadas, para que seja facil e accessivel a todos comprehende-las e comprehender a mesma lei, impedindo-se por este modo o abuso, assegurando-se a cada um prompta faculdade de reclamação ácerca de qualquer erro ou dolo, cortando se até a suspeita de que não chegue ao conhecimento do governo qualquer arbitrariedade praticada pelos seus delegados, quando a houver. Com esta diligencia conseguiu-se que o numero dos reclamantes contra o apuramento maritimo descesse a menos de metade comparado com o anno anterior, e a muito menos de um terço comparado com o antecedente.

Para melhor prova e evidencia, eis-aqui distribuido por mezes o quadro comparativo das respectivas reclamações nos tres ultimos annos.

[Ver diário original]

Commissões. — Seguindo o systema que já no precedente relatorio tive a honra de expor-vos, nas differentes funcções que não pedem ao homem do mar toda a energia e vigor dos primeiros annos, mas em que pôde principalmente ser util a circumspecção e a experiencia, taes como algumas capitanias de portos e outros varios cargos relativamente sedentários, têem sido empregados os officiaes da armada que, pertencendo ao corpo de veteranos, podem ainda desempenhar aquellas funcções com proveito seu e do estado, deixando livre para o serviço activo, que muito o necessita, o maior numero possivel de officiaes do quadro effectivo.

Veteranos de marinha. — O corpo de veteranos de marinha desde a sua creação não fóra ainda inspeccionado, como é de uso e lei. A fim de cumprir este grave e impreterivel preceito, se incumbiu a um digno official general tão importante commissão, cujos trabalhos proseguem, e dos quaes aguardo o resultado.

Processos. — Foi de 181 no ultimo biennio o numero de processos a individuos dependentes d'esta direcção do ministerio.

[Ver diário original]

A differença de 34 para mais que apparece nas deserções do anno findo, resulta de se haverem eliminado em 1862 51 individuos, que foram indultados, e n'esse anno deviam figurar. Sommando estes indultados, quasi todos, senão todos, desertores, com aquelles que effectivamente foram julgados por tal crime, achâmos em 1862 56, e em 1863 45. Consequentemente, diminuição n'esse crime, como na totalidade dos criminosos.

Supranumerários. — Um crescido numero de supranumerarios estava aggregado aos quadros do arsenal com o caracter de permanencia, onerando estes de uma despeza tambem permanente e dispensavel. Sem violencia, fazendo unicamente passar aquelles supranumerarios para os quadros á medida que apparecem vagas, se tem feito descer o referido numero, que era de 191, a 165, resultando uma economia que orça por 3:400$000 réis annuaes.

INSTRUCÇÃO

Escola naval. — O numero dos aspirantes a guardas marinhas cresceu consideravelmente no anno findo, como se vê da seguinte comparação. Em 1862 era este numero de 138; em 1863 subiu a 175: differença para mais 37. Passaram a aspirantes de 2.ª classe 3 da 3.ª; a aspirantes de 1.ª classe 3 da 2.º Foram approvados nas cadeiras que constituem o 1.° anno da escola naval 3 aspirantes; nas do 2.º anno foi approvado 1.

O diminuto dos approvados, se estes se comparam com o movimento da entrada, provém de diversas causas. Em primeiro logar, esse movimento é recentíssimo, e os alumnos, que hoje ultimam o curso naval, correspondem aos annos em que tal movimento successivamente decadente mais baixo descera. Em segundo logar, as condições actuaes da escola não são as que mais podem attrahir e melhor aproveitar, como todos reconhecem, e como já opportunamente vos ponderei quando tive a honra de vos apresentar a proposta de auctorisação para a respectiva reforma, proposta por que de novo e muito empenhadamente vos insto, como essencial e fundamental necessidade, pois que de balde se augmentaria o material se logo se não proporcionasse um pessoal convenientemente instruido.

Pensionados. — Para prover a esta falta, bem visivel no numero de vagas que se dá na classe dos segundos tenentes, foram mandados praticar nas esquadras inglezas 1 guarda marinha e 2 aspirantes, tudo dentro na competente verba do orçamento, a qual verba muito convirá ser ampliada, a fim de multiplicar os habilitados, regulando melhor as respectivas condições, e mandando praticar os assim subsidiados, não só na marinha ingleza, senão tambem na franceza, onde tambem encontrarão a instrucção mais completa.

Pilotos. — Foram examinados e approvados, na escola naval, para seguirem a carreira de pilotos dos navios de commercio 92 individuos.

Escola de tiro. — Estabeleceu-se a bordo da nau Vasco da Gama uma escola naval de tiro, onde desempenha as funcções de instructor o official que ha pouco recolheu de visitar analogos estabelecimentos em França e Inglaterra, de lhes observar a organisação e disciplina, e de se aperfeiçoar nos estudos correlativos, a fim de estabelecer entre nós uma instituição sem a qual a marinha de guerra seria incompleta.

Posto que deva ser, e effectivamente seja, cada um dos navios da armada uma escola pratica de artilheria, indispensavel era a creação d'esta escola central para a unidade dos exercicios, divulgação dos preceitos, iniciação dos novos methodos, finalmente para cabal habilitação de individuos que, auxiliando os officiaes, vão depois diffundir por todos a instrucção recebida e os aperfeiçoamentos -experimentados. Cumpria tambem educar e adestrar convenientemente homens aptos para desempenharem a bordo o importante cargo de fieis da artilheria. Necessitava-se por ultimo fazer versar quotidianamente, e uniformemente, a parte das guarnições que se destina a este especial serviço, assim nos exercicios e manobras geraes d'essa principal arma dos navios, como nos progressos, que de dia para dia se introduzem nos mesmos exercicios e manobras. Para melhor se alcançar este fim vão destacamentos dos navios de guerra praticar por turno na escola central.

Escola de pilotagem em Faro. — Abriu-se no dia 2 de outubro passado esta escola, mandada crear n'aquella cidade por carta de lei de 7 de julho de 1863. E frequentada no corrente anno lectivo por 3 alumnos unicamente, sendo todavia de esperar que maior numero irá nos annos seguintes aproveitar os beneficios de tal instituição.

Escola do arsenal da marinha. — Foi esta escola cursada no anno findo por 194 aprendizes. D'estes fizeram exame 20, ficando approvados com louvor 4, plenamente 6, e pela maior parte 5. O rigor nos exames concorrerá poderosamente para que no futuro todos os operarios d'aquelle estabelecimento tenham a instrucção conveniente e a mais apropriada á sua honrada carreira, como se vê do quadro das disciplinas que já no precedente relatorio tive a honra de expor-vos.

Instrucção pratica. — No intuito de aperfeiçoar os operarios e os trabalhos, proporcionando aos primeiros os meios de se instruirem com utilidade propria e do paiz, vae praticar nas officinas de Inglaterra por conta do estado um operario de cada uma das, principaes classes, para esse fim já escolhidos todos, em determinadas e justas condições de idade, aptidão e comportamento, de entre os melhores do quadro effectivo das respectivas officinas, a fim de que, aprendendo ali os mais recentes e proveitosos methodos, venham depois applica-los e propaga los no mesmo arsenal e no paiz.

Observações meteorologicas. — Têem estas continuado a bordo, dos navios do estado, effectuadas com o cuidado e esmero que ainda não deixaram de merecer aos nossos officiaes de marinha repetidos e distinctos louvores dos competentes. Contribue o conjuncto de todas essas observações para se alcançar o fim a que todos aspiram; e, entre outros que se encadeiam com a generalidade das sciencias, o poder com maior grau de probabilidade predizer antecipadamente as perturbações atmosphericas, acautelando o commercio e a navegação, com summo proveito das nações em economia de vidas, com grande utilidade das fortunas em economia de fazenda. Ainda que nem sempre infalliveis taes predicções, são já ellas sufficientemente antecipadas, e consideram-se tão verosimeis que determinaram a organisação de um serviço de proveitosos avisos, sendo os resultados, n'este sentido alcançados em Inglaterra e França, reconhecidos, agradecidos e celebrados por todas as classes cultas. Aconselham e instigam esses resultados a que se prosiga activamente n'esta obra commum da sciencia e da humanidade, em que todos os povos civilisados hoje cooperam.

Praticante do observatorio de Pulkowa. — Para melhor poder auxiliar os trabalhos referidos fóra enviado a esse observatorio o tenente Frederico Augusto Oom, a fim de ali se exercitar na pratica da astronomia e dos instrumentos mais modernos e aperfeiçoados. Tendo terminado com distincção os estudos respectivos, regressou este official e foi logo mandado coadjuvar a commissão encarregada da edificação do observatorio astronomico de Lisboa.

Viagem ao Japão. — Conhecem todos o serio interesse que actualmente se liga ás descripções de viagens e a tudo quanto pôde vulgarisar noções ácerca dos paizes menos conhecidos da Europa. Com o fito de concorrer por parte de Portugal para este geral empenho, evidenciando ao mesmo passo os serviços que os nossos navegadores ainda não deixaram de prestar, se publicou e distribuiu a descripção e relatorio da viagem da corveta D. João I ao imperio japonez, segundo o texto elaborado pelo seu commandante o capitão de fragata Feliciano Antonio Marques Pereira.

Compendio de direito maritimo internacional. — Por portaria de 1 de agosto do anno proximo findo foi incumbido ao segundo tenente Antonio Filippe Marx de Sori o encargo de coordenar um compendio de direito maritimo internacional, em que se resumam as praticas geralmente adoptadas e estabelecidas entre os povos navegadores, os mais essenciaes principios donde taes praticas derivam, e as especiaes noções historicas relativas á marinha e á navegação. Por este modo, devidamente colligido e consubstanciado o que ao homem do mar convem saber, poupa-se aos estudiosos inutil despendio de tempo em procurar e recopilar esses essenciaes conhecimentos, aos remissos proporciona-se facil modo de adquirir, e a cada opportunidade verificar ou avivar, o que sem isso acaso lhe seria estranho ou ignoto. Assim se faz nas mais diligentes e adiantadas nações para doutrinar e generalisar; assim se fortalece a instrucção technica, sem obrigar o espirito a prolixas investigações e largas diffusões. Apesar das difficuldades do assumpto e da brevidade do tempo, acham-se promptos os capitulos que comprehendem os principios geraes de direito internacional, e prosegue activamente a parte relativa ao direito maritimo durante a paz. Concluirá a obra com o que respeita ao direito maritimo durante a guerra.

Annuario da marinha. — Notava-se a falta de um registo em que se podesse achar o que mais interessa esta grande instituição, onde fossem archivados os serviços quotidianos da nossa marinha de guerra e de commercio, onde emfim encontrassem necessario logar, já os testemunhos de gratidão a gloriosas acções, já um util estimulo a novos commettimentos. Convinha tambem tornar publicos e notorios os meios de que dispõe o nosso commercio maritimo, e qual a importancia e capacidade de suas fabricas e productos. Para iniciar tão proficuo emprehendimento estava naturalmente indicado, por seu esclarecido patriotismo, por sua provada competencia e entranhado amor ás cousas maritimas, o conselheiro director da escola naval. A este funccionario foi pois incumbido o colleccionamento e a redacção d'esse repositório especial, que deverá saír tão copioso quanto seja possivel.

Museu de marinha. — Apropriou-se uma das salas do edificio do respectivo arsenal para servir de museu de marinha. Com o fim de recolher, aproveitar e devidamente classificar os monumentos gloriosos da nossa gloriosíssima historia maritima, que andam dispersos ou jazem ignorados, se creou esta instituição, agora modesta, em breve digna do seu fim, segundo é de esperar do sentimento nacional, e das luzes do funccionario acima referido, a quem ella foi tambem encarregada. Como poderoso elemento de instrucção servirá o que se poder ir successivamente adquirindo; como resgate da nota de imperdoavel indifferença servirá o acatamento ás venerandas reliquias dos eminentes serviços de Portugal á causa da civilisação, e «eus nobilíssimos feitos em terras longiquas e mares não devassados. Conta por emquanto o novo e nascente museu poucos objectos, bem que preciosíssimos alguns. Creio porém firmemente que aos esforços, já empregados pelo governo perante alguns possuidores de muito importantes antiguidades que ali achariam o mais decoroso deposito, ha de corresponder desassombrado o patriotismo d'esses particulares, tornando por este modo mais honrosamente patentes os seus brasões de familia, secundando assim os desvelos com que se procura pagar esta divida publica e utilisar em proveito do futuro as memorias do passado, como fazem todos os povos que respeitam os seus titulos nobiliários e amam os seus legitimos progressos.

Exercício de tiro. — Em cumprimento das ordenanças e regulamentos, não derogados e de manifesto proveito, foi por seu turno, de 7 de julho a 4 de agosto, cada um dos navios fundeados no Tejo, que constituem a divisão de reserva, por oito dias successivos adestrar-se no tiro de artilheria ao alvo em frente da Trafaria, e nos mais exercicios e manobras que os mesmos regulamentos recommendam. Alem de ser satisfação de um preceito, que de certo não convem deixar caír em desuso, a utilidade de taes exercicios é de todos reconhecida, e os seus resultados já foram publicos nos correspondentes relatorios especiaes.

Cruzeiro de instrucção — As corvetas da mesma divisão Estephania, Sá da Bandeira e Goa, com o Mindello alguns dias, e sem este o resto do tempo, por lhe haver sido destinado outro serviço, effectuaram um cruzeiro de instrucção nas costas do norte durante vinte dias, para manobras geraes e de esquadra. Como ninguem ignora, uma cousa é a manobra de um só navio, outra, e mui diversa, são as evoluções combinadas de mais de um. Elementar é tambem que, assim como nos exercitos de terra não se instrue o pelotão como a companhia, o regimento como a brigada, a brigada como a divisão, nem basta o exercicio especial de cada uma d'estas unidades tacticas para obter um regular conjuncto de forças aptas a que se possa dar esse nome de exercito, tambem nas armadas a instrucção de cada uma das tripulações não suppre a instrucção mais geral e mais vasta, sem a qual pôde haver navios excellentes e excellentes guarnições, mas não ha a pericia e accordo que só se alcançam n'uma navegação em que diversos participem, e tenham de mutuamente ajustar os seus movimentos nas variadissimas condições de tempo e mar, ou outras, que se possam offerecer. Sendo trivial, como é, o conhecimento d'estas verdades, a proficuidade, a absoluta necessidade dos cruzeiros de instrucção com o numero de navios que possa estar disponivel, é de tal modo evidente, que dis-

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pensa maior insistencia em tão sabido assumpto; devendo unicamente attribuir-se a uma absoluta impossibilidade a anterior falta de reiterados exercicios d'este genero, falta que, por haver ha muito deixado incompleta a educação do nosso pessoal maritimo, com mais empenho se deve agora atalhar, repetindo com a possivel frequencia aquelles exercicios para se não conservar lacuna tão grave e sensivel na respectiva instrucção.

Se não fóra assim clara e manifesta á boa rasão a utilidade d'estes cruzeiros, que não oneram de maiores despezas a fazenda, por quanto os navios armados fazem proximamente a mesma despeza quando ociosos e inactivos no Tejo, onde na immobilidade se deterioram simultaneamente navios e guarnições sem a menor compensação nem proveito publico; se não fóra, direi, por tal modo clara e manifesta a utilidade d'estes cruzeiros de instrucção, bem como a de ter os navios permanentemente congregados sob um commando superior, que de continuo os fiscalise e dê a necessaria unidade á disciplina, seria sufficiente para recommendar similhante uso a auctoridade de um eminente especialista francez, official distincto em todas as praticas do mar, e pela sua alta posição collocado nas mais elevadas regiões, o qual em 1859 textualmente escrevia: «Forças dispersadas apenas reunidas, sem liame entre si, sem cohesão nem conjuncto, navios desarmados logo depois de armados, tripulações desembarcadas sem terem podido conhecer-se e adquirir a valia que unicamente dá a longa e commum aprendizagem, todos esses elementos, por melhores que sejam em si mesmos, nunca formarão o que se deve chamar armada». Estas memoraveis e sensatissimas palavras são para o nosso estado, creio, de uma applicação irrecusavel.

Se tambem nos exercitos de terra nem só o numero se considera, nem só elle constituo a principal qualidade — por igualdade, senão por maioridade de rasão, nem só ao numero se ha de attender quando se trata das forças maritimas. Com dois navios sómente, e no meio das mais graves preoccupaçães, começou em 1839 o almirante Lalando o cruzeiro que, na opinião dos entendidos, fundou a instrucção da moderna armada franceza. Com diminuto numero de navios de pequeno porte está actualmente no Japão um almirante britannico dirigindo operações de campanha de sumiu a importancia.

Condensar no menor apparato a maior pujança é hoje, como se sabe, o fito de todos os esforços. Para alcança-lo contribuo, não menos que a potestade cega das machinas, a organisação intelligente, o incentivo da emulação, e o fraternal espirito, que só podem existir onde se estabelecem e abraçam a convivencia e a concorrencia, o laço que une e o estimulo que desperta, principios fundamentaes de todas as grandes cousas.

Assim se cria a tradição, legado de normas cada dia enriquecidas, cadeia de aperfeiçoamentos successivos que parte de um élo inicial — a honra da corporação e da bandeira. É isto o que, no conceito do versado escriptor já referido, se torna-o primeiro elemento de toda a marinha de guerra. Foi isto o que, segundo o geral parecer, poderosamente preparou a actual grandeza e prosperidade, assim da marinha ingleza, como da armada imperial.

O numero de navios destinados a começar taes exercicios não podia pois ser objecção nem impedimento, antes maior instigação, já porque todo o poder é relativo, já sobretudo porque, onde mais escasseia a força numerica, mais accurada deve ser a instrucção para supprir essa força, aproveitando melhor os recursos existentes, com os quaes outros novos se podem dispor.

Do singelo e franco relatorio em que se consignaram os resultados do cruzeiro de instrucção, effectuado pela nossa pequena divisão, relatorio publicado em 11 de setembro de 1863, tereis visto, senhores, quaes foram esses resultados, como elles attestam quanto eram necessarios aquelles exercicios, e quanto convirá opportunamente amiuda-los.

MATERIAL

Construcções. — A corveta Sá da Bandeira, que em 12 de janeiro do anno findo se achava em Inglaterra para receber a respectiva machina, fazer as disposições internas que o assentamento d'esta exigia, e completar-se em armamento e todos os accessorios, que os progressos da sciencia têem mais recentemente melhorado ou introduzido, regressou" effectivamente a Lisboa em 15 de fevereiro de 1863. As provas repetidas e os differentes relatorios dos commandantes d'este navio, distinctos e bem conhecidos officiaes, certificam as excellentes qualidades nauticas do mesmo, e a sua inteira aptidão para todas as commissões que podem ser confiadas a vasos de tal classe.

A corveta de vapor Infante D. João, que na mesma data se achava encavernada e prompta a continuar as demais obras, foi lançada á agua em 2 de julho do anno proximo passado. N'este navio se ensaiou o systema de empreitadas de mão de obra, sob a directa e immediata fiscalisação do arsenal de marinha, com o seguinte resultado. Em levantar a ossada, fechar a popa e proa, correr as escoas e estrado da machina consumiram-se, a jornal, dez mezes e mais de 5:000$000 réis. O restante das obras necessarias para o lançamento do navio completou-se em tres mezes, com uma consideravel reducção no preço geral da mesma mão de obra. Por esta fórma a corveta mencionada ficou prompta do estaleiro n'um total de treze mezes; e, depois de effectuar os trabalhos internos provisorios, indispensaveis á sua navegação, acha-se de viagem para Inglaterra onde vae receber a machina respectiva, tendo-se demorado até agora no Tejo, esperando aviso de se achar concluida a dita machina.

Vinte e dois dias depois de lançada á agua a corveta Infante D, João, estavam assentes as quilhas de duas novas corvetas de vapor, a Duque de Palmella e a Duque da Terceira: a primeira do typo da Infante D. João, a segunda do typo da Sá da Bandeira, uniformidade que, nos limites das diversas conveniencias do serviço, muito importa á boa economia.

A 24 do mesmo mez já citado eram batidas as cavilhas nas cavernas mestras de ambos os novos vasos. O estado actual d'estas construcções permitte esperar que em principios de fevereiro proximo seja lançada á agua a primeira, e um mez depois a segunda, não o podendo ser ambas simultaneamente por ser para isso necessario dispor de mais dois cachorros, despeza, não inferior a 5:000$000 réis, que, por não ser agora essencial, se tornaria inopportuna. Na construcção d'estes navios o systema das empreitadas foi convertido no de tarefas contratadas directamente com os operarios, sempre sob a direcção, fiscalisação e responsabilidade do arsenal da marinha, como é constante das respectivas vistorias. São já conhecidos em parte os resultados obtidos, assim em celeridade de execução e economia de preço, como em perfeição e solidez do material e mão de obra; serão melhor apreciados quando tudo for patente e manifesto nas respectivas contas e documentos, como será tanto que as referidas construcções terminem. Dão taes resultados incontestavel preferencia ao ultimo systema indicado, o qual, eliminando até o lucro do empreiteiro, melhora as condições do operario, e assegura a maxima economia possivel ao estado, que n'este caso não paga tempo improductivo, mas unicamente o producto averiguado. D'este systema de tarefas exceptuaram-se unicamente alguns trabalhos de calafeto, que os peritos e competentes reputam mais conveniente effectuar a jornal, já por que a sua execução não pôde ser por outro modo seguida com a devida vigilancia, já porque a excellencia dos operarios, que n'este ramo hoje possue o arsenal da marinha, e a necessidade de acompanhar os demais trabalhos, afiança a conveniente promptidão. No importantissimo serviço das construcções, como em todos os outros da sua dependencia, é muito para louvar o esclarecido zêlo, activa e constante solicitude do inspector visconde da Praia Grande de Macau, bem como dos funccionarios seus subordinados.

O hiate de guerra Algarve, construido por conta do ministerio da fazenda e destinado á fiscalisação das costas do sul, foi tambem executado no arsenal da marinha em tres mezes e dez dias, tendo começado os trabalhos com limitado pessoal em 6 de abril de 1863, e sendo lançado ao mar em 16 de julho do mesmo anno. Feitas ulteriormente as necessarias disposições internas, ficou apparelhado e armado este pequeno navio em 12 de novembro, tambem do anno findo.

Havia fundado motivo para suppor que em breve estaria concluida a corveta Damão, a construir-se na India. Ulteriores participações communicaram porém que a dotação destinada a estas obras fóra e continuava a ser absorvida no pagamento ás guarnições dos brigues Villa Flor e D. João de Castro, condemnados n'aquelles mares, as quaes guarnições tinham sido reservadas para tripular a nova corveta, a fim de a conduzir á Europa. Em presença d'esta difficuldade levantava-se a alternativa — ou fazer recolher as ditas guarnições emquanto se terminava a corveta, e enviar depois nova tripulação para a viagem respectiva — ou augmentar o subsidio para conclusão das obras. Avultando a importancia do transporte daquellas guarnições muito mais do que a verba necessaria a esta conclusão, não duvidei optar pela ultima, e com ella espero que rapidamente acabem aquelles trabalhos, podendo em breve contar-se na nossa armada com mais um vaso de guerra, do qual tenho excellentes informações.

Fabricos. — O vapor Mindello, que se achava em Inglaterra para metter caldeiras, e fóra julgado digno de maior concerto e melhoria, teve com effeito completa restauração com mui notavel acrescentamento. De 55m,44 de quilha passou a 63m,69. A sua tonelagem metrica foi elevada de 190 metros cubicos a 218. A capacidade dos bankers, que apenas chegavam para cinco dias e meio de carvão, chega hoje para dez. A sua força de vapor pela applicação de novos apparelhos pôde subir de 220 cavallos a 370. O seu andamento, que tinha caído em menos de 7 milhas por hora, é hoje de 10. O seu armamento foi renovado e reforçado com dois rodisios de Blakeley, sendo estas peças e as de igual classe na corveta Sá da Bandeira e escuna Napier, as primeiras raiadas que montam os navios da nossa armada. Nas disposições internas, cuja modificação era indispensavel em presença das novas dimensões, no armamento de mão e em todos os accessorios que hoje se têem por indispensaveis aos navios de guerra d'esta classe, foi o Mindello, ou antes o novo Mindello, igualado com os navios de typo analogo, sendo em Bordeaux mencionado e classificado pelos competentes como boa fragata de rodas. A velocidade que pôde sustentar, e o tempo que pôde navegar sem necessidade de se refazer de carvão, tornam este navio essencialmente apto para differentes commissões de serviço urgente, como se havia previsto. Se esta restauração, quasi renovação, occasionou consideravel dispendio, largamente se compensa tal despendio com os proveitos que d'ahi se deduzem, com a duração competentemente afiançada ao navio restaurado, e com se não poderem obter iguaes proveitos e serviços senão de um navio inteiramente novo, que para os prestar devia ser de lote e condições iguaes ás d'este, e como tal importaria no dobro da somma despendida, vindo assim a alcançar-se um util vaso equivalente a novo, aproveitando-se e utilisando-se de um antigo navio o que nelle se tornara improfícuo e nullo.

Entrou no dique o transporte Martinho de Mello para se lhe ver o fundo e para effectuar differentes concertos que necessitava. Terminados estes, calafetou e recebeu novos mastros, grande e de traquete, ficando d'esta fórma prompta para continuar a serie dos seus frequentes e optimos serviços.

O brigue Sado, não sendo já preciso no lazareto, foi convertido em pontão e deposito fluctuante de carvão para uso dos navios de guerra. Â este deposito atracam directamente os ditos navios, a qualquer hora e em qualquer maré, podendo em pouco tempo abastecer-se de combustivel, sem o inconveniente de numerosas baldeações e sem a dependencia das incertezas e delongas resultantes das remessas de terra. Ha sempre n'elle 300 toneladas de carvão, que immediatamente se renovam tanto que os navios se provêem.

Repetindo-se a vistoria ao brigue Serra do Pilar, que anteriormente, em data de 6 de agosto de 1860, havia sido dado por inutil, achou-se-lhe o casco em tal estado de conservação, que permittia aproveita-lo ainda. N'estes termos, sendo urgentemente necessaria uma barcassa para o importante serviço das amarrações no porto e outros analogos, ordenou-se com effeito o aproveitamento do mesmo casco para este serviço e a respectiva transformação, economisando-se a verba não pouco avultada que seria indispensavel applicar a uma nova construcção de tal genero.

Entraram no dique o vapor Lynce, que forrou de cobre, calafetou, renovou alguns vaus e fez importantes concertos na coberta, paioes e costado; e a draga n.° 1, cujo casco foi em parte renovado, e cuja machina recebeu novas caldeiras.

A corveta Sagres completou no mesmo dique o exame e reparações, que a prudencia aconselhava em rasão do abalroamento que no Tejo tivera com o vapor Lusitania. Acha-se já hoje decidida pelo tribunal do commercio a questão suscitada a proposito deste abalroamento, e é a decisão a seguinte — que por ter derivado de caso fortuito a occorrencia, pagasse cada um dos navios as correspondentes avarias.

Entraram mais no dique os navios de commercio — barcas Penha Longa e Gleaner Whitehaven, e vapor D. Pedro.

Fica no mesmo dique a antiga corveta D. João I, inteiramente restaurada, a qual, completo o seu armamento e apparelho, entrará brevemente em effectividade de serviço.

A nau Vasco da Gama concertou a popa, e recebeu algumas novas peças de mastreação.

Estão promptos os mastros, grande e de traquete, da fragata D. Fernando, e proximo a concluir-se o mastro da gata, para substituição dos que o mesmo navio perdeu no seu desarvoramento no canal de Moçambique.

Alem d'estas effectuaram-se algumas obras menos importantes — das que necessitam continuamente os navios de guerra para sua conservação e bom serviço — nas corvetas Goa, Sá da Bandeira, Bartholomeu Dias, Estephania e Mindello; nos hiates S. Pedro e Penha Firme; no cahique Restauração; no hiate de pilotos n.° 3; e nas barcassas Mindello e Damão.

No bergantim real foram tambem feitas as reparações necessarias.

Procedendo-se a uma rigorosa vistoria no vapor Infante D. Luiz, reconheceram os peritos, que tanto o casco d'este navio como a sua machina, effectuados alguns concertos e melhorias de que a ultima necessita, offerecem ainda aproveitaveis condições de duração. Havendo se mandado substituir no serviço em que se achava por um dos navios da divisão, foi entregue ao arsenal, e já começaram a fazer-se as disposições necessarias para o tornar prestadio, e dotar a marinha com mais um navio de vapor, que se considerava a bem dizer condemnado, e proximo a entrar em caminho de inteira ruina.

Poude tambem o arsenal, apesar de todos estes trabalhos, concertar com a desejada rapidez e perfeição a avaria que o vapor de guerra francez Reine Hortense padecera na sua machina, merecendo por isso os louvores e agradecimentos do respectivo commandante.

Movimento dos navios. — Empregaram-se os navios do estado durante o anno findo, no desempenho das seguintes commissões:

A corveta Goa cruzou desde janeiro até maio nos mares dos Açores e da Madeira, satisfazendo ao duplo fim — de evitar o embarque clandestino de emigrados — e de servir de escola pratica de manobra á parte mais nova e menos instruida da respectiva guarnição, escolhido para esse fim o numero de recrutas compativel com a segurança do navio e natureza do serviço. O relatorio do seu zeloso e intelligente commandante mostrou o modo por que foram desempenhadas tão arduas e diversas incumbencias. Acha se actualmente defronte de Belem auxiliando e protegendo o serviço de registo do porto. Será este vaso rendido e substituido por outro, tanto que finalise o praso marcado a tal serviço, ou logo que d'elle se precise para qualquer commissão. Com similhante systema effectua-se no desempenho do registo uma economia superior a 17:000$000 réis annuaes, que se converte em força activa.

A corveta de vapor Sagres destacou para Angola. Levou o seu commandante as necessarias ordens e instrucções para receber o commando dos mais navios estacionados na costa occidental de Africa, e para fazer regressar a Lisboa o brigue Pedro Nunes, que se achava ali havia mais de tres annos.

A corveta de vapor Sá da Bandeira effectuou tres commissões. Acudiu com a necessaria rapidez a Tanger, ao primeiro aviso do nosso consul geral em Marrocos por occasião dos successos de Casa Branca; de Tanger conduziu o mesmo consul ao porto referido, onde muitos interesses se achavam ameaçados; ali contribuiu efficazmente para restabelecer o socego e desviar o perigo, livrando os christãos n'aquelle ponto domiciliados, e particularmente os portuguezes, do justificado temor que lhes inspiravam as correrias e lutas entre as differentes facções dos naturaes. Não menos promptamente deitou este navio de barra em fóra levando

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os soccorros de medicamentos e mantimentos necessarios á fragata D. Fernando, que apparecêra á vista do Cabo de S. Vicente navegando difficilmente em guindolas. Recolhendo sem ter avistado a fragata, refez-se de carvão, e saíndo outra vez conseguiu encontra-la, e a reboque traze-la a fundear no Tejo. Aprestada convenientemente, foi mandada substituir a corveta Sagres, abreviando por este modo as estações. Saiu effectivamente para a Africa occidental com escala por S. Vicente, e ordem para visitar o Rio de Janeiro, donde já haverá largado para Mossamedes e Loanda.

A corveta de vapor Bartholomeu Dias, tendo levantado ferro d'este porto, seguiu para as ilhas da Madeira, S. Vicente e S. Thiago, demorando-se alguns dias em cada um dos respectivos ancoradouros, assim para se aproveitar das vantagens que á saude das tripulações offerecem as amiudadas escalas, como por todas as indicações que determinam a conveniencia de apparecerem os navios de guerra nas provincias do ultramar. Da ilha de S. Vicente dirigiu-se á bahia de Todos os Santos, e d'ali ao Rio de Janeiro; visitou o porto de Montevideu; regressando á capital do Brazil saíu pouco depois para os portos de Mossades e Loanda; tocando no porto da ilha de S. Vicente, voltou ao Tejo onde se acha ancorada.

Cabe aqui, senhores, testemunhar o reconhecimento que se deve aos nossos compatriotas residentes na America pelo enthusiasmo fraternal com que todos acolheram a Bartholomeu Dias e a sua guarnição. Notório é quão estimado e honrado foi ali este navio, que levava aos ausentes como os braços e memoria da patria, que levava aos brazileiros a saudação cordeal de uma nação congénere e amiga. Dignou-se visita-lo Sua Magestade Imperial o Senhor D. Pedro II, assistir a alguns exercicios, e dirigir ao seu distincto commandante palavras de benevolencia e louvor, gratas a todos os portuguezes. Tanto esta corveta como a Sá da Bandeira transportaram á Africa occidental alguns colonos reemigrantes, dos muitos que para ali pedem passagem procurando melhor fortuna.

Cumpriu o Mindello cinco diversas commissões. Foi a Cadiz conduzindo a seu bordo El-Rei o Senhor D. Fernando, e logo que Sua Magestade dispensou o seu serviço, seguiu para Tanger, que lhe ficava perto, e onde se demorou poucos dias, recolhendo a Lisboa depois d'esta breve e opportuna digressão. Fez mais o mesmo navio duas viagens a Bordeaux, a primeira transportando Sua Alteza o Duque de Brabante, e a segunda reconduzindo Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Fernando no feliz e festejado regresso das suas viagens. Foram muito agradaveis e summamente lisonjeiras á nossa marinha as palavras e obsequios com que o esclarecido herdeiro da corôa da Belgica se dignou honrar a guarnição d'este navio. Publicas se tornaram tambem as manifestações de sympathia com que os habitantes de Bordeaux acolheram este navio. Por duas vezes se dirigiu elle ainda ao Algarve, a primeira para receber a seu bordo o batalhão de caçadores n.° 4; a segunda para restituir o mesmo batalhão aquella provincia.

O transporte Martinho de Mello foi a Angola levar uma importante carregação de madeira, de que muito necessitava aquella provincia, e os mantimentos da Europa para consumo das guarnições dos navios ali estacionados, o que e de grande proveito para as tripulações e de economia notavel para a fazenda. Em poucos dias voltará a Timor conduzindo o novo governador e mais funccionarios, um contingente de tropa, artilheria e mais armamentos.

O hiate S. Pedro effectuou duas commissões. Transportou ás ilhas de Cabo Verde e de S. Thomé, polvora, munições e petrexos de guerra. Em novembro saíu novamente para ir buscar á ilha de S. Miguel, e levar ao archipelago de Cabo Verde, uma carregação de milho, a qual carregação foi promptamente expedida da dita ilha pelos louvaveis cuidados do respectivo governador civil e diligencia do commandante.

O hiate Penha Firme, tendo regressado de cruzar no mesmo archipelago, aprestou de novo e saíu com destino a Loanda, e ordem para temporariamente demorar na ilha de S. Thiago, a fim de cumprir as determinações que no interesse urgente da provincia lhe forem dadas pelo governador geral.

O brigue Pedro Nunes regressou de Angola.

O vapor Lynce saíu a cruzar na costa do norte em serviço da fiscalisação das alfandegas.

A escuna de vapor Barão de Lazarim, apenas espera em Goa que lhe sejam enviados os tubos necessarios para recompor a machina e voltará logo a Moçambique.

O vapor Maria Anna, sendo essencialmente conveniente aos mares de Africa oriental onde o seu serviço não pôde ser supprido, tornando-se pelo contrario quasi inutil na Europa em rasão do seu lote, recebeu ordem para ir restaurar-se no Cabo, onde achará todos os recursos, e onde a sua guarnição, commandante e officiaes vão ser rendidos como é de toda a justiça.

A escuna Napier continua de cruzeiro na Africa occidental.

O vapor Argos recolheu de cruzar na costa do sul em serviço da fiscalisação das alfandegas, e aprestará para voltar, logo que tenha effectuado as reparações que necessita.

O hiate Algarve saíu tambem para aquella costa em igual commissão.

A divisão composta das corvetas Estephania, Sá da Bandeira, Goa e Mindello, saíu a cruzar em exercicio de manobra e instrucção, sob as ordens do almirante Costa Carvalho, como em devido logar fica dito.

As galeras do commercio Deslumbrante, Cidade de Belem e Viajante, fretadas como transportes, levaram a seu bordo reforços e contingentes de tropa ás provincias ultramarinas, dirigindo-se a primeira a Macau, a Goa a segunda, a terceira a Moçambique.

Obras interiores do arsenal da marinha. — Não tem este estabelecimento descurado os seus aperfeiçoamentos, não obstante as novas construcções, e os repetidos trabalhos a que alem d'estas se procedeu durante o anno.

Fizeram se differentes melhoramentos na oficina de machinas e na de caldeiras, sendo augmentada a primeira, se não como vae exigindo o incremento da nossa marinha de vapor, ao menos como é possivel em presença de superiores considerações.

Estabeleceram se novas forjas funccionando pela acção da ventoinha, outras duas circulares, e mais se estabelecem á medida que se desenvolvem os trabalhos e crescem os meios de os simplificar e apurar.

Na oficina de machinas, uma das mais importantes, fabricaram se guinchos ou guindastes portateis, alguns d'elles dobrados, o que o arsenal não fabricava nem possuia; assim como não tinha, e em pouco tempo e com pouca despeza se fez, a machina de furar o cobre para forro de navios, operação que d'antes se executava com grande desperdicio de tempo e consumo de jornaes.

Renovou-se a maioria dos diversos instrumentos de trabalho destinados ao uso dos operarios.

Concluiram-se as formas da fragata que poderá começar immediatamente depois do lançamento das duas corvetas ao mar, bem como das duas outras que devem ser construidas era Goa.

Assentou-se uma caldeira á entrada da casa da machina de esgotamento do dique, para o serviço da estufa das madeiras. Assentar-se ha tambem brevemente a nova machina para aquelle serviço de esgotamento, já encommendada em Inglaterra. Foi nomeada uma commissão de engenheiros competentes para acordarem no melhor modo de concertar as portas do mesmo dique.

Sendo essencial e urgente dilatar o terreno que de dia para dia falta ao arsenal, em rasão de se tornar indispensavel crear novas officinas e ampliar as existentes melhorando lhes as condições, acontecendo ao mesmo passo que as duas dokas ou caldeiras d'este estabelecimento, que ficam proximas á ponte, se acham quasi obstruídas e inutilisadas pelo rapido e successivo açoriamento da margem direita do rio e desvio das aguas para o sul, mandou-se aterrar a caldeira de Oeste, e o mesmo haverá de se fazer em pouco tempo á de Este, assim para acrescentar a area do arsenal, como para facilitar o serviço da nova ponte; advertindo todavia que, antes de se ordenar o aterro da caldeira de Este, se proporcionará o devido abrigo e refugio aos barcos que n'ella se acolhiam.

Procedeu-se a 1.ª e 2.ª licitação para a construcção da referida nova ponte, que tão desejada fazem as mais graves necessidades do serviço. Não tendo apparecido quem preenchesse ou aceitasse as condições de uma e outra vez propostas, resolveu o governo, attenta a maior economia, mandar executar a obra por sua conta, sob a direcção do acreditado engenheiro portuguez João Evangelista de Abreu, devendo os trabalhos começar tanto que chegue o material preciso, já encommendado em França.

Declinada pela santa casa da misericordia a administração, que se lhe concedêra, dos banhos sulphureos alimentados pela nascente do arsenal, e não podendo deixar de se franquear o salutar uso de taes banhos ás pessoas a quem são aconselhados, deliberou-se concede los gratuitamente aos individuos absolutamente desprovidos de recursos, e fixar o preço de 200 réis por cada um para as outras pessoas. Produziu este systema não só a quantia suficiente para indemnisação das despezas com os ditos banhos, mas ainda uma somma relativamente avultada, que pôde crescer sem prejuizo dos necessitados, e que muito bem supprirá o juro do capital preciso para levantar um estabelecimento apropriado, com todas as condições que se requerem nos d'esta ordem. Está já para esse fim traçado o competente plano, e poderá em pouco ser uma realidade o beneficio.

Os residuos da madeira trabalhada no arsenal produziram durante o anno 212$740 réis, os quaes se distribuiram como premio e estimulo, pelos mais habeis aprendizes que ainda não têem vencimento. Verba é esta de pequenissima significação; mas por ser nova se menciona.

Venderam-se, por completamente inaproveitaveis, o hiate Felicidade, e alguns tanques de ferro que estavam occupando inutilmente o espaço necessario a outros objectos. O primeiro produziu 55$000 réis, que segundo a lei entraram nos cofres do estado como receita eventual. Os segundos só depois de inteiramente removidos e devidamente pesados, operação ainda não concluida, se poderá saber quanto produzem.

Desmanchou se pela mesma razão o vapor Conde do Tojal e a corveta íris, depois de competentemente verificado que para nada se podiam utilisar estes cascos. Extrahidas cuidadosamente as peças da machina do Tojal, serão estas convenientemente transformadas ou aproveitadas, segundo melhor for possivel. Quanto ás madeiras dos dois navios não poderam já aproveitar se senão em lenha para consumo do arsenal e dos navios.

Está já montada a machina para a serração por vapor, e proxima a concluir-se a construcção de algumas peças essenciaes á transmissão do seu movimento.

Effectuaram-se algumas obras no interior e telhados do quartel general. Converteu-se uma antiga caserna em habitação para o inspector geral do arsenal, assim por conveniencia do serviço e para effectividade de vigilancia, como por impor esta obrigação o artigo 51.° do alvará de 26 de outubro de 1796, ficando esta habitação em taes condições de separação dos depositos do arsenal, que se não pôde por ella receiar perigo de communicação de incendio. Melhoraram se algumas das divisões interiores, e refizeram-se outras, nas salas onde funcciona o supremo conselho de justiça militar.

Estabelecimentos annexos. — Têem continuado as obras no quartel de Alcantara, concluindo se a parte norte do mesmo quartel, duas casernas de Este e os respectivos quartos, escadas de communicação, etc. de fórma que brevemente se poderá considerar rematado este formoso e utilissimo edificio, que seria desperdicio grave abandonar interminado á deterioração, que por incompleto já o ameaçava.

Foram tambem effectuados os necessarios concertos nos telhados e interior do vasto edificio da cordoaria nacional. Merece particular attenção esta fabrica, cujos productos em preço e qualidade se avantajam aos que apparecem no mercado. Produzia ella porém menos do que o indispensavel ás actuaes necessidades da marinha de guerra, por faltar ali numero suficiente de fiadeiras, resultando não terem as dobadeiras e tecelões trabalho proporcionado e bastante, e consequentemente não tirarem de suas tarefas o conveniente lucro. Perdia assim o estado porque tinha de ir comprar mais caro o que lhe faltava, e padeciam aquelles operarios com o que deixavam de trabalhar e ganhar. Removeram-ae estes contratempos só com augmentar quanto preciso o numero de fiadeiras. Produziu esta fabrica no anuo findo 86:952,5 kilogrammas de enxárcia de differentes qualidades, e 939 peças de lona e brim.

Não se havendo até agora conseguido que o engenheiro Burel, apesar de reiteradas e peremptorias intimações, e em despeito das promessas exaradas nas suas communicações de 30 de agosto de 1862 e 19 de fevereiro de 1863, entregasse as machinas para as quaes recebêra já a correspondente somma em 25 de maio de 1860, vae instaurar-se-lhe o competente processo em vista dos documentos respectivos, para, com os fundamentos assim justificados, ulteriormente se incumbir ao ministro de Portugal em França o cuidado de promover ali a competente causa, a fim do que o referido engenheiro cumpra a obrigação contrahida. Como já sabeis, dependem unicamente do assentamento da machina, encommendada e paga ao dito Burel, os ulteriores melhoramentos para ainda augmentar e aperfeiçoar os productos d'esta oficina.

No estabelecimento de Valle do Zebro effectuaram-se os concertos mais essenciaes á conservação d'esse grande edificio que tão aproveitado pôde ser ainda.

No deposito de madeiras da Azinheira do mesmo modo e para o mesmo fim se fizeram as convenientes obras.

Continua o hospital da marinha a merecer os creditos justamente adquiridos pelo zêlo e illustração com que é regido. Concluiu-se n'este estabelecimento o lavadouro mechanico, e bem assim as obras de algumas enfermarias. O relatorio e documentos respectivos a esta despeza vão servos apresentados. Outros trabalhos proseguem no mesmo edificio, e novos se intentam, o que sempre acontece em taes casas para acompanhar, como imperiosa e simultaneamente exigem a economia e a humanidade, as progressivas innovações e os aperfeiçoamentos aconselhados pela sciencia. Foi de 1:832 doentes o movimento no anno findo; foram 941 as inspecções effectuadas em individuos pertencentes a este ministerio.

Madeiras e accessorios. — Adquiriu-se toda a madeira de pinho e teca necessaria para as cobertas, vaus, cintados, etc. das novas corvetas. O mesmo se fez relativamente aos prodigos e curvas de ferro para ellas. Comprou-se tambem, e continua a comprar-se, madeira de carvalho para entrar a tempo em curtimento, e substituir a que se applicou ás referidas corvetas, não obstante possuir se ainda um valioso deposito de 355 paus de 1.ª classe e 430 da 2.ª E indispensavel esta prevenção para que o arsenal esteja sempre habilitado com as madeiras requeridas, e estas no conveniente grau de preparação, quer para emprehender novas construcções, quer para executar quaesquer concertos.

Adquiriu-se ainda toda a necessaria materia prima para a já consideravel laboração das differentes officinas da cordoaria, e para se effectuarem as declaradas obras nos estabelecimentos e repartições dependentes d'este ministerio.

Recentes informações de Angola, relativas aos aprovisionamentos ultimamente enviados á estação naval d'aquella costa, confirmam plenamente tudo o que se esperava em economia e boa disposição do novo systema de acondicionamento da bolaxa, corroborando o já, exposto no relatorio do commandante da escuna Napier, assim sobre este assumpto como sobre o uso dos vegetaes comprimidos.

Acha-se prompta a carruagem cellular, ordenada pela portaria de 15 de setembro ultimo, a fim de ser applicada aos fins na mesma portaria referidos.

REGULAMENTOS E DISPOSIÇÕES

Cumprindo zelar quanto possivel a economia da fazenda no valioso artigo — combustível—, sem prejudicar o melhor e mais opportuno serviço do vapor, foi nomeada uma commissão, composta do visconde de Soares Franco, visconde da Praia Grande de Macau, e duque de Palmella (Antonio), para propor o modo mais eficaz de obter o desejavel resultado. N'este intuito, e conformemente ao parecer da mesma commissão, foram devidamente estatuidas e prefixadas as regras e casos em que devem os commandantes dos respectivos navios fazer uso do carvão.

Não era de certo menos conveniente regular e uniformar os typos das differentes armas de mão nos navios do estado. Já para os exercicios da marinhagem, já para a accommodação e disposição a bordo, são obvios os proveitos de tal uniformidade. Uma commissão, composta dos commandantes de todos os navios surtos no Tejo e commandante do corpo de marinheiros, presidida pelo almirante, escolheu os typos que julgou mais adequados, e logo se ordenou a adopção d'elles, sem que para isso haja de recorrer-se a despezas extraordinarias, pois que uma parte dos armamentos

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substituidos póde ser utilmente empregada em algumas das provincias ultramarinas.

Andaram mal conhecidas, por dispersas em mui differentes legislações do paiz, as varias disposições relativas aos documentos essenciaes a qualquer navio para authenticar o uso da bandeira, e tudo o mais concernente á sua individualidade. Com o fim de evitar os serios inconvenientes resultantes d'esta confusão e difficuldade, reuniram-se n'um só corpo todas aquellas disposições, que, tornadas por este modo facilmente accessiveis a todos os navegadores, ficarão constituindo o nosso Acto de navegação.

Sendo da primeira necessidade, como fazem as nações em que a civilisação não é uma vã palavra, promover todos os modos de diminuir os naufragios, regularam-se tambem as obrigações que n'esta importante parte do serviço incumbem ás auctoridades maritimas, e ordenou-se-lhes a remessa, em determinados prasos, de mappas estatisticos dos sinistros occorridos nas respectivas jurisdicções, com as indicações dos locaes onde taes sinistros são mais frequentes, causas determinantes d'elles, e exacta menção dos meios de soccorro ou prevenção que na localidade se tornara de mais facil, prompto e efficaz emprego, a fim de serem devidamente postos em execução.

O regulamento do serviço interno nos navios da armada, a que só falta algum trabalho de revisão, estará brevemente em estado de publicar-se.

As propostas relativas ao codigo da marinha de guerra e ao codigo da marinha mercante, apresentadas na anterior sessão, bem como a de auctorisação para reforma da escola naval, a que já me referi, espero que hão de merecer toda a vossa attenção.

Era complicado, e, alem de excessivamente moroso, multiplicava trabalho inutil, desviando o pessoal de mais proficuos serviços, o systema de enviar copias dos decretos e portarias a todas as pessoas a quem cumpria executar as determinações ali contidas. Sendo a publicação official de taes documentos bastante para os effeitos legaes, não havia rasão plausivel que recommendasse a conservação de similhente uso. Seguindo o exemplo dado pela secretaria da justiça, simplificou-se o expediente ordenando-se que fossem considerados valiosos para todos os effeitos os documentos do executivo relativos a este ministerio, logo que apparecessem integralmente publicados no Diario de Lisboa.

Foi tambem regulado o modo por que as auctoridades maritimas devem proceder nos casos de embargo judicial, feito aos navios do commercio, e especialmente paquetes.

Havendo-se reconhecido de summa conveniencia, em rasão da especialidade do seu fim, que pelo ministerio da marinha corra o serviço de pharoes, como geralmente se acha estabelecido, está indicada uma commissão, composta de individuos d'este e dos ministerios da fazenda e obras publicas, por onde o mesmo serviço andava dividido, para competentemente formular a proposta de transferencia do dito serviço para esta administração, e os respectivos regulamentos, esperando eu que ainda na actual sessão essa proposta vos seja submettida.

Está já concluido e em pouco vos será presente, assim o novo regulamento de policia dos portos e costas, como o de pilotos.

Do mesmo modo se offerecerá á vossa consideração o projecto de lei ácerca dos lastros.

Ser-vos-ha finalmente apresentado o novo e muito necessario regulamento para o arsenal da marinha, sem especialisar varias outras propostas de secundario interesse.

INDICAÇÕES

Permitti-me aqui recordar-vos ainda, senhores, que no relatorio de 12 de janeiro do anno proximo passado tive a honra de expor-vos: «sobre tres pontos se deve de preferencia concentrar toda a actividade do governo — methodificar a administração — augmentar o material — educar o pessoal».

Certamente havereis observado no resumo de factos que precede que tenho procurado, quanto em mim cabe, conservar-me fiel a estes principios. Augmenta com effeito o material como o permittem as nossas forças, e como é possivel com os recursos de que me é dado dispor. Methodifica-se a administração promovendo a economia; delimitando, definindo e simplificando as diversas attribuições em cada ramo de serviço; estabelecendo emfim a devida harmonia nas suas mutuas relações. Prepara-se o pessoal organisando os quadros; estatuindo as habilitações competentes a cada um; abrindo novas perspectivas de util recompensa que estimulem o zêlo; alliando com o proveito dos individuos o do estado; proporcionando as remunerações á natureza dos serviços; fortalecendo a disciplina e o respeito ás leis e regulamentos; finalmente reformando as escolas proporcionalmente ás necessidades da sciencia e da epocha.

N'este sentido tenho constantemente diligenciado pôr todo o empenho. Não me illudo porém, nem desejo alimentar a minima illusão. O pouco effectuado é nada em comparação do muito que importa fazer. São necessarios para isso, repeti-lo-hei, muitos annos e muitos homens. E sobretudo indispensavel a força collectiva que vem do accordo das idéas, o impulso efficaz que vem das intelligencias alumiadas do patriotismo. Nenhuma vontade, nenhum esforço individual logrará prevalecer sem estes naturaes e potentes auxiliares.

Fácil fóra a quem não tivesse o dever e a responsabilidade, soltando as azas á imaginação, desenhar-vos apparatosos prospectos. A realidade porém é mais modesta; e quem se lhe ha de forçosamente subordinar, tambem se ha de conter nos limites praticos, evitando com igual cuidado as ficções temerarias e os chimericos arrojos, sem perigo em quem discretêa, arriscados em quem administra.

Circumscrevendo-me n'estes prudentes limites, mas porfiando no planeado caminho, consentir-me-heis tambem summariar-vos, em sequencia ao que anteriormente vos relato o de accordo com o fito e proposito que me applico a seguir e realisar, as mais necessidades que tenho podido averiguar e successivamente cumprirá satisfazer; successivamente, porque se não realisam reformas tão depressa como se exprime o desejo d'ellas, nem é possivel acudir a tudo ao mesmo tempo.

I É indispensavel reformar o regulamento do 6 de setembro de 1854, relativo ao corpo de machinistas navaes, e ampliar o respectivo quadro, pelo menos em proporção do actual numero de navios de vapor. Convem extremamente, para supprir desde já a deficiencia do quadro existente, trazerem de Inglaterra primeiros machinistas, temporariamente engajados, os navios que ahi forem metter machina. Cumpre tambem estabelecer os vencimentos a que têem direito effectivo os individuos das differentes classes de machinistas, quando são nomeados para exercerem a bordo logar superior ao da classe respectiva.

II No mesmo caso de insufficiente está o quadro dos capellães da armada, o qual importa já alargar ainda mais do que no anno anterior tive a honra de propor-vos. Por evidenciado tereis, sem necessidade de mais demonstração, que não pôde o numero de navios crescer sem se augmentarem para os differentes serviços os quadros estabelecidos em vista de menor material.

III De summa justiça, portanto de grande conveniencia, é ampliar as disposições da carta de lei de 28 de agosto de 1848 aos mesmos capellães, admittindo os no corpo de veteranos, pois que incerteza de futuro e desigualdade nas compensações onde ha analogia de serviço, não convidarão a este, tão especial e tão arduo, os individuos d'essa classe, da mais grave importancia e utilidade a bordo.

IV É necessario fixar as gratificações aos officiaes generaes, como já o estão, aos demais officiaes, porque não ha rasão que os exclua senão a previsão inadmissivel de que nunca se lhes darão commissões. Do mesmo modo importava determina-las equitativamente aos officiaes de veteranos, que servem cargos taes como delegações, capitanias e ajudancias, pois que se não podia consentir como cousa repugnante á boa rasão e prejudicial á ordem e á disciplina, que houvesse desigualdade de direitos onde havia igualdade de deveres. Por isso foi esta especie muito particularmente attendida no novo regulamento policial dos portos e costas.

V Por extremo conveniente será, para totalmente desimpedir p quadro effectivo da armada, e para d'este modo augmentar o numero de officiaes de embarque proporcionando-o ás crescentes necessidades do respectivo serviço, separar d'esse quadro a secção hydrographica, estabelecendo lhe outro distincto, com accessos regulados até certo limite, de modo que nem padeçam damno os officiaes d'esta secção, vista a sua grande utilidade e especiaes habilitações, nem o quadro de embarque seja assim indirectamente cerceado com grave prejuizo do desenvolvimento da marinha de guerra.

VI Importará tambem dar algum augmento ás soldadas dos marinheiros graduados e dos primeiros e segundos marinheiros, o que pôde effectuar-se sem grande onus, e concorrerá para mais attrahir ao serviço do estado, e evitar que a população maritima exclusivamente afflua aos navios do commercio fugindo ao recrutamento.

VII Será justa, e proveitosa ao serviço, a concessão da tarifa de 1814 aos cirurgiões desembarcados.

VIII E indispensavel dar um regulamento ao corpo de veteranos de marinha, para se formular o qual unicamente espero o resultado da respectiva inspecção.

IX De diversas reformas, já naturalmente indicadas pela experiencia e pelo tempo, precisa a composição do corpo de marinheiros. A respeito da elevação da sua força effectiva ao diante exporei mais largamente o necessario.

X Cumpre que as deserções da armada sejam julgadas como no exercito. Nas mostras deve ser abonada a importancia dos desfalques produzidos nos cofres por essas deserções, revertendo a favor da fazenda o producto dos espolios dos desertores, á similhança do que no mesmo exercito se pratica.

XI A duração das estações navaes deve ser diminuida, o que já, por mais possivel, se começou a applicar na estação de Africa occidental. Este systema porém só se poderá generalisar e regularisar ao passo que se for promptificando o necessario numero de navios das classes apropriadas a cada um dos respectivos serviços; sendo por ora a de Africa oriental a mais custosa de prover e revesar, em rasão do difficil accesso da generalidade dos seus portos e alteroso d'aquelles mares, o que tudo pede construcções especiaes. Nas longas estações deterioram-se guarnições e navios, e cessaram as distancias de ser para isso rasão determinante quando o vapor abreviando as navegações tão efficazmente coopera para uma rapida renovação.

XII Pelo que respeita ao complexo do armamento naval, um dos pontos mais essenciaes d'esta administração como base de todo o desenvolvimento maritimo e ultramarino, penso que não reputareis absolutamente inopportuno entrar em mais detida analyse, a fim de justificar o leve esboço que entrego á vossa consideração.

Para bem dirigir os passos ninguem dirá que seja inutil conhecer o fito. Este fito, parece-me, é aqui logar e occasião de o desenvolver, não já para uma realisação immediata, senão para que sempre se tenha presente, e para que a elle se appliquem todos os esforços, como constante objectivo, como alvo necessario.

O numero de vasos de guerra que actualmente possuimos está longe de satisfazer as mais elementares exigencias da nossa situação. A antiga marinha, deteriorada pelo tempo, prejudicada pelas novas conquistas da sciencia, deixou de existir, não tanto pela vontade dos homens como pela força das cousas, condemnada não por este ou aquelle ministro, mas pela decrepitude e pela necessidade. Da aniquilação completa a que chegou não podia resurgir improvisamente, quando tantas cousas simultâneas era indispensavel crear em todos os ramos da administração. A moderna marinha de vapor, muito mais poderosa, muito mais efficaz, e por isso muito mais despendiosa em tudo, com poucos annos de data como tem, tambem não podia apparecer feita de um para outro dia. D'ahi vem que, apesar de todos os esforços successivamente empregados, é ainda hoje insufficiente, e está muito áquem do estrictamente necessario.

Consiste na actualidade a nossa marinha de guerra em 1 nau, 1 fragata, 3 corvetas, 1 brigue, 1 transporte, 1 escuna e 3 hiates de vela; 5 corvetas de vapor em effectividade de serviço; outra que em algumas semanas estará prompta e apercebida para qualquer commissão; 2 que em poucos mezes se acharão no mesmo estado; 2 vapores de menor lote, e 1 que póde com pequeno fabrico servir ainda utilmente, sem contar os 2 que se empregára no exclusivo e peculiar serviço da fiscalisação, e outro que se construe em Liverpool e se destina especialmente aos mares de Macau. Ao todo 11 navios de vapor e 11 de vela, representando com o seu apparelho e armamento um valor total de 3.060:000$000 réis.

Para concertos e fabricos d'estes navios, isto é, para conservação do material existente, são pedidos no futuro anno economico 134:000$000 réis, verba que fica ainda inferior á proporção ordinaria e que bem obvias considerações obrigam a limitar. Para carvão aos navios de vapor designa-se uma somma de 114:000$000 réis, que está no mesmo caso da antecedente. Para pagamento de soldos, rações, medicamentos, etc. á força e pessoal correspondente, fixa-se a quantia de 453:000$000 réis proximamente.

Feito este resumido inventario do material e despeza actual, vejamos, para completa apreciação e futura guia, qual o material que importa crear, e qual a despeza relativa.

Seguindo o que geralmente se pratica, não se devem seguramente abandonar como recurso provisorio os navios de vela existentes, que prestam tão bons serviços quanto é possivel d'elles obter. Todos porém reconhecerão que seria erro grave deixar de os substituir, tanto que seja realisavel, por outros mais apropriados ao que hoje se exige da marinha, conservando apenas os indispensaveis para conveniencia e economia do serviço e utilidade de instrucção.

Com o voto technico e parecer dos competentes penso pois que deve ser como passo a expor o numero e a qualidade dos navios, de que se não pôde prescindir para tornar verdadeiramente proficua a marinha; para atalayar, proteger, fiscalisar, communicar e fecundar as nossas vastas provincias do ultramar; para em summa nos manter na classe de nação maritima — nação maritima expressamente repito, e não potencia naval, confirmando a distincção que no começo d'este relatorio indiquei.

De vapor, 1 fragata para representação necessaria e para verdadeira escola de guerra; 10 corvetas; 15 navios de menor porte; 2 canhoneiras-arietes couraçadas, a fim de completar o systema de defeza do porto de Lisboa; 2 transportes mixtos. De vela, 1 corveta para escola de manobra; 2 transportes. -Ao todo 33 navios, 30 de vapor e 3 de vela, representando um custo de 6.870:000$000 réis.

O serviço destes navios em estações e outros destinos, deveria ser distribuido como se segue:

No Atlântico: archipelago de Cabo Verde e costa de Guiné, 2 navios de pequeno lote; costa occidental de Africa e golphão de Guiné, 1 corveta e 2 navios de inferior lote; nos portos do Brazil, 1 corveta.

No Oceano indico: costas de Goa, Damão e Diu, 1 corveta e 1 navio menor; costa oriental da Africa, 1 corveta e 2 navios de menor lote.

No mar da China e Grande Oceano: Macau e portos chins, 1 navio de pequeno lote; Timor e archipelago, 1 navio de pequeno lote.

De reserva no Tejo, destacando até aos Açores, 1 fragata e 4 corvetas para quaesquer eventuaes commissões.

Para successivamente supprirem as indicadas estações, e as renderem com o preciso tempo de apercebimento, 8 navios.

Para especial e efficaz defeza do porto de Lisboa, como se disse, 2 canhonheiras couraçadas, ou baterias fluctuantes.

Para escola de manobra, 1 corveta de vela.

Para as frequentes conducções de tropa, material, municiamentos, e provisões ás diversas provincias ultramarinas, 4 transportes, como tambem se expoz.

Dispor-se-ha assim, com a base na costa occidental da Africa, de uma divisão de 2 corvetas e 4 navios menores, sob um só commando superior; na costa oriental, pelo mesmo modo, de uma divisão de 2 corvetas o 5 navios inferiores.

Notae que me limito ao estricto necessario.

Os actuaes navios de vela, que ao tempo de serem substituidos se conservarem ainda em bom estado, poderão ser utilisados ainda em muitos serviços prestantissimos, entre outros no de hospitaes fluctuantes, tão convenientes em diversos portos do ultramar.

Deduzido o valor dos navios de vapor, que já possuimos, e o de 1 transporte e de 1 corveta de vela no mesmo caso, que na nova organisação ficariam subsistindo, o que tudo se pôde orçar em 2.500:000$000 réis, segue-se faltarem ainda 4.370:000$000 réis para elevar o material de guerra da armada ao pé em que é forçoso colloca-lo.

Quando se não reputam ainda totalmente resolvidos todos os problemas inherentes ás diversas condições dos vasos couraçados, bem que a sua superioridade sobre os antigos navi'03 de linha se tenha hoje por incontestavel, po-

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der-se-ía julgar intempestiva e demasiadamente ambiciosa a construcção dos carissimos vasos d'aquella ordem destinados ás grandes operações da guerra maritima.

Não estão porém no mesmo caso as canhoneiras da classe referida ou baterias flutuantes; e a defeza de um porto como o de Lisboa, que tão grandes interesses comprehende, da capital e do reino, não ha de ficar eternamente esperando as derradeiras experiencia, e a ultima palavra que a sciencia nunca profere. Como porém esta indicação não poderia ser levada a pratica immediata, posto que a deva ter proxima, poder-se-iam por agora eliminar d'este calculo as 2 canhoneiras couraçadas, e os 1.800:000$1000 réis que ellas custariam. Teríamos n'este caso um valor total de réis 5.070:000$000, e uma necessidade de despendio de réis 2.570:000$000.

Se, para ir com as reducções até ás ultimas raias do possivel, se desistisse da construcção da fragata, obliterando os 600:000$000 réis em que esta importaria (o que não seria de aconselhar, porque para essa construcção ha já muitas madeiras que não podem sem desperdicio ter outra applicação, e porque não sendo das obras mais urgentes, se poderá executar lentamente, tornando mais leve o encargo repartido por mais tempo); se essa verba, dizia, fosse de tal modo supprimida, seria ainda assim de quasi réis 2.000:000$000 a somma indispensavel.

Para a conservação e renovação periodica do material primitivo, na primeira d'estas tres hypotheses será necessaria uma verba de 700:000$000 réis annuaes em vez dos 134:000$000 réis agora pedidos. Para proporcionar o pessoal ao material serão precisas 5:220 praças, em relação ás quaes terá de inscrever se uma verba de 806:000$000 réis em cada anno, em vez dos 453:000$000 réis respectivamente designados. Finalmente, para carvão será de réis 460:000$000 annualmente a quantia pedida, em vez dos 114:000$000 réis inscriptos.

Na segunda hypothese, a verba de conservação e renovação será igual a 510:000$000 réis; a verba «pessoal» (4:920 praças) equivalerá a 749:000$000 réis; a verba carvão representará 439:000$000 réis.

Na terceira hypothese, para conservação e renovação 450:000$000 réis; para pessoal (4:320 praças) 655:000$000 réis; para carvão 416:000$000 réis.

Em todo o caso, senhores, terá o orçamento de marinha de duplicar para se chegar ás condições que levo sinceramente descriptas. Esta a verdade que deveis saber e não devo dissimular.

E não cause admiração. Se alguem ha que n'estes assumptos, por falta de averiguação ou animo prevenido, caía em equivocos ou alimente preconceitos, achará em breve o desengano. Não falta certamente quem, celebrando a nossa antiga potestade naval, enumere com sincera complacencia as naus e fragatas que ainda ao começar do seculo possuia mos; não falta mais quem, com desdenhosa censura ou vehemente reprehensão, pergunte ao presente por que não ancoram no Tejo outras tantas fragatas e outras tantas naus.

Grande e glorioso passado foi o nosso, tão devéras grande e altamente glorioso, que não é preciso desfigura-lo com encarece-lo. A resposta positiva a quaesquer d'esses vagos, mas ainda frequentes queixumes, está no rigor dos algarismos, despiedados para obstinadas preoccupações.

Nos fins do seculo anterior uma nau de linha de 80 custava proximamente 200:000$000 réis. Vinte annos depois custava o dobro. Agora uma corveta de 2.ª classe custa isso; uma fragata mediana nas condições ordinarias o triplo; couraçada o décuplo. D'este modo o mesmo total de réis 6.870:000$000 — hoje apenas bastante no modestíssimo quadro acima designado – se nos reportássemos aos tempos citados daria para dez naus e outras tantas fragatas com o numero proporcionado de navios menores; e todo esse material, nominalmente muito mais consideravel que o proposto, para sua conservação, movimento e guarnição, custaria menos de metade das verbas relativas.

Convirá só advertir que essas naus e fragatas, alem de lhes faltar o motor poderosíssimo do vapor, d'onde a marinha derivou nova e muito maior acção, eram não só muito inferiores em dimensões, tonelagem, capacidade, armamento e força aos actuaes vasos de igual classe, mas sem temeridade se pôde affirmar que não resistiriam aos de classes inferiores como presentemente se armam. Os que mais os acclamam, tornando-os pontos de deprimente comparação, de certo não recomporiam com elles uma armada para agora, se houvessem de servir com esta o paiz nas novas condições.

Outros povos nos têem largamente distanciado nos mares, que, ao tempo da nossa grandeza maritima, nos seguiam apenas o rasto. Verdade é. Será d'isso culpado o presente? Têem estes o seu dia, como tivemos o nosso. Hemos de cruzar os braços na meditação do que foi, em vez de imitar a actividade feliz de que nos dão o exemplo?

Se a nação quizer levantar e redoirar esse honrado nome, então laboriosamente grangeado, ha de consegui-lo com os instrumentos da actualidade, não com estereis saudações ao passado, que é um culto venerando, que deve ser brazão e estimulo, mas não pôde tornar-se nem pretexto de immobilidade nem origem de abusões.

Com inteira franqueza, senhores, vos deixo exposto o que temos, o de que precisamos. Não para já, não para um anno, senão para bastantes será ainda o laborar n'este empenho, porque ainda que votásseis todas as sommas precisas para material, quer no capital originario, quer nos subsidios annuaes, não poderíeis apresentar-lhe a par um pessoal educado, sem o qual prematura despeza se tornaria aquella. Convem todavia que o paiz saiba que isto necessita pelo menos, que sem isto não poderá ter marinha, que para isto deverá attender e constantemente agenciar. Está mais desassombrado o animo, e aproveitam se melhor os esforços, quando se sabe o que se quer, como se quer, para que se quer.

Em 1819, n'um minucioso e luminoso relatorio, dizia o ministro da marinha, barão de Portal, ás camaras francezas: «Forçoso é ou acabar a instituição para economisar a «despeza, ou aceitar a despeza indispensavel para conservar a instituição». Estas energicas palavras salvaram da eminente e total ruina a marinha de França, que muitos desastres haviam reduzido, que ao diante se foi successivamente restaurando com o impulso de governos esclarecidos, que hoje de dia para dia se melhora sob a illustrada administração de um ministro zeloso.

Permitti-me que essas mesmas palavras desafogadamente vos repita. Sem sombra sequer de approximações presumptuosas, feliz me julgára, e por contente me dera, se o desprendimento e convicção com que ao paiz me dirijo nas pessoas dos seus representantes, poder remotamente concorrer para no futuro se lograrem analogos resultados.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 13 de janeiro de 1864. = José da Silva Mendes Leal.

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