52 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
O sr. Ministro das Obras Publicas (Thomás Ribeiro): - Eu digo ao illustre deputado, e precisava responder já a isso. Ainda hoje de manhã entrou no ministerio das obras publicas a requisição dos documentos que foram ultimamente pedidos nesta camara e eu não tenho pessoal bastante para mandar immediatamente copiar todos esses documentos e mandal-os para a mesa. Respondo pela verdade do que digo; e não era possivel despachar e copiar tão depressa que podesse ser imediatamente satisfeito o pedido do illustre deputado. (Apoiados.)
O Orador: - Sr. presidente, o sr. ministro das obras publicas começou a fallar á camara n'uma voz meliflua e quasi paternal; mas de repente, sem se saber bem porque, transforma o tom da sua oratoria e embravece-se, a ponto de se esquecer, que está fallando sem v. exa. lhe ter concedido a palavra. Nem sequer mo deixou concluir o meu pensamento.
Perguntei eu a v. exa., se alguns dos documentos que tinham sido pedidos pelos deputados, já tinham chegado á camara, por todos os ministerios, e não me referi só á repartição de s. exa., nem tão pouco aos documentos cujo pedido só hontem entrou no ministerio das obras publicas.
Mas, sr. presidente, passarei a analysar a primeira parte da resposta do sr. Thomás Ribeiro, pois ha n'ella um novo principio de direito parlamentar e constitucional que eu não posso deixar correr inundo sem o competente commenta-rio. Era praxe correcta e indiscutivel até hoje o principio da solidariedade ministerial, em virtude do qual um ministro podia e, em certas circumstancias mesmo, devia responder pelos actos dos seus collegas logo que d'elles estivesse informado. Isso, porém, sr. presidente, eram velhas costumeiras de outro tempo, felizmente hoje substituidas pela hermeneutica sentimental do sr. ministro das obras publicas.
Sob o consulado augusto dos novos e innocentes ministros que se sentam n'aquellas cadeiras, este principio está substituido pelo principio da cortezia e da delicadeza! (Apoiados).
Já sabemos agora a rasão por que s. exas., apesar de muito instados, não respondem pelos actos dos seus collegas; não é porque o sr. ministro das obras publicas, por exemplo, não saiba do que se passa no ministerio da fazenda ou no ministerio dos negocios estrangeiros; não, senhores; e porque, por questão de delicadeza, de cortezia, de exemplos de civilidade, não se quer ingerir nos assumptos que dizem respeito ás pastas dos seus collegas, receando que estes possam escandalisar-se! (Riso. - Apoiados.)
Foi isto o que disse ha pouco o sr. ministro das obras publicas e que a camara toda ouviu! ... (Apoiados.)
Peço a v. exa. que registe bem este novo principio de disciplina ministerial, que promette immortalisar o nome do seu auctor! (Riso).
O outro principio, doutoralmente formulado pelo sr. Thomás Ribeiro, é que os srs. ministros não comparecem no parlamento, porque estão no expediente das secretarias... apesar de não termos ainda visto o fructo d'esse expediente! (Riso - Muitos apoiados.)
Verdade seja que n'este ponto o sr. ministro censurou o sr. presidente da camara, declarando que a falta foi devida á mesa, por esta não ter remettido o pedido dos documentos com a devida urgencia, e não é a mim que compete repellir a censura que a camara toda ouviu. (Apoiados.)
A respeito da mágua com que ficou o sr. ministro das obras publicas, por não me poder responder, dir-lhe-hei que agradeço a s. exa. a sensibilidade de que dá prova, mas que, em verdade, desejava mais uma resposta do que máguas, que nada me esclarecem ácerca do que desejo saber.
A rasão que s. exa. deu, de que não podia responder pelo que tinham feito os seus collegas, porque era novo,e não sabia o que se tinha passado no ministerio antes da sua entrada, faz-me lembrar aquella fabula muito conhecida do lobo e do cordeiro (Riso), em que este pobre animalsinho respondeu ás perguntas do seu verdugo com o invariavel: equidem natus non eram; se eu ainda não era nascido!... (Riso).
S. exa. ainda não era nascido, politicamente, entende-se; não tinha ainda apparecido para a vida ministerial, portanto não póde responder pelos crimes ou delicios dos seus antecessores. Tem rasão, sr. ministro das obras publicas. Já assim dizia o pobre cordeiro da fabula. (Riso.)
Mas, manda a verdade que se diga, s. exa. não é só das pastas dos seus collegas que sabe pouco ou nada; tambem com relação á sua não está muito mais adiantado! porque eu, que prestei toda a attenção á resposta que s. exa. deu ao sr. Arouca, sómente pude perceber que s. exa. nada sabia do que este illustre deputado perguntara.
Por exemplo, tratou o sr. Arouca da falsificação dos vinhos, vendidos para o consumo interno, e eu fiquei maravilhado da maneira como o sr. ministro respondeu.
A camara ficou tão esclarecida com as palavras do sr. Thomás Ribeiro, como se s. exa. respondesse a respeito de um assumpto da pasta dos negocios estrangeiros. (Riso e apoiados.) Ficámos sabendo, por exemplo, que se tinham falsificado remessas do vinho para França, e disse-nos s. exa., com modos contrictos e tom resignado, que, se era verdade ter-se tambem falsificado vinho para o consumo interior, o governo procederia.
Ora, veja a camara; o sr. ministro das obras publicas, em sabendo com certeza... o que toda a gente sabe, procederá! Diga-se a verdade, ninguem pode exigir mais.
Também o illustre ministro só me offereceu, para commnunicar aos seus collegas da fazenda e dos negocios estrangeiros as minhas perguntas.
Agradecendo a s. exa. este offerecimento, parece-me no entretanto inutil o seu empenho.
Já ha dias que os srs. ministros da marinha e da justiça se promptificaram da mesma fórma a transmittir ao sr. Hintze Ribeiro as minhas perguntas. Como, porém, até hoje não teve resultado algum similhante diligencia, não desejo que os esforços de s. exa. sejam coroadas de igual exito! Mas deixemos este tom, sr. presidente, a que aliás se prestam infelizmente as palavras proferidas pelo sr. ministro das obras publicas.
É tempo de que a opposição parlamentar, ou antes a camara toda, porque quando se trata de zelar as prerogativas do parlamento eu não distingo opposição nem maioria, é tempo, digo, de que todos nós, com a consciencia das graves responsabilidades, que sobre nós impendem, nos empenhemos para que o nivel moral d'estas côrtes, que podiam ser, se quizessem, a nossa salvação, não baixo mais! (Apoiados.)
A todas as perguntas que hoje temos d'estes bancos, dirigido insistentemente ao governo, respondem os srs. ministros: não sabemos.
Mas então que sabem os senhores? Vamos, digam! O que vieram fazer hoje á camara os srs. ministros da justiça e das obras publicas? Ao menos a esta pergunta poderão s. exas. responder, creio eu, porque para uma pergunta d'esta ordem todos os ministros estão preparados. (Apoiados.)
Que vieram hoje aqui fazer? Vamos digam-no á camara, porque é possivel que então lhes encontremos algum prestimo. (Apoiadas.)
Por ora não sabem para que servem! (Riso, apoiados.)
Se os srs, ministros que estão presentes, não podem responder pelo que fizeram os seus collegas, nem pelo que elles proprios fazem; se não podem satisfazer á anciedade justificadissima da camara, por saber alguma cousa com relação ás graves questões que trazem n'este momento preoccupada a opinião publica, para que estão aqui?
Creio que não será, pelo mero gosto de querer ouvir pa-