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SESSÃO DE 15 DE MARÇO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Apresentação de requerimentos, projectos de lei, notas de interpellação e representações — Discussão sobre os negocios da companhia do caminho de ferro de norte e leste, usando da palavra a este respeito os srs. ministros do reino e das obras publicas, e os srs. deputados Rodrigues de Freitas e Pinto Bessa. - Ordem do dia: Approvação do parecer da commissão de fazenda sobre o relatorio e contas da junta do credito publico relativas ao anno economico de 1868-1869 — Discussão, na generalidade, do projecto de lei n.* 29, que auctorisa o governo a pôr á disposição da direcção geral de engenheria, para serem empregados nas commissões de sua dependencia, os alferes que tiverem obtido este posto na conformidade do que dispõe o artigo 45.º e seus §§ do decreto de 24 de dezembro de 1863, por terem concluido o curso de engenheria militar.

Chamada — 39 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Osorio de Vasconcellos, Sá Nogueira, Freire Falcão, Antunes Guerreiro, Pedroso dos Santos, Sousa de Menezes, Eça e Costa, Ferreira de Andrade, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco Mendes, Francisco Coelho do Amaral, Pinto Bessa, Guilherme Quintino de Macedo, Freitas e Oliveira, Palma, Santos e Silva, Candido de Moraes, Barros e Cunha, J. J. d'Alcantara, Mendonça Cortez, Nogueira Soares, Pinto de Magalhães, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, Almeida de Queiroz, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Julio de Carvalhal, Julio Rainha, Luiz de Campos, Affonseca, Marques Pires, Thomás Lisboa, Mariano de Carvalho, D. Miguel Pereira Coutinho.

Entraram durante a sessão — os srs.: Agostinho de Ornellas, Pereira de Miranda, Soares de Moraes, Antonio Augusto, Veiga Barreira, Rodrigues Sampaio, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Augusto de Faria, Saraiva de Carvalho, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Carlos Bento, Conde de Villa Real, Francisco Beirão, Costa e Silva, Caldas Aulete, F. M. da Cunha, Barros Gomes, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Zuzarte, Augusto da Silva, Gusmão, Bandeira Coelho, Dias Ferreira, Elias Garcia, Moraes Rego, J. M. dos Santos, Nogueira, Luiz Pimentel, Camara Leme, Pedro Franco, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs.: Alberto Carlos, Anselmo Braamcamp, Azevedo Villaça, A. J. Teixeira, Arrobas, Pequito, Santos Viegas, Antonio Telles de Vasconcellos, Antonio de Vasconcellos, Cau da Costa, Barão de Rio Zezere, Francisco de Albuquerque, Francisco Pereira do Lago, Van-Zeller, Mártens Ferrão, Ulrich, Alves Matheus, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, J. A. Maia, Mello e Faro, José Luciano, Latino Coelho, Rodrigues de Carvalho, Mendes Leal, Lopo de Sampaio e Mello, Paes Villas Boas, Visconde de Montariol.

Abertura — A uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officio

Do sr. deputado Alberto Carlos Cerqueira de Faria, participando não poder comparecer por emquanto na camara.

Inteirada.

Representações

1.ª Da camara municipal do concelho da Gollegã, pedindo que seja approvado o projecto de lei relativo ao arredondamento do concelho, em que recaíram os pareceres afirmativos das commissões de estatistica e administração publica de 12 e 23 de dezembro ultimo.

2.ª Da camara municipal do concelho da Maia, pedindo que se decrete uma nova prorogaçao de praso para o registo dos direitos prediaes, e ser dispensada do pagamento do sêllo nos titulos para o mesmo registo se effectuar.

3.ª Da camara municipal de Marco de Canaveses, pedindo que se mantenha uma força militar permanente na cidade de Penafiel.

Foram remettidas ás respectivas commissões.

Requerimentos

1.º Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas seja, com urgencia, remettida a esta camara a lista das sociedades anonymas, ás quaes, por contrato ainda hoje em vigor, tenha sido concedida isenção de pagamento de impostos.

Sala das sessões, em 13 de março de 1871. = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior, deputado por Valença.

Foi expedido.

2.º Requeiro que seja consultada a camara sobre se concede licença ao sr. deputado por Alijó, Lopo Vaz, para estar ausente, por quinze dias.

Sala das sessões, em 13 de março de 1871. = O deputado, Antonio Pedroso dos Santos.

Foi approvado.

Interpellação

Desejo interpellar o sr. ministro da guerra ácerca da circular do ministerio a seu cargo, expedida aos commandantes das divisões e directores geraes das armas de artilheria e engenheria em 3 do corrente mez, e que é relativa ao licenceamento das praças para a reserva.

Sala das sessões, em 13 de março de 1871. = Domingos Pinheiro Borges.

Mandou-se fazer a respectiva communicação.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — A lei de 1 de setembro de 1869 declarou obrigatorias as licenças mencionadas na classe 4.ª da tabella 3.ª annexa ao regulamento approvado por decreto de 4 de setembro de 1867.

Em geral, estas licenças dizem respeito ao exercicio do commercio e da industria, são um imposto especial que, alem de obrigar a perda de tempo e a despeza, sujeitam os que o não pagam, ás vezes por esquecimento, pois que não ha aviso especial, a multas demasiadamente fortes, e em desharmonia com os principios e com a legislação de fazenda; com effeito é duro e excessivo punir com multa de 18$000 réis, por exemplo, quem não pagou 1$800 réis, sem que tal disposição tenha fundamento analogo ao de outras disposições penaes, concernentes ao imposto do sêllo ou venda de tabaco.

Poupar os contribuintes a trabalho inutil, sem comtudo diminuir o rendimento do thesouro, e tornar o imposto mais equitativo, tal é o fim da presente proposta; ella attende aos diversos rendimentos de cada industrial, ou commerciante, e livra-o de cuidados e de questões judiciarias.

A esta camara já foi presente um projecto de lei ácerca do mesmo objecto.

Comparando-o com o seguinte projecto, que tenho a honra de submetter á vossa consideração, vereis que o pensamento fundamental é o mesmo, e que sómente procurei desenvolve-lo.

Artigo 1.° A importancia das licenças, a que se refere o artigo 1.° da lei de 1 de setembro de 1869, que digam respeito ao exercido de commercio ou de industria, será

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cobrada juntamente com a importancia da contribuição industrial.

§ 1.° A importancia das licenças que dizem respeito a industrias que formam gremios, será distribuida pelos membros d'elle, pelo mesmo processo que é empregado para a distribuição das taxas de contribuição industrial.

§ 2.° Quando ao mesmo gremio pertencerem contribuintes que devam pagar differentes taxas de licença, tomar-se-ha a media de todas, e esta media será a base da distribuição.

Art. 2.° As licenças para actos que não estiverem sujeitos á contribuição industrial, continuam a ser regaladas pela legislação actualmente em vigor.

Art. 3.° O pagamento da importancia das licenças pelo modo disposto no artigo 1.°, isenta da obrigação de tirar as licenças, á qual se refere a lei de 1 de setembro de 1869.

Art. 4.° Esta lei não altera a faculdade que tenham as camaras municipaes de sujeitar ás taxas de licença a venda nos respectivos concelhos.

Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 11 de março de 1871. = O deputado por Valença, José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

Proposta

Peço escusa de membro das commissões a que pertenço.

Sala das sessões da camara, em 13 de março de 1871. = Francisco Antonio da Silva Mendes.

Não foi admittida.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Pedi a v. ex.ª a palavra, por que apesar de eu contar com o zêlo das illustres commissões, ás quaes foram distribuidas as propostas que o governo apresentou na ultima sessão e na anterior, não posso deixar de manifestar por parte do governo o meu vehemente desejo de que essas propostas possam vir á discussão o mais depressa possivel, e com especialidade... todas. Queria designar alguma, mas a fallar a verdade não me atrevo a fazer excepções; todas ellas são urgentes e importantes na opinião do governo. Mas sobretudo queria que a camara soubesse que o governo deseja vehementemente que se possa entrar quanto antes da discussão do orçamento.

Sei que a illustre commissão do orçamento já distribuiu as diversas partes d'elle a differentes dos seus membros, que de certo hão de sem demora desempenhar a missão que lhes foi incumbida. Entretanto se me fosse licito manifestar uma opinião n'esta casa, proporia que á medida que os diversos orçamentos que dizem respeito aos differentes ministerios estivessem promptos, a camara se podesse occupar d'elles, e afigura-se-me que dariamos assim ao paiz a melhor prova de que todos nós considerâmos a questão de fazenda acima de todas. Estou convencido de que o primeiro orçamento que se apresentar para ser discutido trará comsigo a questão de fazenda, que é exactamente o que o governo deseja; porque o governo quer que o paiz conheça a verdadeira situação em que está a fazenda publica, e que conheça por factos que não só o governo mas a camara, estão vivamente animados do desejo de fazer no orçamento do estado todas as economias que forem compativeis com as necessidades do serviço publico.

Eu desde já tomo por parte do governo o compromettimento de que havemos de aceitar todas as reducções na despeza do estado, que forem indicadas pela camara é que possam ser realisadas sem prejuizo dos serviços publicos. Essa discussão deve levar tempo, e nas circumstancias em que nos achâmos é conveniente, é indispensavel, dar-lhe mais largueza do que é costume quando infelizmente o orçamento tem de ser discutido e approvado nos ultimos dias de sessão; e n'essa discussão todos nós fiaremos a nossa opinião, e o governo aceitará com muito gosto todas as propostas, que tenham por fim reduzir a despeza e minorar por consequencia os sacrificios que se exigem do paiz; porque o governo ha de ser o primeiro a applaudir essas propostas, com a unica condição, repito, de que não comprometiam as necessidades do serviço.

Não desejo que as illustres commissões a que alludo possam inferir d'estas poucas palavras, que julgo que ellas não redobrarão de esforços para cumprirem a sua missão, mas entendo que o governo tinha obrigação de chamar a attenção da camara sobre este assumpto, e dizer bem alto quaes são as suas intenções a este respeito, para que todos nós possamos fazer justiça uns aos outros (apoiados).

O sr. Presidente: — O que a mesa póde fazer é destinar o dia de ámanhã para commissões, e pedir aos membros d'ellas que tratem de examinar as propostas de lei que lhes foram distribuidas.

Os srs. deputados ouviram as considerações apresentadas pelo sr. ministro, e sabem já quaes são os desejos do governo, por consequencia attenderão a ellas como é de conveniencia publica.

Chamo tambem a attenção da camara para outro assumpto.

Ainda se não declararam constituidas as commissões de negocios ecclesiasticos, expostos, vinhos, regimento e consultas geraes. Convido portanto os srs. deputados, membros d'estas commissões, a que se constituam quanto antes, participando-o logo, porque ha trabalhos de que essas commissões têem de se occupar.

Passa-se á eleição de um membro que falta para a commissão de instrucção publica, de outro para a commissão do ultramar e de outro para a commissão de saude publica.

O sr. José Tiberio: — Requeiro que a mesa nomeie os membros que faltam para essas commissões (apoiados).

Foi approvado este requerimento.

O sr. Julio do Carvalhal: — Mando para a mesa, uma nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas, sobre o estado de viação da provincia de Traz os Montes.

Mando tambem um requerimento, para que sejam remettidos da secretaria para a mesa, para irem á commissão de guerra, um requerimento e documentos que lhe estão juntos do major reformado José Joaquim da Costa.

O sr. Candido de Moraes: — Eu tinha pedido a v. ex.ª a bondade de me reservar a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro da justiça, mas s. ex.ª não está presente, e por isso, aproveitando desde já a concessão que v. ex.ª me faz, pedirei á illustre commissão de commercio o prompto andamento de um projecto de lei, que eu tive a honra de apresentar á camara na sessão passada.

Consta-me que aquelle projecto foi distribuido á commissão de commercio, para dar sobre elle um parecer interlocutorio; dizendo respeito á suppressão da delegação da alfandega da Horta, estabelecida na ilha das Flores, julgo da maior importancia que seja transformado em lei n'um praso breve aquelle projecto, porque elle tende a alliviar os povos das Flores de um imposto que, não chegando para pagar aos empregados d'aquella delegação, é sem proveito algum para o thesouro publico; e, alem d'isto, é tambem de um alcance economico consideravel para aquella ilha, que tem sido bem pouco attendida pelos poderes publicos, sendo geralmente baldadas as suas justas reclamações perante estes.

Eu não me canso em instar com a illustre commissão de commercio para que se sirva dar o andamento, que me parece tenho o direito de exigir, ao projecto a que me refiro.

E já que estou com a palavra, vou tratar de um outro assumpto importante. Apesar de hão estar presente o sr. ministro da justiça, estão collegas seus, que me farão o obsequio de attender ao que vou dizer, e de lhe transmittir o sentido das minhas palavras. Ha um ramo de serviço publico que tem sido quasi bas

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tantemente descurado pelos srs. ministros da justiça. Eu não desejo fazer censura a ninguem; e até não poderia faze-la, porque sei que circumstancias bastante fortes têem concorrido para que isso succeda; mas eu desejo fazer com que o mal se attenue, ao menos.

Estabeleceu-se, e eu sei porque, o costume de estarem continuadamente vagos os logares de juizes e delegados das comarcas dos Açores; e da mesma sorte estarem por prover os logares da relação dos Açores. D'aqui resulta um gravissimo damno para os povos, que estão no direito de exigirem do governo que empregue todos os meios para fazer com que se lhes administre prompta justiça.

Ultimamente tem-se estabelecido um peior systema; tem-se permittido que, quando um juiz é transferido ou despachado para os Açores, para a primeira ou segunda instancia, ou declare que não quer aceitar, o que não importa punição, ou se aceita, obtenha do ministerio da justiça auctorisação para mandar tomar posse por procuração.

Isto é illegal; é um acto que não sei como se possa praticar, salvas circumstancias muito raras.

Permittir que um juiz despachado para uma comarca mande tomar posse, por assim dizer, pelo seu creado, e, se a concessão for mais longe, possa exercer o logar pela mesma fórma, parece-me que é attentatorio contra os direitos dos povos.

Eu tambem me não cansarei de reclamar contra este abuso, e de pedir instantemente ao sr. ministro da justiça e ao sr. presidente do conselho, que vejo presente, e que é pessoa muito importante, e é tambem interessado n'este meu empenho... ha de coadjuvar-me... que empreguem todos os esforços para se pôr cobro a um abuso de similhante natureza.

O sr. Ministro do Reino (Marquez d'Avila e de Bolama): — Já tive a honra de ser ministro da justiça, e por mais de uma vez, e por consequencia estou nas circumstancias de responder, na ausencia do meu collega ministro da justiça, ás observações que fez o illustre deputado.

Estou inteiramente de accordo com o illustre deputado, e quando ministro da justiça segui precisamente o alvitre que s. ex.ª aconselha.

Entendi sempre que os logares da magistratura judiciaria nos Açores e Madeira não podem ser considerados como logares de desterro ou de castigo, e por consequencia que todas as vezes que houvesse occasião de prover uma comarca do reino que estivesse vaga, havia de preferir um juiz dos Açores de uma comarca equivalente, uma vez que elle requeresse, porque o governo não tem auctoridade de transferir os juizes senão dentro dos limites da lei ou a requerimento d'elles, e por consequencia o que fiz sempre foi o seguinte: vagava um logar de juiz em uma comarca do reino, eu preferia um dos Açores ou da Madeira para preencher o logar vago, e despachava o novo juiz para os Açores ou Madeira.

Procedi da mesma maneira com relação aos logares de juiz da relação de Lisboa e do Porto. Procurava os requerimentos dos juizes da relação dos Açores, que pediam transferencia, e preferia o juiz mais antigo para o logar vago na relação do continente, e despachava outro para a dos Açores. Resultou d'aqui que nunca deixou de funccionar a relação dos Açores emquanto eu tive a meu cargo a pasta da justiça.

Posso dizer ao illustre deputado que, tendo conversado com o meu collega, que é um antigo e muito digno magistrado (apoiados), posso affirmar que s. ex.ª está inteiramente n'estas idéas, e que talvez mesmo apresente á camara um projecto de lei n'este sentido.

Parece-me que tenho satisfeito á pergunta do illustre deputado, e creia s. ex.ª que procedi assim como ministro, não por ter nascido nos Açores (tenho muita satisfação quando penso na minha patria e lhe posso ser util), mas procedi sempre assim, porque entendi que é o que a justiça rigorosamente aconselhava.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Mando para a mesa um requerimento; n'elle peço que, pela secretaria dos negocios ecclesiasticos, seja remettida a esta camara copia do decreto que annexou as duas freguezias de Santa Maria da Silva e de S. Julião da Silva, no concelho de Valença; bem como da portaria, recentemente expedida ao governador civil de Vianna, mandando metter em processo os habitantes de Santa Maria da Silva, que têem pugnado pela administração de sacramentos na sua igreja.

Peço com urgencia esta copia, porque em face dos documentos que me forem mandados terei talvez de dirigir a tal respeito uma interpellação ao sr. ministro da justiça.

Mando tambem para a mesa uma representação, que me foi remettida pelo lyceu nacional do Porto, na qual se pede a esta camara que quanto antes seja feita uma lei de instrucção publica.

Como ha dias o sr. ministro do reino apresentou duas propostas, uma sobre a instrucção primaria e outra sobre instrucção secundaria, esta representação vem a proposito, porque contém esclarecimentos ácerca do que tem sido entre nós algumas reformas do ensino publico; e peço licença a v. ex.ª e á camara para expor algumas das rasões em que se fundam os cavalheiros que assignam este documento.

A linguagem da representação é energica, e poder-se-ha dizer que uma ou outra phrase é summamente vigorosa; convem portanto saber desde já quaes os motivos que levaram o lyceu do Porto a fallar assim.

Sr. presidente, os decretos de 22 de outubro de 1870 e 18 de novembro do mesmo anno, alteraram a organisação do ensino secundario.

As datas que acabei de mencionar nos dizem que taes decretos foram publicados em tempo em que os alumnos matriculados no lyceu tinham adquirido direito a cursar determinadas aulas; elles foram perturbados na sua vida escolar, e o lyceu do Porto, achando difficuldades na execução dos decretos a que me referi, entendeu que devia expo-las ao governo, e com effeito lh'as apresentou em officio do digno reitor.

A resposta foi dada em portaria de 28 de janeiro proximo passado; termina ordenando ao reitor que observe os decretos de 22 de outubro e 18 de novembro, os quaes, diz-se ali, não suscitaram a menor difficuldade no lyceu de Lisboa ou n'outro qualquer.

É de notar que asseverando a portaria que os outros lyceus tinham observado os decretos de 22 de outubro e 19 de novembro sem a minima difficuldade, não havia necessidade da publicação d'ella; a inserção no Diario parece manifestação do desejo de desconsiderar o lyceu do Porto.

Ainda que a resposta dada n'essa portaria mostrasse que o lyceu não tinha vontade de executar a lei ou havia apresentado taes duvidas que mais pareciam de alumnos do que de professores, não era isto rasão para se censurar o procedimento do lyceu do Porto, e desconsiderar o conselho escolar, publicando-se uma portaria n'aquelles termos; mas, sr. presidente, é minha convicção que as duvidas apresentadas no officio, a que a portaria responde, tinham fundamento, que cumpria attender. Breves palavras bastam para provar o que deixo dito.

Uma das reformas feitas por esses decretos consistiu em acabar com o terceiro anno de portuguez e com o terceiro anno de desenho, passando algumas materias do terceiro anno para o novo segundo.

Havia alumnos matriculados no terceiro anno de portuguez; o lyceu perguntou ao governo — estes alumnos, que não têem de frequentar o terceiro anno, hão de passar para o segundo e estudar as disciplinas que vieram do terceiro para o segundo anno?

A resposta que o governo deu ao conselho escolar do lyceu do Porto, foi que os alumnos não precisavam de frequentar esse curso, e unicamente de fazer exame final das novas materias do segundo anno. De maneira que ficaram

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obrigados a fazer exame de certas materias, e simultaneamente dispensados, se não prohibidos, de estuda-las no lyceu!

Adoptou-se uma regra para o terceiro anno de desenho e outra para o terceiro anno de portuguez! Emquanto os matriculados n'este são obrigados a fazer exame das referidas materias, sem as terem aprendido na respectiva cadeira, os alumnos do terceiro anno de desenho foram dispensados não só da frequencia, mas tambem do exame de disciplinas que nunca aprenderam, sendo porém desnecessariamente considerados como se houvessem sido approvados n'ellas!

Outras perguntas dirigiu o estabelecimento de instrucção secundaria, as quaes agora não menciono por não enfadar a camara; sómente acrescento que a resposta do governo foi tal que não destruia as rasões apresentadas pelo conselho, e mostrava que os decretos tinham sido feitos sem a necessaria meditação.

E os professores do lyceu do Porto achavam novas rasões para suppor que a reforma não fôra elaborada com a devida attenção, quando nos programmas publicados no Diario do governo encontravam erros notaveis, que, pelo menos, provavam lastimavel precipitação.

Por exemplo, o programma da lingua latina ordena que os alumnos traduzam os primeiros dezoito paragraphos do livro primeiro, os treze primeiros do livro terceiro, os seis primeiros do livro quinto e os vinte primeiros do livro sexto.

Mas, sr. presidente, Eutropio n'estes livros não escreveu mais; comtudo os programmas officiaes dizem que os alumnos são obrigados a dar só estes primeiros capitulos. A representação acrescenta, com todo o fundamento, que, tendo sido adoptada a Selecta de Coimbra de 1859, e não se contendo n'ella senão estes capitulos, o individuo que fez os programmas, um pouco esquecido do Eutropio, entendeu que para a Selecta haviam sido unicamente escolhidos capitulos e não livros completos, por isso escreveu os primeiros tantos capitulos de tal livro, os primeiros tantos capitulos de outro.

Novo lapso. N'estes programmas de latim poz-se de parte o livro quarto da Eneida de Virgilio, entendendo-se talvez que não deviam descrever-se, aos que cursassem os lyceus, os amores de Dido e Enéas. Comtudo, parece-me que as bellezas d'aquelle canto da Eneida são bem superiores, e muito mais para serem contempladas pelos alumnos dos lyceus, até pela magestosa delicadeza dos primorosos versos d'esse canto, do que o trecho de uma georgica do mesmo auctor, que falla de umas certas praticas equinas que não devem ser litteralmente traduzidas n'este logar; apesar d'isto, esse trecho vem indicado nos programmas!

Eu podia tambem notar, como o lyceu o nota na sua representação (ainda que algumas rasões pouco fortes possam ser produzidas em contrario), que o ensino da cosmographia não fosse precedido pelos conhecimentos da geometria da esphera, os quaes são dados no segundo anno de mathematica. Realmente, ainda que áquelle curso de cosmographia possa dizer-se muito elementar, entendo que era mais conveniente não o dar senão depois de conhecida a geometria da esphera.

Podia ainda indicar outros pontos, que a representação censura, e dos quaes ella não se occuparia se porventura tivesse havido da parte do governo a devida attenção ás objecções apresentadas pelo lyceu.

Não nos esqueçamos de que um lyceu que expõe duvidas ao governo não falla simplesmente como sendo composto de individuos que exercem o professorado; falla tambem em nome dos direitos dos alumnos que frequentam esse lyceu, direitos respeitaveis, e que devem ser attendidos em vez de expostos aos decretos da leviandade.

V. ex.ª sabe perfeitamente que, por infelicidade nossa, a legislação da instrucção publica é feita e executada de modo tal, que muitas vezes os alumnos mal sabem o caminho que têem a seguir, e, quando entrados n'elle em nome da lei, são obrigados a retroceder em nome da nova lei; d'aqui resultam graves inconvenientes para elles e para suas familias. Foi, de certo, attentando n'isto que o lyceu nacional do Porto representou ao governo, pedindo-lhe esclarecimentos; o governo devia sinceramente esclarece-lo, em vez de responder de modo inconveniente e publicar uma portaria que não havia necessidade nenhuma de tornar conhecida, na qual se descobre, parece-me que muito bem, o intuito de desconsiderar áquelle lyceu.

Como está presente o sr. ministro das obras publicas, aproveito este momento para chamar a attenção de s. ex.ª sobre um assumpto, que tem relação com outro, de que ha dias se occupou o sr. visconde de Moreira de Rey.

Pergunto a s. ex.ª se tambem tenciona obrigar a companhia do caminho de ferro do norte e leste a construir a ponte sobre o Douro, como é de lei.

A construcção d'ella é de muita vantagem para os habitantes do Porto; é de vantagem para todo o reino; antecipadamente pagámos esta obra; decorreram annos depois d'aquelle em que devia estar acabada; e todavia, ainda não se lhe deu principio! Urge que a companhia cumpra o contrato, e espero que o sr. ministro a isso a obrigue. Mando para a mesa o requerimento e a representação. O sr. Antunes Guerreiro: — Mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).

O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): — Assevero ao illustre deputado, que acaba de fallar, que eu tomarei na devida consideração as observações de s. ex.ª com respeito ao importante assumpto a que se referiu — construcção da ponte sobre o Douro.

S. ex.ª sabe, e toda a camara conhece pelos factos que se têem dado, que as condições em que hoje se encontra a companhia dos caminhos de ferro do norte e leste não são favoraveis. E se não é rasão justificativa de se não haver cumprido o contrato o encontrar-se a linha no estado em que está, é de certo rasão que póde merecer por parte do governo a contemplação necessaria para que não accumule exigencias sobre exigencias a uma companhia n'estas condições.

A construcção da ponte sobre o Douro é um assumpto que ha de reclamar, pela sua importancia, toda a attenção do governo.

Asseguro ao illustre deputado que hei de tomar esta questão na devida consideração, porém não posso deixar de assegurar tambem a s. ex.ª, que nas circumstancias difficeis em que se encontra a companhia, não é esta a conjunctura propria para a resolver, e que, logo que melhorem a» condições da companhia, trabalharei por que ella se resolva nos termos em que todo o paiz deseja vê-la resolvida.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Tendo eu tido a honra de receber um despacho para um logar importante, embora não retribuido, pedia a v. ex.ª que tivesse a bondade de convidar a commissão de verificação de poderes a definir a minha posição n'esta casa.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Careço de dizer algumas palavras com relação ao que disse o illustre deputado, que chamou a attenção do governo para uma portaria, que resolveu as duvidas apresentadas ao ministerio do reino pelo conselho do lyceu nacional do Porto.

Ouvi com muita attenção as muito sensatas e judiciosas ponderações do illustre deputado. Vou examinar esse assumpto; se entender que o lyceu tem rasão nas objecções que fez com relação á doutrina contida n'essa portaria, que teve por base uma consulta da junta consultiva de instrucção publica, não terei duvida alguma em modificar as disposições da mesma portaria, e hei de fazer justiça aquella illustre corporação.

O sr. Francisco Mendes: — Sinto que a camara não attendesse o meu pedido, não porque eu me quizesse esquivar ao trabalho das commissões, mas porque, como já disse, podia ser substituido com toda a vantagem; entretanto, como essa recusa é uma prova de consideração, agradeço-a, muito reconhecido, aos meus collegas.

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O sr. Mariano de Carvalho: — Mando para a mesa um requerimento de Luiz Silverio de Faria, engenheiro subalterno de primeira classe do corpo de engenheiros navaes, que pede ser promovido a engenheiro chefe de segunda classe com o posto de capitão tenente, allegando os serviços que tem prestado, e juntando a este requerimento documentos muito valiosos.

Peço a v. ex.ª que mande esta pretensão ás commissões respectivas.

O sr. Presidente: — Não é muito regular mandar para a mesa requerimentos de particulares. Faço esta declaração por entender ser dever meu faze-la.

O sr. Almeida Queiroz: — Pedi a palavra para renovar a iniciativa de dois projectos de lei, que tive a honra de apresentar.

Um versa sobre a reforma do juizo arbitral nas causas commerciaes, e outro sobre o modo de substituir os juizes dos tribunaes de commercio de Lisboa e Porto.

Por esta occasião declaro a v. ex.ª, que confio pouco nos projectos de iniciativa dos deputados quando não os acompanha um certo favor ministerial. Entretanto é do nosso dever quando apresentamos qualquer projecto pugnar pelo seu andamento.

Confio na dedicação e intelligencia do nobre ministro da justiça. S. ex.ª é um dos membros mais respeitaveis da magistratura portugueza. Mas não creio nem em organisação de novos codigos nem em reformas radicaes da nossa legislação. Estou persuadido de que havemos de ir fazendo reformas parcialmente. Isto é uma especie de addicionaes, e visto que hoje todos se conformam com elles, vamos fazendo alguns addicionaes á nossa legislação.

O sr. Adriano Machado: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Penafiel sobre o mesmo objecto, a respeito do qual já existe uma representação de Marco de Canavezes, isto é, ácerca da permanencia de uma força militar na cidade de Penafiel.

Abstenho-me de fazer considerações a este respeito, porque já dirigi uma nota de interpellação ao sr. ministro da guerra ácerca d'este objecto; interpellação que ainda lhe não foi remettida, porque eu não o posso fazer, e por isso rogo a v. ex.ª que por intervenção do sr. segundo secretario a faça expedir.

O sr. Secretario (Pinheiro Borges): — Posso asseverar ao illustre deputado que já assignei o officio expedindo a nota de interpellação ao sr. ministro da guerra.

O sr. Mexia Salema: — Pedi a palavra quando o meu illustre collega e amigo, o sr. Candido de Moraes, notando que alguns logares da magistratura judiciaria do districto da relação dos Açores e logares d'esta relação estavam sem juizes, disse que era tambem devido isso, quanto aos juizes da relação dos Açores, a conceder-se-lhes o tomarem posse por procuração, acrescentando que era o mesmo que mandar tomar posse por um creado.

Sei perfeitamente que o meu illustre collega não me quiz offender, nem a pessoa alguma da classe da magistratura judiciaria, a que me honro de pertencer, porque é minimamente delicado e filho de um magistrado muito digno, e s. ex.ª não teve de certo em vista offender os collegas de seu pae.

O sr. Candido de Moraes: — Apoiado; peço a palavra.

O Orador: — Entretanto não podia ficar silencioso n'esta occasião, deixando de fazer algumas observações, por isso que fui um d'aquelles a quem foi concedido tomar posse por procuração.

E eu tive a honra de tomar a posse por mim um collega illustradissimo, que de maneira alguma podia considerar-se como meu creado.

Toda a camara o conhece. É o sr. Antonio José da Rocha, actualmente juiz da relação dos Açores, que foi sempre muito considerado (muitos apoiados).

Apesar de não ser muito velho, tenho uma carreira já longa na magistratura, porque como quando saí da universidade não havia a lei que obrigava a ter dois sonos de pratica, fui logo despachado, o que fez com que chegasse um pouco mais novo do que o costume a ser juiz de relação.

Tenho a consciencia de que nunca abusei, estando ausente do meu logar mais tempo de que o necessario para tratar da minha saude. Durante quasi trinta annos estaria ausente quatro ou cinco mezes em todo o tempo.

Chegou o meu despacho para a relação em occasião em que eu estava para saír eleito deputado. Fui-o effectivamente.

V. ex.ª e a camara sabem que sempre se concedeu a todos aquelles que eram deputados o tomarem posse por procuração, a fim de evitar despezas inuteis, como eram ajudas de custo para jornadas, etc.

Essa licença foi-me concedida, pedindo-a sem querer abusar.

Por consequencia, repito, não podia n'esta occasião ficar silencioso, visto que se apresentara um anathema contra todos os ministros que tinham feito essa concessão, sendo eu um d'aquelles a quem se fez essa premissão nos termos dos justos precedentes; e no que disse não pertendi senão fazer ver á camara que não estava nas circumstancias indicadas pelo meu illustre collega, e que não sou causa da falta no serviço, que lamenta.

Eu tambem entendo, como elle, que não se póde extinguir aquella relação dos Açores, porque emfim ha motivos de conveniencia publica que aconselham a sua conservação; entretanto se é justo que se forcem os juizes a irem occupar os seus logares, é-o tambem que se não obriguem a ficar eternamente ali; e para esse fim é conveniente que se estabeleça por lei que emquanto houver um juiz de uma relação que pretenda o logar vago n'outra, o ministro prefira o juiz que o requerer pela sua antiguidade, e que se não despache um juiz de 1.ª instancia para esse logar, como abusivamente se tem feito, em prejuizo d'aquelles juizes de 2.ª instancia.

Mas poderão objectar-me que isso tem inconvenientes, porque nunca a relação está preenchida, e não prestará serviço.

Pois alterem a reforma judiciaria no artigo 735.°, estabelecendo-se para a relação dos Açores que todas as tenções que sejam proferidas por juizes que ali tenham estado sejam válidas para o effeito dos vencimentos. Assim destroe-se a objecção.

É mais conveniente que os juizes para lá vão por sua vontade do que forçados, vendo despacharem-se juizes de 2.ª instancia os da 1.º com prejuizo d'elles que já estão na 2.ª

Folguei de ouvir dizer que o sr. ministro da justiça tinha um projecto para cortar estes abusos, mas devo dizer que já na commissão de legislação existe um projecto da iniciativa do sr. Luciano de Castro, muito aproveitavel, posto que eu não me conforme com muitas das suas disposições, e que se não apparecer o projecto do governo de prompto, convem tomar conhecimento d'aquelle, pois que é necessario estabelecer alguma cousa para se evitarem aquelles e outros abusos.

O sr. Dias Ferreira: — Mando para a mesa um projecto de lei e um requerimento.

O projecto, que vae tambem assignado pelo sr. D. Luiz da Camara, é o seguinte (leu).

O sr. Nogueira: — Participo a v. ex.ª e á camara que por justo motivo não tenho comparecido ás sessões anteriores.

O sr. Pinto Bessa: — Pedi a palavra, porque o meu illustre collega, o sr. Rodrigues de Freitas, no discurso que acabou de pronunciar, se referiu á construcção da ponte sobre o rio Douro, perguntando ao sr. ministro das obras publicas o que pretendia fazer a esse respeito.

Ora, como eu na sessão de 5 de novembro do anno pas-

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sado, dirigi a respeito d'este assumpto uma nota de interpellação ao sr, ministro das obras publicas de então, o sr. marquez d'Avila e de Bolama, mostrando-lhe o desejo de saber quaes eram as idéas de s. ex.ª sobre este negocio, vejo-me por isso obrigado a entrar agora n'esta questão, visto que n'ella se fallou.

Como disse, annunciei a minha interpellação na sessão de 5 de novembro, e desde essa data até 3 de janeiro em que foi adiada a camara, s. ex.ª não se dignou responder; sou levado a acreditar que ponderosos motivos o obrigaram a proceder assim. Agora porém ouvi com surpreza dizer o sr. ministro das obras publicas, respondendo ao sr. deputado Rodrigues de Freitas, que a questão da construcção da ponte sobre o Douro é grave e muito mais importante do que se pensa, e que por isso não era agora a conjunctura mais apropriada para d'isso se tratar, em vista das precarias circumstancias em que se acha a companhia.

Declaro, sr. presidente, que sinto ter ouvido estas palavras da boca do nobre ministro; sinto, porque considero que, sendo a construcção da ponte sobre o Douro uma questão da maior importancia para a cidade do Porto, o sr. ministro das obras publicas trepide em a fazer resolver quanto antes.

A ponte que a companhia do caminho de ferro do norte é obrigada a construir sobre o rio Douro devia estar prompta ha tres annos; isto é, em março de 1868 pelo contrato de 27 de novembro de 1865, approvado pela lei de 2 de março de 1866, foram concedidas certas e determinadas vantagens aquella companhia, como compensação da obrigação por ella contrahida de construir a ponte sobre o Douro, e ramal de Sampaio, no improrogavel praso de dois annos, que andaram, como já disse, em março de 1868; estamos porém em março de 1871, isto é, tres annos alem da epocha fixada no contrato, e nem indicios ha de que se pretenda dar principio áquellas obras; no entanto que a companhia começou desde logo a usufruir as vantagens que lhe foram concedidas pelo contrato a que já me referi.

Eu tencionava renovar a minha interpellação, feita na sessão passada, ao sr. ministro das obras publicas; porém como se offereceu esta occasião, aproveitei-a, e peço a s. ex.ª que me permitta o dizer mais alguma cousa a respeito d'esta importante questão.

Julgo que o governo não póde deixar de reconhecer a urgente necessidade de concluir o caminho de ferro até ao Porto; e sendo assim, como creio, deve quanto antes obrigar a companhia a executar e cumprir o seu contrato; não me parece que seja necessario esperar occasião opportuna para isso, a occasião é sempre opportuna quando se trata de obrigar ao cumprimento de deveres, ou seja com relação a individuos ou a companhias que tenham contratado com o estado, e tanto mais quando se tem por tanto tempo abusado da benevolencia dos poderes publicos.

V. ex.ª sabe perfeitamente o transtorno que causa aos habitantes da cidade do Porto, principalmente ao commercio, não estar esta obra concluida. O trajecto que ha a fazer da cidade do Porto á estação das Devesas é muito extenso, muito incommodo e grandemente despendioso.

Parece-me que o paiz, e especialmente a cidade do Porto, tem direito a exigir que o governo obrigue a companhia a cumprir o seu contrato. Não é um favor que se pede, é cumprimento de um dever que ha muito devia estar satisfeito.

O paiz concedeu vantagens á companhia, que ella ha muito está usufruindo; ella obrigou-se a construir a ponte sobre o Douro no praso de dois annos, e esse praso findou já ha muito. Parece-me, portanto, que já era tempo de a obrigar a cumprir o seu dever, o que se não tem feito.

Espero, pois, que o sr. ministro das obras publicas, cuja actividade todos reconhecem, será o primeiro a fazer tudo quanto estiver a seu alcance para que a companhia entre nos seus deveres, não só a respeito da construcção das obras a que me tenho referido, como tambem a respeito do estado deploravel em que está o caminho de ferro; o que já foi por s. ex.ª reconhecido na portaria que ha poucos dias fez publicar. Tenho concluido.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Estou muito longe de suppor, e creio que nas poucas palavras que disse nem sequer insinuei a idéa de que não fosse uzada e opportuna a occasião que os illustres deputados aproveitaram para, em nome da cidade que representam, fazer lembrada a necessidade que ha de resolver uma questão em que tanto interessa a cidade do Porto.

Eu creio que s. ex.ªs fazem muito bem, creio que zelam devidamente os interesses dos seus constituintes, e que dão ao serviço que lhes prestam a importancia que elle lhes deve merecer.

Acho justo que peçam ao governo que tome em consideração este assumpto, e mesmo em desejar que o governo se comprometia desde já, perante a camara e perante o paiz, a obrigar a companhia do caminho de ferro do norte e leste a começar desde já a construcção de uma ponte sobre o Douro, ponte que, em vista das vantagens concedidas á mesma companhia em 1865, devia estar concluida em 1868.

Permittam-me, porém, os illustres deputados que lhes diga que creio que tambem me desempenho bem da obrigação e dever que me corre como ministro da corôa, não tomando a responsabilidade de praticar aquillo que ainda não sei se estarei em condições de poder fazer. Está mui longe das minhas intenções e da lealdade do meu caracter o tomar perante a camara e perante o paiz um compromisso qualquer que eu não possa solver.

V. ex.ª sabe, sabe-o a camara e conhece o paiz, que são difficeis as circumstancias em que hoje se encontra a companhia; creio até que são hoje mais difficeis do que eram em 1868, quando findava o praso para a conclusão da obra, que nenhum governo até hoje obrigou a companhia a fazer. Pois se assim é, se em conjunctura mais favoravel se não pediu ao governo com a mesma solicitude e empenho com que hoje se pede, que se obrigasse a companhia em todo o rigor de direito a cumprir a condição de um contrato que até hoje não teve execução, permittam-me tambem que eu nas circumstancias actuaes, apreciando devidamente as condições difficeis em que hoje se encontra a companhia, não tome, perante a camara nem perante o paiz, o compromisso de desde já a obrigar á construcção de uma obra, cujas condições technicas ainda não estudei e que aliás poderão ser modificadas, com vantagem reciproca da companhia e do paiz. Por agora o meu sincero empenho é que ella cumpra os preceitos que lhe impõe a portaria que ha pouco expedi, e a que o illustre deputado alludiu, e oxalá que dentro em pouco eu tenha occasião de declarar á camara que as linhas ferreas do norte e de leste se encontram nas condições em que infelizmente hoje se não acham.

Este foi o meu primeiro intuito e principal fim, depois que entrei no ministerio; se o conseguir não terei por baldados os meus esforços, nem me arrependerei de não ter, accumulando exigencia sobre exigencia, collocado a companhia em circumstancias mais difficeis, pedindo desde já o cumprimento d'aquillo que em melhores condições e n'um praso já bastante largo se lhe não exigiu. Entretanto o que eu prometto ao illustre deputado é que hei de tomar em toda a consideração este assumpto grave e importante, e que eu considero como tal, não só com referencia á cidade do Porto, mas a todo o paiz. Hei de procurar inteirar-me d'elle, e direi á camara o que pensar sobre o modo pratico de realisar um melhoramento tão importante. Mas a mais do que isso não posso obrigar-me.

Embora muitas vezes esteja em uso nas condições em que agora me encontro, responder com promessas vagas a interpellações d'esta ordem, eu não o faço nem me comprometto a fazer senão o que está dentro das minhas faculdades e aquillo a que as circumstancias me habilitam.

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Por consequencia insisto na resposta que dei ao illustre deputado que primeiro me interpellou a este respeito.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Agradeço aos srs. ministros do reino e das obras publicas as palavras que proferiram em resposta ao que eu tinha dito ácerca de negocios dos ministerios a seu cargo.

O lyceu nacional do Porto pede á camara que faça uma lei sobre instrucção publica, por isso que as reformas que se têem adoptado não satisfazem, e têem sido executadas por um modo que não é proveitoso.

Felizmente, tanto em relação á instrucção primaria como em relação á instrucção secundaria, já o sr. ministro do reino trouxe ao parlamento propostas de lei, e nós temos esses trabalhos para analysar, estando s. ex.ª prompto, como declarou, a aceitar todos os alvitres que possam aperfeiçoa-los.

Emquanto ao que disse o sr. ministro das obras publicas, eu creio que s. ex.ª põe todo o cuidado em que a companhia dos caminhos de ferro de norte e leste se desempenhe das suas obrigações; mas sinto que s. ex.ª dissesse que não podia tomar a responsabilidade de obriga-la a cumprir o contrato, e que já folgaria se ella executasse o que na recente portaria lhe ordenou.

No que estou dizendo não vae a satisfação do desejo de censurar s. ex.ª; reconheço que é o primeiro ministro que, tomando conta da pasta das obras publicas, immediatamente publicou uma portaria energica, e veiu annunciar á camara que estava disposto a obrigar a companhia a cumpri-la.

Este facto prova o «grande cuidado de s. ex.ª em resolver um negocio importantissimo.

Dito isto, acrescentarei que me parece que s. ex.ª não deveria proferir no parlamento o que acaba de dizer — que, não tomava a responsabilidade de fazer com que a companhia cumprisse o contrato.

S. ex.ª tem a responsabilidade de obrigar a companhia ao cumprimento do contrato, porque s. ex.ª, membro do poder executivo, deve executar as leis, e esse contrato não é senão uma lei.

S. ex.ª dizendo, que se contenta com que a empreza cumpra o que lhe determinou na portaria, foi de certo mais longe do que desejava; tenho receio de que mais tarde, estas suas palavras hajam de servir de desculpa á companhia; virá dizer-nos, que o proprio sr. ministro reconheceu, que ella não podia cumprir o contrato, a ponto de asseverar a um dos corpos legislativos, que não tomava a responsabilidade pelo cumprimento d'elle.

Apesar d'isto, espero que s. ex.ª será o primeiro a trabalhar para que a companhia cumpra pontualmente todas as suas obrigações, uma das quaes é construir a ponte sobre o Douro.

O sr. Antunes Guerreiro: — Participo a v. ex.ª que a commissão das consultas geraes se acha installada, tendo nomeado para presidente ao sr. Mexia Salema, a mim para secretario, e havendo relatores especiaes para cada um dos negocios.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Sr. presidente, eu creio que ha uma certa confusão na ordem das idéas que o illustre deputado que me precedeu acaba de significar. Não é, não póde ser desagradavel ao illustre deputado o que eu ha pouco tive occasião de declarar á camara.

O que é de certo desagradavel a s. ex.ª, o que não póde ser agradavel nem á camara, nem ao paiz, nem a mim, nem á propria companhia, é o facto de que ella se encontre nas difficeis circumstancias em que todos sabemos que ella se acha.

Creio tambem que não incorri em grave responsabilidade por haver declarado á camara que não faria desde já o que os governos que me precederam deixaram de fazer por annos, nem por deixar de intimar peremptoriamente a companhia a executar um contrato, cujas disposições ainda não tive tempo de estudar.

Se é certo que a execução das leis cabe ao poder de que tenho a honra de fazer parte, não é menos certo tambem que a não execução d'ellas envolve uma responsabilidade que com esse poder compartilha o parlamento, que no exercicio das suas attribuições tem meios para compellir o governo a executar as leis e a cumprir os contratos (apoiados).

Mas considerando a questão nos seus devidos termos, se o contrato a que nos referimos se não cumpriu, se o governo não tem exigido da companhia que o cumprisse, se o parlamento não exigiu do governo que o fizesse cumprir, é culpa de todos, ou derivará isso do facto de que as condições em que o contrato se celebrou o tornam inexequivel? Declaro a v. ex.ª que o não sei, mas a alguem ouvi já que o projecto apresentado e approvado para a construcção da ponte sobre o Douro era impraticavel. Em taes casos creio que seria menos considerada toda e qualquer declaração que eu fizesse no sentido de obrigar a companhia desde já e nas circumstancias em que ella se encontra, a cumprir um contrato, cujas disposições não conheço, e que aliás se poderão modificar, como já disse, em reciproco interesse da companhia e do paiz (apoiados).

Por consequencia v. ex.ª entende e a camara comprehende de certo, que não posso dizer senão o que já disse, e o illustre deputado não tem que novamente sentir nem que lastimar, repetindo eu que nas condições difficeis em que a companhia se encontra não é possivel exigir d'ella desde já o cumprimento do contrato, e a construcção immediata da ponte sobre o Douro.

E demais, repito, se o contrato se não tem cumprido, não tem sido por contemplação apenas com a companhia, ha rasões de força superior que igualmente hão de ter actuado sobre o espirito dos membros do governo e do parlamento.

Portanto, nos termos precisos em que se fez a pergunta, eu não tenho a responder senão o que respondi.

Desejo que a companhia nas condições em que se encontra possa desempenhar-se das obrigações que pesam sobre ella, e que primeiro que tudo e quanto antes dê i linha condições de segurança que não tem.

Não creio que esta minha asserção possa influir no espirito dos directores da companhia, para não cumprirem as obrigações que lhes resultam do contrato, e os preceitos que para a execução d'elle a referida portaria lhes impõe. Dizer que desejo que a companhia cumpra a portaria que expedi, não é de certo pôr em duvida que pela parte que me toca eu a faça executar, e ao illustre deputado que ainda ha pouco veiu aqui duvidar da efficacia das portarias, posso assegurar que eu a não teria publicado se não me sentisse com força para a fazer executar, como satisfação aos gravissimos interesses do estado e aos interesses do publico seriamente compromettidos se lhe não der execução.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Pedi a palavra, não porque julgue que a resposta do meu collega, o sr. ministro das obras publicas, ao sr. Pinto Bessa não fosse completamente satisfactoria, mas porque tenho tambem a accusar-me um pouco n'esta parte, por isso que acabei de ser ministro das obras publicas, e servi aquella pasta por tres mezes. Quero pois dizer o modo como entendo esta questão, e começo por asseverar, com o sr. ministro das obras publicas, que o governo ha de empregar todos os meios ao seu alcance para fazer cumprir religiosamente o contrato.

Mas se o governo se convencer, por virtude dos exames a que está procedendo, e a que já tem procedido outros ministros nossos antecessores, de que é necessario fazer modificações n'esse contrato, d'onde resulte, sem prejuizo do serviço imposto á companhia, o collocar a companhia em circumstancias mais favoraveis para se desempenhar das obrigações que lhe estão impostas; se o governo se convencer d'isto, digo, ha de vir trazer á camara a necessaria proposta, e para então póde o illustre deputado re-

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servar as considerações que deseja expor ainda á camara.

Para fazer comprehender melhor o meu pensamento referirei fim facto acontecido commigo ha muito pouco tempo.

Foi permittido á companhia na primeira collocação dos rails, fallo diante de engenheiros, a quem peço desculpa se acaso proferir alguma phrase ou palavra menos correcta ou menos technica; digo, foi permittido á companhia na primeira collocação empregar rails do peso de 34 kilogrammas, os quaes deveriam ser substituidos mais tarde por carris do peso de 37 kilogrammas. A companhia veiu pedir-me que lhe fosse permittido substituir os rails mais avariados por carris do peso de 35 kilogrammas, promettendo que esses carris haviam de ter todas as condições de segurança e de solidez. Acrescentava que, fazendo-se essa concessão, poderia ter aqui esses rails em dois mezes, emquanto se fosse fazer a encommenda de carris de 37 kilogrammas, não os podia ter no paiz por circumstancias que não desenvolvo agora, e que foram apreciadas pelo conselho de obras publicas, que se conformou com o pedido, n'um praso não inferior a sete mezes. Confesso á camara que deferi o pedido da companhia, porque entendi que se porventura a companhia podesse effectivamente substituir os rails mais avariados e mais gastos por carris do peso de 35 kilogrammas em dois mezes, não os podendo substituir por carris de 37 kilogrammas senão no praso de sete mezes, o serviço melhorava muito com esta substituição. Effectivamente seria melhor collocar rails de 37 kilogrammas de peso, mas não me atrevi a tomar sobre mim a responsabilidade dos sinistros que podessem occorrer durante esses cinco mezes, continuando o serviço com carris, que urgia substituir. Comtudo eu declarei á companhia que deferia o seu pedido, mas que se preparasse ella desde logo para a substituição completa dos rails por carris de 37 kilogrammas.

Ora, esta hypothese póde se dar a respeito de outras condições do contrato, e o governo não póde deixar de ter em consideração ai circumstancias da companhia que são más, e são más por erros que vem de longe, e não são filhos da actual administração.

De todas estas circumstancias póde o governo dar conhecimento á camara quando a questão se tratar ex-professo, e ha de necessariamente tratar-se, porque quando houver necessidade de modificar o contrato, ha de modificar se sobre iniciativa do governo, ha de modificar-se depois de ser ouvido o governo, não é porém o governo que o ha de modificar, ha da ter o poder legislativo.

Mas a verdade é que as condições da companhia não são boas. A companhia por muito tempo tem deixado de pagar os juros das suas obrigações. Eu direi a v. ex.ª que uma grande parte d'essas obrigações estão derramadas em França, e derramadas pelas camadas mais baixas da sociedade.

Em 1868, quando eu tinha a honra de ser ministro de Sua Magestade em París, a cada instante me vinham fazer reclamações n'este sentido. Era o porteiro, era o creado de servir que tinha empregado as suas economias comprando d'estas obrigações contando que lhe dava um juro de 8, 9 ou 10 por cento. Quando esta questão era tratada commigo diplomaticamente, e foi mais de uma vez, eu respondia — o governo portuguez tem cumprido religiosamente as obrigações que contrahiu. Os ministros dos negocios estrangeiros com quem tratei, o marquez de Moustier, já fallecido, e o conde de La Villete, comprehendiam isto, mas quem não comprehendia era o concierge, era o creado de servir que tinha ido comprar uma obrigação e que não recebia o juro do capital que tinha empregado. E isto reflectia no credito do nosso paiz (apoiados), não nos illudamos.

Contudo eu sou o primeiro a affirmar o bom direito do governo. O governo tem cumprido religiosamente as obrigações que contrahiu para com a companhia, e por consequencia tem direito a exigir da companhia que da mesma maneira cumpra as suas. Não dissimulo a gravidade da questão, nem a rasão que têem os illustres deputados, o que digo é que o governo, peço desculpa ao meu amigo o sr. visconde de Chancelleiros, eu estou a repetir aquillo que s. ex.ª disse melhor do que eu o digo, mas quero que a camara conheça bem a minha maneira de apreciar esta questão. O que eu digo é que o governo ha de empregar todos os meios para que o contrato seja cumprido. Se o governo entender que ha alguma maneira de o cumprir menos oppressiva para a companhia, ha de preferir esse meio, porque não tem interesse nenhum em arruinar a companhia. Eu entendo pelo contrario, que é do interesse de todos que ella possa desempenhar-se do encargo que contrahiu.

O governo ha de informar o parlamento em occasião opportuna do modo por que procedeu a este respeito e as rasões que teve para isso, e a camara apreciará então o procedimento do governo.

O sr. Presidente: — Ainda ha alguns srs. deputados inscriptos, mas tenho a observar que a hora está muito adiantada, e que é tempo de se entrar na ordem do dia.

O sr. Candido de Moraes: — Pedi a v. ex.ª a palavra quando vi que o sr. Mexia, referindo-se a algumas palavras que eu dirigi ao sr. presidente do conselho, ácerca das comarcas vagas nos Açores, e na ausencia de juizes da respectiva relação, parecia mostrar-se offendido com o que eu tinha dito.

Eu quiz simplesmente indicar os factos e pedir ao sr. ministro competente providencias para elles, porque, como deputado da nação, tenho obrigação de velar pelos interesses da nação em geral, mas particularmente pelos dos povos que eu represento.

O illustre deputado, que me merece toda a consideração, parece-me que devia saber que eu não podia dirigir-lhe insinuação alguma nas poucas palavras que disse, que podesse ser offensiva ao caracter de s. ex.ª; não estava isso na minha idéa; unicamente quiz expor os damnos que se dão nos povos dos Açores, por estarem ausentes os juizes nomeados para ali, e os delegados das comarcas. Por consequencia creio ter tornado bem manifesta a minha idéa sobre este assumpto, e que o illustre deputado deve estar convencido, como me parece que devia estar antes das minhas declarações, de que não o quiz offender nem a nenhum dos seus collegas.

O sr. Bessa: — Quando pedi a palavra fui o primeiro a declarar que não queria entrar n'esta questão, porque conheço que a devia tratar por meio de uma interpellação, o que não fiz pelas rasões que já tive a honra de expor.

Se, porém, entrei na questão, foi porque o sr. Rodrigues de Freitas no seu discurso tinha alludido a ella.

O sr. ministro das obras publicas, nas explicações que deu, quasi me tirou a esperança que eu nutria de ver em breve tempo a ponte sobre o Douro construida; em vista das suas declarações pouca esperança me resta de que essa obra de tanta necessidade publica se realise, o que deveras lamento.

S. ex.ª pareceu-me querer justificar o seu procedimento a respeito d'esta importante questão pelos actos dos seus antepassados, mas ha de permittir-me que lhe diga que fazendo inteira justiça á sua intelligencia e actividade, não posso crer que s. ex.ª aceitasse o logar de ministro das obras publicas para se guiar pelos exemplos dos seus antecessores n'aquillo que possam ter de censuravel; creio que tem outras aspirações a que lhe dá direito o seu caracter e elevada intelligencia; creio mesmo que s. ex.ª não póde admittir a justificação das suas faltas com as commettidas pelos seus successores.

S. ex.ª, referindo-se a mim, disse que tendo analisado o praso estipulado no contrato em 1868, e sendo eu já deputado n'essa occasião...

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Eu disse que não sabia se o era, mas que talvez o fosse.

O Orador: — Nunca n'esta camara levantara esta questão; que d'essa data para cá têem havido diversos ministerios, e que nunca pessoa alguma fallou em tal assumpto.

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Principiarei por dizer a s. ex.ª que eu em 1868 não era deputado, mas ainda que o fosse a minha falta não podia de fórma alguma justificar a do ministro ou do governo.

Se eu então sendo deputado não fallasse n'este assumpto, era uma falta que commettia, porque não cumpria o meu dever. Essa falta, porém, como disse, não justificava, segundo eu entendo, a do governo.

Já disse e repito. Em 5 de novembro proximo passado annunciei uma interpellação ao sr. ministro das obras publicas, que era então o sr. marquez d’Avila e de Bolama, mas até que a sessão se fechou em 3 de janeiro s. ex.ª não se deu por habilitado para responder a essa interpellação, sem duvida porque havia motivos fortes que o obrigaram a isso.

Sr. presidente, não quero proseguir agora n'esta questão, porque sei que ella é gravissima, e não desejo collocar o governo na posição de fazer declarações inconvenientes.

Por consequencia limito-me a rogar novamente ao governo que a resolva de maneira que a ponte sobre o Douro se faça. Se para isso é preciso que o paiz faça algum sacrificio, faça-o muito embora, mas conclua-se o caminho.

Eu sou o primeiro a reconhecer que a companhia luta com difficuldades, mas eu aqui não sou procurador da companhia, sou procurador do paiz, e não me importam as circumstancias precarias em que a companhia se acha. Tenho unicamente que pugnar pelos interesses do paiz, e portanto pelo cumprimento das obrigações a que aquella empreza está ligada.

Se o governo entende que a companhia, pelas más circumstancias em que se acha, não póde desempenhar-se das obrigações que contrahiu, e precisa de algum auxilio, trate de trazer á camara este negocio, para ella o resolver como for mais conveniente, e para que de uma vez fique terminada esta questão como pede o interesse publico. No estado em que as cousas se acham é que não podem continuar.

Tenho concluido.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Pedi a palavra a v. ex.ª, para lhe rogar o favor de me inscrever para quando tiver logar a interpellação annunciada pelo meu illustre collega Freitas e Oliveira ao sr. ministro da marinha sobre negocios do ultramar.

O sr. Presidente: — Queira mandar para a mesa a sua nota por escripto.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Eu vou manda-la.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia. Vae ler-se o parecer da commissão de fazenda sobre as contas da junta do credito publico.

É o seguinte:

N.º 12

Senhores. — Foram presentes á vossa commissão de fazenda o relatorio e contas, por meio dos quaes a junta do credito publico, obedecendo aos preceitos consignados no artigo 4.° da lei de 15 de julho de 1837, veiu habilitar a camara dos senhores deputados a apreciar a sua gerencia no anno economico de 1868-1869.

Dizem estes importantes documentos respeito aos encargos da dívida tanto interna como externa, ás operações effectuadas pelas leis de desamortisação de 4 de abril de 1862 e 22 de junho de 1866, durante o anno economico de 1868-1869, e finalmente ao estado das mesmas operações em 30 de junho de 1869.

As contas geraes são todas acompanhadas de uma serie de mappas e demonstrações, que têem por fim esclarece-las, fornecendo de tudo noticia minuciosa o relatorio feito pelos membros da junta, na conclusão do qual se acham tambem compendiados os resultados mais importantes das variadas operações confiadas aos cuidados d'aquella instituição.

Senhores: A vossa commissão de fazenda, compenetrada dos deveres que lhe impõe a confiança com que a honrastes, tendo por isso examinado com a mais séria attenção todos estes documentos, é de parecer, em virtude d'esse exame, que a junta do credito publico correspondeu aos fins especiaes que a lei teve em vista quando creou esta instituição, e que se deve proceder, em harmonia com as leis de 15 de julho de 1837 e 8 de junho de 1843, á eleição de um vogal effectivo e um substituto da mesma junta, tendo em attenção para essa eleição as disposições estabelecidas pelo § unico do artigo 2,° da lei de 24 de janeiro de 1854.

Sala da commissão, 5 de dezembro de 1870. = Anselmo José Braamcamp = Alberto Carlos Cerqueira de Faria = Antonio Maria Barreiros Arrobas = Alberto Osorio de Vasconcellos = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior = Antonio Augusto Pereira de Miranda = Eduardo Tavares = Mariano Cyrillo de Carvalho = José Dionysio de Mello e Faro = Henrique de Barros Gomes, relator.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: — Passa-se á discussão do projecto de lei n.º 30.

Leu-se novamente o projecto, que foi publicado na ultima sessão.

O sr. Alcantara: — V. ex.ª pode-me dizer se não ha uma substituição do sr. Mariano de Carvalho?

O sr. Presidente: — Ha sim, senhor. O sr. secretario vae le-la.

Leu-se a substituição proposta pelo sr. deputado Mariano de Carvalho.

O sr. Secretario (Pinheiro Borges): — Em relação a esta substituição devo dizer que no livro das actas vejo que a idade é dos vinte e um aos trinta e cinco annos, e parece-me evidente que não póde deixar de ser este o pensamento do sr. Mariano de Carvalho,

O sr. primeiro secretario leu a substituição pelo Diario da camara, onde se diz dos vinte e um aos Vinte e cinco annos, e eu leio na copia das actas que tenho diante da mim dos vinte e um aos trinta e cinco annos, o que me parece estar de accordo com o pensamento do sr. deputado.

O sr. Alcantara: — Mando para a mesa a uma proposta.

Leu-se na mesa, e é a seguinte:

Proposta

Proponho que a substituição apresentada pelo sr. deputado Mariano de Carvalho seja mandada ás commissões respectivas para ter parecer, adiando-se a discussão do projecto para depois ser conjunctamente discutido com a referida substituição. = O deputado por Elvas, João José de Alcantara.

Foi admittida.

O sr. Camara Leme: — Acho de summa importancia o projecto de lei que vae discutir-se. Á vista dos factos que tem presenciado a Europa, toda a organisação do exercito, principalmente pelo que diz respeito ao recrutamento, é negocio da maior gravidade.

Approvaria mesmo sem discussão o parecer da commissão, mas como vejo presente o sr. ministro da guerra desejava que s. ex.ª me dissesse se está de accordo com elle, e se tem tenção de trazer á camara um projecto de lei de recrutamento.

Não entro agora largamente n'esta discussão. É uma questão que me parece deve ser estudada e meditada profundamente. Mas de passagem direi a s. ex.ª que não acredito em organisação alguma militar para a defeza do paiz emquanto se não introduzir na lei de recrutamento o principio do serviço obrigatorio (apoiados), como na Prussia, e como nós tinhamos nas nossas antigas instituições militares, aliás continuaremos a fazer uma despeja improductiva.

É para este ponto que chamava a attenção de s. ex.ª Se s. ex.ª quer introduzir na lei do recrutamento o principio do serviço obrigatorio, e acabar todas as isenções que não sejam em virtude de incapacidade physica ou moral, de-

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claro que hei de pugnar por elle com todas as minhas forças, pois estou disposto a combater qualquer projecto que não attinja a este desejado fim.

Todos nós sabemos que as isenções que estão hoje sanccionadas na lei do recrutamento têem sido sophismadas (apoiados). V. ex.ª e a camara sabem que por differentes vezes se tem discutido aqui este assumpto. A divida dos recrutas dos differentes districtos do reino anda por 25:000. Buscam-se todos os sophismas. A politica, a arma eleitoral, servem para illudir as disposições da lei do recrutamento, e folgo que a illustre commissão de guerra não approvasse o projecto em discussão.

Não me opponho ao adiamento que o illustre deputado acaba de apresentar á camara; mas desejaria saber se o governo tem tenção de apresentar ao parlamento um projecto de lei sobre este importante ramo de serviço publico. Sei que o nobre ministro nomeou uma commissão para tratar da organisação do exercito. E de passagem direi que levamos todo o tempo a estudar a organisação militar do paiz; fazem-se trabalhos quando os ha importantes na secretaria da guerra, mas no fim não se lhes dá andamento. Quando não os tivessemos, tinhamos o modelo excellente de 1806, que foi aperfeiçoado e modificado pelo plano de 1816, o que é nada menos que a organisação ou o systema adoptado na Prussia. Aceitemos esse modelo excellente. Ainda querem mais provas da necessidade da organisação militar do paiz, do que a recente guerra que acaba de se dar entre a Allemanha e a França?

Sou velho n'esta casa, e tenho ouvido aqui sempre fallar da organisação militar do paiz; mas adia-se constantemente essa organisação e não se faz cousa alguma á espera de trabalhos que hão de vir ao parlamento!

Por conseguinte, sem querer alongar esta discussão, desejaria que o sr. ministro da guerra definisse bem as suas idéas a este respeito, e se promette trazer ao parlamento um projecto, que modifique a disposição essencial da lei do recrutamento tornando como principio o serviço militar obrigatorio e com muito poucas excepções.

Declaro novamente a y. ex.ª que não me opponho ao adiamento do projecto, ou que seja approvado o parecer da commissão; porque o projecto, modificado como foi pela substituição offerecida pelo illustre deputado pelo circulo n.º 27, não me parece que deva ser approvado, porque vae augmentar os inconvenientes que devemos afastar da lei do recrutamento.

O sr. Mariano de Carvalho: — Devo lembrar á camara o que se tem passado com este projecto de lei.

Este projecto de lei foi apresentado á camara em uma das sessões passadas pelo sr. deputado Augusto de Castilho e Mello, então representante de Bragança, e não póde ser discutido.

Na sessão legislativa passada renovou-se a iniciativa d'elle, e foi dado para a discussão exactamente no ultimo dia de sessão.

Levantaram-se por parte de alguns srs. deputados objeções que podem dividir-se em dois grupos. Uns diziam que era necessario considerar-se este assumpto com toda a attenção. E o sr. Van Zeller, cavalheiro muito competente pela sua posição especial como empregado no conselho d'estado, ao qual estão sujeitas estas questões de recrutamento, apresentou considerações, que fizeram peso no meu animo, e me levaram a, de accordo com s. ex.ª, redigir a substituição que mandei para a mesa.

Devo dizer tambem que, n'essa occasião, o sr. relator da commissão de guerra era contrario ao projecto, e argumentou contra elle, mostrando a necessidade de se fazer uma reforma geral da lei do recrutamento; e eu objectei-lhe que não se devia esperar por essa reforma para se acabar com uma pena e de bastante gravidade por uma culpa que podia não ser d'aquelles sobre quem a pena era lançada.

Hoje o sr. Alcantara apresentou uma proposta para que a minha substituição vá ás commissões, para a apreciarem devidamente.

Como desejo ser justo, não me opponho a que assim se proceda.

Se me oppuz a isso na sessão que terminou em dezembro, foi porque julgava que este projecto era urgente, que ía remediar uma injustiça, e nós não tinhamos tempo para o considerar com mais attenção.

Agora, que temos a camara aberta pelo menos por tres mezes, segundo a carta constitucional, parece-me que não ha inconveniente em que este negocio vá ás commissões.

O sr. Barros Gomes: — Participo a v. ex.ª e á camara que está constituida a commissão de fazenda, a qual nomeou para presidente o sr. Braamcamp, e a mim para secretario, havendo relatores especiaes para os differentes assumptos.

O sr. Candido de Moraes: — Pedi a palavra quando ouvi o meu collega, o sr. Mariano de Carvalho, dizer que este projecto tinha sido impugnado por varios srs. deputados no ultimo dia da sessão que terminou em dezembro, apresentando-se sómente, como motivo para a impugnação, o não se poder tratar de assumpto tão importante com a precipitação com que se pretendia tratar d'elle; e o que eu levava em mira era rectificar esta asserção do sr. Mariano de Carvalho; mas depois, pelo seguimento do discurso do illustre deputado, entendi que era desnecessario.

Não pretendo apresentar agora á camara as considerações e os motivos em que se fundava a commissão de guerra, quando dizia que não se devia tratar exclusivamente d'aquelle assumpto que faz parte da lei geral do recrutamento. Já na qualidade de relator da commissão apresentei em dezembro as rasões que determinaram a commissão a dar o parecer como deu, e escuso de as adduzir novamente, porque estão no Diario da camara, e eu não desejo cansar a attenção da assembléa.

Eu estou na mesma opinião em que estava, e á commissão acontece outro tanto.

O sr. Eça e Costa: — A commissão está de accordo em que seja approvado o adiamento, e em que a proposta do sr. Mariano de Carvalho seja remettida á commissão, para que esta a aprecie e dê sobre ella o seu parecer, que haja de ser discutido com o projecto que está em discussão. Posto a votos o adiamento, foi approvado.

Leu-se na mesa o seguinte

Projecto de lei n.º 29

Senhores. — Á vossa commissão de guerra foi presente o projecto de lei n.º 25-A, apresentado á consideração da camara pelos srs. José Bandeira Coelho de Mello e Domingos Pinheiro Borges.

A vossa commissão, adoptando as rasões apresentadas pelos illustres signatarios do projecto, e considerando que convem regular de uma maneira permanente o assumpto a que elle se refere, propõe a seguinte substituição:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a pôr á disposição da direcção geral de engenheria, para serem empregados nas commissões da sua dependencia, os alferes que tiverem obtido este posto na conformidade do que dispõe no artigo 45.° e seus §§ o decreto de 24 de dezembro de 1863, por terem concluido o curso de engenheria militar.

Art. 2.° Aos officiaes, a que se refere o artigo antecedente, será contado o tempo de serviço que fizerem sob as ordens da direcção geral de engenheria, como se fosse serviço effectivo nas armas de infanteria ou cavallaria, para o effeito de serem promovidos ao posto de tenentes, como estabelece o citado artigo 45.° e seus §§.

Art. 3.° Estes officiaes terão direito ás gratificações determinadas no regulamento provisional do real corpo de engenheiros, de 12 de fevereiro de 1812, para os segundos tenentes de engenheiros.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, 17 de dezembro de 1870. = Barão do Rio Zezere = Alberto Osorio de Vasconcellos = José

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Elias Garcia = José Bandeira Coelho de Mello = João Candido de Moraes (relator).

O sr. Camara Leme: — Eu não julgava que este parecer entrasse hoje em discussão, por isso não o tinha estudado; mas pela rapida leitura que fiz d'elle, parece me que o seu pensamento é dispensar os officiaes de engenheiros dos dois annos de tirocinio que têem nos corpos de infanteria em virtude da lei de 1837.

Sobre este ponto da dispensa do tirocinio parece-me que o projecto não é conveniente, porque este tirocinio de dois annos é o unico que esses officiaes têem, e se lh'o dispensarem ficam sem nenhum, não fallando d'aquelle que têem na escola do exercito, e que eu acho muito pouco.

Já a camara vê que este objecto é importante, e que não póde passar sem a camara saber que opinião tem o governo ácerca do assumpto.

Pretende-se nada mais, nem nada menos, como acabei de referir á camara, que dispensar dos dois annos de serviço de tirocinio nos corpos de infanteria os officiaes que se acham habilitados com o curso de engenheria. Eu sei que se diz que o tirocinio nos corpos de infanteria para estes officiaes é de pouca importancia; mas d'isso é que me queixo, e sobre este ponto chamaria eu tambem a attenção do illustre ministro da guerra, para que tratasse de remediar este grave inconveniente.

Eu desejaria que o governo apresentasse a sua opinião sobre se julga conveniente, o que eu não posso acreditar, que se dispense o tirocinio dos dois annos de pratica aos tenentes de engenheiros nos corpos de infanteria.

Diz-se no projecto que o governo fica auctorisado. Ora nós sabemos desgraçadamente que no governo ha sempre tendencias para sophismar as leis. Por isso, se o governo se achar armado com esta auctorisação como está redigida, eu quasi asseguro a v. ex.ª e á camara que ha de achar sempre motivos para dispensar o tempo de serviço que estes officiaes devem ter nos corpos.

Portanto, sem alongar mais esta discussão, e mesmo sem ouvir os esclarecimentos que por parte da commissão hão de ser apresentados, declaro a v. ex.ª á priori que rejeito o projecto.

O sr. Alcantara: — Eu estava resolvido a votar contra o parecer da commissão e contra este projecto; mas ponderando melhor, reconhecendo quaes são as intenções do governo, e conformando-me em parte com a redacção do artigo 1.°, no momento em que a camara me aceite um additamento que vou apresentar, não tenho duvida nenhuma em approvar este projecto; tanto mais que começa por declarar que é o governo auctorisado. Logo que este projecto de lei começa por dizer que o governo é auctorisado, eu entendo que é facultativa esta concessão. O governo ámanhã póde mandar estes officiaes para as commissões da arma de engenheria, quando tenha necessidade d'isso, e póde não os mandar. A concessão não é obrigatoria, se o fosse, eu votaria contra o projecto pelas consequencias que d'elle se seguiriam. No momento em que se estabelecesse em regra geral que os officiaes habilitados com o curso de engenheria, logo que o completassem, fossem dispensados do tirocinio dos dois annos em infanteria, e empregados em commissões do serviço da sua arma, o que se seguia em primeiro logar era um grande augmento de despeza, e em segundo logar seguia-se que os officiaes de artilheria vinham pedir tambem o serem dispensados dos dois annos de tirocinio em infanteria, e empregados em commissões da sua arma.

Portanto, logo que o projecto de lei vem concebido n'estes termos, isto é, logo que o projecto diz é o governo auctorisado, eu confio muito na probidade e independencia dos commandos geraes d'estas armas, e mesmo do sr. ministro da guerra, tanto do actual como dos que se possam seguir. A posição d'elles é muito elevada para commetterem certos actos que eu não creio que elles sejam capazes de praticar.

O additamento que mando para a mesa é o seguinte (leu).

A unica duvida que se me offerece com relação á materia d'este projecto é esta. Hoje ha um grande numero de officiaes de infanteria servindo nas commissões das diversas armas, e recebendo por isso gratificações; e sendo concedida agora aos officiaes de engenheria a dispensa dos dois annos de tirocinio, segue-se que elles hão de ser chamados para essas commissões. Parece-me gente de mais para este serviço, e eu tremo diante do augmento de despeza que isso póde trazer.

Entretanto é possivel que eu esteja em erro, e n'este caso espero que algum illustre membro da commissão me elucide a este respeito.

Por agora termino mandando para a mesa o meu additamento.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho o seguinte additamento ao artigo 1.°: em seguida ás palavras = é o governo auctorisado = se acrescente = quando necessidades urgentes de serviço o exigirem.

Sala das sessões, em 15 de março de 1871. = O deputado por Elvas, João José de Alcantara. Foi admittida.

O sr. Quintino de Macedo: — O pensamento do projecto que se discute parece ser - dar aos individuos que se habilitarem com o curso de engenheria o direito de entrarem immediatamente para o serviço da respectiva arma, sem previamente fazerem, durante dois annos, serviço nos corpos de infanteria e de cavallaria, conforme são obrigados, segundo a lei de 1837 e a de 1863.

Sendo este o pensamento do projecto, a minha opinião é contraria a elle pelas seguintes rasões.

As habilitações dos officiaes de engenheria constam de duas partes: uma theorica, adquirida na escola do exercito, e a outra pratica, adquirida parte na escola do exercito, e parte no tirocinio, em serviço effectivo nos corpos de infanteria e cavallaria.

A parte pratica, que é adquirida durante o curso de estudos na escola do exercito, diz respeito não sómente ao serviço technico da arma, mas tambem, é certo, a alguns serviços militares.

Esta ultima parte, porém, da instrucção militar adquirida na escola do exercito está longe de proporcionar todos os conhecimentos respeitantes ao serviço militar, que é necessario exigir aos individuos, que não sómente são engenheiros, mas que sendo officiaes do exercito aspiram a serem um dia generaes.

Attendendo a esta consideração, póde mesmo, até certo ponto, dizer-se que a parte pratica da instrucção militar adquirida actualmente na referida escola é insignificante.

E pois necessario que os individuos que se destinam para a engenheria militar se habilitem não sómente para bem desempenharem as commissões technicas da arma, mas tambem que adquiram o conhecimento de todos os methodos de serviço e de todos os preceitos da vida e da disciplina militar, e isto não sómente pelo modo por que este conhecimento se adquire consultando os livros, mas tambem praticamente servindo nos corpos e habituando-se a tratar com o soldado e a conhecer a sua indole especial.

Ora, se se acabasse por uma vez com este tirocinio, aconteceria que o official, podendo aliás ser um habil engenheiro, não offereceria a indispensavel garantia de estar habilitado para exercer bem as funcções militares a que tambem é obrigado, e por isso a minha opinião é contraria ao projecto tal qual se apresenta.

As rasões que se offerecem no relatorio para justificar o projecto são — que se tem dado pouca importancia ao tirocinio de que tenho fallado, e que já em 1854 se promulgaram leis que facultavam aos individuos assim habilitados servirem nas obras publicas, contando-se aliás este tempo de serviço como sendo feito nas fileiras.

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Pelo que respeita á pouca importancia que se dá ao tirocinio dos dois annos, não me parece que haja facto algum official que revele esta opinião. Póde ella acaso ser partilhada por um ou outro individuo particularmente, mas não me parece acertado que tal opinião possa ser aceita como argumento para se acabar com o tirocinio, e tanto mais quanto é certo, como ainda ha pouco indiquei, que elle é necessario para que o individuo adquira praticamente os conhecimentos que são indispensaveis pára saber a fundo a rasão de ser e os effeitos dos differentes preceitos da disciplina e do serviço militar (apoiados).

Vejamos o fundamento do outro argumento.

A carta de lei promulgada em 1854 e as outras providencias por meio das quaes se permittiu que os officiaes habilitados com o curso de engenheria podessem, ainda antes de acabarem o tirocinio e de entrarem para o quadro da respectiva arma, servir nas obras publicas, sendo-lhes contado o tempo que ahi servissem como tirocinio, tiveram por fundamento uma rasão de occasião; deu-se então um grande desenvolvimento aos trabalhos de obras publicas; não havia abundancia de pessoal habilitado para os dirigir; aproveitaram-se, como era mister, e com muito proveito todos os que tinham as habilitações precisas, e até os officiaes que estavam em tirocinio, e depois para lhes não prejudicar os direitos adoptaram-se aquellas providencias.

Attendeu-se, como era rasoavel, ao interesse maior, embora com o sacrificio de um outro menor. Se este argumento, pois, se apresenta para justificar a conveniencia de aproveitar o serviço dos officiaes em tirocinio quando haja extraordinaria affluencia de trabalhos technicos a cargo da engenheria militar, não ha duvida que tem algum fundamento, mas para justificar o acabamento do tirocinio de certo o não tem.

É por isso que eu, rejeitando o projecto tal como está, não tenho duvida em o approvar, sendo adoptada a modificação offerecida pelo sr. Alcantara, que me parece perfeitamente aceitavel, porque assim, quando houver affluencia extraordinaria de trabalhos, aproveitar-se-ha, como é rasoavel, o serviço dos officiaes em tirocinio, e terminadas que sejam estas circumstancias extraordinarias, continuarão a adquirir no tirocinio a pratica indispensavel para o serviço militar propriamente tal, e para que mais tarde possam vir a ser bons generaes (apoiados).

Era isto que tinha a dizer. O projecto como está não o approvo, mas com a emenda do sr. Alcantara approvo-o plenamente.

(Vozes: — Muito bem.)

O sr. F. M. da Cunha (sobre a ordem): — Mando para a mesa a minha moção de ordem (leu).

Não me repugna a doutrina do projecto, porque me convenço de que é elle baseado na falta de officiaes subalternos no quadro da engenheria, e só n'esta hypothese. Se assim não fôra, preferiria que se discutisse a necessidade do augmento do quadro (apoiados).

Aceito pois o projecto, porque entendo que o numero de individuos habilitados para entrarem na arma de engenheria não têem chegado a completar o total dos officiaes do respectivo quadro. Mas como tenho receio de que, passando o projecto como está, isto é, dando-se auctorisação ao governo para empregar no serviço da engenheria militar os alferes que tenham completado o curso, embora sem o tempo de serviço a que a lei os obriga nos corpos do exercito, se torne permanente um tal estado de cousas, conservando-se de futuro os officiaes n'aquellas condições no serviço da engenheria, ainda que venha a completar-se o quadro, só o voto com a restricção de que possam ser empregados, como propõe o projecto «quando haja vagas de tenentes de engenheria, e até ao numero d'essas vagas»; e isto para que do augmento de officiaes no quadro não venha augmento de despeza (apoiados).

Devo declarar que me não preoccupa muito o ficarem estes officiaes privados do tirocinio nos corpos, havendo hoje o semi-internato na escola do exercito, e tendo os alumnos ali a pratica dos exercicios das ordenanças, e o estudo dos preceitos da administração militar e de todo o serviço dos corpos (apoiados).

Leu-se na mesa a seguinte.

Proposta

Quando haja vagas de tenentes de engenheria, e até ao numero d'essas vagas. = Francisco Maria da Cunha.

Foi admittida.

O sr. Candido de Moraes: — Sem agora querer demonstrar a conveniencia de serem adoptadas as propostas apresentadas pelos srs. deputados Alcantara e Cunha, direi simplesmente que estão conformes com as opiniões da commissão de guerra, e que me julgo auctorisado a declarar em nome d'ella que as aceita.

O sr. Bandeira Coelho: — O projecto que se discute foi, creio eu, de iniciativa minha e devo dizer as rasões que me levaram a apresenta-lo, procurando destruir quanto em mim couber as observações que se fizeram contra elle.

Da maneira como está organisado o serviço de engenheria militar e de engenheria civil, não era possivel deixar de lançar mão de algum meio que obviasse aos inconvenientes que se estão dando, pela falta de pessoal para a engenheria militar.

Ultimamente tinha-se dado uma especie de conflicto entre o ministerio da guerra e o das obras publicas, porquanto requisitando-se por parte do ministerio da guerra ao das obras publicas alguns officiaes que fazem parte do quadro de engenheria militar e que estavam no serviço das obras publicas, este teve difficuldade em ceder ás exigencias do ministerio da guerra, e tendo sido nomeados varios officiaes para virem para o ministerio da guerra, a estes se não deu depois a guia para este fim.

E como este conflicto estava pendente e era necessario um remedio para este mal, foi por isso que eu me lembrei de apresentar este projecto.

Soccorri-me ao exemplo, ao precedente que já se tinha dado com os alumnos da escola do exercito que tinham sido dispensados do tirocinio e nomeados para commissões civis ou para obras publicas; e parece-me até escusado citar outro exemplo, alem da minha pessoa, que nunca fiz tirocinio militar, e que depois de ter completado o curso e de seguir os postos inferiores, fui logo depois de despachado alferes nomeado para fazer serviço nas obras publicas. E o que aconteceu commigo succedeu com muitos mais.

Portanto, tinha estes precedentes, e alem d'elles tenho para mim que os dois annos de tirocinio são completamente dispensaveis; e hoje ainda muito mais, não só porque ha os exercicios durante a frequencia da escola, como porque os serviços da engenheria militar são muito differentes dos da fileira (apoiados).

Os alumnos que acabavam o curso de engenheria militar tinham um logar no corpo de sapadores, e hoje não têem; e os illustres deputados sabem que se um alumno que acaba os estudos da engenheria militar for gastar dois annos no serviço da fileira, perde os habitos do estudo que trás da escola, o que é um grande mal para poder seguir convenientemente a sua carreira.

E não se diga que no mesmo caso estão as armas de artilheria e estado maior, porque o serviço especial d'estas armas está ligado e é mais consentaneo ao das armas de infanteria e cavallaria.

Não sei se tenho respondido a todas as observações que fizeram os illustres deputados porque, não tomei apontamentos.

Creio que tenho justificado a idéa primordial que presidiu á apresentação d'este projecto, e que não ha inconveniente em o approvar, muito mais adoptando-se as emendas mandadas para a mesa e que a commissão declarou que acceitava (apoiados).

O sr. Ministro da Guerra (Moraes Rego): — Actualmente ha necessidade de officiaes que desempenhem o serviço da engenheria militar. Por conseguinte o remedio mais

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conveniente a adoptar é a idéa que se acha consignada n'este projecto de lei, adoptando tambem a emenda da commissão que diz: «Quando as necessidades do serviço o exigirem».

Dar caracter de permanencia á dispensa do tirocinio não o julgo conveniente (apoiados). Ora, a emenda salva a maneira por que está redigido o artigo, não torna permanente a dispensa.

Torno a repetir, actualmente ha necessidade d'aquelles officiaes; e para os termos de prompto parece-me este projecto approvavel.

Aqui tem v. ex.ª o que eu tenho a dizer por parte do governo.

Como estou com a palavra, se v. ex.ª e a camara me dão licença vou responder, em poucas palavras, ao illustre deputado o sr. Camara Leme, em relação ás observações que ha pouco fez com referencia á organisação militar e lei do recrutamento.

S. ex.ª sabe que está nomeada uma commissão encarregada d'estes trabalhos.

Os principios que s. ex.ª apresentou calam no coração de todos os militares. Não posso assegurar, mas estou que é isso o que tambem está na mente da commissão.

Em vindo esses trabalhos á camara será occasião de se considerar tudo (apoiados).

Parece-me que o illustre deputado ficará satisfeito. Tendo s. ex.ª assento n'esta casa em differentes legislaturas, tendo sido ministro d'estado e deixando correr as cousas como estão, poderá esperar mais algum tempo, e ter certa indulgencia para commigo.

O sr. Candido de Moraes: — Não pedi a palavra para discutir o projecto; todos nós estamos accordes ácerca do assumpto de que nos occupâmos; por conseguinte não desejo fatigar a attenção da camara; pelo contrario, limitar-me-hei a dizer mui poucas palavras, a fim de tornar possivel que ainda hoje se possa votar este projecto, de cuja adopção resulta realmente conveniencia para o serviço da arma de engenheria.

Realmente a idéa da commissão de guerra foi, como disse o sr. ministro da guerra, no discurso que acabou de proferir, fazer apenas uma modificação accidental e temporaria nas disposições da lei que torna obrigatorio o tirocinio para a promoção ao posto de tenente na arma de engenheria.

Eu tenho a honra de ser tenente de engenheiros, e tive de me sujeitar á disposição da lei que determina que os officiaes, antes de serem promovidos a este posto, façam, por dois annos, serviço nas armas de infanteria ou cavallaria.

Fiz serviço no batalhão de caçadores n.º 11, e depois no batalhão de engenheiros, por uma disposição tambem casual e em resultado de necessidades urgentes do serviço; mas confesso que ainda até hoje não pude reconhecer que tirasse qualquer utilidade no tal tirocinio.

O que adquirem os officiaes que, como alferes, praticam nos corpos de infanteria? Será o habito de tratar com os soldados, a que se referiu o meu collega, o sr. Macedo? Mas as relações que um alferes têem com os soldados são tão insignificantes, que o alferes apenas entra na formatura depois de reunida a companhia, e representa um papel muito secundario na execução das manobras militares...

(Interrupção que se não percebeu.)

Eu estou-me referindo aos factos como elles se dão. É o que me diz a pratica e pouco me importa com o que deveria ou poderia ser. Dizia eu, sr. presidente, que os alferes durante o tirocinio não podem adquirir o tal habito de tratar com os soldados, porque o facto é que não tem senão raras relações com elles; a instrucção tactica que adquirem é tambem nulla e a causa d'isso é a propria ordenança, que determina que os subalternos não desempenhem, nos pelotões com que formam, funcções algumas.

Será instrucção sobre administração militar a que se pretende dar-lhes? Tão pouco; basta a simples leitura do regulamento de fazenda militar, para se reconhecer que os alferes apenas podem figurar alguma vez como membros de conselhos eventuaes em destacamentos, e nos corpos como directores de rancho. Tudo isto é muito pouco, e as nossas escolas especiaes não foram creadas para habilitar alumnos só para isto.

Como digo, sr. presidente, no estado actual da nossa legislação militar, e em referencia ao modo por que o serviço se faz actualmente, as relações dos alferes dos corpos com os soldados são muito limitadas, accidentaes e de nenhuma importancia.

Trata-se porventura de formar officiaes praticos no serviço militar para os habilitar ao commando de forças consideraveis, quando sejam elevados ao generalato? Pois póde-se comprehender que um official que, ao principiar a sua carreira, serve dois annos n'uma posição insignificante, e, mau grado seu, n'um corpo de infanteria, fique habilitado para commandar grandes massas?

Se este é o fim da lei, o rasoavel era exigir-se a pratica do serviço em todas as armas. Então o official era encyclopedico, e ficava habilitado para commandar tropas de cavallaria, infanteria e artilheria, e todas promiscuamente; duvido porém que ao fim d'isto ficasse engenheiro.

Ora se por esta disposição da lei não se fazem generaes, e se os escriptores militares dizem que não se fazem nunca pela pratica adquirida nos corpos, embora exercendo a parte do commando relativa a todos os diversos graus da jerarchia militar, se a essa pratica se não juntar muito estudo, é claro que por maior força de rasão não se adquirem qualidades para o generalato com o tirocinio de dois annos.

O que eu posso asseverar é que nos dois annos de tirocinio esqueci muita cousa que era essencial conservar de memoria, e tive depois de recorrer aos livros para readquirir idéas que tinha perdido. Este é o meu modo de ver quanto á utilidade do tirocinio. Todos nós porém estamos quasi de accordo, e não é difficil chegar a elle.

Eu apenas de passagem me referi a este ponto, e exprimi a minha opinião em relação a elle. Não se trata realmente de determinar que fique supprimido o tirocinio dos officiaes de engenheria, trata-se apenas de determinar que ficam supprimidos os tirocinios emquanto serviços mais essenciaes, para que não ha pessoal habilitado (e é forçoso que sejam desempenhados por alguem) o exigem. Portanto a commissão de guerra entendeu que o projecto de lei, que actualmente está em discussão, era apenas uma medida transitoria, e que não tinha o grande alcance que tem uma medida permanente.

Como já disse ha pouco, as idéas da commissão de guerra são exactamente as que estão expressas nos differentes artigos do projecto, e estavam perfeitamente na intenção dos membros da commissão as noções apresentadas tanto pela emenda do sr. Alcantara, que define as necessidades do serviço, como pela do sr. Cunha, que é equivalente á primeira, porém que fixa o limite a que podem subir as necessidades do mesmo serviço. Não tenho duvida em aceitar uma ou outra, comtudo pela minha parte declaro tambem que não teria tanto receio dos abusos que podesse praticar o sr. ministro da guerra, que me repugnasse o approvar o projecto como saíu da commissão (apoiados).

O sr. Pinheiro Borges: — Pouco tenho a acrescentar ao que disseram os meus illustres camaradas, collegas e amigos, os srs. Bandeira Coelho e Candido de Moraes.

Fui um dos signatarios do projecto de lei que deu logar a que apparecesse o que agora se discute. No projecto primitivo não se dispensava o tirocinio. O projecto que eu e o meu illustre amigo, o sr. Bandeira Coelho, assignámos no anno passado, tinha unicamente por fim satisfazer a uma necessidade de momento, que o sr. ministro da guerra deve conhecer; e por isso nos limitámos a indicar que fosse o governo auctorisado a pôr á disposição do director geral da

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

engenheria, para serem empregados nas commissões da sua dependencia, os alferes alumnos que n'esse anno concluissem o curso de engenheria militar, dispensando-os dos dois annos de serviço que são obrigados a fazer n'um corpo de infanteria ou cavallaria, depois de concluidos os respectivos estudos.

Pensei que as difficuldades de momento, resultantes da falta de pessoal, podiam ser remediadas, do mesmo modo que o foram n'outra epocha, pela carta de lei de 7 de julho de 1854, em virtude da qual foi auctorisado o governo a empregar como engenheiros no serviço do ministerio das obras publicas os officiaes que estavam no tirocinio dos corpos, auctorisação que as côrtes concederam, porque n'aquella epocha se dava grande desenvolvimento aos melhoramentos materiaes do paiz, e o pessoal disponivel era então muito diminuto: e se tal concessão se fez em 1854 em favor da conveniencia do serviço de um ministerio estranho, com mais rasão é plausivel que se faça ao proprio ministerio, e principalmente para que se empreguem estes officiaes em serviços dependentes da direcção geral de engenheria, a qual precisa de officiaes habilitados, que a não ser por este meio, só poderá obter sendo recolhidos e postos á disposição do general da arma os que, pertencendo ao quadro militar, estão em commissão n'outros ramos de serviço de que os não querem dispensar.

Pela minha parte, sr. presidente, não dou grande importancia ao tirocinio, porque fui dispensado de fazer uma parte d'esse tirocinio, e em seguida estive oito annos servindo no ministerio das obras publicas, e apesar de me considerar o menos habilitado e intelligente da minha arma, a falta não impediu que voltasse para o serviço militar, onde tenho desempenhado bastantes commissões, estando algumas vezes em contacto com tropa de todas as armas; por exemplo, no campo de manobras fui, no primeiro anno em que ali houve exercicios; chefe da repartição do material, no segundo fui addido ao quartel general e encarregado de serviço que exigiam conhecimentos de todo o serviço militar (apoiados).

Eram serviços muito diversos dos que se aprendem ou podem aprender nos dois annos de tirocinio imposto por lei, e penso ter cumprido com o meu dever. Eu sou da opinião dos meus illustres collegas; julgo que o tirocinio que se tem actualmente na escola do exercito é bastante para o que se precisa conhecer da tactica das duas armas, e que sendo empregados em serviço especial da arma os officiaes aproveitam mais do que com o que se faz nos corpos de infanteria ou cavallaria. O serviço da arma de engenheria não se aprende n'esses corpos, esse serviço depende de instrucção especial, instrucção que só se poderia dar convenientemente n'um polygono e n'uma escola pratica de engenheria; instrucção que pede a existencia do material proprio dos parques de engenheria (apoiados). Estes é que são os verdadeiros principios.

O conhecimento especial do serviço e tactica de todas as armas pertence principalmente ao corpo d'estado maior, e não admira que o sr. D. Luiz da Camara Leme seja de opinião que todos os officiaes tenham tirocinio nos corpos, porque sendo exactamente essa a condição indispensavel para a completa instrucção dos officiaes do corpo a que s. ex.ª pertence, naturalmente se julga extensiva essa indispensabilidade.

Repito, o tirocinio para o engenheiro em serviço de campanha só se poderia obter na arma de engenheria dotada com os meios proprios, porque esta arma desempenha serviços especiaes que não se aprendem nos corpos de infanteria ou cavallaria.

Apesar de ter esta opinião, como eu assignei o projecto para satisfazer a uma necessidade de momento, aceito de boamente as propostas dos srs. Alcantara e Cunha, assim como aceitei o projecto da commissão que tambem as satisfazia, estando inteiramente de accordo com os principios que expuz.

Direi ainda duas palavras com relação a uma duvida apresentada pelo illustre deputado, o sr. Alcantara, a respeito dos officiaes de infanteria que estão fazendo serviço no batalhão de engenheria.

Estes officiaes estão ali fazendo serviço por uma determinação especial da nova organisação da arma, na qual por economia se reduziu de oito officiaes o numero do antigo quadro, substituindo os officiaes subalternos do batalhão de engenheria por subalternos da arma de infanteria, e não foi só o principio economico que deu logar a esta substituição, tambem concorreu para ella a falta de individuos habilitados com o curso da arma, por isso que n'estes ultimos annos as escolas poucos alumnos têem habilitado com destino para a arma a que tenho a honra de pertencer. Ao numero de vacaturas resultante d'esta circumstancia acresce haver um grande numero de officiaes que figuram no quadro, e dos quaes se não póde dispor porque se acham em differentes commissões alheias ao serviço da arma, como, por exemplo, na commissão geodesica, onde estão empregados um general e oito officiaes da arma; no collegio militar, cujo director é um coronel de engenheiros; e finalmente, para se avaliar dos recursos do quadro, basta dizer que ainda ha pouco tempo se declarou que lhe ficava pertencendo o sr. Fontes Pereira de Mello, que é conselheiro d'estado!

Existe por consequencia um pessoal ficticio para o serviço, e por isso ha muitas occasiões, nas quaes o sr. general de engenheria não tem quem possa nomear para o desempenho das commissões. Agora mesmo está o serviço sentindo os effeitos d'estas occorrencias, por fazerem parte da camara tres officiaes de engenheiros, que não podem ser nomeados para qualquer commissão de serviço emquanto durar a sessão.

Parece-me haver demonstrado que tive sobejas rasões para assignar o projecto que está em discussão, e que é urgente que elle se approve, asseverando á camara que esta falta de pessoal existe ha mais de um anno, e que o serviço a cargo da direcção geral de engenheria tem soffrido bastante por não terem sido satisfeitas as requisições em harmonia com as indicações do sr. director geral da arma.

O sr. Bandeira Coelho: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer prorogar a sessão até se votar este projecto.

Vozes: — Deu a hora, deu a hora.

O sr. Presidente: — O sr. deputado Bandeira Coelho pede para que seja consultada a camara sobre se quer prorogar a sessão até se votar este projecto; os senhores que approvam este requerimento tenham a bondade de se levantar.

Não foi approvado.

O sr. Presidente: - Deu a hora. A ordem do dia para ámanhã é trabalhos em commissões, e para sexta feira é o parecer sobre um requerimento dos empregados braçaes da alfandega de Lisboa, que vem publicado no Diario da camara, alem da ordem do dia que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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