O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

SESSÃO DE 16 DE JANEIRO DE 1885 125

Ha por outro lado e como frisante contraste concelhos ruraes onde a constituição da propriedade apresenta os vicios e defeitos a que nós não temos referido, e que deram como votação aos candidatos republicanos numeros insignicantes!

Assim, no Funchal, onde a questão agraria não póde existir, conta o partido republicano com os seus mais valiosos elementos; sendo já hoje ali incontestavel a maioria, e devendo dentro em pouco converter-se mesmo em absoluta unanimidade.

Nos outros concelhos o partido republicano começa pouco a pouco a tomar as posições até aqui mantidas pelos seus adversarios, irradiando constantemente do seu centro de acção, do seu nucleo de propaganda, - a cidade.

Este argumento capital parece-me dever levar o convencimento aos espiritos mais rebeldes n'esta questão.

E, srs. deputados, se me fosse permittido invocar ainda um argumento de auctoridade propria, a respeito da questão de que se trata, dir-vos-ía que procurei informar-me com todo o cuidado e solicitude, que para mim demais eram uma obrigação, desde que entendi por dever levantar esta questão na camara, e que as minhas informações pessoaes em todos os pontos concordaram com as que a observação serena dos factos me sugeria, a respeito da questão agraria madeirense.

Não direi, na phrase biblica do nosso collega o sr. Firmino Lopes, que passei as aguas para ir á Madeira estudar esta questão; mas é certo que me transportei ao theatro dos acontecimentos, porque só d'esta fórma julguei poder apresentar um quadro verdadeiro dos factos occorridos. Estive, com effeito, n'essa ilha, que em grande parte percorri, mas contudo, sr. presidente, que ninguem lá me fallou, absolutamente ninguem, em quentão agraria! Fallaram-me, sim, no geral descontentamento das populações com relação aos poderes constituidos da nossa terra e das aspirações justissimas que os habitantes da ilha da Madeira desde ha muito desejam ver satisfeitas, e que já integralmente se teriam realisado, se porventura em Portugal houvesse governos que comprehendessem a sua responsabilidade, o seu decoro e o que devem ás legitimas reclamações da nação!

E agora refiro-me especialmente ao meu illustre amigo, o sr. Fuschini, que me interrompeu na sessão anterior.

Sabe v. exa. quaes são os aggravos do povo da Madeira, especialmente das povoações ruraes, onde dizem que não se falla senão na questão agraria? São dois; um d'elles é a questão das levadas ainda não resolvida, e o outro é a questão das substancias constantemente adiada na sua solução definitiva. Mas qualquer d'ellas, no caso sujeito, não deriva directamente da organisação da propriedade territorial.

A questão principal é a das levadas, porque a das substancias é em parte uma consequencia d'aquella.

Todos os que conhecem a Madeira por terem lá estado, ou por se haverem dedicado ao estudo da sua topographia local, sabem que a constituição orographica d'aquella ilha e a sua distribuição hydrographica dão origem a um certo numero de particularidades de irrigação, que difficilmente se encontram no continente do reino, e são uma das causas do mal estar d'aquella aliás laboriosa população.

A Madeira é abundantissima em aguas. É, na realidade, maravilhoso, sr. presidente, ver como se despenham das alturas d'aquellas enormes serras, que não têem par no Portugal europeu, cascatas, fontes e torrentes por toda a parte, mas desaproveitadas na sua quasi totalidade, pelo menos em certas regiões, e sem poderem, portanto, levar a fecundidade e a vida aos terrenos incultos e aridos, que ás vezes mesmo junto de tão grande riqueza demoram!

A Madeira não tem um rio, possuindo, aliás, similhante abundancia de agua; tem apenas ribeiros e regatos, que n'um ponto dado se lançam com grande impetuosidade no Oceano, perdendo-se por falta ao trabalhos de irrigação convenientes esse manancial, que, devidamente aproveitado, levaria a todos os pontos d'aquella terra a prosperidade e a ventura de que ella é tão digna!

Encontram-se, por exemplo, na ilha da Madeira, ao lado de terrenos fertilissimos, porque lhes aproveita a distribuição de um d'aquelles numerosos regatos, terras ressequidas o áridas.

Porque?

Porque, como já dissemos, essas terras não podem aproveitar-se dos beneficios da irrigação, que tantas vezes suppre as deficiencias da natureza.

Como consequencia d'este facto, acontece que a ilha da Madeira, n'uma grande parte, está completamente inculta, e n'outra, está oocupada por culturas, pouco remuneradoras, que não podem obviar á crise agricola por que está passando aquella infeliz população!

Aqui tem a camara o primeiro de todos os aggravos do povo madeirense; é a questão das levadas.

Não houve ainda n'esta terra um governo, quando se deitam tantas centenas e incarno milhares de contos de réis pela fronteira fóra (porque já temos recente exemplo d'isso), que se lembro de applicar algumas migalhas d'essas dissipações para completar o systema de irrigação na ilha da Madeira, e dar d'esta fórma o unico remedio que póde ali ser dado á crise agricola, que está transformando aquella terra tão feraz n'um verdadeiro deserto; pois que a emigração todos os dias augmenta; não a emigração phisiologica, normal, benefica, mas uma emigração pathologica; visto que aquella população ainda não attingiu o limite da densidade especifica em que a saida de braços póde ser um bem e produzir salutares resultados.

E aqui tem tambem o meu illustre amigo, o sr. Fuschini, que tanto estuda e com tão grande inteligencia e illustração trata estas questões, qual o aggravo principal dos povos da ilha da Madeira.

Como consequencia d'este estado de cousas, vem necessariamente a crise agricola, e vem, porque a ilha da Madeira nfío tem. nos seus terrenos cultivaveis actualmente, a faculdade de produzir os cereaes para sustento da sua população, a não ser para, tres mezes do anno, como está officialmente conhecido.

O que pede então a ilha da Madeira?

Aquillo que até hoje não tem tido; um olhar, não digo de piedade nem de compaixão, mas de justiça, porque todos os membros de uma nação têem direito, não á equidade dos governos, que não é esmola, mas dever!

Pedem, repito, as populações madeirenses um olhar de justiça de que se julgam tão credoras; pedem que seja isenta do pagamento do imposto a entrada do milho, que ali é, como pude presenciar na minha estada n'aquellas paragens, o unico e principal alimento das classes menos abastadas.

E tanto assim é que a providencia, que ultimamente ali tem sido melhor acolhida, foi o ter o governo mandado suspender o imposto do milho por tres mezes.

Aqui tem v. exa., sr. presidente, alguns dos aggravos e das aspirações do povo da Madeira, e alguns dos grandes motivos de descontentamento, em virtude dos quaes já não conta nem nas promessas, nem na solicitude, nem na justiça dos poderes públicos de Portugal.

Mas são só estes?

Não decerto. A viação publica, principalmente nos concelhos ruraes, é nulla. Os impostos são oppressivos e vexatorios.

O caciquismo das auctoridades administrativas em geral é insupportavel.

A pressão eleitoral é descarada e exerce-se sem limites noa pobres villões, considerados apenas como materia tributavel.

Que admira, pois, que em taes condições o partido republicano se tenha tão extraordinariamente desenvolvido?