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SESSÃO DE 15 DE JANEIRO DE 1886

Presidencia do exmo. sr. Ignacio Francisco Silveira da Mota

Secretarios os exmos. srs.

João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia

SUMMARIO

Dá-se conta do um officio da secretaria da camara dos dignos pares, participando que o exmo. sr. Antonio José d'Avila, que na presente legislatura foi membro da camara dos deputados, tornou assento em sessão de 13 do corrente na camara dos dignes pares, como par eleito. - Tiveram segunda leitura: 1.° Uma nota do sr. Francisco Beirão, renovando a iniciativa do projecto de lei, relativo ás execuções fiscaes, sobre que recaiu o parecer n.° 59 da commissão de fazenda d'esta camara no armo de 1881; 2.° Um projecto de lei do sr. Franco Castello Branco, desannexando o concelho de Guimarães do districto de Braga, para todos os effeitos políticos e administrativos. - Notam alguns srs. deputados que os srs. ministros não apparecem na camara, sendo indispensavel dirigir-lhes perguntas sobre differentes assumptos, chega o sr. Antonio Ennes a requerer que se suspendesse a sessão até o governo estar representado. - Esta proposta, posta á votação, não teve vencimento. - O sr. Carlos Lobo d'Avila annuncia que vae mandar para a mesa uma proposta para que a camara, lamentando a ausencia do governo, resolva suspender a sessão até que elle compareça, mas, entrando na sala o sr. ministro da justiça, retira-a. - Entre o sr. ministro da justiça, o sr. ministro das obras publicas, que tambem pouco depois entrou na sala, e varios srs. deputados, trocam-se explicações, chamando o sr. Frederico Arouca, em especial, a attenção do governo sobre a falsificação dos vinhos, tanto de consumo, como de exportação. - Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - Justificam faltas os srs. Teixeira de Sampaio, Azevedo Castello Branco, visconde de Reguengos, Silva Cardoso, Sanches de Castro, Pedro Guedes, Eduardo Cabral, Pinto de Magalhães, Reis Torgal e Cypriano Jardim.
Na ordem do dia elege-se a commissão de negocios ecclesiasticos, que por proposta, que foi approvada, do sr. Santos Viegas, ficou sendo composta de quinze membros.

Abertura - Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada - 57 srs. deputados.

São os seguintes: - Adriano Cavalheiro, Agostinho Lucio, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Torres Carneiro, Antonio Candido, Garcia Lobo, Antonio Ennes, Moraes Sarmento, Moraes Machado, Santos Viegas, A. Hintze Ribeiro, Pereira Leite, Lobo d'Avila, Conde de Thomár, Conde de Villa Real, E. Coelho, Elvino de Brito, Fernando Geraldes, Wanzeller, Guilherme de Abreu, Matos de Mendia, Silveira da Mota, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, Scarnichia, Souto Rodrigues, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz Ferreira, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Barbosa Centeno, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Vicente Pinheiro, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, Cunha Bellem, Jalles, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Urbano de Castro, Augusto Poppe, Fuschini, Caetano de Carvalho, Cypriano Jardim, Emyguio Navarro, Estevão de Oliveira, Francisco Beirão, Correia Barata, Frederico Arouca, Sant'Anna e Vasconcellos, J. C. Valente, Melicio, Avellar Machado, Elias Garcia, Lobo Lamare, José Maria Borges, Luiz de Lencastre, Reis Torgal, Manuel d'Assumpção, Marcai Pacheco, Pedro Roberto, Tito de Carvalho e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Pereira Côrte Real, Antonio Centeno, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Pereira Borges, Fontes Ganhado, Carrilho, A. M. Pedroso, Sousa Pavão, Seguier, Augusto Barjona de Freitas, Ferreira de Mesquita, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão do Rara alho, Barão de Viamonte, Bernardino Machado, Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Ribeiro Cabral, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Frazão, Franco Castello Branco, João Arrojo, Ribeiro dos Santos, Ferrão de Castello Branco, J. A. Neves, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, Correia de Barros, Borges de Faria, Dias Ferreira, Pereira da Costa, José Luciano, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Pinto do Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Bivar, Luiz Dias, Luiz Jardim, Luiz Osório, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Rodrigo Pequito, Visconde do Alentem, Visconde de Balsemão e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Da camara dos dignos pares do reino, participando que o exmo. sr. Antonio José d'Avila tomou assento em sessão de 13 do corrente como digno par do reino eleito.
Á commissão de verificação de poderes.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A rivalidade tradicional e existente entre os concelhos de Braga e de Guimarães é um facto geralmente sabido por todos ou quasi iodos os membros d'esta camara.
Essarivalida de aggravou-se, chegando ao seu maior grau de intensidade, com os acontecimentos occorridos na cidade de Braga, no dia 28 de novembro ultimo, que não é preciso relatar, por sobejamente conhecidos e geralmente lamentados.
Urge, pois, a adopção do uma mediar, que, pondo fim ao mal estar reciproco dos dois concelhos rivaes, favoreça a indispensavel harmonia entre os mesmos concelhos e os seus respectivos districtos.
A desannexação do concelho de Guimarães do districto administrativo de Braga, para de futuro ficar pertencendo ao do Porto, parece-me ser a unica aconselhada como satisfazendo plenamente áquelle intuito.
É por um conjuncto de circumstancias bem apreciado e conhecido era todo o norte do paiz, se com o decorrer do tempo hão crescido sensivelmente as incompatibilidades do concelho de Guimarães com a capitai do seu districto, para uma vida administrativa em commum, pelo contrario as suas relações com o districto, e muito especialmente com a

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cidade do Porto, têem augmentado dia a dia em intensidade e mutua sympathia.
Ao passo que as antigas mas nunca esquecidas questões da directriz do caminho de ferro do Minho, do prolongamento do caminho de ferro da Povoa, cavavam fundo na estima reciproca das duas cidades minhôtas, por um antagonismo de interesses sempre crescente, a abertura do caminho de ferro de Bougado, pondo em communicação directa e rapida Guimarães com o Porto, e o desenvolvimento das relações commerciaes entre as duas cidades, de certo as mais industriaes de todo o norte, fizeram brotar espontaneamente, e de ha muito, o desejo de apertar cada vez mais os estreitos laços que já as prendiam.
Por isso nos comicios que em Guimarães se realisaram, logo depois do dia 28 de novembro, o pedido da annexação ao districto do Porto expluiu, não como um desforço sentimental e apaixonado, mas como a affirmação de um facto ha muito latente no espirito publico.
Ha mais de um anno que a Revista de Guimarães, publicação da benemerita e illustre sociedade Martins Sarmento se fez echo do desgosto geral, e n'um artigo de critica ácerca da economia districtal em relação ao concelho de Guimarães terminava com esta acerba ironia: Por este preço pagâmos nós a honra de pertencer ao districto de Braga.
Existirão, porém, alguns factos de ordem material ou de interesse geral que se opponham á fervorosa pretensão que este projecto de lei procura satisfazer? Absolutamente nenhum.
O concelho de Guimarães é limitrophe numa grande extensão do Porto, pelos concelhos de Santo Thyrso, Louzada e Felgueiras.
Tem hoje ligação directa e fácil por quatro comboios diarios com a cidade do Porto.
É pela barra do Porto que entram e saem as materias primas e os productos da sua industria.
E com o Porto que se prende quasi inteiramente o viver economico de terra tão largamente trabalhadora.
Portanto, nenhum obstaculo material e tantas rasões de ordem superior demonstram a sensatez do pedido.
Por outro lado a existencia do districto de Braga como circumscripção administrativa não periga de fórma alguma com a desannexação de Guimarães.
Braga é hoje o quarto districto do reino, quanto a população e riqueza.
Com a approvação d'este projecto de lei descerá apenas um grau, ficando ainda o quinto com relação aos mesmos pontos, e portanto em condições de vida bem mais desafrontada e prospera do que os dezeseis restantes districtos do reino.
Senhores! A approvação deste projecto de lei será finalmente mais uma consagração dos princípios liberaes.
Uma representação contendo mais de quatro mil assignaturas, quasi tudo o que de população masculina e maior no concelho saberá ler e escrever, acaba de ser entregue ao poder executivo.
Representações de todas as corporações administrativas, e das diversas associações do concelho virão em breve ao parlamento.
E ninguem ousará pôr em duvida que as manifestações da vontade dos cidadãos, quando livres e espontâneas, conformes aos principies, e sem offensa dos interesses geraes da nação, constituem o melhor critério para avaliar dos seus direitos e decidir dos seus interesses.
Em face, pois, de uma tão eloquente unanimidade de sentir e querer, o espirito liberal d'esta camara, a mais genuína representação da vontade popular, ha de por certo acolher benevolamente e conceder a sua approvação ao seguinte projecto de lei, que tenho a honra de submetter á sua sabedoria:

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° O concelho de Guimarães é desannexado do districto administrativo de Braga, e fica pertencendo ao do Porto para todos os effeitos administrativos e políticos.
§ unico. As juntas geraes dos districtos do Porto e de Braga serão convocadas extraordinariamente logo que este projecto seja lei do paiz, a fim de procederem a uma nova distribuição dos procuradores às juntas pelos respectivos concelhos, tendo em attenção a remodelação operada por este artigo 1.°
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos deputados, 13 de janeiro de 1886. = O deputado pelo circulo de Guimarães, João Ferreira Franco Pinto de Castello Branco.
Leu-se, na mesa e foi admittido e enviado á commissão de administração.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei relativo às execuções fiscaes, sobre que recaiu o parecer n.° 59 da commissão de fazenda d'esta camara, do anno de 1881. = O deputado, Francisco Beirão.
Leu-se na mesa, foi admittida e enviada á commissão de fazenda.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, se me dê copia da participação em que um empregado da alfandega do Porto denuncia fraudes commettidas na alfandega de Lisboa. = Reis Torgal.
Mandou-se expedir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª O sr. deputado Joaquim Teixeira Sampaio encarrega-me de participar a v. exa. e á exma. camara, que, por doença, tem faltado e continuará a faltar a algumas sessões. - Moraes Machado.

2.ª Participo que, por motivo de doença, não pude comparecer a algumas sessões. = Azevedo Castello Branco.

3.ª Declaro que faltei a algumas sessões por falta de saude. = Almeida Pinheiro.

4.ª Declaro a v. exa. e á camara que, por motivo justificado não tenho podido comparecer ás sessões anteriores. = Visconde de Reguengos,

5.º Participo a v. exa. e á camara que o meu collega e amigo o sr. Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso não tem comparecido as ultimas sessões e será forçado a faltar ainda a algumas d'este mez por motivo justificado. = José Lamare.

6.ª Communico a v. exa. e acamara que o sr. deputado Sanches de Castro não póde comparecer á sessão de hoje por urgente motivo de serviço. = Avellar Machado.

7.ª Communico a v. exa. e á camara que os illustres deputados os srs. Pedro Guedes e Eduardo Cabral têem faltado e faltarão ainda a algumas sessões por motivo de doença. = Avellar Machado.

8.ª Participo que, por motivo de serviço publico, não tenho podido comparecer a algumas das ultimas sessões e porventura pela mesma causa terei ainda de faltar a algumas. = Pinto de Magalhães.

9.ª Faltei ás ultimas sessões por motivo justificado. = Reis Torgal.

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10.ª Declaro que tenho faltado a algumas sessões por motivo superior e perfeitamente justificado. = Cypriano Jardim.
Para a acta

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre se permitte que seja admittida á discussão a proposta que se vae ler.
Leu-se a proposta.
Vozes: - Não ha numero.
O sr. Presidente: - O regimento interno da camara declara que se póde abrir a sessão logo que esteja presente a quarta parte dos seus membros. Hoje estão presentes mais de 43 srs. deputados e por isso eu entendi que podia abrir a sessão.
Determina ainda o regimento que quando esteja presente a quarta parte dos srs. deputados que compõem a camara, ella não possa tomar alguma deliberação, a não ser ácerca da approvação da acta, ou ácerca da admissão á discussão de algumas propostas ou projectos de lei.
Foi o que se fez; approvou-se a acta e propoz-se a admissão á discussão da proposta do sr. deputado Beirão, cuja leitura se acaba de fazer.
Consulto, pois, os srs. deputados sobre se admittem á discussão esta proposta.
Foi admittida.
O sr. Antonio Ennes (para um requerimento): - Como não está presente nenhum dos membros do governo, apesar das reiteradas reclamações da opposição, requeiro que seja levantada a sessão até que alguns dos srs. ministros compareça. (Apoiados.)
Posto á votação este requerimento, não alcançou o numero de votos conformes para ter vencimento.
O sr. Laranjo: - Desejo saber quantos deputados estão na sala para ver se estamos procedendo com legalidade.
O sr. Elvino de Brito (para um requerimento): - Desejo que v. exa. me diga quantos foram os srs. deputados que rejeitaram.
O sr. Presidente: - É certo que o numero de srs. deputados que approvaram o requerimento do sr. Antonio Ennes foi inferior ao numero d'aquelles que votaram contra; (Muitos apoiados) lembro aos srs. deputados que do logar em que estou não me é licito discutir, no emtanto s. exas. têem sempre o direito de reclamar.
O sr. Albino Montenegro: - Peço perdão a v. exa. mas o numero do 43 deputados com que a camara póde funccionar não é senão, para dois fins, e parece-me que este requerimento não está nesses casos, nem sujeito às alterações que o regimento soffreu em 1884.
O sr. Presidente: - Eu já disse a s. exas. que do logar em que estou não me é licito discutir; no entanto, continuo a asseverar que tenho a consciencia de que procedi em conformidade com a lei e com o regimento d'esta camara.
Vae verificar se o numero de srs. deputados que se acham na sala.
(Pausa.)
Estão na sala 44 srs. deputados, e já estiveram mais.
Vozes: - Não ha numero.
O sr. Presidente: - Continuo a asseverar que ha numero sufnciente para se poder discutir...
Vozes: - Mas não para se tomar deliberação alguma.
O sr. Presidente: - E ainda para tomar uma deliberação, a qual não tem vencimento logo que não ha 43 votos conformes, e na hypothese de que não houvesse 43 votos conformes, não tenho duvida em declarar que o requerimento do sr. Antonio Ennes, não foi rejeitado mas não obteve vencimento. (Muitos apoiados.)
O sr. Laranjo: - Desejava pedir algumas explicações ao sr. ministro da fazenda, mas não vejo s. exa. presente, apesar do que ha dias disse á camara o sr. ministro da marinha. (Apoiados.)
Sr. presidente, não somos nós os que devemos ir ao telephone chamar nenhum dos srs. ministros; é preciso que a mesa exiga que elles compareçam, desde o momento em que uma multidão de deputados da opposição pedem a sua presença, para que lhes dêem explicações sobre diversos factos que dizem respeito aos differentes ministerios.
É justo que as palavras do sr, ministro da marinha se cumpram.
Eu desejo pedir explicações, com respeito á caixa económica e a sociedades cooperativas, ao sr. ministro dá fazenda, e s. exa. não apparece. Todavia o sr. Pinheiro Chagas, quando vem á camara, continua a dizer que, sendo preciso, se mandem convidar os srs. ministros, e elles logo comparecerão na camara.
O sr. Eduardo Coelho: - Pedi a palavra para perguntar a v. exa. a que horas deve abrir-se a sessão parlamentar, e quaes são as providencias que v. exa. tem em, vista realisar para que as deliberações de v. exa. e as disposições do regimento se cumpram. (Apoiados.) O que é certo é que as sessões parlamentares se abrem ás tres horas, pouco mais ou menos, e que por conseguinte a palavra de v. exa. e o regimento são letra morta nesta casa. E o que é verdade também, é que antes de chegada a hora marcada no regimento, a sessão se fecha por falta de numero.
V. exa. é, como creio, presidente da camara, e não presidente de um partido, e parece-me, salvo o devido respeito, que está assumindo grande responsabilidade, porque, ou a maioria não acata a auctoridade de v. exa., ou v. exa. é cumplice com ella para continuar este estado de cousas, que é anarchico e pouco decoroso.
A ausencia do governo systematicamente não me admira; parece que o governo, que não tem sabido viver, não ha de saber morrer. (Apoiados.)
Parecendo-me que ha numero sufficiente de srs. deputados na sala, eu peço licença ao meu illustre amigo o sr. Ennes, para renovar o seu requerimento, a fim de se suspender a sessão até estar presente algum membro do governo.
O sr. Presidente: - A hora marcada para a sessão se abrir é ás duas horas. Quando passar uma hora depois da hora marcada e não houver numero sufficiente para poder abrir se a sessão, não hei de abril-a; mas o proprio regimento determina que, quando estiver presente a quarta parte do numero dos srs. deputados, embora passe da hora marcada, se abra a sessão, observando-se nas votações o que determina o artigo 162.°
Já vê v. exa. que eu não exorbitei das minhas attribuições (Apoiados), porque tenho cumprido pontual e fidelissimamente o que manda a lei. (Apoiados.)
É certo que não é da responsabilidade da presidência chegar-se a uma hora adiantada da sessão e não haver numero; é um facto que todos nós podemos apreciar, e cada um conforme entenda.
Peço desculpa Tao sr. Eduardo Coelho, mas tenho escrupulo em pôr á votação um requerimento que foi até certo ponto fundamentado; e parece-me que na camara não está numero sufficiente de srs. deputados para poder haver a votação que a lei exige.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Peço a v. exa. que me reservo a palavra para quando estiver presente qualquer dos srs. ministros.
Abstenho-me de juntar mais algumas considerações ás que foram apresentadas pelos nossos collegas, os srs. Antonio Ennes e Eduardo José Coelho, porque me parece, que não é decoroso que a representação parlamentar esteja a prestar-se a esta verdadeira comedia. (Apoiados.)
Sr. presidente, se os srs. ministros entendem que não têem que dar satisfações ao parlamento, não é rasão para

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que tratem com menos consideração e com menos cortezia a assembléa de onde devem dimanar todos os poderes da nação. (Apoiados.)
Hontem disse-se aqui, que os srs. ministros não compareciam á sessão, porque havia assignatura regia; pergunto a v. exa. se tambem a assignatura regia impossibilita hoje os srs. ministros de aqui comparecerem...
O sr. presidente: - Os srs. ministros não compareceram na quarta feira por terem assignatura regia; mas ha um systerna antigo, de os ministros não comparecerem antes da ordem do dia.
O Orador: - Os srs. ministros podem deixar de comparecer antes da ordem do dia, quando se sabe que a sua presença não é aqui reclamada; mas quando a opposição inteira parlamentar está ha mais de uma semana reclamando instantemente a presença dos membros do governo é uma falta de cortezia não virem elles declarar ao menos que nada podem responder.
Peço portanto a v. exa., que me reserve a palavra para quando estiver presente qualquer dos srs. ministros. Abstenho-me, conforme disse, de entrar em mais largas considerações sobre este procedimento, porque o vocabulario da linguagem parlamentar está no meu entender completamente esgotado para censurar o ministerio.
O sr. Moraes Machado: - Mando para o mesa a seguinte declaração.
(Leu.)
O sr. Azevedo Castello Branco: - Por motivo de doença, não pude comparecer ás sessões da camara. Desejo que fique consignada esta declaração, por não poder estar cá na sessão, em que o sr. ministro da justiça honrou com uma explicação a pergunta que havia feito. Deixo aqui consignados os meus agradecimentos.
O sr. Elvino de Brito: - Observou que ainda se não levantara um só deputado que não fosse para interpellar o governo, como o regimento lhe faculta. Perguntava, portanto, a rasão por que não se obedecia ao regimento.
Esta ausencia dos srs. ministros era um habito inveterado. Já lhe não parecia uma desconsideração para com os representantes da nação; parecia-lhe uma covardia.
(Houve algum sussurro na sala.)
O sr. Presidente: - Exigiu que o sr. Elvino de Brito retirasse a palavra covardia.
O sr. Elvino de Brito: - Disse que se referira só á covardia politica.
O sr. Presidente: - Disse que o sr. deputado, explicando assim o seu pensamento, mostrava a sinceridade com que attende ao cumprimento dos seus deveres. Mas desejava que s. exa. substituísse a palavra que proferira por outra mais parlamentar.
O sr. Elvino de Brito: - Declarou que não tinha duvida em substituir a palavra por - fraqueza, falta de coragem, ou outra que se julgasse mais propria, porque não quizera desconsiderar pessoalmente os srs. ministros, nem a camara a que pertence.
Como não estava presente o sr. ministro da fazenda, cuja attenção desejava chamar para um projecto de lei que tinha redigido, limitava-se a mandar esse projecto para a mesa, pedindo a urgencia d'elle.
O projecto tem por fim garantir aos chefes dos guardas, patrões e remadores, nomeados antes do dia 17 de setembro de 1885, excepto aquelles que voluntariamente se tenham já alistado, na conformidade com o disposto no decreto n.° 4 d'aquella data, os direitos adquiridos por virtude das suas nomeações, ficando addidos aos corpos da guarda fiscal a que o mesmo decreto se refere.
O sr. Presidente: - Como já se acha na camara o numero de 59 srs. deputados, numero sufficiente para poder tornar-se qualquer resolução, vou consultar a camara sobre se admitte a urgência do projecto do sr. deputado Elvino de Brito.
(Pausa.)
Estão levantados apenas 18 srs. deputados, e por tanto é evidente que a urgencia da admissão do projecto foi rejeitada.
O sr. Carlos Lobo d'Aviia: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta, cuja urgencia requeiro, e é concebida nos seguintes termos:

«A camara, lastimando a ausencia do governo, resolve suspender os seus trabalhos até que o governo compareça na camara. = Carlos Lobo d'Avila.»

Não creio necessario fundamentar esta proposta. (Apoiados.)
Julgo que ella traduz o pensamento da camara, porque o silencio com que os illustres deputados da maioria têem ouvido os vehementes protestos d'este lado da camara significa evidentemente que os reputam justificados. (Apoiados.)
Vozes: - Não, não!
O Orador: - Eu persisto em suppor que a maioria não póde estar satisfeita com este abandono a que o ministério, que ella apoia, votou a camara dos senhores deputados, que ha do forçosamente ter pena de que o governo, que ella representa nesta camara, a colloque em uma tal situação. (Apoiados.)
A maioria de certo teria muito mais prazer em ouvir d'aquellas cadeiras (as do ministerio) as respostas fulminantes com que o governo responderia ás accusações da opposição, (Riso.) de que assistir a esta scena pouco edificante de se responder com a ausencia e com o silencio ás mais pungentes censuras.
Para mim, confesso, se fosse deputado da maioria, seria isto uma grande desconsolação. (Riso. - Apoiados.)
O sr. ministro da marinha, na penúltima sessão, disse que o governo viria aqui sempre, e que na propria sessão em que qualquer deputado quizesse interpellar um ministerio, elle compareceria na camara.
Pois, apesar d'esta declaração, quantas vezes se tem dito por parte da opposição que ha urgente necessidade em interpellar o sr. ministro da fazenda ácerca da questão dos guardas fiscaes?! (Apoiados.)
Eu era um d'esses deputados, que desejavam interpellar o sr. ministro da fazenda, mas não tenho querido ser insistente e teimoso; porém a ausencia de s. exa. é que se vae tornando demasiado pertinaz.
No anno passado, em circumstancias analogas, tive a honra de apresentar uma proposta identica á que acabo do ler á camara, e o digno antecessor de v. exa. entendeu que a minha proposta era tão rasoavel, que suspendeu a sessão, sem consultar a camara.
(Entra na sala o sr. ministro da justiça.)
A entrada do sr. ministro da justiça prejudica a minha proposta, mas devo repetir as palavras que ha pouco proferi.
Dizia eu, que o governo collocava a maioria na situação de ter de ouvir as accusações feitas pelos membros da opposição, sendo a resposta apenas o silencio, e lamentava que o sr. ministro da fazenda não comparecesse, quando todos os dias era solicitada a sua presença para responder a varias perguntas sobro a grave questão da organisação da guarda fiscal.
É claro que o sr. ministro da justiça não póde dar explicações a este respeito, mas póde dar a rasão por que o sr. ministro da fazenda tão insistentemente se recusa a comparecer na camara, quando tantas vezes os deputados da opposição têem manifestado desejo de ouvir as explicações de s. exa.
Eu não considero a presença de um ministro da corôa n'esta casa como um acto de cortezia ou de favor, considero-a como o cumprimento de um dever. E por isso julgo que podemos censurar aquelles que o não cumprem. (Apoiados.)

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O sr. Presidente: - Em vista da presença do sr. ministro da justiça o sr. deputado retira a sua proposta?
O sr. CarlOS Lobo dÁvila: - Sim, senhor.
Foi retirada.
O sr. Antonio Ennes: - Eu tinha pedido a palavra para rogar a v. exa. que se dignasse verificar se havia numero na sala para se votar o requerimento que fiz para se interromper a sessão até comparecer algum membro do governo. A presença, porém, do sr. ministro da justiça tornou inútil esse requerimento e eu peço licença para o retirar.
Aproveito entretanto estar com a palavra para communicar ao sr. ministro da justiça que preciso dirigir algumas perguntas ao governo; como os negocios a que ellas se referem são estranhos á repartição de s. exa., que por isso talvez não esteja habilitado a responder-me, peço-lhe que se digne informar o seu collega dos estrangeiros, de que desejo informar-me das providencias que o governo tem tomado relativamente ao roubo praticado no consulado portuguez no Rio de Janeiro, e o sr. ministro da marinha, de que desejo perguntar-lhe se o governo tenciona submetter á approvação do parlamento o tratado celebrado com o rei de Dahomey. É possível, porém, que o sr. ministro da justiça possa responder desde já a esta ultima interrogação, por isso que é relativa a um assumpto que deve ter sido tratado em conselho do ministros.
O sr. Lamare: - Mando para a mesa uma justificação de faltas.
O sr. Elvino de Brito: - Desejo dirigir ao sr. ministro da justiça a seguinte pergunta:
No tratado celebrado coni o rei de Dahomoy inclue-se ou não a povoação de Cotonum?
Aguardo a resposta do nobre ministro, e peço a v. exa. que me reserve a palavra.
O sr. Almeida Pinheiro: - Mando para a mesa uma justificação de faltas.
O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa uma declaração.
O sr. Ministro da Justiça (Manuel d'Assumpção): - Os illustres deputados, que se queixam da ausencia de alguns membros do governo, sabem perfeitamente que o governo não tem por missão o comparecer n'esta casa do parlamento. (Apoiados.) Ha muitos outros ramos de serviço publico a cujos negocios urgentes os ministros precisam attender. (Apoiados.)
O que posso affirmar a v. exa. e á camara é que nenhum dos meus collegas deixa de comparecer aqui senão por motivo urgentissimo de serviço publico. (Apoiados.)
Posso tambem assegurar que os meus collegas estão sempre promptos a vir responder a quaesquer perguntas feitas pelos illustres deputados.
Agora o que não me parece é que, ou pelo regimento ou por qualquer outra disposição, os ministros estejam obrigados a responder de prompto a qualquer pergunta. (Apoiados.) É absolutamente impossivel; não ha cabeça humana que possa satisfazer a isso. Não se póde exigir de um ministro que responda de prompto a qualquer pergunta relativa a negócios que não dizem respeito ao ministerio a seu cargo.
Com referencia á minha pasta, só de improviso me fizerem perguntas a respeito de alguns dos negócios que por ella correm, eu não poderei responder immediatamente sem ter consultado primeiro os documentos que estiverem no meu ministerio.
Transmittirei aos meus collegas dos negocios estrangeiros e da marinha as perguntas do illustre deputado e posso assegurar que algum dos meus collegas ainda n'esta sessão comparecerá...
(Entrou o sr. ministro das obras publicas.)
Vejo presente o meu collega e creio que mais algum virá para responder ás perguntas que lhes têem sido dirigidas.
(Interrupção ao sr. Elvino de Brito.)
Eu tenho muita consideração para com s. exa., mas não ha disposição alguma regimental que me obrigue a responder-lhe já.
S. exa. póde mandar para a mesa uma nota de interpellação.
Uma voz: - Essa é a verdadeira doutrina.
O Orador: - Eu poderia talvez responder. Mas da conveniencia de responder ou não desde já, só eu sou o juiz. (Apoiados.)
Annuncie v. exa. a sua interpellação e o governo virá responder a ella. (Apoiados.)
O sr. Consiglieri Pedroso: - Desejava tambem, como v. exa. sabe, dirigir algumas perguntas ao governo, e visto estarem presentes dois dos srs. ministros vou formulal-as.
Permitta, porém, v. exa. que antes de tudo, respondendo ao sr. ministro da justiça, lhe recorde que não é attribuição particular ou exclusiva do sr. ministro dos negocios estrangeiros o conhecimento da tratados feitos com as potencias estrangeiras.
O sr. ministro da justiça, como interprete mais genuíno da legislação em vigor, devia ter um pouco mais presente o artigo 110.° da carta constitucional. (Apoiados). E eu chamo a attenção de s. exa. para esse artigo, que diz o seguinte.
(Leu).
Já vê portanto s. exa., que eu e o meu collega o sr. Elvino do Brito nos referimos a um assumpto que deve ter ido ao conselho d'estado, sobre o qual elle deve ter sido ouvido, devendo o sr. ministro da justiça, como membro do gabinete, ter perfeito conhecimento d'elle.
Tenho de perguntar também, não já ao sr. ministro da justiça, porque s. exa. acabou de declarar á camara que não estava informado ácerca de nenhum dos assumptos que correm pelas pastas dos seus collegas, mas ao sr. ministro das obras publicas, que folgo do pela primeira vez ver presente n'esta casa, depois que está aberta a actual sessão legislativa; pergunto, digo, ao sr. ministro das obras publicas, porventura mais bem informado do que o seu collega da justiça, se me pode responder a alguma das perguntas que vou fazer.
Está o sr. ministro das obras publicas ao facto, ou póde informar-me com relação ás negociações entaboladas entre Portugal e a Allemanha, a proposito da delimitação das nossas colonias africo-occidentaes nos seus limites sul?
Peço mais a s. exa. que me informe se pelo ministerio da fazenda já se ordenou o pagamento dos vencimentos aos guardas da fiscalisação externa das alfandegas dos districtos do Porto e de Coimbra, que ha tres mezes nada recebem.
Parece-me que nenhum membro do governo deve ignorar o estado desta questão, para dar ao parlamento uma resposta categorica. (Apoiados.)
O sr. Ministro das Obras Publicas (Thomás Ribeiro): - Vou responder immediatamente ao illustre deputado que me fez o favor de me interpellar directamente.
Eu posso asseverar que os meus collegas, a quem s. exa. se referiu, em muito breve espaço, hão de vir dar conta de si á camara dos senhores deputados, e responder ás perguntas que lhe têem sido dirigidas.
Creio que nenhum sr. deputado quererá que eu me julgue habilitado para responder a todos os pontos e em todos os negocios que não correm pelo meu ministerio. E mesmo nos que são do meu ministerio, entendo que não se me podem exigir de repente explicações sobre mil variados negócios que correm pela minha pasta.
Póde haver um negocio urgente ácerca do qual seja preciso desde logo pedir explicações, mas quando se não dá este caso, não me parece que se possa accusar o governo por não poder responder desde logo.

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A mim o que me fica é a mágua de não poder responder logo aos srs. deputados.
Mas eu vou hoje mesmo fazer saber aos meus collegas dos negocios estrangeiros, da guerra e da fazenda, que os illustres deputados desejam interpellal-os sobre differentes assumptos, alguns dos quaes não sei ainda quaes são, mas, por exemplo, sobre o tratado de Dahomey, sobre pagamento de vencimentos ou dividas atrazadas a funccionarios do estado que são pagos pelo ministerio da fazenda, e, quanto ao sr. ministro da guerra, se o illustre deputado tiver a bondade de annunciar quaes são os objectos sobre que hei de prevenir o meu collega, de boa vontade o farei.
Concluindo, direi, que me parece que ninguem me póde levar a mal que eu não esteja habilitado para responder sobre assumptos que não correm pela minha repartição.
O sr. Frederico Arouca: - Pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para um assumpto que julgo muito importante.
Tendo lido n'um jornal da capital a noticia de que se descobrira que em Lisboa se estava vendendo vinho adulterado com substancias nocivas á saude publica, desejava saber se o sr. ministro das obras publicas tencionava tomar providencias a este respeito.
Afigura-se-me que se podiam evitar muitos inconvenientes, alcançando amostras dos vinhos que se expõem á venda nos estabelecimentos e sujeitando-as a uma analyse nos laboratorios.
Em segundo logar desejava que s. exa., no espaço mais breve que fosse possível, informasse a camara do estado em que se acham as relações do governo com a companhia do canal da Azambuja.
O governo intentou contra a companhia uma acção de rescisão de contrato, e a companhia, contestando essa acção, deduziu a sua reconvenção, por entender que o governo pelo seu lado não cumprira aquillo a que era obrigado.
Quando era ministro das obras publicas o sr. Antonio Augusto de Aguiar, disse-me s. exa. que tencionava apresentar ao parlamento uma proposta para harmonisar os interesses da companhia com os do estado, mas creio que nada se chegou a fazer.
Desejava, finalmente, prevenir s. exa. de que em tempo requeri, pelo ministerio das obras publicas, alguns documentos relativos aos trabalhos da commissão promotora de exportação de vinhos, que funcciona no norte do paiz.
Entendo que era de muita conveniencia a remessa d'esses esclarecimentos para a camara, e pedia ao sr. ministro das obras publicas, logo que elles fossem enviados, que se dignasse marcar dia para conversarmos sobre este assumpto, a respeito do qual desejo ouvir a opinião do governo e dirigir-lhe algumas perguntas, a fim de se poder formar um conhecimento exacto da opinião do governo sobre um assumpto que traz sobresaltados os viticultores dos concelhos do sul.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Thomás Ribeiro): - Ouvi, com toda a attenção que merece o illustre deputado, todas as perguntas que me dirigiu.
Quanto á falsificação dos vinhos, referia-se s. exa. a uma noticia, e uma noticia desagradavel, de que elles foram falsificados daqui para um mercado estrangeiro. Creio que se verificou numa pequena porção; mas em todo o caso s. exa. sabe quanto isso nos póde prejudicar, agora que é muito lisonjeiro o estado do commercio dos nossos vinhos.
Sentirei muito que essas falsificações se dêem tambem no consumo do paiz. E creia s. exa. que estou na intenção de levar o mais longe que poder as minhas averiguações, e até mesmo á punição dos falsificadores.
Agradeço a communicação feita pelo illustre deputado e vou immediatamente saber como se têem dado esses casos a que s. exa. se referiu.
Quanto á questão do canal de Azambuja, não posso n'este momento dizer ao illustre deputado o que ha; mas prometto dentro em pouco saber o que s. exa. deseja, e poderemos então travar uma conversação amigavel, porque me parece estar perfeitamente conhecedor do assumpto.
Feita essa promessa, não deixarei de dizer duas palavras a respeito dos documentos pedidos por s. exa.
Esses documentos estão no ministerio das obras publicas e eu já os mandei copiar com urgencia, para serem enviados á camara dos senhores deputados.
Como s. exa. sabe, foram publicadas duas portarias por um antecessor meu, relativas a essa questão de vinhos.
Uma dessas portarias creava tres circumscripções. Uma d'ellas com séde em Lisboa, outra no Porto e outra na Figueira. Depois disso publicou-se outra portaria, tambem do meu antecessor, creando duas commissões, uma em Lisboa e outra no Porto, de que era presidente o sr. conde de Samodães.
Esta commissão do Porto fez um regulamento, que mandou para o governo, e, quando eu entrei para o ministerio, encontrei já esse regulamento formulado.
Tinha eu todo o desejo de me conformar com as disposições desse regulamento, pela consideração que me mereciam as pessoas que o firmavam; mas achei para isso uma certa difficuldade.
Tenho mesmo até hoje tido correspondência com o sr. conde de Samodães, e com as pessoas que com elle collaboraram, para ver se chegávamos a um resultado, mas a esse resultado é que ainda não chegámos.
Entretanto, o que a este respeito eu tiver no ministerio das obras publicas mandal-o-hei para a camara.
Não sei se o illustre deputado tem conhecimento da ultima representação do commercio do Porto, porque ha ali uma certa divergência, que tem dado logar a representações de um e outro lado.
Não me foi possivel, por isso, formular ainda o meu juízo a este respeito; o que fiz foi combinar com o sr. conde de Samodães, que, logo que s. exa. podesse, viesse a Lisboa para conferenciarmos sobre o que havia a fazer.
O que me parece é que não póde deixar de haver uniformidade entre a commissão do norte e a commissão do sul.
Fazer cada uma d'ellas o seu regulamento em bases diversas não me parece rasoavel.
Não me parece que o governo fique bem collocado no meio da divergencia que por ora se manifesta. Por isso o governo tem procurado combinar com a commissão do norte e com a commissão do sul, a fim de ver se póde chegar a um accordo, sem escandalisar e sem ferir o commercio legal.
O que posso dizer, o que posso prometter, é que dentro em pouco mandarei para a camara o que houver a este respeito.
O sr. Antonio Ennes: - Tenho pena de destoar da conversação amena em que têem estado o sr. Arouca e o sr. ministro das obras publicas; entretanto não posso deixar de estranhar que o governo se faça representar nesta camara pelos ministros, que nada sabem dos assumptos ácerca dos quaes elles e os seus collegas sabem que a opposição quer pedir explicações.
Aqui têem-se pedido explicações ácerca de negócios diplomaticos, de negocios do ministerio da marinha, e de negócios do ministerio da fazenda, e os ministros que comparecem são os da justiça e das obras publicas, que não têem nada com taes negocios!
Por este systema, não temos senão um meio de obter a presença dos srs. ministros da fazenda, dos negócios estrangeiros e da marinha; é manifestarmos o desejo de pedir explicações sobre negócios das obras publicas e da justiça!
Os ministros, que não têem vindo até agora, virão então desapparecendo talvez os que estão presentes!
Eu pedi a palavra para fazer algumas observações a

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uma resposta dada pelo sr. ministro da justiça; e comquanto já não veja s. exa. presente...
(Interrupções.)
Sempre direi que não me pareceu rasoavel a sua resposta, porque não ha rasão nenhuma para se dar a fórma pomposa de interpellação a uma pergunta tão simples como aquella que eu fiz.
(Entrou na sala e foi occupar o seu logar o sr. ministro da justiça.)
Visto s. exa. ter voltado, eu repito o que ia dizendo; repito, que não me parecia que uma pergunta tão singela como a que eu dirigi a s. exa., devesse ter as honras de uma interpellação. Admira-me até de que essa pergunta não tivesse resposta immediata. A camara deve ter notado que não pedi ao nobre ministro que me respondesse sobre o que havia a respeito do roubo no consulado portuguez do Rio de Janeiro; perguntei-lhe simplesmente se o governo tenciona submetter á apreciação do parlamento o tratado celebrado com o rei de Dahomey; nada mais. E concebi a esperança de obter explicações immediatas, porque todos sabem que o artigo 10.° do acto addicional determina que todos os tratados celebrados com qualquer potencia estrangeira devam ser submettidos á apreciação do parlamento.
Não pareça estranho que eu pergunte se o governo está disposto a cumprir uma disposição da lei fundamental do paiz, não ha rasão para estranheza, porquanto todos nós estamos já muito habituados a ver a sem ceremonia com que o governo despreza o cumprimento do todas as leis.
Em todo o caso, eu agradeço a resposta do nobre ministro da justiça, e aguardo a presença dos srs. ministros da marinha e dos negocios estrangeiros.
O sr. Ministro da Justiça (Manuel d'Assumpção): - A resposta mais categorica que posso dar ao illustre deputado sobre o assumpto, é que o governo está firmamete resolvido a cumprir a lei. (Apoiados.)
O sr. Elvino de Brito: - Disse que a declaração feita pelo sr. ministro equivalia a dizer que o governo estava na firme resolução de trazer á camara, em virtude do artigo 10.° do acto addicional, o tratado celebrado com o rei de Dahomey.
Queria referir-se ainda a um outro ponto, e a esse talvez o sr. ministro das obras publicas podesse responder, por ser negocio talvez discutido em concelho de ministros.
Perguntava se na parte occupada pelo governo portuguez, ou pelo seu delegado na provincia de S. Thomé, na costa dahomeana se comprehendia a povoação de
Cotonum; perguntava ainda se o governo portuguez cedera ás reclamações do governo francez, zelando os direitos que tinha á povoação de Cotonum, ou só o fez aguardando o desfecho de qualquer pendencia que houvesse entre os dois governos.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Thomás Ribeiro): - Duas palavras em resposta á pergunta que acaba de fazer, mais ao meu collega do que a mim, o illustre deputado.
Eu posso dizer ao illustre deputado que as questões a respeito de tratados estrangeiros são sempre as mais delicadas, que tudo que a lei manda vir aqui, e ainda o que não manda vir, mas é de conveniencia que venha, porque o governo precisa apoiar-se na opinião e auctoridade do parlamento, ha de vir incontestavelmente. (Apoiados.)
Agora quanto aos pontos especiaes a que s. exa. se referiu, eu creio que o sr. ministro da marinha já respondeu que essas questões vem mais tarde ao parlamento. Amanhã, o sr. ministro da marinha tem tenção de vir aqui, e elle póde, ou o sr. ministro dos negócios estrangeiros, dizer a v. exa. aquillo que entender. Se fosse urgente que eu dissesse o que penso a esse respeito, não tinha duvida em o dizer.
Francamente, parece que ha um duello entre o parlamento e o governo. O parlamento procura extrahir a confissão de um crime ao governo, e o governo busca occultar a confissão d'esse crime. Nós vivemos, graças a Deus, á luz do sal; os nossos actos hão de ser apreciados rigorosamente pelo parlamento; e qualquer que seja a sentença, que não ha de ser, senão um veredictum politico, acatal-a-hemos desassombradamente. Portanto póde o illustre deputado e meu amigo antigo ter a certeza de que lhe agradeço as expressões que a respeito das minhas afinidades com o ultramar, onde tive a honra de servir, me dirigiu, e bem assim a opinião que fórma de mim, e que teve a bondade de manifestar aos seus collegas.
O governo não tem desejo de occultar cousa nenhuma dos seus actos ao parlamento. O governo ha de apresentar ao parlamento tudo quanto carecer da sancção dos corpos legisladores para lhe darem a auctoridade que por si não tem o poder executivo.
O illustre deputado referiu-se a um tratado feito, não é verdade?
Ha mil occasiões e mil modos de fazer com que o ministro respectivo venha responder.
Fique descansado o illustre deputado que não lhe hão de faltar explicações, nem por parte do sr. ministro dos negocios estrangeiros, nem por parte do sr. ministro da marinha.
Quero dizer ainda ao illustre deputado, que não repare em que os ministros das obras publicas tenham sempre o receio, a delicadeza precisa, para com os seus collegas, não querendo ingerir-se nas pastas que elles gerem, vindo ao parlamento dizer o que deve ser dito por elles. Este decoro conservou-se sempre em todos os gabinetes, mesmo nos gabinetes do partido a que s. exa. tem a honra de pertencer.
Eu desejaria que isto assim se fizesse, sobre tudo que se esperasse pela occasião em que estivesse presente o ministro respectivo. (Apoiados.)
O parlamento legisla, pergunta, falla e faz discursos, mas os ministros têem mais alguma cousa que fazer; têem um expediente larguissimo nas suas repartições e sabe-o mais do que ninguem o illustre deputado. Terei eu algum desejo de furtar-me ao parlamento, eu que desde 1861 tenho tido sempre a honra de ter n'elle um logar? De certo que não.
É mais agradavel estar em companhia de s. exas. do que estar a fazer o expediente monotono do meu ministerio; não venho, porque absolutamente não posso vir a toda a hora.
Portanto, mencione-se o objecto especial sobre que se tem de fallar, e se não é urgente, recorra-se aos termos do regimento, que é annunciar a interpellação; o ministro dar-se-ha por habilitado e o sr. presidente designara o dia para se realisar essa interpellação. Estes é que supponho que são os termos mais regulares em todos os parlamentos do mundo.
Pois póde alguém imaginar, apesar dos sorrisos dos illustres deputados, que os srs. ministros da marinha e fazenda tenham receio de responder pelos seus actos, furtando-se á sua responsabilidade.
Creiam os illustres deputados que se se prézam de não ter receio, os ministros prezam-se igualmente de não o ter, e é presiso fazer-se justiça a todos. Faço-a eu aos illustres deputados, e espero que elles a façam aos meus collegas e tambem a mim.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Antes de entrar no assumpto para que pedi a palavra, peço a v. exa., sr. presidente, me informe se estão na mesa alguns dos documentos pedidos pelos srs. deputados da opposição.
O sr. Presidente: - Ainda não vieram.
O Orador: - É o expediente do sr. ministro das obras publicas?... Bem fazia s. exa. em se desculpar com elle ha pouco!... (Riso. - Apoiados.)

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O sr. Ministro das Obras Publicas (Thomás Ribeiro): - Eu digo ao illustre deputado, e precisava responder já a isso. Ainda hoje de manhã entrou no ministerio das obras publicas a requisição dos documentos que foram ultimamente pedidos nesta camara e eu não tenho pessoal bastante para mandar immediatamente copiar todos esses documentos e mandal-os para a mesa. Respondo pela verdade do que digo; e não era possivel despachar e copiar tão depressa que podesse ser imediatamente satisfeito o pedido do illustre deputado. (Apoiados.)
O Orador: - Sr. presidente, o sr. ministro das obras publicas começou a fallar á camara n'uma voz meliflua e quasi paternal; mas de repente, sem se saber bem porque, transforma o tom da sua oratoria e embravece-se, a ponto de se esquecer, que está fallando sem v. exa. lhe ter concedido a palavra. Nem sequer mo deixou concluir o meu pensamento.
Perguntei eu a v. exa., se alguns dos documentos que tinham sido pedidos pelos deputados, já tinham chegado á camara, por todos os ministerios, e não me referi só á repartição de s. exa., nem tão pouco aos documentos cujo pedido só hontem entrou no ministerio das obras publicas.
Mas, sr. presidente, passarei a analysar a primeira parte da resposta do sr. Thomás Ribeiro, pois ha n'ella um novo principio de direito parlamentar e constitucional que eu não posso deixar correr inundo sem o competente commenta-rio. Era praxe correcta e indiscutivel até hoje o principio da solidariedade ministerial, em virtude do qual um ministro podia e, em certas circumstancias mesmo, devia responder pelos actos dos seus collegas logo que d'elles estivesse informado. Isso, porém, sr. presidente, eram velhas costumeiras de outro tempo, felizmente hoje substituidas pela hermeneutica sentimental do sr. ministro das obras publicas.
Sob o consulado augusto dos novos e innocentes ministros que se sentam n'aquellas cadeiras, este principio está substituido pelo principio da cortezia e da delicadeza! (Apoiados).
Já sabemos agora a rasão por que s. exas., apesar de muito instados, não respondem pelos actos dos seus collegas; não é porque o sr. ministro das obras publicas, por exemplo, não saiba do que se passa no ministerio da fazenda ou no ministerio dos negocios estrangeiros; não, senhores; e porque, por questão de delicadeza, de cortezia, de exemplos de civilidade, não se quer ingerir nos assumptos que dizem respeito ás pastas dos seus collegas, receando que estes possam escandalisar-se! (Riso. - Apoiados.)
Foi isto o que disse ha pouco o sr. ministro das obras publicas e que a camara toda ouviu! ... (Apoiados.)
Peço a v. exa. que registe bem este novo principio de disciplina ministerial, que promette immortalisar o nome do seu auctor! (Riso).
O outro principio, doutoralmente formulado pelo sr. Thomás Ribeiro, é que os srs. ministros não comparecem no parlamento, porque estão no expediente das secretarias... apesar de não termos ainda visto o fructo d'esse expediente! (Riso - Muitos apoiados.)
Verdade seja que n'este ponto o sr. ministro censurou o sr. presidente da camara, declarando que a falta foi devida á mesa, por esta não ter remettido o pedido dos documentos com a devida urgencia, e não é a mim que compete repellir a censura que a camara toda ouviu. (Apoiados.)
A respeito da mágua com que ficou o sr. ministro das obras publicas, por não me poder responder, dir-lhe-hei que agradeço a s. exa. a sensibilidade de que dá prova, mas que, em verdade, desejava mais uma resposta do que máguas, que nada me esclarecem ácerca do que desejo saber.
A rasão que s. exa. deu, de que não podia responder pelo que tinham feito os seus collegas, porque era novo,e não sabia o que se tinha passado no ministerio antes da sua entrada, faz-me lembrar aquella fabula muito conhecida do lobo e do cordeiro (Riso), em que este pobre animalsinho respondeu ás perguntas do seu verdugo com o invariavel: equidem natus non eram; se eu ainda não era nascido!... (Riso).
S. exa. ainda não era nascido, politicamente, entende-se; não tinha ainda apparecido para a vida ministerial, portanto não póde responder pelos crimes ou delicios dos seus antecessores. Tem rasão, sr. ministro das obras publicas. Já assim dizia o pobre cordeiro da fabula. (Riso.)
Mas, manda a verdade que se diga, s. exa. não é só das pastas dos seus collegas que sabe pouco ou nada; tambem com relação á sua não está muito mais adiantado! porque eu, que prestei toda a attenção á resposta que s. exa. deu ao sr. Arouca, sómente pude perceber que s. exa. nada sabia do que este illustre deputado perguntara.
Por exemplo, tratou o sr. Arouca da falsificação dos vinhos, vendidos para o consumo interno, e eu fiquei maravilhado da maneira como o sr. ministro respondeu.
A camara ficou tão esclarecida com as palavras do sr. Thomás Ribeiro, como se s. exa. respondesse a respeito de um assumpto da pasta dos negocios estrangeiros. (Riso e apoiados.) Ficámos sabendo, por exemplo, que se tinham falsificado remessas do vinho para França, e disse-nos s. exa., com modos contrictos e tom resignado, que, se era verdade ter-se tambem falsificado vinho para o consumo interior, o governo procederia.
Ora, veja a camara; o sr. ministro das obras publicas, em sabendo com certeza... o que toda a gente sabe, procederá! Diga-se a verdade, ninguem pode exigir mais.
Também o illustre ministro só me offereceu, para commnunicar aos seus collegas da fazenda e dos negocios estrangeiros as minhas perguntas.
Agradecendo a s. exa. este offerecimento, parece-me no entretanto inutil o seu empenho.
Já ha dias que os srs. ministros da marinha e da justiça se promptificaram da mesma fórma a transmittir ao sr. Hintze Ribeiro as minhas perguntas. Como, porém, até hoje não teve resultado algum similhante diligencia, não desejo que os esforços de s. exa. sejam coroadas de igual exito! Mas deixemos este tom, sr. presidente, a que aliás se prestam infelizmente as palavras proferidas pelo sr. ministro das obras publicas.
É tempo de que a opposição parlamentar, ou antes a camara toda, porque quando se trata de zelar as prerogativas do parlamento eu não distingo opposição nem maioria, é tempo, digo, de que todos nós, com a consciencia das graves responsabilidades, que sobre nós impendem, nos empenhemos para que o nivel moral d'estas côrtes, que podiam ser, se quizessem, a nossa salvação, não baixo mais! (Apoiados.)
A todas as perguntas que hoje temos d'estes bancos, dirigido insistentemente ao governo, respondem os srs. ministros: não sabemos.
Mas então que sabem os senhores? Vamos, digam! O que vieram fazer hoje á camara os srs. ministros da justiça e das obras publicas? Ao menos a esta pergunta poderão s. exas. responder, creio eu, porque para uma pergunta d'esta ordem todos os ministros estão preparados. (Apoiados.)
Que vieram hoje aqui fazer? Vamos digam-no á camara, porque é possivel que então lhes encontremos algum prestimo. (Apoiadas.)
Por ora não sabem para que servem! (Riso, apoiados.)
Se os srs, ministros que estão presentes, não podem responder pelo que fizeram os seus collegas, nem pelo que elles proprios fazem; se não podem satisfazer á anciedade justificadissima da camara, por saber alguma cousa com relação ás graves questões que trazem n'este momento preoccupada a opinião publica, para que estão aqui?
Creio que não será, pelo mero gosto de querer ouvir pa-

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lavras, que não devem ser muito agradaveis a quem está nas cadeiras do poder! (Apoiados.)
Disse o sr. ministro das obras publicas que quando quizessemos alguma cousa de s. exa., que o prevenissemos e que o mesmo acontecia com os seus collegas.
Pois s. exa. não sabe que estamos aqui ha uma semana assistindo á seena pouco edificante de só comparecer na camara o ministro que não tem aqui que fazer?
Pois s. exa. não sabe que estamos ha uma semana solicitando todos os dias a presença do sr. ministro da fazenda, e que todos os dias se repete esta verdadeira comedia de se offerecerem os collegas de prevenir s. exa., sem que s. exa. se dê nunca por prevenido?
Embora o sr. ministro das obras publicas não tivesse entrado na camara até hoje, pelo menos devia ter lido o extracto das sessões no diario official, a não ser que tenha já aprendido os processos do sr. presidente do concelho o qual, como é sabido, não lê jornaes.
É necessario que o sr. ministro das obras publicas se lembre de que cada dia que se potraho a questão do pagamento aos guardas da alfandega é um dia de fome a mais que têem de passar estes pobres servidores do estado;(Muitis apoiados.) é necessario que o sr. ministro das obras publicas saiba, que cada dia que o sr. ministro da fazenda aqui tarde para dar conta do seu procedimento ou do procedimento dos seus subordinados, é um dia mais de iniqua persiguição a victimar uns pobres desgraçados, cujo único crime é terem servido por vinte annos com dedicação e sacrificios esta nação e este governo, que tão mal lhes agradecem.(Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Não se trata aqui n'esta questão de fazer discursos pelo prazer futil de os fazer; trata-se de interpellar os srs. ministros e obrigal-os a que respondam por actos positivos, concretos e defenidos!(Apoiados.)
Eu hei de insistir constantemente, ainda que tenha de fatigar a attenção da camara, por que as devidas respostas me sejam dadas; e não cáio no laço que o sr. ministro das obras publicas queria estender á opposiçaõ, aconselhando-a a annunciar notas de interpellação sobre os differentes assumptos aqui tratados.
Isso queria s. exa., para que essas notas ficassem eternamente sobre a mesa, sem que os respectivos ministros se dessem por habilitados para responder a ellas.(Apoiados.)
Approve a maioria o projecto de lei que eu apresentei o anno passado a esta camara, e que tinha por fim regular o exercicio de direito de interpellação, acautelando a primeira das garantias parlamentares; approve a maioria esse projecto com as modificações que entender conveniente introduzir-lhe, com o fim de o melhorar, que eu estou prompto para converter em notas de interpellação
todas as perguntas que tenha que dirigir ao governo. Mas emquanto o não fizerem, não! Porque não estou para ser victima ou cumplice de um logro.
Seria quasi um crime o estarmos a contribuir conscientemente para desauctorisar o principio que devia ser o invulneravel escudo dos nossos direitos.(Apoiados)
Nós temos uma delegação sagrada que nos cumpre acatar, e não serão nem as palavras mansas, nem os tons suaves, nem as blandicias dos srs. ministros que nos hão de obrigar a arredar uma linha sequer do cumprimento do nosso dever!(Muitos Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro da Justiça (Manuel d'Assumpção): - Pedi a palavra para declarar que, se por alguns sr. deputados foram pedidos documentos, pelo ministerio da justiça, e se elles ainda não estão sobre a mesa, é porque esse pedido ainda não chegou ao ministerio da justiça.
O sr. Presidente: - Peço licença para interromper s. exa.
Por parte da mesa têem sido expedidos regularmente os requerimentos feitos pelos srs. deputados.
O Orador: - Não ponho sequer em duvida o cuidado da mesa em fazer expedir esses requerimentos, nem isso me passava pela mente. A intenção das palavras dá-a só quem as sublinha. As minhas significam só aquillo que significam.(Apoiados).
Com referencia ao que disse o illustre deputado e meu amigo, o sr. Consiglieri Pedroso, se eu quizesse n'este momento lançar mão das nossas armas, teria occasião de mostrar a s. exa. que sei tambem qual é o peso de uma ironia, e como se joga um remoque. Sei bater-me com essas armas, quando queira lançar mão d'ellas. Lembro só a s. exa. que a indignação que ha pouco o fez vate, era mal cabida, porque os ministros ainda não se recusaram a responder ás interpellações que lhes têem sido dirigidas.
Pelo sr. Elvino de Brito foram annunciadas duas interpellações ao sr. ministro da marinha, e, mal o illustre deputado acabou do as formular, o sr. ministro da marinha declarava-se prompto para responder ás interpellações. (Apoiados.) Se o illustre deputado não quizesse esconder este facto, para a sua eloquencia brilhar um pouco mais, veria que não tinha motivo para accusar os ministros.
Pela minha parte declaro desde já, e torno este compromisso perante a camara, que, em chegando ao ministerio a meu cargo a communicação de me ter sido dirigida qualquer nota de interpellação, não poço mais que o praso de tres dias para vir responder a ella.
O que não reconheço em s. exa. é o direito de exigirem que os ministros façam de repente aqui um exame vago sobre quaesquer theorias ou principios que os illustres deputados se lembrem de apresentar, ou respondam a quaesquer perguntas que entendam fazer a esses ministros. (Apoiados.)
Tambem lembro um facto notavel, que é que quem tanta ancia tem de resposta, tem ordinariamente o cuidado de perguntar pelo sr. ministro da fazenda se está presente o do reino. (Apoiados.
Isso queria s. ex.a, para que es-as notas ficassem eternamente sobre a mesa, sem que os respectivos uiinist^cs se dessem por habilitados para responder a ellas. (Apoiados.)
O sr. Frederico Arouca: - Se eu não tivesse pedido a palavra antes de ouvir o sr. Consiglieri Pedroso, ver-me-ía na necessidade de o fazer, para que se não julgasse que eu estava do áccordo com as observações que s. exa. acaba do fazer.
Eu, não só não estranhei, que o sr. ministro das obras publicas não estivesse habilitado para responder ás minhas perguntas, mas até; quando fiz essas perguntas, disse logo que estava convencido de que a algumas d'ellas não poderia s. exa. responder. (Apoiados.)
Era indispensavel fazer esta declaração, para que a camara não julgasse que eu pela minha parte tinha ficado descontente com a resposta que me tinha sido dada pelo sr. ministro das obras publicas.
Eu fiz a s. exa. diversas perguntas, uma d'ellas, sobre uma questão difficil e complicada, e era absolutamente impossivel, a não ser que s. exa. estivesse prevenido por mim ou então por um verdadeiro acaso, que o sr. ministro das obras publicas estivesse habilitado para responder em termos satisfactorios. (Apoiados.)
Foi isto o que eu disse, e seria para estranhar que eu não achasse correcto o procedimento do sr. ministro depois das explicações francas e sinceras dadas por s. exa. (Muitos apoiados.)
Passando a outro ponto, começo por agradecer ao sr. ministro das obras publicas a resposta de s. exa., e registo sua promessa de mandar á camara com urgencia os documentos que pedi, dignando-se tambem marcar um dia qualquer, em que possa conversar commigo sobre os negocios da commissão do norte.

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Agradeço mais a s. exa. a deferencia que teve para commigo, convidando-me a assistir á conferencia que s. exa. ha de ter com o sr. conde de Samodães, mas peço licença para declinar essa honra, porque desejo conservar a minha liberdade de acção, para, como deputado da nação, dizer no parlamento o que entender sobre o assumpto.
É claro que, tendo s. exa. estudado o assumpto, poderá então dizer á camara a opinião do governo sobre este ponto, e até onde podem ir as concessões que s. exa. entende poder fazer-se á commissão do norte, o por essa occasião eu exporei á camara as minhas impressões sobre o assumpto, que reputo gravissimo e da maxima importancia, e julgar-me-hei ou não satisfeito com as explicações do sr. ministro, conforme eu entender que ellas estão ou não em harmonia com os interesses do paiz e com os principios da liberdade do commercio, que me parece que é conveniente sustentar em proveito dos rendimentos do estado.
Quero tambem rectificar umas palavras que preferi ha pouco e que, me parece, foram mal interpretadas pelo sr. Consiglieri Pedroso.
Eu não disse que sabia que estavam falsificando vinho em Lisboa. Disse que n'um jornal da capital muito lido e, segundo dizem, muito bem informado, se dizia que uma grande porção do vinho que se vendia dentro de Lisboa era falsificado.
E fui eu que dei esta noticia ao sr. ministro das obras publicas, para que s. exa. tomasse as providencias necessarias para se poder apprehender qualquer porção d'esse vinho, a fim de ser analysado, punindo-se as pessoas que tivessem feito a adulteração.
Quando s. exa. se referia a este facto, disse que sabia que uma porção de vinho que fora de Portugal exportado para Bordéus fôra d'ali devolvido porque se achava adulterado.
Desejo saber quaes as providencias que o governo tenciona tomar, por isso que é uma questão muito grave, e que é preciso ter tanto mais em vista, quanto, segundo se diz, os negociantes francezes se têem affastado da nação vizinha, porque ali os vinhos têem sido adulterados. Se este facto se der em Portugal não haverá rasão para que os compradores venham procurar os nossos vinhos. Esta questão é muito importante porque, affectando os interesses dos lavradores, póde prejudicar os interesses do thesouro.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Thomás Ribeiro): - Pedi a palavra para dizer que o mais depressa que me for possivel hei de vir responder ao illustre deputado.
Quanto á adulteração dos vinhos achei informações de que tinha sido encontrada uma porção de vinho falsificado, o que fez com que essa mercadoria fosse recambiada, e em consequencia d'isso já se publicou uma portaria, pelo ministerio da fazenda, estabelecendo providencias para que se podesse verificar a genuidade dos vinhos, e posso dizer que essa portaria já tem produzido effeito.
Em materia tão grave como esta é preciso tomar todas as providencias que forem necessarias para se garantir a genuidade do vinho, e posso dizer que é esta a idéa em que está o sr. ministro da fazenda e todo o governo.
Quanto ás perguntas a que eu não posso hoje responder, sinto que no meu logar não esteja o sr. Consiglieri Pedroso.(Riso.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas do que disse n'esta sessão.)
O sr. Antonio Ennes: - Não posso responder senão a uma parte das explicações do sr. ministro da justiça e essa resposta será breve.
Agradeço a declaração de que s. exa. ha de responder a todas as interpellações pedindo apenas tres dias para se habilitar, e não discutirei agora a promessa de s. exa.
Tambem não me desagradou a declaração do sr. ministro, quando, ácerca do tratado de Dahomey, disse que a lei havia de ser cumprida, porque isso me dá a esperança de que o tratado ha de ser discutido no parlamento.
Eu não creio que haja da parte do governo retrahimento em dar ao parlamento quaesquer informações que lhe sejam pedidas, mas perguntei a s. exa. se entendia que a disposição do artigo 10.° do acto addicional é applicavel ao tratado de Dahomey.
O sr. Elvino de Brito: - É simplesmente para dar uma explicação ao sr. ministro da justiça.
Quando eu disse que não era verdadeiro o facto referido por s. exa., quiz apenas significar o meu desejo de que sobre a opposição parlamentar não caisse o peso de uma responsabilidade que ella não tinha.
Quando s. exa. disse que, de ordinario os deputados da opposição reclamavam a presença de um ministro quando elle não estava presente, pareceu-me que s. exa. queria lançar mão de um facto que não era verdadeiro. Mas assim como o sr. ministro não teve, de certo, a idéa de nos melindrar, tambem eu não tive a intenção de melindrar a s. exa.
São estas as explicações que eu desejava dar a s. exa.
O sr. Ministro da Justiça (Manuel d'Assumpção): - Agradeço as explicações do illustre deputado e meu amigo o sr. Elvino de Brito.
S. exa. não podia tomar as minhas palavras como offensivas; nem se póde estar sempre a explicar as palavras aqui proferidas. As cousas são o que são.
Eu posso fallar e combater as idéas do illustre deputado sem de modo algum o offender. Os illustres deputados são os unicos julgadores do modo por que entendem dever dirigir-se ao governo.
Nada mais tenho a dizer a este respeito, agradecendo, repito, as explicações do illustre deputado.
Com referencia ao que disse o illustre deputado e meu amigo o sr. Ennes, tenho a declarar a s. exa. que, quando digo que o governo tem vontade firme de cumprir a lei, quero dizer que o governo cumpre o que n'ella está preceituado.

ORDEM DO DIA

Eleição da commissão dos negocios ecclesiasticos

O sr. Santos Viegas: - Mando para a mesa o seguinte requerimento.
(Leu.)
Leu-se na mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que a commissão dos negocios ecclesiasticos seja composta de quinze membros.
Sala das sessões, 15 de janeiro de 1886. = O deputado, Santos Viegas.
Foi approvado.
O sr. Agostinho Lucio: - Participo a v. exa. e á camara, que está constituida a commissão de legislação criminal, tendo nomeado presidente o sr. Dias Ferreira e secretario o sr. Amorim Novaes.
O sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição da commissão dos negocios ecclesiasticos.
Feita a chamada e corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 57 listas, sendo 3 brancas, e saíram eleitos os srs.:

Alberto Antonio de Moraes Carvalho, com .... 54 votos
Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto .... 54 votos
Antonio José Lopes Navarro .... 54 votos
Antonio Ribeiro dos Santos Viegas .... 54 votos
Augusto Neves dos Santos Carneiro .... 54 votos

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SESSÃO DE 15 DE JANEIRO DE 1886 55

Conde de Thomar .... 54 votos
Jeronymo Pereira da Silva Baima de Bastos .... 54 votos
João Antonio Franco Frazão .... 54 votos
Joaquim Alves Matheus .... 54 votos
José de Azevedo Castello Branco .... 54 votos
Luiz José Dias .... 54 votos
Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro .... 54 votos
Marçal de Azevedo Pacheco .... 54 votos
Sebastião Rodrigues Barbosa Centeno .... 54 votos
Visconde de Alentem .... 54 votos

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da eleição de commissões.

Está levantada a sessão.

Eram quasi cinco horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

Página 56

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