O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 79

SESSÃO DE 15 DE JANEIRO DE 1878

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios — os srs.

Francisco Augusto Florido da Monta e Vasconcellos

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Tiveram segunda leitura dois projectos de lei do sr. Namorado e um do sr. Antonio José Teixeira. — Varios srs. deputados apresentaram representações e requerimentos de muitos officiaes de diversos corpos do exercito pedindo augmento de vencimentos. — O sr. ministro da justiça mandou para a mesa o relatorio do uso que fizera da auctorisação que lhe fôra concedida pela carta de lei de 20 de abril de 1876, e declarou-se habilitado para responder á interpellação que lhe pretende dirigir o sr. Alfredo Peixoto. — Na ordem do dia elegeram-se as commissões de obras publicas, legislação civil, instrucção publica e legislação penal.

Presentes á chamada 54 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto (Alfredo), Cardoso Avelino, A. J. d'Avila, A. J. Teixeira, Carrilho, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Conde da Graciosa, Custodio José Vieira, Forjaz de Sampaio, Filippe de Carvalho, Cardoso de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Mouta e Vasconcellos, Van-Zeller, Paula Medeiros, Palma, Jayme Moniz, Jeronymo Pimentel, Ferreira Braga, Ribeiro dos Santos, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Matos Correia, Pereira da Costa, Guilherme Pacheco, Namorado, Ferreira Freire, Pereira Rodrigues, Pinto Basto, Sampaio e Mello, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Camara Leme, Bivar, Freitas Branco, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Alves Passos, Mello Simas, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, Miguel Coutinho (D.), Correia da Silva, Pedro Jacome, Placido de Abreu, Visconde da Arriaga, Visconde de Carregoso, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Moreira de Rey.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Braamcamp, Teixeira de Vasconcellos, Cunha Belem, Arrobas, Correia Godinho, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Zeferino Rodrigues, Vieira da Mota, Conde de Bertiandos, Illidio do Valle, J. M. de Magalhães, Dias Ferreira, J. M. dos Santos, Mexia Salema, Julio de Vilhena, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Pedro Franco, Thomás Ribeiro, Visconde da Azarujinha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Adriano de Sampaio, Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Pereira de Miranda, Antunes Guerreiro, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, Neves Carneiro, Conde da Foz, Eduardo Tavares, Vieira das Neves, Francisco Mendes, Francisco Costa, Pinto Bessa, Guilherme de Abreu, J. Perdigão, Barros e Cunha, Vasco Leão, Cardoso Klerck, Correia do Oliveira, Figueiredo de Faria, José Luciano, Moraes Rego, Nogueira, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde de Sieuve de Menezes, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Abertura — ás duas horas da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio da guerra, acompanhando o decreto autographo das côrtes geraes, fixando em 6:000 recrutas o resto do contingente para o exercito no anno de 1876, o qual foi convertido em lei.

Foi enviado á secretaria.

2.° Do ministerio da justiça, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. Dias Ferreira, nota do numero de conegos e beneficiados existentes nas cathedraes do continente do reino e das ilhas adjacentes.

Foi enviado á secretaria.

3.° Do ministerio do reino, participando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Alberto Osorio de Vasconcellos, que se não instaurou processo algum administrativo para a dissolução da camara municipal de Lisboa.

Foi enviado á secretaria.

Participações

1.ª Declaro que por motivo justificado não compareci ás sessões d'esta camara desde a sua abertura até hoje. = Mello Simas.

2.ª Participo que por incommodo de saude faltei ás primeiras sessões d'este anno.

Sala das sessões, 14 de janeiro de 1878. = Jeronymo Pimentel.

3.ª Declaro que por falta de saude não pude até agora, assistir ás nossas sessões. Sala das sessões 14 de janeiro de 1878. = Alves Passos.

4.ª Declaro que não compareci ás sessões de 9 e 10 do corrente mez por incommodo de saude. = Pinheiro Osorio.

Mandaram-se lançar na acta.

Requerimentos

1.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja remettida a esta camara uma nota das receitas annuaes da confraria da Senhora da Peneda, do concelho dos Arcos de Valle de Vez, districto de Vianna, desde o anno economico de 1870 e 1871 até ao ultimamente findo. = Alfredo Peixoto.

2.° Requeiro que do respectivo ministerio seja com urgencia enviada a esta camara uma nota do numero total de recrutas que no contingente de 1876 pertenceu ao districto de Braga, e de quantos elle deu por conta d'esse contingente desde o 1.° de maio a 31 de dezembro ultimo. = O deputado, Jeronymo Pimentel.

3.° Requeiro que com urgencia seja pelo ministerio do reino enviada a esta camara uma nota das reclamações ordinarias sobre o recrutamento de 1877 dos differentes concelhos do districto de Braga que foram resolvidas pela commissão districtal até 31 de dezembro ultimo. = O deputado, Jeronymo Pimentel.

4.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja a esta camara enviada com urgencia copia de qualquer correspondencia do governador civil de Braga, ácerca de uma tentativa de alteração na ordem publica, por elle imaginada no dia 8 de julho proximo passado. = O deputado, Jeronymo Pimentel.

5.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada com urgencia a esta camara copia dos seguintes documentos:

I. Do relatorio apresentado pela commissão administrativa da irmandade da misericordia da cidade de Braga, a que se refere a portaria de 14 de dezembro ultimo, publicada no n.º 296 do Diario do governo;

II. Do alvará do governador civil, de 8 de setembro ultimo, pelo qual foi dissolvida a mesa da misericordia da cidade de Braga, que havia tomado posse no dia 1.° do mesmo mez;

III. Da correspondencia do governador civil do Braga ácerca da suspensão e demissão do administrador d'aquelle concelho, João de Paiva de Faria Leite Brandão, e do decreto que o demittiu;

IV. Do officio do conselheiro de districto, servindo de governador civil de Braga, ácerca de um conflicto que se dera na sessão do conselho do districto de 29 de dezembro ultimo, entre elle e os vogaes do mesmo conselho: do tele-

Sessão de 15 de janeiro de 1878

9

Página 80

80

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

grama que estes enviaram ao ministerio do reino queixando-se do procedimento d'aquelle vogal do conselho, servindo de governador civil, e da representação que sobre o mesmo assumpto dirigiram ao ministerio do reino;

V. Da acta da sessão do conselho de districto de Braga de 29 de dezembro ultimo;

VI. Da representação que pelo ministerio do reino dirigiram os vogaes do conselho do districto de Braga, queixando-se da illegalidade com que ali se acha constituida e está funccionando a commissão districtal, e dos documentos que a acompanharam. = O deputado Jeronymo Pimentel.

6.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja com urgencia remettida a esta camara uma nota das reclamações sobre o recrutamento e dos recursos ácerca de contribuições no concelho de Ponte de Lima, districto de Vianna, para o anno corrente, com a designação dos dias em que cada reclamação e cada recurso foram presentes ao administrador do concelho; dos dias em que os processos respectivos foram remettidos ao governador civil do districto; e emfim dos dias em que este magistrado submetteu as reclamações sobre recrutamento á decisão da commissão districtal e á do conselho do districto os recursos ácerca de contribuições. Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 14 de janeiro de 1878. = O deputado, Alfredo Peixoto.

Foram enviados ao governo.

Notas de interpellação

1.ª Declaro que pretendo com urgencia interpellar o sr. presidente do conselho de ministro e ministro do reino ácerca da instrucção secundaria, especialmente sobre os decretos de 28 de março e 26 de abril de 1877.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 14 de janeiro de 1878. = 0 deputado, Alfredo Peixoto.

2.ª Requeiro para tomar parte na interpellação annunciada ao sr. ministro do reino pelo sr. deputado Alfredo Peixoto sobre os actos praticados pelo governador civil do Vianna. = 0 deputado, Jeronymo Pimentel.

3.º Requeiro que seja prevenido o sr. ministro do reino de que desejo interpellal-o sobre o estado da administração publica do districto de Braga, e especialmente sobre os seguintes factos:

I. Demora nas operações do recrutamento, atrazo em satisfazer ao contingente que tocou áquelle districto relativamente ao anno de 1876, e illegalidade com que se acha constituida e está funccionando a commissão districtal;

II. Dissolução de algumas mesas de irmandades e especialmente a da misericordia da cidade de Braga;

III. Providencias tomadas pelo governador civil para prevenir uma tentativa de revolta, que aquella auctoridade imaginou no dia 8 de julho proximo passado;

IV. Violencias praticadas pela auctoridade por occasião das eleições municipaes;

V. Prisões arbitrarias mandadas fazer pelo governador civil;

VI. Forma por que se organisou o corpo de policia civil;

VII. Intervenção do governador civil sobre os actos de administração do monte pio de S. José da cidade de Braga.

VIII Ameaças e offensas dirigidas pelo governador civil a diversas pessoas por elle mandadas chamar ao governo civil;

IX. Recusa do governador civil em despachar requerimentos, em que se lhe pediam certidão de documentos publicos existentes no governo civil. = O deputado, Jeronymo Pimentel.

Mandaram-se fazer as devidas communicações.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — É desgraçadamente verdadeiro, e bem conhecido de todos vós, o deplorabilissimo estado em que se encontra o ensino do sexo feminino em todo o paiz.

Mais de tres mil freguezias, d'entre as quatro mil em que se divide o reino, não possuem escola gratuita para a mulher. Em mais de duas mil não ha uma unica professora, subsidiada pelo estado, pelo municipio, pela parochia, por quaesquer estabelecimentos de piedade e beneficencia ou ainda pelos particulares!

Bastam estes dados estatisticos para chamar a attenção dos poderes publicos, e convidal-os a combater o mal gravissimo que a eloquente concessão d'aquelles numeros está denunciando.

Mais de metade da população feminina do paiz não póde instruir-se, porque não tem escola, aonde vá aprender, nem ao menos os primeiros rudimentos do ensino elementar.

A resolução do problema não consiste unicamente em decretar novas escolas. É mister povoal-as de professoras habilitadas. E para este fim importa crear institutos, aonde possam gratuitamente aprender alumnas, que no futuro se dediquem á espinhosa missão do magisterio. Ha apenas entre nós a escola normal de Lisboa, que satisfaça a esta impreterivel necessidade. A mulher, porém, que não alcance ser ali admittida ficará privada de aspirar áquella honrosa profissão, ou terá que despender bastante, e sem o mesmo proveito, se obtiver meios, e se porventura encontrar pessoa competente que lhe ministre a instrucção indispensavel para concorrer a alguma cadeira.

Não seria impossivel, nem até muito difficil, organisar no paiz alguns institutos que supprissem a falta das escolas normaes do sexo feminino. Sem grande sacrificio do estado, beneficiando differentes localidades, e evitando que a miseria e a desgraça entrem as portas das clausuras, onde a abastança e a virtude têem morada, afigura-se-nos exequivel uma idéa, que o illustre deputado pela Feira, o sr. Manuel Augusto de Sousa Pires de Lima, apresentou n'um projecto de lei, em sessão d'esta camara de 12 de fevereiro de 1875, com relação ao convento de Jesus de Aveiro.

No circulo que eu tenho a honra de representar n'esta casa, e no concelho de Pombal, ha tambem um convento de freiras na villa do Louriçal, quasi nas mesmas circumstancias do que existe n'aquella cidade. Tinha ainda ha pouco duas senhoras professas, a morto ceifou a vida a uma d'ellas, á madre abbadessa, que falleceu ha dias, a 29 de dezembro ultimo. Resta agora apenas uma unica: emquanto em Aveiro não existe já nenhuma.

Mas como ali é grande o numero de senhoras, que se recolheram do mundo ao abrigo d'aquellas cellas, e que seria cruel e barbaro expulsar, sem vantagem alguma publica, e tomando gravissima responsabilidade; quando a associação n'aquella casa, transformada em collegio ursulino, póde prestar á sociedade valiosos serviços, preparando alumnas-mestras para o ensino do sexo feminino, e educando meninas abastadas, mediante modica retribuição, como acontece nos institutos similhantes de Coimbra e de Vianna do Castello:

Por estas rasões e outras muitas que a vossa illustração supprirá, tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° No convento do Louriçal, existente no concelho do Pombal, estabelecer-se-ha um collegio de ursulinas, as quaes terão a seu cargo a habilitação para o magisterio primario de vinte educandas.

§ unico. As actuaes recolhidas serão consideradas como directoras, mestras e mais empregadas d'este collegio.

Art. 2.° Os paramentos, alfaias e mais objectos pertencentes ao convento do Louriçal serão destinados para as ceremonias religiosas, que houverem de celebrar-se na igreja do collegio.

Art. 3.° As rendas pertencentes ao convento do Louriçal ficam reservadas para a sustentação das religiosas ursulinas e para a sustentação das vinte educandas.

Art. 4.° Quando o rendimento enumerado no artigo anterior não for sufficiente para o destino ali marcado, sup-

Página 81

81

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

prirão o estado e o districto, por igual, o que faltar; não podendo nunca exceder ao computo de 3$000 réis, relativos á pensão mensal de cada educanda.

Art. 5.° Serão admittidas pensionistas, que satisfarão á sua custa a mensalidade de 6$000 réis.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara, 14 de janeiro de 1878. = O deputado por Pombal, Antonio José Teixeira.

Foi admittido á discussão e remettido á commissão ecclesiastica, ouvida a de instrucção publica.

Projecto de lei

Senhores. — É altamente lamentavel que, havendo-se podido emprehender importantes melhoramentos materiaes, se tenha quasi descurado a defeza da patria, em despeito da boa vontade e esforços empregados por alguns dos nossos homens mais eminentes.

Tem-se, com effeito, despendido avultadas quantias em differentes obras publicas e chegado a ser mesquinho para com todas as cousas concernentes ao exercito e ás fortificações; e no emtanto é certo que seriam de todas as mais productivas as despezas que se fizessem para nos collocarmos em circumstancias de resistir com vantagem ao inimigo que ousasse tentar contra a independencia da nossa patria.

Só tendo uma forte e respeitavel organisação militar, de modo a poder a nação levantar-se como um só homem, é que poderemos evitar que a occasião do perigo se approxime, que seja necessario fazer então enormes sacrificios de vidas e de dinheiro, que, emfim, para mantermos a independencia do torrão natal, tenhamos de ver compromettida a integridade da nação, pois a tanto poderiam levar-nos as ambições que se manifestassem por occasião de negociações diplomaticas, que fossem encetadas por algumas nações poderosas e porventura obsecadas ou endurecidas pela avidez de riquezas e de engrandecimento.

A necessidade mais instante consiste, por certo, em adoptarmos, sem perda de tempo, as providencias necessarias para conseguirmos que todos os cidadãos válidos se habilitem com a instrucção precisa para, nos momentos criticos, correrem ás armas, promptos para d'ellas fazerem o melhor uso e dispostos a sacrificarem-se no altar da patria.

Podendo a patria ser ameaçada e precisar que todos os seus filhos lhe prestem o auxilio da sua força, intelligencia e dedicação, jamais se deve consentir que o cobarde e torpe egoismo das classes abastadas, o patronato immoral ou as veniagas eleitoraes, dispensem d'esta obrigação muitos mancebos e principalmente os que costumam consumir o melhor da sua vida na devassidão e nos vicios, e ainda assim logram ser o encanto dos paes, cujas fortunas arruinam.

E não poderá deixar de ser criminoso de sua nação quem empregar os recursos de que possa dispor em obstar por qualquer modo a que as instituições militares attinjam o nivel exigido pelas circumstancias, as quaes de um momento para o outro se podem complicar ou tornar afflictivas.

Todos os cidadãos válidos de vinte e um até trinta annos completos devem pertencer á primeira linha do exercito ou á armada, embora só os contingentes, votados annualmente pelas cortes, entrem para o serviço effectivo pelo espaço do tempo marcado na lei.

Todos devem, nas epochas marcadas nos regulamentos, ser obrigados a receber a conveniente instrucção militar.

Senhores: O mais pesado de todos os tributos é sem duvida o chamado de sangue, e por isso devera a lei do recrutamento ter sido fabricada de maneira a evitar, quanto possivel, que o patronato ou arbitrio produzissem injustiças e sobretudo que os escandalos se tivessem tornado frequentes, como tem acontecido desde que as auctoridades, transformando-a em veniaga politica, eivaram de vicios o corpo social, isto é, desde que a constituiram um poderoso elemento de desmoralisação do povo e justificaram a repugnancia que a maior parte dos mancebos tem ao seu alistamento nas fileiras do exercito e na armada.

As arbitrariedades e os escandalos começam, de ordinario, nos recenseamentos e vão em serie progressiva. Os costumes têem-se corrompido e a lei do recrutamento tem-se convertido em instrumento de tyrannia.

Obreiro modestissimo nas tarefas legislativas, conhecemos quanto é momentoso acudir a este detestavel estado de cousas, e tambem sabemos qual é a gravidade da questão que nos preoccupa; porém resolvemos tratal-a, porque, sendo nosso proposito bem servir a patria, estamos muito longe de querer imitar alguns dos nossos modernos legisladores, que só têem sabido reformar, demolindo tudo que se havia anteriormente feito com muito estudo e circumspecção, para erigir obra inteiramente nova, com infundada presumpção e com a leviandade filha da inexperiencia.

Modestas são, com effeito, as nossas intenções, pois nos limitâmos a propor que, na actual lei do recrutamento, sejam feitas as modificações que se nos afigura serem necessarias, para evitar-lhe os inconvenientes tantas vezes apontados e por tantos cavalheiros, sem que, apesar da sua competencia, tenham jamais dedicado as suas locubrações a um assumpto de tanta importancia.

A lei actual, estatuindo algumas isenções do serviço militar, parece ter, em parte, sido dictada por nobres sentimentos de humanidade; porém os factos têem exuberantemente demonstrado a sua insufficiencia e inconvenientes.

Na pratica são quasi constantemente contrariadas as benevolas disposições d'esta lei, de modo a produzir escandalos e exercer tyrannias tão odiosas como outras muitas que, açafelando-se com as formulas liberaes, vão sempre opprimindo os povos e fazendo-os descrer das instituições.

Pareceu muito justo e muito moral que fossem isentos do serviço militar os mancebos que, vivendo do seu trabalho, são o unico amparo de seus velhos paes, avós ou amas que os crearam, porém na maior parte dos casos invoca-se falsamente este pretexto, fazendo que faltem á verdade aquelles velhos, com o fim de se livrar do recrutamento alguns mancebos, que de nada lhes servem, ao passo que é muito frequente serem violentamente arrancados ás familias aquelles a quem a lei quiz favorecer, pois que muitas auctoridades são ferozes, prestando-se a fazer uma politica ignobil, protejem e afastam das fileiras os que por mais direita rasão deveriam ser compellidos ao serviço militar.

Outras isenções estabeleceu porém a lei, para as quaes á luz da rasão não nos parece poder-se encontrar motivo algum plausivel. N'este caso está a que favorece os mancebos que já tenham um irmão alistado nas fileiras do exercito ou na armada.

Pois estes cidadãos, tendo os mesmos direitos que outros quaesquer, não deverão tambem estar sujeitos aos mesmos encargos? Não deverão ter a mesma obrigação de servir a patria e de pugnar tanto pela sua independencia como pela manutenção da ordem, que a todos igualmente aproveita?

Senhores. Por causa d'estas isenções praticam-se nas differentes localidades innumeras iniquidades, que não chegam ao conhecimento do governo; e ainda assim sobem todos os annos ao conselho d'estado mais de quatro mil recursos.

Quasi todos os recursos, que chegam a ser providos, são fundamentados na circumstancia de serem os mancebos o unico amparo de seus velhos paes; porém são taes as justificações apresentadas pelos mesmos mancebos ou seus protectores, que contra as isenções concedidas ha tambem innumeras reclamações por se ter averiguado a falsidade do pretexto, isto é, porque effectivamente aquelles mancebos nunca alimentaram ou abandonaram os velhos que diziam amparar.

A estas reclamações seguem-se as provisões que deveriam ser promptamente informadas pelas auctoridades locaes; mas a protecção, que estas ordinariamente dispen-

Sessão de 15 de janeiro de 1878

Página 82

82

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

sam a taes refractarios, demora o cumprimento d'aquella obrigação até ao ponto de acontecer muitas vezes que, quando os recursos chegam a ser providos, já os mancebos, injustamente compellidos ao alistamento, têem completado o tempo de serviço, sem que ninguem seja obrigado a indemnisal-os dos prejuizos, incommodos ou mutilações que n'elle soffreram.

Ora se em todas as leis sabias e consentaneas com os preceitos da justiça deve notar-se a maior harmonia, e se os mais abalisados jurisconsultos são da opinião que é preferivel absolver alguns criminosos a lavrar a condemnação de um innocente, como poderiamos tolerar uma lei de recrutamento que se deixa facilmente illudir pelo patronato ou pelas tricas da politica partidaria, de modo a obrigar todos os annos grande numero de mancebos a alistarem-se indevidamente nas fileiras do exercito effectivo, em cujo serviço póde ser derramado o seu sangue?

Se pois as isenções que a lei estabeleceu só servem, na maior parte dos casos, para dar logar a iniquidades, melhor é de certo acabar de uma vez com ellas, a fim de estabelecer o indispensavel prestigio das leis e dedicar verdadeiro culto aos preceitos da justiça e da moralidade, os quaes são os primeiros elementos da ordem e os principaes esteios da liberdade e da civilisação.

D'esta providencia resultará ainda uma grande vantagem, pois que podendo unicamente haver reclamação contra o abuso do poder ou erro das auctoridades, que não tiverem observado os preceitos de lei recenseando mancebos fóra do seu domicilio legal ou antes de haverem completado a idade marcada na mesma lei, póde ser consideravelmente reduzido o numero de funccionarios e portanto a despeza publica.

Não se admittindo isenção alguma e adoptando-se providencias tendentes a evitar que os mancebos se subtraiam ao alistamento no exercito effectivo ou á necessaria instrucção quando na reserva, ter-se-ha prestado um grande serviço ao paiz.

E é para isso que temos a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É approvada a reforma do recrutamento do exercito, que vae junta a esta lei e d'ella fica fazendo parte.

Art. 2.° O governo organisará a reserva do exercito e fará os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario. Sala das sessões da camara dos deputados, 14 de janeiro de 1878. = José Joaquim Namorado.

Reforma do recrutamento para o exercito

Do serviço militar

Artigo 1.° Todos os portuguezes são obrigados a pegar em armas para sustentar a independencia e integridade do reino, e defendel-o dos seus inimigos internos e externos, mas esta defeza é confiada especialmente ao exercito effectivo e á armada.

Art. 2.° O exercito é formado por todos os cidadãos habeis para o serviço militar, desde a idade de vinte e um até á de trinta annos completos, e compõe-se da força total effectiva e da reserva.

Art. 3.° A força effectiva do exercito é fixada todos os annos pelas côrtes, sob proposta do governo, na fórma da carta, artigo 15.°, § 10.°, e recrutada por contingentes annuaes de mancebos aptos para o serviço militar na fórma d'esta lei. Estes contingentes são tambem pelas côrtes distribuidos annualmente pelos districtos administrativos do reino e ilhas, na proporção do numero de mancebos recenseados.

§ 1.° A sub-divisão do contingente que toca a cada districto é sobre a mesma base feita pelos differentes concelhos.

§ 2.° Na distribuição do contingente, de que trata este artigo, pelos districtos administrativos do reino e ilhas, e sub-divisão pelos respectivos concelhos, são descontados os mancebos recrutados para a marinha de guerra.

Art. 4.° A reserva é formada por todos os cidadãos habeis, dentro dos limites da idade marcada n'esta lei, que não foram alistados nas fileiras do exercito effectivo e tambem dos que ali concluíram o tempo do serviço por haverem feito parte dos contingentes annuaes votados pelas cortes em conformidade do disposto no artigo 3.° d'esta lei.

Art. 5.° Cada contingente serve effectivamente nos corpos do exercito por espaço de tres annos, e durante seis annos na reserva, sendo aquelles contados para cada mancebo desde o dia em que elle presta juramento em algum corpo ou deposito militar. Os que se destinam a tambores, corneteiros, trombeteiros, aprendizes de musica ou de ferrador, servem durante os nove annos effectivamente no exercito, e á excepção dos aprendizes de musica, não são admittidos senão quando têem completado os vinte e um annos de idade.

Todos devem ter as necessarias condições de robustez.

§ 1.° O serviço effectivo é feito conforme os regulamentos militares em vigor.

§ 2.° A reserva recebe todos os annos a necessaria instrucção regulamentada de modo a evitar quanto possivel que pela falta de braços sejam prejudicadas as industrias.

§ 3.° A reserva está sujeita á disciplina militar durante as epochas destinadas á instrucção, e nunca é chamada ás fileiras do exercito effectivo senão por uma lei, ou, em circumstancias extraordinarias, por um decreto do governo se as côrtes não estão reunidas.

§ 4.° Em tempo de paz os commandantes dos corpos passam guias para a reserva ás praças, logo que estas têem completado o tempo de serviço effectivo prescripto n'esta lei; porém em caso de guerra só o fazem quando aos corpos têem chegado os recrutas que os devem substituir.

§ 5.° Com a proposta para a fixação da força de terra apresenta o governo em cada anno ás côrtes uma conta documentada, do modo como tem executado as disposições d'este artigo e seus §§.

Art. 6.° O contingente annual preenche-se em regra com mancebos recrutados, voluntarios ou readmittidos, habeis para o serviço militar nos termos d'esta lei.

Do recenseamento

Art. 7.° São recenseados nos seus respectivos domicilios para o serviço do exercito, todos os mancebos que em 30 de junho do anno proximo houverem de completar vinte e um annos de idade subsidiariamente, quando n'esta idade não haja o numero sufficiente para preencher o contingente annual, todos os mancebos que houverem de completar então os vinte e dois annos.

§ unico. São excluidos do recenseamento:

1.° Os estrangeiros;

2.° Os clerigos de ordens sacras;

3.° Os condemnados em alguma das penas maiores, que produza o effeito da perda dos direitos politicos segundo o codigo penal.

4.° Os que têem, por qualquer titulo, praça effectiva ou avulsa na armada, ou já têem ali servido o tempo legal;

5.° Os que foram no anno anterior excluidos do serviço militar, com excepção d'aquelles de que trata o n.º 3.° do artigo 42.° d'esta lei.

Art. 8.° Na determinação do domicilio para as operações do recenseamento e sorteamento, observam-se as regras seguintes:

1.° Consideram-se domiciliados em um concelho ou bairro os mancebos não emancipados, cujos paes, mães, tutores ou outras pessoas de quem elles legitimamente dependam, residem habitualmente n'esse concelho ou bairro, exercendo

Página 83

83

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ali qualquer profissão, officio ou modo de vida conhecido ou sustentando-se de renda sua.

2.° Não são attendidos para os effeitos d'este artigo, os paes ou mães dementes, os que estão padecendo alguma condemnação de prisão ou degredo, os que residem fora do continente e ilhas adjacentes, e emfim, os que não têem residencia certa.

3.° Os mancebos creados em qualquer estabelecimento de beneficencia são considerados como domiciliados no concelho ou bairro em que esse estabelecimento se acha situado, emquanto são d'elle dependentes.

Desde que deixem de o ser ficam, porem, sujeitos ás regras geraes.

4.° Os mancebos emancipados consideram-se domiciliados onde lêem a sua propria residencia, determinada conforme as prescripções da regra 1.ª.

5.° Não se considera interrompido o domicilio, quando o mancebo, no caso da regra 4.ª, ou seu pae, mãe, tutor ou pessoa de quem legitimamente dependa, no caso das regras 1.ª, 2.ª e 3.ª, se ausentam temporariamente do concelho ou bairro, onde habitualmente costumam residir.

6.° Tambem se não considera interrompido o domicilio de um mancebo em qualquer concelho ou bairro, quando elle o deixa accidentalmente para dedicar-se aos estudos ou á aprendizagem de alguma arte ou officio.

7.° Os mancebos que não podem provar que estão comprehendidos em alguma das regras anteriores, são recenseados na terra aonde são encontrados na epocha do recenseamento.

Art. 9.° O recenseamento e sorteamento dos mancebos para o serviço incumbe ás camaras municipaes e ás commissões de que trata o artigo seguinte.

Art. 10.° Em Lisboa e no Porto são o recenseamento e o sorteamento feitos por commissões especiaes, as quaes são tantas quantos os bairros em que se dividem ambos os concelhos.

§ unico. Estas commissões são compostas de cinco vogaes. Um d'elles, que serve de presidente, é o vereador da camara municipal, por esta designado, e os outros quatro são eleitos pela mesma camara, de entre os moradores do respectivo bairro, elegíveis para vereadores.

A commissão elege um dos seus vogaes para servir de secretario.

Art. 11.° Os administradores do concelho ou bairro assistem ao recenseamento e sorteamento com o voto consultivo, prestam aos recenseadores todos os esclarecimentos, reclamam e interpõem de officio os recursos competentes e promovem efficazmente todos os outros termos do processo, de modo que a lei seja executada com a mais estricta pontualidade, convidando para este fim os presidentes das camaras e commissões do recenseamento, a que celebrem todas as sessões necessarias, lembrando aos outros empregados o cumprimento dos seus deveres, e solicitando debaixo de sua responsabilidade, contra todos os remissos, a applicação das penas que lhes são comminadas n'esta lei.

Art. 12.° Assistem igualmente, quando se trata do recenseamento dos seus parochianos, todos os regedores de parochia como os parochos, os quaes apresentam aos recenseadores todos os documentos, livros e informações que podem ser-lhes pedidos.

Art. 13.° Todas as auctoridades e funccionarios civis e ecclesiasticos satisfazem as requisições das camaras municipaes ou das commissões do recenseamento ácerca de quaesquer documentos ou informações que possam esclarecel-os no desempenho d'este serviço.

§ unico. As informações, a que se refere este artigo, não eximem em caso algum os recenseadores da responsabilidade legal sobre este assumpto.

Art. 14.° Alem d'isto têem as camaras ou commissões do recenseamento o direito de citar perante si, nos termos e com a sancção estabelecida na legislação geral do reino, para o poder judicial, todas as pessoas que lhes aprouver, para o fim de lhes pedir, com respeito a este assumpto, quaesquer informações que as pessoas citadas são obrigadas a prestar debaixo de juramento.

Art. 15.° As camaras ou commissões de recenseamento acceitam emfim quaesquer esclarecimentos ou informações que a auctoridade administrativa, os directamente interessados ou qualquer outra pessoa lhes queiram espontaneamente dar com relação ao trabalho de que estão encarregadas.

Art. 16.° Todas as despezas que se fazem com os livros, papeis e quaesquer outros objectos relativos ao recenseamento são satisfeitas á custa dos cofres dos respectivos conselhos.

§ unico. Todo o processo do recenseamento e sorteamento, comprehendendo as reclamações, os recursos, os documentos com que são instruidos os requerimentos que a tal respeito se fazem, e o que nos tribunaes respectivos se ordena, conforme as disposições d'esta lei, é escripto em papel não sellado.

Art. 17.° As operações do recenseamento começam na primeira quinta feira do mez de agosto de cada anno.

As camaras municipaes de Lisboa e Porto têem já eleito as commissões de recenseamento de que resa o artigo 10.° com a necessaria anticipação.

As camaras ou commissões de recenseamento começam n'aquelle dia a organisação do recenseamento, nos termos d'esta lei, pelas freguezias mais remotas, e celebram tantas sessões quantas são precisas para o mesmo recenseamento se achar concluido no dia 30 de setembro.

Art. 18.° As camaras ou commissões de recenseamento publicam, com a necessaria anticipação, por editaes affixados nas portas dos paços dos concelhos e nas igrejas parochiaes de todas as suas respectivas freguezias, e na imprensa periodica dos concelhos, onde a ha, o local, dias e horas das suas reuniões e as freguezias de cujo recenseamento têem de occupar-se em cada uma d'ellas.

Art. 19.° No mencionado dia 30 de setembro têem as camaras e commissões de recenseamento organisado o caderno do recenseamento geral, nos termos d'esta lei, comprehendendo todos os mancebos a que se refere o artigo 7.°, escripto por freguezias, a começar pelas mais remotas e acabar pelas mais proximas; e em cada freguezia por ordem alphabetica.

§ 1.° E a respeito de cada mancebo contem o mesmo caderno em outras tantas casas:

1.° A sua filiação;

2.° O logar do seu nascimento;

3.° A data da naturalisação, se acaso se der;

4.° A sua idade;

5.° O seu emprego ou profissão;

6.° A sua altura;

7.° A sua morada;

8.° O seu estado e se é ou não emancipado, e n'este caso de quem depende legitimamente;

9.° A sua residencia accidental por motivos de estudos, aprendizagem ou qualquer outra cousa;

10.° A causa da exclusão, caso a tenha. Nota-se n'este caso o juizo da camara ou commissão, e os que são proferidos sobre reclamações ou recursos;

11.º O numero que saír ao mancebo no recenseamento.

Art. 20 As camaras ou commissões de recenseamento fazem extrahir copias authenticas do mencionado caderno, as quaes, no primeiro domingo do mez de outubro, são affixadas na porta da igreja de cada uma das freguezias, na parte que lhes diz respeito.

§ unico. Este caderno está patente durante todo o mez de outubro na mão dos escrivães das camaras ou na dos secretarios das commissões, onde os ha, a todas as pessoas que o querem examinar, as quaes podem d'elle tirar copias e fazel-as authenticar por quaesquer officiaes publicos, na fórma das leis.

Sessão de 15 de janeiro de 1878

Página 84

84

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Das reclamações

Art. 21.° Desde o primeiro domingo do mez de outubro podem ser apresentadas ás camaras ou commissões de recenseamento todas as reclamações contra a inscripção ou omissão de qualquer cidadão indevidamente feita no recenseamento, ou contra o modo como têem qualificado a cada uma, nas casas de que falla o artigo 19.°

§ 1.° Estas reclamações podem ser feitas pelo proprio interessado, ou por qualquer cidadão do municipio, com relação a terceiro, ou pela auctoridade publica respectiva; e em um só requerimento se póde reclamar por muitos ou por todos os que se julgam prejudicados.

§ 2.° Estas reclamações são sempre feitas por escripto e devidamente assignadas, e devem ser instruidas com quaesquer documentos que lhes sirvam de prova.

§ 3.° Todas as auctoridades ou repartições publicas são obrigadas a passar gratuitamente, com preferencia a qualquer outro serviço, as certidões, copias ou documentos que se lhes requerem, para o effeito das reclamações, a tempo que possam aproveitar aos interessados para instruirem os seus requerimentos.

§ 4.° As camaras ou commissões de recenseamento, durante todo o praso mencionado n'este artigo, vão successivamente procedendo de motu proprio ou a requerimento da parte, ao exame de todos os documentos, ás informações e ás demais diligencias que possam ser necessarias para bem julgarem as reclamações, de modo que, tanto quanto ser possa, tenham os respectivos processos instruidos no fim do mez.

Do sorteamento

Art. 22.° Na primeira quinta feira do mez de novembro, pelas nove horas da manhã, procedem as camaras ou commissões de recenseamento ao sorteamento de todos os mancebos, inscriptos no recenseamento, com a maior publicidade, precedendo editaes e tendo-se previamente annunciado, pela imprensa, nos concelhos onde a ha, assistindo os administradores dos concelhos ou bairros, os regedores e os parochos de todas as freguezias.

§ unico. Podem tambem assistir todas e quaesquer outras pessoas que julguem poder lhe interessar este acto, e que para esse fim são convocadas por editaes affixados nas portas das igrejas parochiaes, no domingo proximamente anterior ao dia d'esta sessão.

Art. 23.° Lançadas em uma urna diante de toda a assembléa tantos numeros, quantos são os mancebos inscriptos no recenseamento, manda o presidente da camara ou commissão do recenseamento proceder, pelo respectivo secretario, successivamente á chamada de todos elles, pela ordem porque estão inscriptos no caderno do recenseamento, e ordena aos que vão respondendo que tirem da urna dos numeros, um, que é immediatamente escripto por extenso pelo mencionado secretario da camara ou commissão ao lado do nome do respectivo mancebo.

§ 1.° Em logar do mancebo recenseado póde por elle responder á chamada seu pae, tutor, procurador ou qualquer outra pessoa que o representar, legitimamente auctorisada.

§ 2.° Quando o mancebo recenseado não responde á chamada, nem em logar d'elle pessoa alguma, nos termos d'este artigo, é o respectivo numero extrahido por um menor de dez annos.

Art. 24.° Escripto o numero, que toca a cada mancebo, ao lado do nome, manda o presidente ler logo a respectiva reclamação, se tem sido antes apresentada por escripto, ou tomar termo d'ella, se é apresentada verbalmente n'aquelle acto e sobre cada reclamação profere a camara ou a commissão successivamente o seu juizo, deferindo ou indeferindo conforme é de justiça.

§ 1.° As decisões são tomadas summariamente e motivadas com a disposição d'esta lei, applicavel ao caso, e referencia ao documento, informação ou outra prova em que assente a publicação d'ella.

§ 2.° Se a camara ou commissão não póde mandar extrahir todos os numeros, e resolver todas as reclamações no dia determinado no artigo 22.°, tem sessões em todos os dias successivos, não santificados, até haver concluido aquella operação.

§ 3.° As decisões, que habilitam para o serviço militar qualquer mancebo, são dentro em cinco dias, a contar da sua data, e sem prejuizo do andamento do processo, notificadas a elle ou a seu pae, tutor ou a qualquer outra pessoa que, conforme o direito, possa acceitar a notificação, pelo escrivão da camara ou commissão, ou por qualquer outro empregado municipal ou administrativo, a quem ella o encarregar.

Art. 25.° Todas as decisões das camaras municipaes ou commissões de recenseamento sobre reclamações, vão sendo, á proporção que são proferidas, notadas na casa competente do caderno de recenseamento, conforme o artigo 19.°, n.º 10.°

§ unico. Depois de decididas as reclamações sobre o recenseamento, nenhuma alteração mais lhe podem fazer as camaras ou commissões de recenseamento, senão em virtude de ordens dos tribunaes superiores nos termos d'esta lei.

Art. 26.° O caderno do recenseamento, depois de notadas assim as decisões, como se determina no artigo 25.°, está patente por cinco dias, na mão do escrivão da camara ou do secretario das commissões, a contar d'aquelle em que termina o julgamento das reclamações, desde as nove horas da manhã até ás tres da tarde, a todas as pessoas que o querem examinar, as quaes podem d'elle tirar copias, ou fazel-as authenticar por quaesquer officiaes publicos, na fórma das leis.

Art. 27.° No terceiro domingo do mez de novembro publicam as camaras ou commissões, por editaes por ellas assignados, que fazem affixar nas portas das igrejas, a summa de todas as decisões que hão proferido sobre reclamações.

Art. 28.° Nas decisões das camaras ou commissões do recenseamento sobre pontos de factos que não constam de documentos, que tenham fé publica em juizo, não ha recurso.

Dos recursos

Art. 29.° Na capital de cada districto administrativo ha uma commissão, composta do governador civil, que serve de presidente, de dois membros do conselho de districto e de dois officiaes do exercito. A esta commissão incumbe:

1.° O exame e fiscalisação dos recenseamentos;

2.° A apreciação das causas de exclusão, de que falla o artigo 7.°

§ 1.° As decisões das commissões de districto são sempre motivadas, e d'ellas ha recurso para o conselho distado.

§ 2.° Devem ser jurados e reconhecidos por tabellião todos os documentos justificativos apresentados pelos reclamantes.

Art. 30.º Das decisões não exceptuadas no artigo 28.° ha recurso para as commissões districtaes.

§ 1.° O recurso é interposto perante a camara municipal ou commissão de recenseamento, desde o dia em que é proferida a decisão sobre a reclamação até ao dia 30 de novembro.

§ 2.° O recurso interpõe-se por declaração escripta e apresentada pelo recorrente, a qual deve ser acompanhada dos documentos e allegações que lhe servem de fundamento.

§ 3.° Dá-se ás partes que o pedem recibo da entrega de petição de recurso e documentos.

Art. 31.° A camara ou commissão dá a sua informação sobre o recurso, e o presidente remette-o, assim instruido, ao administrador do concelho ou bairro até ao dia 10 de dezembro, para este o enviar ao governador civil, e da entrega cobra recibo.

Art. 32.º As commissões districtaes decidem estes recursos até ao dia 31 de dezembro.

Página 85

85

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

§ 1.° As decisões d'estas commissões são sempre motivadas.

§ 2.° O governador civil manda immediatamente copia d'ellas á camara ou commissão recorrida, a qual as faz notificar logo ás partes interessadas, nos termos e para os effeitos do § 3.° do artigo 24.º, notar na casa respectiva do caderno de recenseamento, conforme o artigo 19.°, e publicar por editaes affixados nas portas das igrejas.

Art. 33.° Das commissões districtaes ha recurso para o conselho d'estado.

§ unico. Estes recursos são interpostos pela fórma mencionada no artigo 30.°, dentro em cinco dias a contar da publicação das decisões das commissões districtaes, apresentadas pelo respectivo governador civil, com informação sua, n'aquelle tribunal dentro em vinte dias, a contar da interposição, ahi considerados urgentes, e resolvidos summariamente dentro de um mez, a contar da apresentação.

Art. 34.° Até ao dia 15 do mez de abril apresentam as partes interessadas certidões authenticas das resoluções do conselho d'estado ás camaras municipaes ou commissões de recenseamento, que as fazem notar no caderno respectivo, conforme prescreve o artigo 25.°

§ 1.° Nenhuma certidão apresentada depois d'aquelle dia póde em regra ser attendida.

§ 2.° Quando porém a demora da apresentação é devida a omissão da auctoridade ou empregados publicos, que em tempo competente não tomaram, expediram, apresentaram e decidiram os recursos das partes, e não têem passado ou feito passar os recibos de entregas e as certidões das decisões, não póde aquella omissão prejudicar os interessados e é-lhes concedido o beneficio da restituição para o effeito de poderem allegar o seu direito, ainda depois de passados os prasos fataes fixados n'esta lei. O uso d'este beneficio não impede por nenhum modo o andamento ordinario das operações do recrutamento e sorteamento, nem póde servir de pretexto a nenhum mancebo para se esquivar ao cumprimento pontual das obrigações prescriptas por esta lei.

Se porém a final é competentemente excluido do recrutamento passa-se-lhe a resalva ou dá-se-lhe baixa quando já tenha assentado praça.

§ 3.° Notadas as decisões do conselho d'estado no caderno do recenseamento, dá-se este por definitivamente concluido e é lançado no livro do registo dos recenseamentos, o qual é rubricado pelo governador civil.

§ 4.º Esta transcripção no livro do registo é rubricada em todas as suas folhas e assignada pela camara ou commissão e administrador do concelho ou bairro e tambem pelos regedores na parte respectiva ás suas freguezias.

§ 5.° Só são validas as certidões e copias extrahidas d'este livro.

§ 6.º Manda-se uma copia authentica ao governador civil do districto, que a faz guardar no respectivo archivo.

§ 7.° Por este recenseamento rectificado é feito o recrutamento do contingente votado pelas côrtes.

Dos voluntarios e dos readmittidos

Art. 35.° São voluntarios aquelles que se offerecem a entrar no serviço militar sem que para elle tenham sido recrutados nos termos d'esta lei.

§ unico. Não podem ser admittidos a assentar praça como voluntarios:

1.° Os que têem menos de dezesete ou mais de trinta annos sendo paizano, ou mais de trinta e cinco tendo sido militares.

Exceptuam se d'esta disposição os filhos de militares, que podem ser admittidos da idade de dezeseis annos e tambem os alumnos da escola do exercito, da faculdade de mathematica na universidade de Coimbra, da escola polytechnica de Lisboa, da academia polytechnica do Porto e do real collegio militar, os quaes são admittidos na idade determinada na legislação respectiva, uma vez que satisfaçam a todos os outros requisitos da lei.

2.° Os que, estando sujeitos ao patrio poder ou subordinados a algum superior, não apresentarem licença, por escripto, do pae ou de quem esteja legalmente auctorisado para dar-lh'a.

3.º Os que forem excluidos do serviço militar segundo o artigo 7.°, e os que estão em processo por qualquer crime, ainda que lhes caiba pena menor de que a referida no n.º 3.° d'aquelle artigo.

4.° Os refractarios.

Art. 36.º As praças de pret a quem pertence a baixa na conformidade d'esta lei e que ainda são aptas para o serviço militar, podem continuar a servir por mais tres annos effectivamente.

§ 1.° As praças que assim querem servir vencem diariamente, alem do pret que lhes compete, mais 10 réis sendo de infanteria, 15 réis sendo de cavallaria e 20 réis sendo de artilheria ou engenheria.

§ 2.° Esta readmissão póde ainda repetir-se por um ou mais triennios, mas sem que isso melhore o vencimento estabelecido no § antecedente.

§ 3.° Para que as praças readmittidas possam gosar das vantagens concedidas n'este artigo, é mister que requeiram a sua readmissão emquanto estão servindo effectivamente e trinta dias antes de ser apresentada ás cortes a proposta da fixação do contingente a que se refere o artigo 3.° d'esta lei.

Da formação dos contingentes

Art. 37.° Na terceira quinta feira do mez de abril procedem as camaras municipaes, em sessão publica com assistencia do administrador do concelho, dos regedores e parochos do todas as freguezias, á formação da lista dos mancebos que devem constituir o contingente dos seus respectivos concelhos para o anno economico seguinte.

Art. 38.° Os mancebos que têem assentado praça voluntariamente, os compellidos ao serviço militar por effeito do artigo 61.°, os readmittidos e os refractarios, pelo tempo que servem de mais na conformidade d'esta lei, são em regra levados em conta aos concelhos ou bairros em que têem o seu domicilio antes de entrarem no exercito e ahi deduzidos do numero de soldados exigidos a cada um.

Art. 39.° Os primeiros mancebos sorteados até ao preenchimento do numero requerido para o contingente do concelho ou bairro já calculado conforme se estabelece no artigo antecedente, são proclamados recrutas e de todos se fórma uma lista, que no domingo immediato é affixada nas portas das igrejas, dando-se assim por publicada.

§ unico. Todos os outros mancebos recenseados no mesmo anno, que não tenham sido excluidos, ficam obrigados a preencher quaesquer vacaturas acontecidas no numero dos recrutas proclamados, os quaes são chamados sempre pela ordem da numeração que tiveram no sorteamento.

Art. 40.° Os mancebos proclamados recrutas effectivos apresentam-se dentro em cinco dias, a contar da publicação da lista do contingente do seu concelho ou bairro, ao respectivo administrador, e d'elle recebem guia para o governador civil do districto.

§ unico. Aos recrutas supplentes contam-se estes cinco dias desde que foram intimados conforme direito por ordem do seu respectivo administrador.

Art. 41.° Nas capitaes dos districtos administrativos ha uma junta de revisão, presidida pelos respectivos governadores civis, e composta d'este magistrado, de um facultativo civil por elle nomeado, de um official superior e de dois facultativos militares nomeados pelo commandante da divisão.

Art. 42.° As juntas de revisão apreciam e julgam em primeira instancia todas as reclamações com referencia ás deformidades e molestias de que trata a primeira tabella, e procuram verificar se os mancebos que lhe foram remettidos para formarem o respectivo contingente, têem a capacidade physica e moral necessaria para o serviço do exercito, ainda mesmo com referencia a molestias que possam

Sessão de 15 de janeiro de 1878

Página 86

86

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

dissimular, sendo os mancebos qualificados por maioria de votos em uma das seguintes classes:

1.ª Incapazes — Os que tiverem ou soffrerem uma ou mais deformidades ou molestias comprehendidas na segunda tabella, quando a circumstancia da causa da exclusão se der com as condições exigidas em cada caso, nos termos da mesma tabella, e bem assim os que tiverem uma ou mais deformidades ou doenças, das que constituem a terceira tabella, quando a inspecção auxiliada por um processo justificativo pozer fóra de duvida a molestia ou deformidade allegada ou outra da mesma ordem, ainda que não indicada no processo.

2.ª Esperados — Aquelles em que se suppozer a existencia de uma ou mais deformidades ou doenças da terceira tabella, cujo conhecimento depender do processo justificativo não apresentado, ou apresentado com deficiencia em um ou mais pontos, que importem duvidas valiosas.

3.ª Temporisados — Os que tiverem soffrido ou estiverem soffrendo molestias das especificadas na quarta tabella e deverem ser submettidos a nova inspecção depois de decorrido um anno.

4.ª Promptos — Os que não estiverem em nenhum dos casos comprehendidos nas diversas tabellas de exclusão.

§ unico. As decisões das juntas são escriptas e motivadas.

Art. 43.° Os mancebos julgados promptos para o serviço por estas juntas, são entregues pelos governadores civis á auctoridade militar e abonados no contingente com que deve contribuir o respectivo concelho.

Art. 44.° Abona-se adiantadamente pela recebedoria do concelho ou bairro, por conta do ministerio da guerra, o subsidio diario de 120 réis a cada recruta que sáe para assentar praça, contado desde o dia da marcha até aquelle em que presta juramento em algum corpo ou deposito militar.

Art. 45.° Os governadores civis nas ilhas adjacentes dão cumprimento a esta lei, na parte que lhes pertence, designando para os actos do recenseamento e sorteamento e recurso para o conselho d'estado, os prasos que as respectivas distancias e outras circumstancias locaes exigem, mas sempre de modo que todos aquelles actos se possam concluir dentro do mesmo anno economico.

Da troca dos numeros e das substituições

Art. 46.° É permittido a qualquer mancebo recenseado, sorteado e julgado a final habil para o serviço militar, nos termos do artigo, 33.°, trocar o seu numero pelo de outro mancebo inscripto no recenseamento do seu concelho igualmente habil para o serviço militar, nos termos do mesmo artigo 33.°, mas deve fazel-o antes do dia fixado no artigo 37.° para a formação da lista de que ahi se falla.

Art. 47.° Qualquer mancebo recrutado póde fazer-se substituir, apresentando em seu logar outro individuo igualmente apto para o serviço militar, mas esta substituição só póde ter logar nos corpos e depois do mancebo recruta ter assentado praça e haver depositado no cofre do conselho administrativo o preço da substituição ajustado entre elle e o substituto, o qual o receberá conforme for determinado no respectivo regulamento.

Art. 48.° Nenhum mancebo póde ser admittido como substituto sem que mostre ter já directamente satisfeito as obrigações que lhe impõe a lei do recrutamento, e que possue os requisitos exigidos para os voluntarios nos §§ 2.°, 3.° e 4.° do artigo 35.° d'esta lei.

§ unico. Os substitutos são obrigados sómente a servir durante o tempo que faltar ao substituido para preencher, comtanto que não seja por menos de um anno.

Art. 49.° A praça substituida fica responsavel:

1.° Se o substituto desertar durante o primeiro anno a contar do dia do seu alistamento;

2.° Se o substituto for julgado incapaz do serviço por mutilação voluntaria ou por doença simulada, que se manifestar durante os primeiros tres mezes, contados do dia do seu alistamento;

3.º Se a substituição se tiver effectuado em presença de documentos que sejam reconhecidos falsos, ou quando o substituto se tiver apropriado de nome alheio.

Art. 50.° Nenhuma praça póde fazer-se substituir sem dar fiança de que sendo chamado ao serviço do exercito, nos termos do artigo antecedente, se apresentará ou dará substituto.

§ unico. Se o fiador não apresentar no praso de um mez, depois de ser intimado, a praça afiançada ou outro substituto, é compellido a resgatar a fiança por uma somma igual ao preço das substituições fixado no anno em que a mesma praça tiver sido recenseada.

Art. 51.° A praça substituida ou o seu fiador recebem a quantia que existe em cofre, quando se verifica algum dos casos previstos no artigo 49.°, depois da mesma praça se apresentar, de dar outro substituto ou de haver sido resgatada a respectiva fiança, e o preço do resgate não ser inferior áquella quantia.

Dos refractarios

Art. 52.º São considerados refractarios e como taes immediatamente autuados pelos respectivos administradores do concelho ou bairro, aquelles mancebos que, havendo sido legalmente destinados ao serviço militar, se não apresentam a pedir guia para o governador civil, nos termos do artigo 40.°; aquelles que, tendo recebido guia, a não cumprirem; aquelles que, depois de entregues pelo governador civil á auctoridade militar, não apparecem a sentar praça no corpo ou deposito militar, que se lhes ordena, e dentro do praso que lhes é prescripto; e emfim todos aquelles que, por qualquer outro modo illicito, tentam subtrahir-se ao serviço militar.

§ 1.° Tambem se presumem refractarios, e como taes são presos e destinados ao serviço militar, todos os mancebos encontrados fora do concelho do seu domicilio sem resalva da sua camara municipal, rubricada pelo administrador do concelho. Dá-se-lhes porém liberdade, sob fiança, por quatro mezes, para dentro d'elles apresentarem a resalva, que, em todos os casos, é passada gratuitamente. Este praso de quatro mezes póde ser prorogado por mais dois mezes, se as circumstancias o exigem.

§ 2.° Os recrutas refractarios são obrigados a servir no exercito effectivo durante nove annos, e os supplentes refractarios a servir seis annos no exercito effectivo e tres annos na reserva.

Art. 53.° As obrigações impostas aos refractarios pelo artigo anterior só prescrevem ao cabo de vinte annos.

§ unico. Durante todo este espaço de tempo têem os refractarios de responder por suas pessoas e bens, aos quaes se promove execução para serem vendidos até á somma necessaria para pagar o preço do serviço a que são obrigados e que equivale respectivamente a tres ou a duas substituições se foram recrutados ou são supplentes.

Art. 54.° Se os refractarios não têem bens proprios em que se lhes possa de prompto fazer execução, procede-se a ella nos bens que possuem seus paes até á concorrência da legitima provavel dos filhos refractarios.

§ unico. Procede-se administrativamente a estas execuções pelo modo determinado para a cobrança das contribuições de lançamento e repartição.

Art. 55.° Autuados os refractarios, nos termos do artigo 52.°, procede logo o respectivo administrador á prisão d'elles, e todas as auctoridades civis e militares são obrigadas a prestar-lhe auxilio para esse fim, e podem ser para isso directamente requeridas. Os refractarios capturados são immediatamente remettidos ao governador civil para o effeito do artigo 44.°.

Art. 56.° Se os administradores do concelho não podem captural-os dentro em tres mezes, a contar da publicação da lista do contingente ou da intimação a que se refere e

Página 87

87

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

artigo 41.° e seu § unico, remettem aos respectivos agentes do ministerio publico certidão do auto a que devem ter procedido em virtude do artigo 52.°, do qual auto conste que aquelles mancebos foram apurados para o seu respectivo contingente, conforme o artigo 39.°, ou posteriormente intimados para servirem como supplentes, conforme o § unico do artigo 41.° e se recusaram ao serviço.

§ unico. Esta certidão é considerada como carta de sentença passada em julgado e por ella se faz execução nos bens dos refractarios, conforme o § unico do artigo 53.° e se os refractarios não têem bens proprios conforme o disposto no artigo 54.º d'esta lei.

Art. 57.° Nem o começo nem o seguimento da execução fazem cessar as diligencias para a captura dos refractarios.

Effectuada a prisão do refractario só se dá por finda a execução depois de haver sido resarcida qualquer despeza que elle tenha occasionado á fazenda publica, e é immediatamente submettido ao exame da junta de revisão para os effeitos dos artigos 42.° e 43.° d'esta lei.

Art. 58.° Dá-se ao refractario por extincta a obrigação de servir no exercito effectivo, logo que sobre os seus bens se tem cobrado o equivalente a todo o tempo que era obrigado a servir; porem é obrigado a receber instrucção na reserva emquanto tiver menos de trinta annos de idade.

Quando se não tem cobrado a somma equivalente a todo o tempo de serviço effectivo no exercito leva-se em conta o tempo correspondente ao producto das respectivas execuções, e assenta-se praça ao refractario para servir o tempo a que ainda é obrigado.

Art. 59.° As sommas provenientes d'estas execuções são depositadas nos cofres dos districtos administrativos á ordem e disposição do ministerio da guerra, e são especialmente destinadas á acquisição de material de guerra.

Art. 60.° Dá-se baixa para a reserva a qualquer praça recrutada ou supplente quando tem capturado um refractario habil para o serviço antes d'elle haver completado quarenta e um annos de idade; e assenta-se praça ao refractario para servir nas fileiras do exercito durante todo o tempo, a que é obrigado por esta lei.

Art. 61.° Quando uma praça da reserva, subtrahindo-se á instrucção que é obrigada a receber, se torna relapsa, assenta-se-lhe praça e tem de servir por espaço de tres annos nas fileiras do exercito effectivo.

Disposições que constituem a sancção d'esta lei

Art. 62.º Ninguém depois da publicação d'esta lei póde ser admittido nas guardas municipaes ou em outro qualquer corpo estipendiado, de policia ou fiscalisação, sem que haja servido no exercito e obtido baixa, tendo completado sem nota no livro mestre o tempo de serviço que devia conforme as prescripções d'esta lei.

§ unico. A disposição d'este artigo póde ser dispensada sómente com respeito aos logares de fiscalisação no caso de não haver pretendentes a estes logares, que á condição de haverem servido sem nota reunam o de saber ler o escrever.

Art. 63.º Nenhum cidadão que tenha completado a idade de vinte e um annos póde ser nomeado para emprego de qualquer ordem, sem que apresente certidão de como fôra recenseado e entrara no sorteamento; e os refractarios, emquanto obrigados ao serviço no exercito, não têem direitos alguns politicos nem fazem contratos que tenham validade.

Art. 64.° A nenhum mancebo dentro da idade de quatorze a vinte e um annos completos, se dá passaporte para paiz estrangeiro, sem que dê fiança de como, sendo chamado ao serviço do exercito se apresentará ou fará substituir.

§ 1.° No caso do mancebo afiançado não comparecer, e nem elle nem o seu fiador apresentarem substituto dentro do praso que foi indicado ao mesmo fiador, é este qual refractario, compellido a resgatar a fiança por uma somma igual ao triplo do valor de uma substituição por tres annos.

§ 2.° O governo fixa o preço de cada substituição, para os effeitos d'esta lei, em cada anno economico no principio de junho, por meio de um decreto, tendo attenção ao preço medio das substituições no anno proximo passado.

Art. 65.° Os mancebos que se mutilam voluntariamente com o fim de se inutilisarem para o serviço do exercito, são obrigados a assentar praça quando a mutilação não os impossibilita de prestar o serviço, e no caso de impossibilidade é-lhes applicada a pena comminada no artigo 369.º do codigo penal.

Art. 66.° Aos parochos ou facultativos e ás auctoridades administrativas ou militares, que, com o fim de subtrahirem alguns mancebos do serviço do exercito faltam á verdade nos attestados e certidões que passam ou nas informações que dão, são applicaveis as penas do artigo 242.° do codigo penal.

Art. 67.° As auctoridades, a quem individual ou collectivamente é imposta alguma obrigação por esta lei, são responsaveis por qualquer infracção e incorrem nas penas comminadas por ella e pelo codigo civil.

Art. 68.° As auctoridades que, sob pretexto de recrutamento, têem ordenado ou consentido a captura de qualquer mancebo e feito que elle assentasse praça sem haver sido previamente recensseado e sorteado ou de outro qualquer modo destinado ao serviço militar, nos termos d'esta lei, é punida com as penas comminadas no artigo 329.º do codigo penal aos réus do carcere privado.

Art. 69.° São punidos com multa de 5$000 a 40$000 réis:

1.º Todos aquelles que acoutam ou encobrem em sua casa ou em outro logar qualquer refractario, sabendo que o é;

2.° Todos aquelles que de algum modo favorecem a sua evasão ou contribuem para ella;

3.° Todos aquelles que tomam ao seu serviço qualquer refractario, sabendo que o é.

§ 1.° Na reincidencia são as multas dobradas.

§ 2.° Os ascendentes ou descendentes, a esposa, os irmãos ou irmãs e os parentes por affinidade no mesmo grau, são exceptuados da sujeição á multa de que trata este artigo.

Art. 70.° O governo, independentemente da queixa do offendido quando o ha, faz sempre processar perante os tribunaes competentes aquelles que offendem as disposições d'esta lei.

Para esse fim são os agentes do ministerio publico impreterivelmente informados, e officialmente habilitados, o mais tardar dentro do praso de quinze dias, a proceder contra os delinquentes, pelas auctoridades administrativas, a quem cumpre a execução d'aquellas disposições.

Art. 71.° As multas impostas em virtude d'esta lei entram nos cofres dos municipios onde têem sido perpetrados os delictos respectivos, e são exclusivamente applicadas ás despezas do recrutamento.

Art. 72.° Aquelles que não salvem as multas, que esta lei lhes impõe, são obrigados á prisão, na fórma do artigo 101.° § 4.º do codigo penal.

Art. 73.° Ao governo cumpre organisar a reserva de exercito e fazer os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.

Art. 74.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, 14 de janeiro de 1878. = José Joaquim Namorado.

Projecto de lei

Senhores. — Em regra só o estado póde exigir sacrificios aos cidadãos, quando lhes conceda direitos equivalentes ou quando justamente os remunere com dinheiros publicos. Os que seguem, porém, a nobre carreira das armas são cha-

Sessão de 15 de janeiro de 1878

9*

Página 88

88

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mados a prestar, em defeza da patria e com risco da sua vida e do futuro das pessoas que lhes são mais caras, serviços que nenhum dinheiro poderia pagar e que só com a merecida consideração podem e devem ser galardoados.

Era esta verdade conhecida desde remotos tempos, mas tem sido infelizmente esquecida desde que o exercito, havendo derramado nos campus de batalha o seu precioso sangue, adubou o solo da patria para n'elle ser implantada a arvore da liberdade, a qual acabou com algumas tyrannias para estabelecer outras talvez mais atrozes e insupportaveis.

Eram então os serviços dos militares tão justamente apreciados, quanto têem ultimamente sido desconsiderados. Hoje até se pretende que os militares, quaes escravos, soffram, com paciencia mais que humana, os insultos e as pedradas arremeçadas pelo povo quando amotinado; pretende-se prohibir-lhes em tal caso o uso das armas em sua desaffronta; para que nunca corra o sangue d'essas massas infrenes, como se os soldados não fossem filhos do povo laborioso, ou o seu sangue fosse menos precioso.

A vida dos militares é sempre de privações, de incommodos e de riscos; e comtudo até têem sido esquecidos os serviços d'aquelles, que havendo-se exulado em terra estranha ou homisiado para fugir ás perseguições, tomaram parte gloriosa nas lutas da liberdade. As familias de muitos d'esses valentes, ora fallecidos, ahi andam mendigando, como se pelos poderes publicos houvessem sido votadas á miseria ou á prostituição.

E que tem produzido os seus naturaes effeitos as causas principaes, d'onde derivam os males que tanto envergonham e afligem o exercito portuguez; a saber:

1.º O egoismo ou indolencia de alguns militares, que collocados em posições eminentes, parece não terem jamais conhecido a virtude chamada amor de classe; e por isso preoccupados com a esteril politica partidaria têem olhado com indifferença para a infeliz sorte das familias dos seus camaradas.

2.° A circumstancia de se acharem os militares sempre em minoria nas duas casas do parlamento, o que tem dado logar a serem de preferencia feitas, ou interpretadas, algumas leis, com o fim de serem favorecidos alguns vultos da politica facciosa, em detrimento da classe militar; a serem até proferidas verdadeiras heresias parlamentares na defeza indiscreta de algumas leis, a que se tem chamado de excepção, e que se acham em desharmonia com o espirito e com a letra do codigo fundamental.

3.° A circumstancia dos que, pretendendo especular com a causa publica, confiam demasiadamente em que a disciplina inhibe o exercito de se envolver nas questões politicas.

Pois o exercito, a cujos esforços e heroismo são principalmente devidas as instituições liberaes, deveria ficar mudo e quedo quando observasse que um governo, confiado na força das bayonetas, sophismava a liberdade, praticava injustiças ou exercia a tyrannia, auxiliava os ultramontanos, restabelecia a inquisição, e destruia, emfim, pelos alicerces o edificio que elle ajudara a erigir com os seus sacrificios e a cimentar com o seu sangue?

Deverá o exercito infamar-se até ao ponto de olhar com indifferença para a desgraça das viuvas e filhas dos seus companheiros de armas, esperar que aquellas infelizes viuvas, para poderem matar a fome a seus innocentes filhos, tenham de manchar-se no tremedal da prostituição, quando a desgraça é filha da imprevidencia ou da injustiça dos poderes constituidos?

A disciplina, estatuindo os deveres dos militares no desempenho do serviço que lhes é commettido, e tambem os de indispensavel cortezia para com os seus camaradas de todas as jerarchias, tem por fim crear o prestigio dos chefes, para que á sua voz, ou ordem, e debaixo de um concertado plano, todos empenhem os recursos da sua força e da sua intelligencia, embora com risco imminente da sua vida, para conseguirem um fim, o qual só póde ser a defeza da independencia e integridade da patria, a defeza dos direitos dos seus concidadãos e dos povos alliados, ou a manutenção da ordem publica.

Quando o systema de governo é representativo, só ao parlamento compete, respeitando os usos, costumes e tradições, ir modificando as leis em harmonia com as idéas do seculo, de modo a levar os povos á prosperidade a que têem direito.

Quando, porém, este systema for sophismado, quando os governos odiados pela maioria da nação se tornarem oppressores ou praticarem injustiças e immoralidades, quando os eleitos do povo em vão reclamarem medidas de justiça e de moralidade, quando algumas facções politicas, nas suas lutas inglorias, só tiverem em mira as suas ambições alterando a ordem, fazendo retrahir os capitães, compromettendo as industrias e fazendo que os povos descreiam das instituições e de tudo, póde o exercito prestar relevantissimos serviços, dirimindo esses miseros pleitos partidarios e derruindo toda a casta de tyrannias.

E quantas vezes terão ainda os exercitos de salvar as nações, que a dissolução ou os crimes sociaes hajam collocado á beira do abysmo?

Esta nobre classe é porém despida de ambições e o seu prestigio pouco tempo costuma por isso durar depois dos grandes cataclysmos politicos.

Senhores. Espero que me não julgareis tão imprudente, que considereis estas minhas rudes mas sinceras expressões como dictadas pelo espirito de um pretencioso militarismo.

O meu unico fim é apontar algumas verdades para esclarecer um assumpto, que reputo importantissimo, e em seguida pedir justiça, sem a qual não póde haver moralidade, e as formulas liberaes serão um contrasenso, uma burla, uma mentira.

Foi na sessão passada mui facil galardoar os serviços do nobre marechal duque de Saldanha, concedendo-se avultadas pensões á sua viuva e filho primogenito; mas esta facilidade foi devida unicamente á circumstancia de haver aquelle general sido tambem um vulto politico, embora não muito feliz ainda mesmo quando conseguia levar ao fim os seus planos.

Os serviços que o nobre marechal prestou á patria com a espada na mão, teriam porventura sido votados ao mais frio esquecimento, como tem acontecido aos dos meus mais dignos companheiros de armas, cujas familias ahi têem andado desconsideradas, desprotegidas, soffrendo privações e por isso obrigadas a ganhar o pão com o suor do seu trabalho.

Pois os poderes publicos, acudindo á miseria em que vivem as familias de muitos officiaes fallecidos, não se limitariam a cumprir deveres de humanidade, antes pagariam uma das mais sagradas dividas, porque nas arcas do thesouro publico têem ficado desde muito tempo grossas quantias, que foram subtrahidas ao exercito por se entender erradamente que elle se deve contentar com qualquer paga, ainda mesmo em circumstancias normaes e quando são largamente remuneradas outras classes de funccionarios a quem se não têem exigido habilitações scientificas, e que não fazem serviços de tanta importancia.

E não será fóra de proposito chamar a vossa attenção para a historia dos monte pios militares, os quaes datam de 1795, isto é, de quando nem ainda os arreboes coroavam o horisonte, annunciando a aurora da nossa liberdade.

Já então se conhecia que os officiaes do exercito eram mal remunerados, que frequentes vezes eram obrigados a fazer marchas e destacamentos, e portanto a fazer despezas extraordinarias longe de suas familias, sem que lhes fossem, como actualmente, abonados alguns subsidios de marcha ou de residencia eventual, que passando uma vida de incommodos, privações e risco, nunca podiam ter senão uma casa pobremente mobilada, que a pouca roupa que podiam possuir era quasi sempre gasta no tratamento da

Página 89

89

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

doença a que succumbiam, e que finalmente só legavam a miseria ás suas familias.

Então os regulamentos dos monte pios estabeleciam para as viuvas e filhas dos officiaes pensões iguaes á metade dos soldos das suas ultimas patentes, segundo a tarifa de 1790, que era a da effectividade; e note-se que por serem julgadas especialmente dignas de consideração as circumstancias em que se achavam os officiaes combatentes, nem eram admittidos a contribuir para o monte pio os individuos que tinham graduações militares em consequencia dos empregos civis que exerciam no exercito.

No principio eram as pensões pagas unicamente ás viuvas, filhas solteiras ou viuvas, e na falta d'estas aos filhos até á idade de vinte annos; porém ás leis relativas a este assumpto foi nas differentes epochas dada mais ou menos amplitude, para beneficiar algumas pensionistas, por consultas do procurador geral da corôa e fazenda, sanccionadas por despachos de differentes ministros.

Umas vezes, por exemplo, se estabelecia que as filhas dos officiaes não perderiam o direito ás pensões, que já recebiam, quando casassem com officiaes do exercito, outras vezes se lhes tolhia este direito para mais tarde ser de novo estatuido, quando casassem mesmo com paizanos.

Têem-se tornado as leis mais ou menos elasticas, conforme as influencias que nas diversas epochas quizeram proteger determinadas familias ou pessoas; e por fim a carta de lei de 28 de junho de 1843, simulando as mais beneficas intenções, estabeleceu que não deixando os officiaes viuvas nem filhas, pertenciam as pensões ás suas mães viuvas ou irmãs donzellas.

Esta carta de lei praticou, porém, uma grande iniquidade, porque prohibiu que desde o primeiro dia de julho d'aquelle anno em diante, fossem admittidos a contribuir para o monte pio os officiaes que até ao dia anterior não tivessem assentamento nos respectivos quadros de contribuinte, e auctorisou o governo a restituir aos officiaes a importancia de todas as quotas com que houvessem contribuido, devendo em tal caso cessar a respeito de suas familias todos os effeitos dos regulamentos do monte pio militar.

Esta iniqua carta de lei procurou insinuar no animo dos officiaes do exercito e da armada a necessidade de associação de monte pio, tratando cuidadosamente de evitar que este continuasse a cargo do thesouro nacional; e para isto no artigo 7.° estatuiu que essas associações, quando offerecessem probabilidades de assegurarem a subsistencia regular das familias dos associados, haveriam dos cofres do estado no fim do primeiro quadriennio uma quantia igual a metade das pensões effectivamente pagas, e no fim do segundo e terceiro quadriennio quantias iguaes á quarta parte das pensões pagas n'aquelles intervallos de tempo.

Esta tacanha carta de lei foi pois a causa da miseria em que vivem as familias de muitos officiaes, a quem não foi permittido contribuir para o monte pio militar, e foi ainda uma vergonhosa armadilha, porquanto privou das pensões, a que tinham direito, as familias de alguns officiaes, que lutando com difficuldades, insensatamente levantaram a importancia das quotas, com que haviam contribuido, para acudirem ás circumstancias da occasião.

Eram já muitas as victimas da iniquidade, quando para evitar que os males tomassem enormes proporções e as circumstancias obrigassem o thesouro publico a fazer maiores despezas na indispensavel concessão de pensões, foi o sr. Fontes Pereira de Mello quem em 1867 promoveu a creação do monte pio official.

Não tendo porém sido permittido que se associassem os officiaes, cujo soldo não chegasse á quantia de 300$000 réis annuaes, nem os que mais tarde podessem passar á classe de officiaes depois de haverem completado quarenta annos de idade, tem augmentado o numero das infelizes que, sem culpa ou imprevidencia de seus maridos ou paes, se estorcem nas mais horrendas scenas da vida intima.

Senhores. É a desgraça um crisol, em que as virtudes se depuram; porém quantas virtuosas viuvas de officiaes benemeritos, quantas viuvas tão honestas como desgraçadas, em longas noites de insomnia e de martyrio, contemplando nos miseros leitos os innocentes fructos da sua ternura, banhando-os com as suas lagrimas e não tendo um pedaço de pão para os alimentar, nem uns trapos para os abrigar dos rigores do frio... quantas virtuosas, soltando as vozes da desgraça ao esgotar a sua taça da amargura, terão proferido blasfemias, rugido imprecações contra todas as feras humanas, que são a causa mais ou menos directa de seus tão acerbos soffrimentos, do seu tão horrivel penar?

Não é de presumir, senhores, que haja actualmente na nossa terra um governo tão adverso aos santos preceitos da justiça e da moralidade, que bem longe de acompanhar a Magestade nos seus reconhecidos sentimentos de caridade e actos de generosa philanthropia, empenhe a sua influencia politica para impedir que seja approvado um projecto de lei, que tem por fim valer ás viuvas e filhos de muitos officiaes, a cujos serviços são devidas as instituições liberaes e a manutenção da ordem e da paz, que todos felizmente disfructâmos.

Não é de esperar que no parlamento portuguez haja gente tão abcecada pela esteril politica partidaria, corações tão pouco affeitos a exercer a caridade, que, ao ver desenvolvido o sudario de tanta miseria, levem a sua impassibilidade até negarem ás pobres viuvas e filhas de officiaes fallecidos umas exiguas pensões, quando é o estado que as ha de pagar sem que as arcas do thesouro hajam de sentir desfalque.

Senhores. A circumstancia de devermos, em vista do estado das nossas finanças, ser muito cautelosos na apreciação de todos os projectos de lei que envolverem augmento de despezas, não deve n'este caso influir no nosso animo, tanto porque não será necessario despender grossas quantias, como porque esse encargo não poderá ser de longa duração, visto que á maior parte d'essas pobresinhas se tem quasi esvahido a vida em frente da culpa, da impenitencia dos poderes publicos que têem aliás concedido por vezes avultadas pensões a quem d'ellas menos precisava, e por motivos talvez menos acceitaveis.

Têem mesmo sido concedidas algumas pensões a familias de empregados da direcção geral dos correios e postas do reino, por effeito de leis que haviam sido necessariamente revogadas pela lei de pensões de 11 de junho de 1867.

Até foi votada uma pensão de 600$000 réis annuaes á viuva do deputado José Julio de Oliveira Pinto, a qual, tendo passado a segundas nupcias, deve hoje parte do seu bem estar á desgraça do seu primeiro marido!!...

Pois se o defunto marido houvesse sido official do exercito, teria a viuva sido votada ao esquecimento e á miseria, embora elle se tivesse batido em duello por um ponto de honra, ou tivesse sido assassinado por alguma das praças da força que commandasse, e na qual procurasse manter a disciplina!!

Se deve a moralidade influir poderosamente no nosso animo, se devemos prestar homenagem á memoria de muitos valentes, votando pequenas pensões ás suas familias, quando vivam na indigencia, tambem a economia se não oppõe a que sejam pagas dividas tão sagradas.

O que a economia nos aconselha é que adoptemos providencias attinentes ao augmento da receita publica, a qual póde tomar consideravel incremento sem que os povos sejam vexados com novos tributos, antes regulando as actuaes contribuições de maneira mais justa e equitativa, ou não consentindo que algumas classes sejam favorecidas em detrimento de outras que soffrem privações ou ganham o pão quotidiano com o seu trabalho.

Crescerá do certo consideravelmente a receita publica quando seja reorganisado o serviço aduaneiro de modo que

Sessão de 15 de janeiro de 1878

Página 90

90

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

a fronteira se não ache, como na actualidade, aberta ou quasi franca á industria entrelopa.

Devera subir a uma verba importantíssima a decima predial se as matrizes dos predios rusticos fossem organisadas de maneira que a grande propriedade pagasse na proporção em que paga a pequena, e ainda se fosse igualmente onerada em todos os districtos administrativos; e se para os predios urbanos fossem organisadas matrizes annuaes, a fim de conseguir que os senhorios pagassem, como actualmente acontece aos inquilinos, uma determinada quota de contribuição.

Tambem a contribuição de juros montaria a uma verba muito importante se deixasse de ser consentida pelas leis a sordida especulação, que para fugir ao pagamento dos impostos se faz em larga escala com as chamadas letras da terra, as quaes são meras obrigações em que entra despejadamente a usura — são contratos lesivos para o estado e para os mutuarios em favor da agiotagem, e não estão portanto no caso das letras de cambio, as quaes são obrigações remettidas como dinheiro de uma praça para outra, a que deve portanto a lei dar a qualidade de moeda, legitimando o premio, o risco e tudo quanto constitue o credito.

Emfim, senhores, para fazer face ás despezas que podem advir da concessão de pequenas pensões ás familias de alguns fallecidos officiaes do exercito e da armada, seria talvez mais que sufficiente deixar de pagar por alguns ministerios, nomeadamente pelo ministerio da fazenda, muitas gratificações que são abonadas sem rasão plausivel e que nem estão auctorisadas por lei.

Bastaria que as despezas eventuaes, dos differentes ministerios, fossem estimadas nas quantias despendidas nos annos anteriores, em serviços imprevistos, despezas que deveriam ser todos os annos detalhadamente descriptas nas respectivas contas da gerencia.

Senhores. O exercito chora a desgraça das familias de muitos do seus fallecidos camaradas.

Tem para isso rasão bastante e espera justiça. Negal-a, seria ultrajar no templo das leis a memoria de muitos martyres da liberdade, de muitos valentes encanecidos no duro mister da guerra.

Por tantas rasões tenho a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Ás familias dos officiaes do exercito e da armada, que tendo-se associado no monte pio official, creado pela carta de lei de 2 de julho de 1867, falleceram ou vierem a fallecer antes de haverem contribuido effectivamente por espaço de cinco annos com as respectivas quotas, serão reguladas pensões de 15 por cento dos soldos d'esses contribuintes na epocha do seu fallecimento, na conformidade do disposto nos artigos 13.°, 14.°, 15.° e 16.° d’aquella carta de lei, ainda quando algumas familias tenham já recebido do cofre do dito monte pio a importancia das quotas com que os fallecidos officiaes houverem contribuido.

§ unico. Se os fallecidos officiaes não tiverem deixado viuva nem filhos nas circumstancias indicadas, serão as pensões reguladas ás suas mães viuvas, e por morte d'estas ás irmãs solteiras ou viuvas, quando se verifique que a subsistencia das sobreditas estava unicamente a cargo d'aquelles officiaes.

Art. 2.° Serão do mesmo modo reguladas iguaes pensões ás familias dos fallecidos officiaes do exercito e da armada, a quem não tenha sido permittido concorrerem para o monte pio militar com as suas quotas mensaes, nem associarem-se no monte pio official.

Art. 3.° Quando ás viuvas dos officiaes do exercito e da armada, de que fallam os artigos anteriores, hajam sido já decretadas outras pensões, sem que as filhas solteiras ou viuvas e os filhos physica ou moralmente incapacitados, tenham sido declarados habeis para n'ellas lhes succederem, serão unicamente a estes reguladas as pensões que ás viuvas poderiam caber em virtude d'esta lei.

Art. 4.° Ás familias dos militares do exercito, da armada e do ultramar, e bem assim de quaesquer individuos, que guarnecendo os navios do estado, morrerem ou se impossibilitarem por alienação mental em resultado de ferimento em combate ou de desastre em occasião de serviço mandado fazer legalmente, serão na fórma do artigo 1.° e seu § reguladas as pensões, as quaes serão iguaes a 50 por cento do soldo ou ordenado da patente, cargo ou logar que desempenhavam aquelles individuos.

§ unico. Estas pensões serão decretadas ainda quando a morte tenha tido logar dentro do praso de um anno depois do ferimento ou desastre.

Art. 5.° As familias de quaesquer individuos, que, sendo militares ou empregados publicos, tenham prestado ao paiz serviços extraordinarios e relevantes por modo tão distincto, que mereçam reconhecimento publico, serão pela mesma fórma reguladas pensões, as quaes em regra serão iguaes a 30 por cento dos soldos ou ordenados que n’aquella epocha percebiam, não podendo contar-se para este fim as gratificações, emolumentos, abonos para despezas de representação ou outros vencimentos accessorios; porém estas pensões serão elevadas a 50 por cento, quando aquelles funccionarios tenham fallecido dentro do praso de um anno em consequencia de algum desastre occorrido quando prestavam os serviços a que se refere este artigo.

§ 1.° Quando serviços tão relevantes tenham sido prestados por individuos que não recebessem vencimento algum do estado, a importancia maxima da pensão é fixada em 500$000 réis.

§ 2.° Só o parlamento é competente para qualificar de relevantes quaesquer serviços para os effeitos d'esta lei.

Art. 6.° São applicaveis as disposições do artigo 4.° ás sr.ªs D. Joanna da Silva e D. Maria Rosa da Silva, irmãs do alferes Francisco Chrysostomo da Silva, barbaramente assassinado pelo soldado Barnabé Nunes, o qual fazia parte da força do seu commando em serviço na fronteira do reino.

Art. 7.° São considerados relevantes os serviços do fallecido brigadeiro Antonio Feliciano Telles de Castro Apparicio, digno companheiro de armas do nobre marechal duque de Saldanha, para o effeito de poderem as suas legitimas filhas, D. Maria Mauricia Telles de Castro da Silva e D. Maria Emilianna de Castro da Silva Telles, accumular com as pequenas pensões que lhes foram decretadas as mensalidades do monte pio militar a que têem direito.

Art. 8.º Só poderão ser concedidas pensões em virtude d'esta lei e do disposto no artigo 6.° da carta de lei de 8 de junho de 1863.

Art. 9.° Os diplomas da concessão de pensões não são sujeitos ao pagamento de imposto, contribuição ou emolumento de qualquer natureza.

Art. 10.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, 14 de janeiro de 1878. = José Joaquim Namorado.

Foram enviados ás commissões respectivas,

O sr. Alfredo Peixoto: — Mando para a mesa um requerimento pedindo varios esclarecimentos pelo ministerio do reino.

(Leu.)

Peço a v. ex.ª a bondade de dar a este requerimento o destino conveniente.

O sr. Luiz de Campos: — Mando para a mesa varios requerimentos dos officiaes do regimento de infanteria 14, estacionado em Vizeu, terra que tenho a honra de representar no parlamento, e tambem de officiaes do regimento de lanceiros da Rainha.

Tanto uns como outros, baseados no direito que lhes concede a carta constitucional, pedem respeitosamente á camara augmento nos seus diminutos vencimentos.

Não é agora a occasião mais opportuna para justificar esta pretensão, todavia para que não se levante no espirito publico qualquer suspeita pela fórma por que estes requeri-

Página 91

91

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mentos são apresentados, permitta-me v. ex.ª e a camara que eu diga algumas palavras.

Folguei muito que antes de mim, na sessão de hontem, os srs. deputados Alves e Namorado apresentassem requerimentos identicos aos que eu apresento agora; o sr. Mouta, segundo elle mesmo está dizendo, tambem apresentou requerimentos no mesmo sentido, embora isso não conste dos extractos dos jornaes.

É certo que estes requerimentos são formulados todos por norma igual e por collecções de regimentos apresentados aqui, mas declaro que não vejo, não posso ver n'elles uma demonstração de indisciplina por parte do exercito, porque se ha algum bem disciplinado e exemplar em tudo, é, sem duvida, o exercito portuguez. (Apoiados.)

O formulario d'estes requerimentos não podia deixar de ser um e o mesmo, attenta a simplicidade da materia.

Representando centenares de officiaes, é natural que seguissem um só formulario, e comtudo não é uma representação collectiva, porque todos elles requerem individualmente, e não tinham outra maneira de fazer sentir as suas precarias circumstancias senão por este meio. (Apoiados.)

Nenhum governo, e com isto não faço censura a algum, nenhum governo tem até hoje olhado com a devida attenção para este assumpto, e não sei mesmo quando a fazenda publica estará desafogada para se poder cuidar seriamente do funccionalismo, que está em geral pessimamente retribuido. (Apoiados.)

Entretanto, afigura-se-me que de todas as classes de funccionarios, a que mais mal retribuida está, é sem duvida a classe dos officiaes do exercito. (Apoiados.)

Em vista d'esta representação, que é individual, e que parece ser apoiada por todos os lados da camara, porque se não filia em qualquer idéa politica, preciso dizer alguma cousa para mostrar a situação difficil em que se encontra o official do exercito portuguez.

Basta lançar rapidamente os olhos pelo tempo decorrido desde 1865 até 1878.

Em 1865 foram alteradas as tarifas dos officiaes em effectivo serviço, e mandou-se tambem augmentar o subsidio do rancho, acudindo assim ás necessidades do soldado, que mal se alimentava com os 45 réis que a lei auctorisava.

Hoje o alimento absolutamente indispensavel para o sustento do soldado, que em 1865 custava 45 réis, subiu a 70 a 75 réis, quer isto dizer que para alimentar a praça de pret não graduada, pela fórma como o era em 1865, precisa o governo despender mais oitenta ou noventa por cento. (Apoiados.)

Uma voz: — E ainda não é bastante.

Orador: — Diz um camarada meu, que ainda não é bastante. É verdade! Tem s. ex.ª rasão de sobra. Permitta-me entretanto a camara, que eu prove que o official está em muito peiores circumstancias do que o soldado, visto como este ainda não precisou pagar maior renda de casa, porque tem aquartelamento, emquanto que o official paga hoje o duplo e o triplo do arrendamento que pagava em 1865. (Apoiados.)

Sabe v. ex.ª quanto tem por mez um alferes e um tenente do exercito portuguez? Tem vinte e cinco e vinte e oito mil réis!!

Parece incrivel como se faz o milagre de andar um official bem vestido, de se apresentar sempre decentemente com tão exiguos vencimentos, obedecendo sempre, com a tristeza no coração e a miseria em casa, ao toque da corneta e do tambor.

O sr. Palma: — Não comem.

O Orador: — É verdade. Effectivamente não comem; quasi morrem de fome; ha scenas tristissimas por essas casas, dramas horriveis que eu não quero para aqui trazer, sobretudo com os officiaes que são casados. Scenas dolorosas que elles dignamente escondem, levando a heroicidade a mostrarem-se prasenteiros e contentes no serviço de todos os dias!

E então que futuro? Sr. presidente?!

Hoje, em 1878, começam a saír da miseria quasi completa, das grandes estreitezas, para uma posição relativamente desafogada, os que eram soldados em 1846 e 1847, isto é, já lá vão trinta, trinta e um e trinta e dois annos, para alcançarem o posto de major, e, recebem emfim, no ultimo quartel da vida, 54000 réis!!

Este estado é impossivel, e é preciso que os poderes publicos olhem para elle, e se póde haver alguma cousa de estranhavel em que os officiaes venham todos pedir augmento de vencimento, quer me parecer que é mais estranhavel ainda o nosso procedimento e a nossa incúria; e que nós, camara dos deputados, ainda não olhassemos com a devida attenção para estas miserias e tristezas. (Apoiados.)

Não me parece opportuno acrescentar nada mais ao que deixo dito; v. ex.ª terá a bondade de remetter ás commissões respectivas os requerimentos que apresento, e se porventura alguma d'essas commissões quizer de accordo, ou mesmo sem accordo com o governo, formular um projecto que olhe para as precarias circumstancias dos officiaes do exercito, eu, n'essa occasião, desenvolverei mais a minha these, se antes o não houver apresentado eu mesmo.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Camara Leme: — Tinha pedido a palavra exactamente com o mesmo intuito para que a pediu o meu illustre collega e amigo o sr. Luiz de Campos.

S. ex.ª mandou para a mesa varios requerimentos de officiaes do exercito, pedindo augmento de vencimento. Isto não é novo no parlamento. (Apoiados.) Muitas vezes o exercito tem vindo requerer ao parlamento, em virtude do direito de petição que lhe confere, a carta constitucional. É portanto uma cousa regular.

Tambem n'esta occasião não quero fazer largas considerações sobre a justiça dos requerentes; o meu illustre collega já o fez sentir á camara, e eu com mais rasão poderia dizer tambem mais alguma cousa para justificar a justiça da petição dos officiaes do exercito.

S. ex.ª disse que todo o funccionalismo estava mal retribuido, mas que, com relação ao exercito, essa falta se torna mais sensivel ainda.

É verdade, e são os officiaes de infanteria e cavallaria aquelles que têem menos vencimentos, e cujo serviço é mais pesado.

Aguardo não obstante occasião opportuna para tratar largamente do assumpto, e mando para a mesa varios requerimentos de officiaes de caçadores n.º 5 e de caçadores n.º 10, que vem fazer o mesmo pedido que o illustre deputado acaba de apresentar.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa um requerimento da viuva do tenente coronel Julio Augusto Correia Henriques, fallecido na Africa em consequencia das febres. E como estou com a palavra participo a v. ex.ª que não pude comparecer á sessão de hontem por motivo de doença.

O sr. Alves Passos: — Mando para a mesa um requerimento pedindo diversas informações pelo ministerio do reino.

O sr. Pinheiro Osorio: — Mando para a mesa treze requerimentos dos srs. capitães, tenentes e alferes da ala direita do regimento de infanteria n.º 6, estacionado em Penafiel, pedindo melhoria nos seus vencimentos.

Este pedido firma-se na actual carestia das subsistencias e no elevado preço da renda das casas.

Por muitas considerações que agora escuso estar a adduzir entendo que é um motivo justo e que merece a attenção da camara.

Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de mandar estes requerimentos á commissão respectiva.

O sr. Mariano de Carvalho: — Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo, e igualmente requerimentos de quinze srs. officiaes de ca-

Sessão de 15 de janeiro de 1878

Página 92

92

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

vallaria n.º 5, de guarnição em Elvas, que me deram o honroso encargo de os apresentar na camara.

N'esta occasião não farei mais do que associar-me ás nobres e sentidas palavras do meu illustre collega o sr. Luiz de Campos.

S. ex.ª mostrou n'um leve esboço historico a necessidade impreterivel de augmentar os soldos dos officiaes do nosso exercito.

Lembrarei apenas a v. ex.ª e á camara que se comparem os soldos dos officiaes do exercito portuguez com os de igual patente nos exercitos estrangeiros; acharemos que aquelles estão n'uma situação inferior, sem que comtudo o custo da vida seja menor do que nos outros paizes.

Lá fóra não só os soldos são elevados, mas os officiaes ou têem casa no quartel ou recebem um subsidio para renda de casas. Em Portugal não é assim. Um alferes do exercito, fazendo serviço na guarnição de Lisboa, deve ter uma casa alugada pelo preço por que estão, tem o soldo de 25$000 réis, e o mais humilde official de pedreiro ganha hoje em Lisboa 27$000 a 30$000 réis. Pergunto se é possivel que um homem que cinge uma banda, que tem de impor respeito aos soldados e que tem de um momento para outro de arriscar a sua vida em defeza da patria, póde viver em peiores condições do que o official de pedreiro?

Direi mais que se chegou ao estado de prezar mais a vida do cavallo do que a do homem. O cavallo no exercito tem taxado o seu alimento; e quer elle custe muito, quer custe pouca dá-se-lhe sempre o necessario para lhe sustentar a vida e as forças. Ao soldado, não. Ao soldado dá-se-lhe uma quantidade fixa, de maneira, que se os primeiros alimentos forem muito mais caros, o remedio para o pobre soldado é comer menos.

Os governos de Portugal apreciam mais a vida do cavallo do que a do homem, por uma consideração, que será economica, mas que não comprehendo, só se é porque o cavallo lhe custa quarenta libras, e o homem não lhe custa cousa alguma.

Supponho que para a nação portugueza viver independente, a primeira cousa que tem a fazer é olhar para a organisação da fazenda publica, e depois quasi conjuntamente para a organisação do exercito. São estes os dois elementos necessarios para a vida da nação. Podemos administrar melhor ou peior, podemos ter governos cujos actos sejam mais ou menos louvaveis, a administração da justiça póde não ser tão boa como seria para desejar, não por vicios dos magistrados, que são honestos, mas por defeitos das leis; mas para sermos uma nação livre e independente precisamos de ter orçamentos equilibrados e meios para acudir aos melhoramentos materiaes indispensaveis e para ter uma força militar sufficiente para sustentar e defender a patria na occasião de perigo.

Envio para a mesa os requerimentos dos srs. officiaes, bem como aquelle em que peço esclarecimentos ao governo.

O sr. Placido de Abreu: — Mando para a mesa alguns requerimentos de officiaes do exercito, que pedem que a camara vote alguma verba para lhes augmentar os vencimentos.

Justificam este pedido com differentes considerações, as quaes são o augmento do preço das subsistencias, da renda das casas e outras.

A este respeito eu abundo nas considerações que fizeram os illustres deputados que me precederam, os srs. Mariano de Carvalho, Pinheiro Osorio e outros senhores; e peço a v. ex.ª que mande estes requerimentos á commissão respectiva, para os tomar na consideração que tiver por conveniente.

O sr. Ferreira Freire: — Pedi a palavra para declarar a v. ex.ª, que por motivo de doença não compareci ás primeiras sessões d'esta camara.

O sr. Presidente: — Queira mandar a sua participação para a mesa.

O sr. Mello Simas: — Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo, e mando tambem uma nota renovando a iniciativa de um projecto apresentado em 1866.

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto. Entra-se na ordem do dia, que é a eleição das commissões de legislação civil e obras publicas.

O sr. Ministro da Justiça (Mexia Salema): — Pedi a palavra para mandar para a mesa um relatorio.

(Leu.)

É o seguinte:

Senhores. — Prescreve o artigo 4.° da carta de lei de 20 de abril de 1876 que o governo dê successiva conta ás côrtes, em suas sessões legislativas, da execução da mesma lei. É do cumprimento d'esse dever que tenho a honra de desempenhar-me, fazendo a presente exposição.

Comprehende a citada carta de lei a auctorisação necessaria para o governo poder concordar com a Santa Sé Apostólica na annexação, reducção e nova circumscripção das dioceses do reino; e determina que effectuada a reducção d'estas, se proceda á fixação dos quadros capitulares, estabelecendo diversas providencias, assim a respeito das pessoas, como a respeito dos haveres das mitras, cabidos e fabricas das cathedraes, e dos seminarios das dioceses que deixarem de subsistir. Não podendo porém taes providencias executar-se senão depois de realisada a nova circumscripção que se pretende, não ha por ora logar fazer-se menção d'ellas, por se não ter verificado o facto de que a sua applicação depende.

Quanto á sobredita auctorisação concedida ao governo, tambem não póde dar-se conta do modo como foi usada, porque pendem ainda as negociações encetadas pelo gabinete transacto, e mandadas continuar pelo actual. Negocios d'esta natureza são ordinariamente muito morosos, como os factos demonstram, e a experiencia fizera prever, assim ao apresentar-se ás camaras legislativas a proposta, como ao ser esta convertida na lei de cuja execução se trata.

Comprova essa previdencia o § 2.° do artigo 1.° da mesma lei, emquanto, mandando sobreestar no provimento dos beneficios vagos nos quadros capitulares das dioceses até se reduzirem estas e se fixarem aquelles, poz excepção para os beneficios que, precedendo representação dos prelados, se julgasse necessario prover, quer para sustentar com a devida decencia o culto nas cathedraes, quer para occorrer ás exigencias do ensino nos seminarios, quer finalmente para attender ás conveniencias do governo das dioceses.

Só n'esta parte a lei póde ter execução, e portanto só d'essa cumpre dizer em que fórma lhe foi dada.

Pouco tempo depois de publicada a carta de lei de 20 de abril de 1876, representaram os reverendos prelados do Porto, Lamego, Elvas e Funchal a necessidade do provimento de alguns canonicatos, e, descrevendo as circumstancias dos respectivos quadros capitulares, justificavam com a deficiencia do pessoal as condições de que a lei tornara dependente a faculdade de novas apresentações.

Faltam documentos escriptos para explicar a causa pela qual não foram attendidas logo as primeiras d'aquellas representações; mas póde, sem perigo de errar, conjecturar-se, que talvez a esperança de ser menos demorado o termo da negociação começada, sem contestar-se a procedencia das allegações dos prelados diocesanos, levou a sobreestar em qualquer deliberação.

Decorria, porém, o tempo, e não o acompanhava em sua celeridade o andamento d'aquella negociação; ao passo que a successiva diminuição do pessoal nos cabidos, e as necessidades do ensino nos seminarios impelliam os reverendos prelados das dioceses do Porto e de Lamego a renovar as suas instancias, como mais tarde representaram os das dioceses de Lisboa, Evora, Coimbra e Angra, e outra vez o do Funchal.

Reconhecendo que em taes circumstancias não podia, sem

Página 93

93

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

desdouro para a religião, sem prejuizo dos seminarios, e sem quebra do respeito devido á lei, adiar-se por mais tempo o cumprimento d'ella, pareceu ter-se tornado obrigatorio o uso da faculdade concedida na parte final do § 2.° do artigo 1.° da carta de lei de que se trata.

E considerando que das dioceses, por parte das quaes se tinha já pedido a apresentação de alguns capitulares, se recommendavam especialmente as do Porto e Lamego, onde os conegos onerados com a obrigação de ensino nos seminarios haviam chegado ao termo do encargo, foram ordenados os concursos necessarios, e realisada a apresentação de quatro canonicatos em cada uma das respectivas sés cathedraes, tendo todos annexo o onus de ensino por tempo de doze annos.

Para cabal informação pelo que pertence á diocese do Porto, importa declarar que no intuito de se guardarem as devidas considerações entre os membros da corporação capitular, foram dois dos conegos existentes, para os quaes havia cessado o onus de ensino, promovidos, na conformidade do decreto de 2 de janeiro de 1862, ás dignidades de chantre e arcypreste (cujas congruas são todavia iguaes ás dos outros capitulares), a fim de se verificarem as novas apresentações nos beneficios que vagaram em virtude d'aquellas promoções, e não nas dignidades a que os promovidos ascenderam.

Tomando igualmente na merecida attenção, entre as mais recentes representações, as do em.mo cardeal patriarcha de Lisboa e do rev.mo arcebispo de Evora, abriu-se concurso, cujo praso legal corre ainda, para nas corporações capitulares de suas dioceses, onde era mais sensivel a deficiencia de pessoal, pelo decesso de uns e pela impossibilidade de outros, se proverem alguns canonicatos, a saber: seis na sé patriarchal, tendo quatro annexo o onus de ensino no seminario da diocese, e outros seis na metropolitana de Evora, tendo tres d'elles annexo o mesmo onus.

E fazendo a declaração de que apesar d'estes provimentos ficam ainda incompletos os quadros capitulares, com uma só excepção na fórma da nota junta, e de que o cabido de Evora subsiste exclusivamente dos proprios rendimentos, nada mais ha de que por agora me incumba a honra de dar conta quanto á execução da carta de lei de 20 de abril de 1876.

Secretaria d’estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 15 de janeiro de 1878. = José de Sande Magalhães Mexia Salema.

Nota a que se refere o relatorio d'esta data

[Ver diário original]

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 15 de janeiro de 1878. = José de Sande Magalhães Mexia Salema.

Foi enviado á commissão ecclesiastica.

O Orador: — Está por mim assignado, e tem junta uma nota dos canonicatos e dignidades que faltam ainda para preencher segundo os quadros, e que serve para se poder apreciar melhor a providencia que o governo tomou sobre a execução da lei de 20 de abril de 1876.

Aproveito a occasião para dizer á camara, que me dou por habilitado para responder á interpellação que tenciona fazer o sr. deputado Rocha Peixoto ácerca do decreto de 17 de maio ultimo, que nomeou o bacharel Antonio Duarte Marques Barreiros para o logar de juiz de direito da comarca da ilha das Flores; e ácerca da illegalidade da posse que o mesmo bacharel tomou do referido logar.

Igualmente me dou por habilitado para responder á interpellação que o mesmo sr. deputado Rocha Peixoto deseja fazer-me ácerca da portaria de 2 de agosto de 1877, publicada no Diario do governo de 6 do mesmo mez.

E devo advertir á camara que já na mesa deve estar o auto da posse que o bacharel Antonio Duarte Marques Barreiros tomou como juiz de direito da comarca da ilha das Flores; e que está n'esta parte tambem satisfeito um requerimento que o sr. deputado Rocha Peixoto dirigiu á mesa, para que, com urgencia, lhe fosse remettida a copia d'este auto.

Mas declaro tambem á camara que não posso satisfazer a segunda parte d'este mesmo requerimento, onde se pedem os processos criminaes promovidos na comarca de Vianna do Castello contra José Maria Baptista Camacho, escrivão da administração do concelho.

E não posso satisfazer esta parte do requerimento pelas rasões que ha dias aqui expendi, quando se tratou de outro processo; porque entendo que o ministerio da justiça não póde mandar á camara os processos, estejam em que estado estiverem.

Entendo que só podem ser mandados em consequencia de uma lei que se fizesse de proposito para este fim.

Entretanto devo dizer, como já tive occasião de declarar em relação a outro processo, que estou prompto a mandar á camara copias ou certidões das peças d'este processo, isto é, de todas aquellas que não envolvem segredo de justiça.

Creio que tenho satisfeito d'este modo á requisição do illustre deputado o sr. Rocha Peixoto.

ORDEM DO DIA

Eleição de commissões

O sr. Presidente: — Convido os srs. deputados a formularem as suas listas para a eleição simultanea das commissões de obras publicas e administração civil.

Corrido o escrutinio para a eleição da commissão de obras publicas, verificou-se terem entrado na urna 56 listas, sendo 1 branca, saíndo eleitos os srs.:

Placido Antonio da Cunha e Abreu, com... 47 votos

Lourenço Antonio de Carvalho... 49 »

Hermenegildo Gomes da Palma... 48 »

Antonio Maria Barreiros Arrobas... 47 »

Pedro Roberto Dias da Silva... 47

João Ferreira Braga... 48 »

João Maria de Magalhães... 48 »

Antonio José d’Avila... 43 „

Antonio Telles de Vasconcellos Pimentel... 48 »

Ricardo Julio Ferraz... 55 »

Antonio Cardoso Avelino... 49 »

Para a eleição da commissão de administração civil entraram na urna 55 listas, e saíram eleitos os srs.:

Sessão de 15 de janeiro de 1878

Página 94

94

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

José Dias Ferreira, com... 54 votos

Lopo Vaz de Sampaio e Mello... 53 »

João Vasco Ferreira Leão... 53 »

Luiz Frederico Bivar Gomes da Costa... 53 s

Augusto das Neves Carneiro... 53 »

Luiz de Lencastre... 53 »

Jeronymo da Cunha Pimentel... 53 »

Manuel de Assumpção... 53 »

Marçal de Azevedo Pacheco... 53 »

Leu-se na mesa um oficio do ministerio do reino.

Procedeu-se á eleição simultanea das commissões de instrucção publica e de legislação penal.

Feita a chamada verificou-se terem entrado na urna para a commissão de instrucção publica 50 listas, sendo 2 brancas e 1 inutilisada, e saíram eleitos os srs.:

Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos, com... 46 votos

Thomás Ribeiro... 46 »

Julio Marques de Vilhena... 46 »

Manuel Pinheiro Chagas... 46 »

Antonio Augusto de Sousa Lobo... 45 »

Illidio Augusto Pereira do Valle... 45 »

Carlos Testa... 45 »

Antonio Rodrigues Sampaio... 45 »

Manuel Joaquim Alves Passos... 44 »

Diogo Pereira Forjaz de Sampaio Pimentel... 44 »

Antonio José Teixeira... 44 »

Para a commissão de legislação penal entraram na urna 48 listas, sendo 1 branca, e saíram eleitos os srs.:

Visconde de Moreira de Rey, com... 46 votos

Antonio Cardoso Avelino... 45 »

Thomás Ribeiro... 45 »

Francisco Antonio Pinheiro da Fonseca Osorio... 45 »

Manuel Maria Mello Simas... 45 »

Julio Marques de. Vilhena... 45 »

Jacinto Antonio Perdigão... 45 »

Carlos Vieira da Motta... 45 »

João Ribeiro dos Santos... 44 »

O sr. Presidente: — Já não ha numero na sala. A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada. Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e um quarto da tarde.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×