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N.º 9

SESSÃO DE 18 DE JANEIRO DE 1897

Presidencia do ex.mo SR. Antonio José da Costa

Secretarios - os ex.mos srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
Abilio Augusto de Madureira Beça

SUMMARIO

Lido o expediente, tiveram segunda leitora tres projectos de lei.- O sr. presidente do conselho manda para a mesa o orçamento geral do estado, e os srs. ministros do reino e dos negocios estrangeiros apresentam propostas de accumulação, que são seguidamente approvadas. - O sr. Fratel interroga o sr. ministro dos negocios estrangeiros sobre a delimitação sul da provincia de Moçambique, respondendo-lhe o respectivo ministro.-Entre os srs. Costa Pinto e ministro das obras publicas trocam-se explicações sobre o prolongamento do caminho de ferro do Barreiro a Cacilhas, reconstrucção da ponte da Trafaria e assoreamento da doca de Porto Brandão. -O sr. Boavida propõe um voto de sentimento pela morte do dr. Francisco Antonio Rodrigues de Azevedo, que é approvado, depois de a elle se terem associado os srs. presidente do conselho e Santos Viegas. - O sr. D. José Gil manda para a mesa uma representação e uma justificação de faltas, e o sr. Ferreira Marques declara que lançou na caixa tres requerimentos de interesse particular.

Na ordem do dia discute-se a resposta ao discurso da corôa, usando da palavra os srs. Dias Ferreira e presidente do conselho.- O sr. presidente dá conta da ultima redacção do projecto de lei n.º 121, e marca a sessão para o dia seguinte.

Abertura da sessão- Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada, 48 srs. deputados São os seguintes: - Abilio Augusto de Madureira Beça, Albino de Abranches Freire, de Figueiredo, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Barbosa de Mendonça, Antonio José Boavida, Antonio José da Costa Santos, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Antonio Velloso da Cruz, Arthur Alberto de Campos Henriques, Carlos de Almeida Braga, Conde de Pinhel, Conde de Valle Flor, Conde de Villar Secco, Francisco José Patricio, Francisco Rangel de Lima, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João Ferreira Franco finto Castello Branco, João Lopes Carneiro de Moura, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim José de Figueiredo Leal, José Adolpho de Mello e Sousa, José Coelho Serra, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Mendes Lima, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Licinio Pinto Leite, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Maria Pinto de Soveral, Luiz de Mello Correia Pereira Medello, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel de Bivar Weinholtz, Manuel Bravo Gomes, Manuel Francisco Vargas, Manuel Joaquim Ferreira Marques, Manuel Joaquim Fratel, Manuel de Sousa Avides, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Theodoro Ferreira Pinto Basto, Thomaz Victor da Costa Sequeira, Visconde do Ervedal da Beira, Visconde da Idanha e Visconde de Palma de Almeida.

Entrarem durante a sessão os srs.: - Aarão Ferreira de Lacerda, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Antonio Adriano da Costa, Fidelio de Freitas Branco, Jacinto Candido da Silva, Jeronymo Osorio de Castro Cabral e Albuquerque, João Maria Correia Ayres de Campos, João da Motta Gomes, Joaquim do Espirito Santo Lima, José Dias Ferreira, José Freire Lobo do Amaral, José Joaquim Aguas, José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa Junior, José dos Santos Pereira Jardim, Miguel Dantas Gonçalves Pereira e Quirino Avelino de Jesus.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adolpho da Cunha Pimentel, Alfredo de Moraes Carvalho, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio de Almeida Coelho de Campos, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Candido da Costa, Antonio de Castro Pereira Côrte Real, Antonio Hygino Salgado de Araujo, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Dias Dantas da Gama, Augusto Victor dos Santos, Bernardino Camillo Cincinnato da Costa, Conde de Anadia, Conde de Tavarede, Diogo José Cabral, Diogo de Macedo, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio José Franco, Jacinto José Maria do Couto, Jayme de Magalhães Lima, João José Pereira Charula, João Marcellino Arroyo, João Rodrigues Ribeiro, José Antonio Lopes Coelho, José Bento Ferreira de Almeida, José Correia de Sarros, José Eduardo Simões Baião, José Joaquim Dias Gallas, José Luiz Ferreira Freire, José Marcellino de Sá Vargas, José Maria Gomes da Silva Pinheiro, José Teixeira Gomes, Julio Cesar Cau da Costa, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Luiz de Sampaio Torres Fevereiro, Manuel Pedro Guedes, Manuel Thomaz Pereira Pimenta de Castro, Marianno Cyrillo de Carvalho, Romano Santa Clara Gomes, Visconde do Banho, Visconde de Leite Perry, Visconde de Nandufe, Visconde de Tinalhas e Wenceslau de Sousa Pereira de Lima.

Acta- Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio do reino, remettendo, em conformidade com a consulta, dos fiscaes da corôa e fazenda o autographo da camara dos dignos pares relativo á confirmação do decreto dictatorial n.° l, de 22 de dezembro de 1894, a um de ser legalisado esse documento, pois que n'elle não se acham ainda introduzidas as alterações feitas pela camara dos senhores deputados.

Enviado á commissão de instrucção primaria.

Do ministerio da fazenda, acompanhando o mappa indicativo de todos os contratos realisados por este ministerio, de valor ou preço superior a 500$000 réis, registados na direcção geral de contabilidade publica no anno de 1896.

Para a secretaria.

Do ministerio da guerra, acompanhando a relação dos

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contratos superiores a 500$000 réis, celebrados por este ministerio no anno de 1896.

Para a secretaria.

Do ministerio das obras publicas, participando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Dias Ferreira, que n'este ministerio não existem documentos relativos ao convenio com a companhia real da caminhos de ferro portugueses.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores: - Á vossa esclarecida apreciação, venho sujeitar o projecto de lei abaixo formulado, com o qual se tem manifestamente por fim favorecer uma classe de servidores do estado, para os quaes, desde 1864, se não voltaram mais as attenções dos representantes do paiz!

Refiro-me aos distribuidores telegrapho-postaes que, fóra de Lisboa e Porto, em terras importantes, como são, sem duvida, as capitaes dos districtos, conservam ainda os magros vencimentos estipulados pela reforma de 1 de dezembro d'aquelle anno.

Basta esta consideração para justificar o projecto que tenho a honra de apresentar.

Com effeito, a vida, n'essas terras, custa hoje muito mais do que n'aquella epocha e conservam, apesar d'isso, os honorarios d'aquelles empregados no preço em que se encontram -360 réis diarios, sujeitos ao pagamento de direitos de mercê, emolumentos, sêllo, desconto para a caixa de aposentações, etc. - envolveria uma flagrantissima injustiça. Tão parco vencimento era insufficientissimo para em epochas remotas um homem prover á sua sustentação; muito mais o é hoje que os generos subiram de custo e que elle se encontra diminuido e reduzido pelo approvamento dos encargos que o oneram.

Demais, não ha ninguem que desconheça a despeza a que obriga similhante profissão. Um distribuidor telegrapho-postal carece de apresentar-se com a decencia propria do seu logar, e é evidente que o não póde manter, se o estado lhe não fornece os meios para isso, em remuneração do seu trabalho.

Foi talvez por este e outros motivos que aos distribuidores de Lisboa e Porto se augmentou os seus vencimentos; porém, é certo que rasão alguma ha para justificar a excepção aberta em prejuizo dos das redes dos de mais districtos, que, se acham, como aquelles, sobrecarregados com o peso de um excessivo trabalho.

Antigamente, por falta de meios de communicação, não só as distribuições se reduziam a uma só distribuição por dia, como tambem o desenvolvimento material das terras fazia com que essa distribuição se operasse rapidamente. Hoje não: a area das localidades tem augmentado muito e a rapidez dos transportes faz com que o distribuidor não tenha tempo de angariar, de outra fórma, os meios de subsistencia de que precisa para si, e muitas vezes para sustentar uma familia numerosa.

Por todas estas considerações, pois, e por muitas outras que omitti, mas que o vosso esclarecido espirito supprirá, por certo, é que tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Ficam para todos os effeitos considerados como segundos distribuidores telegrapho-postaes os individuos que, á data da presente lei, exercerem os logares de terceiros distribuidores, nas sédes dos districtos administrativos do continente do reino.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 16 de janeiro de 1897. = O deputado, Carlos Braga.

Lido na mesa, foi admitido e enviado á commissão de obras publicas.

Projecto de lei

Senhores: -Pela lei de 16 de maio de 1874, foram remodelados os julgados ordinarios, permittindo-se que em cada circumscripção que os constitua fique um dos escrivães com a faculdade de exercer o tabellionato.

A medida, porém, que estes funccionarios vão desapparecendo, cessa para os povos da respectiva circumscripção uma regalia, tanto mais necessaria, quanto é certo que a nossa legislação civil e commercial e até a administrativa e fiscal, exigem que differentes actos e contratos da vida quotidiana só possam provar-se com documentos feitos com a intervenção do tabellião de notas.

Privados d'esta regalia, os povos que a auferiam luctam com difficuldades para a prompta legalisação dos seus contratos, que só conseguem á custa de maiores sacrificios e com o maior despendio de tempo o de dinheiro, succedendo não raro, e principalmente nas disposições de ultima vontade, não chegarem a legalisal-os com prejuizo de interesses importantes.

Proporcionar, porém, aos povos todas as vantagens e commodidades para de prompto e sem maiores sacrificios, sem grandes despendias, conseguirem a legalisação dos seus actos e contratos, afigura-se-me um dever impreterivel dos poderes publicos.

E porque os povos do concelho do Crato se acham n'estas circumstancias, e da creação de um logar de tabellião de notas n'este concelho não advem encargo algum para o thesouro, tenho a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E creado no concelho do Grato um officio publico de tabellião de notas.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 16 de janeiro de 1897. = O deputado, Simões Baião.

Lido na mesa, foi admittida e enviado á commissão de legislação civil.

Projecto de lei

Senhores. - Entre os meios tendentes a promover o bem estar das sociedades modernas, figura de certo, como um dos principaes, a defeza do trabalho nacional. Com effeito, quando, por virtude do esforço intelligente e methodicamente dirigido, qualquer povo chega a bastar para si mesmo, na satisfação da maioria das necessidades e commodidades da vida, esse povo engrandece-se aos proprios olhos e aos do estranhos.

Tanto a inercia como o movimento desordenado obstam não só ao augmento natural das riquezas materiaes, como tambem ao desenvolvimento das riquezas intellectuaes e moraes, obstam á elevação do espirito, á firmeza de caracter e da vontade, á decisão illustrada, ao saneamento da alma, obstam emfim a todos os predicados que conduzem o homem no caminho da perfectibilidade relativa.

Assim é que, por pouco observadores que sejamos, vemo-nos forçados a acceitar, como bem justificado o empenho com que ao presente todas as nações se dedicam a estimular a actividade, nos diversos ramos de industria, para cujo exercicio não tenham impedimentos naturaes. Essa tem sido tombem a linha do conducta seguida no nosso paiz, especialmente nos ultimos tempos e com os resultados mais lisonjeiros. D'ahi provém que as industrias portuguezas occupam hoje digno logar entre as forças do paiz que mais aproveitaram as lições offerecidas pelos memoraveis acontecimentos de janeiro de 1890 e maio de L891. Comprehendendo com mascula coragem as suas Fnncç8es, no critico estado em que a nação se achava, dedicara-se energicamente a cooperar no restabelecimento dos males que tanto a affligiam.

Ou sejam os factos que a todo o momento nos depara a vida pratica, ou seja o estudo das estatisticas, accusando progressivo augmento na importação de materias pri-

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meiras e na exportação de productos nacionaes, a par de sensivel decrescimento na importação de productos estrangeiros, tudo isso leva a reconhecer, sem hesitações, os notaveis adiantamentos operados de recente data nas fabricas nacionaes, com proveito incontestavel para o interesse geral do povo.

O assumpto sobre que hoje me honro de chamar a attenção d'esta camara, tem por objecto, em harmonia com a orientação a que me referi, facultar a um ramo importante do trabalho nacional meios de poder tomar maior desenvolvimento.

A farinação de cereaes é industria que se exerce entre nós, principalmente nas cidades de Lisboa e Porto, em condições de perfeição fabril iguaes ás que se dão nos melhoras centros de producção no estrangeiro.

Para isso concorrem o emprego de machinas e processos de fabricação mais perfeitos e as commodidades relativas offerecidas pela serventia dos portos de Lisboa e Porto. A força productora das fabricas é, porém, superior às necessidades do consumo, o que obriga, com frequencia a interrupções de trabalho, com prejuizo para os braços e capitaes que se lhe dedicam.

Mas a industria portugueza de farinação, que produz hoje exclusivamente para o consumo do paiz, podia, pela situação em que se acha, produzir tambem para exportação quer com destino a alguns mercados estrangeiros, quer a todos os mercados das vastas colonias portuguezas, isto sem a mais leve perturbação do regimen actualmente estabelecido para o consumo dos trigos nacionaes e exoticos.

Esse beneficio seria conseguido, desde que se facultasse á industria nacional a importação, em determinadas condições de todo o trigo estrangeiro cuja farinha ella podesse exportar. Similhante fórma de protecção sem encargo ou prejuizo para qualquer interesse é tão pratica que ha muitos annos se acha estabelecida em França e na Allemanha, não levantando nenhumas objecções attendiveis.

O projecto que tenho a honra de apresentar resume-se pois em permittir que a industria nacional importe temporariamente trigo estrangeiro, cuja farinha se não destine ao consumo interno mas exclusivamente ao consumo do estrangeiro ou das nossas colonias.

Simplicissimo no seu objectivo, creio que o pensamento não tem dificuldades do fórma que o tornem menos exequivel. No regimen em que nos achamos da lei de 15 de julho de 1889, os dois pontos a que ha que attender são os que especialmente caracterisam aquelle regimen, isto é, defender o interesse da agricultura nacional, pela prohibição em regra da importação para consumo de trigo exotico e resalvar o interesse fiscal de modo que não seja atacado o imposto que o estado recebe, no caso excepcional de despacho para consumo d'esse trigo.

Parece-me que effectivamente se acham attendidas no projecto essas duas condições. A importação temporaria sómente é permittida no periodo em que eventualmente seja tambem permitido a despacho para consumo de trigo exotico e a exportação ou deposito de farinha produzida com o trigo importado temporariamente tem que se effectuar até que o genero nacional da nova colheita possa ser utilisado, de modo que não é possivel confundir-se o trigo importado temporariamente nem a farinha por elle produzida com trigo ou farinha do paiz.

A tentativa de fraude proveniente de se pretender introduzir no consumo farinha resultante do trigo importado temporariamente é reprimida, pela imposição de um fortissima multa aliás facil de liquidar e de cobrar.

O typo de 75 por cento de extracção adoptado garante perfeitamente contra qualquer irregularidade, e não me preoccupei com os productos segundarios, semeas e alimpaduras por isso que estes productos são entre nós um encargo da industria de farinação e de facto não supportam qualquer parcella do direito de importação para consumo, tanto assim que na maior parte se [ilegível ] estrangeiro a baixo preço e os similares exoticos são isentos de qualquer tributação entram no paiz.

Tendo, pois, a honra de submetter á illustrada consideração d'esta camara o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Ampliando o artigo 32.º aos preliminares da pauta das alfandegas do continente do reino e ilhas adjacentes, approvadas por carta de lei de 10 de maio de 1892 e mandadas executar por decreto de 17 de junho do dito anno, é permittido, nos termos da presente lei, a importação temporaria de trigo estrangeiro para ser farinado no paiz e reexportada a farinha produzida com esse trigo assim importado.

Art. 2.° O despacho para importação temporaria de trigo estrangeiro só é permittido nas sédes das circumscripções aduaneiras e na delegação do Funchal e aos proprietarios de fabricas, moinhos ou azenhas de farinação devidamente matriculados, nos termos do decreto de 3 de março de 1892, ficando o importador sujeito aos preceitos constantes dos artigos seguintes.

Art. 3.° A importação só é permittida durante o periodo em que eventualmente for permittido o despacho para consumo de trigo estrangeiro, conforme a lei de 15 de julho de 1889, e mais legislação em vigor, respeitante ao regimen especial de importação de trigo estrangeiro.

Art. 4.º Nenhum despacho de importação temporaria de trigo estrangeiro nem de reexportação da respectiva farinha é permittido por quantidades inferiores a 1:00000 kilogrammas para o trigo e 750 kilogrammas para a farinha.

Art. 5.º O importador temporario de trigo estrangeiro fica obrigado, até 31 de agosto de cada anno, a reexportação para paiz estrangeiro, ou para colonias portuguezas , ou a depositar em armazens alfandegado a farinha produzida com esse trigo, em quantidade de farinha igual a 75 por cento do peso do mesmo trigo, e em qualidade não inferior ao typo da extracção a 75 porcento.

Art. 6.º O importador temporário de trigo estrangeiro, que tiver em deposito em armazem alfandegado farinha proveniente d'esse trigo, é obrigado a reexportar para o estrangeiro ou para as colonias portuguezas a dita farinha depositada até o dia em que seja de novo permittida a importação temporaria de trigo estrangeiro, sob pena de não poder continuar a aproveitar-se das disposições d'esta lei emquanto não effectuar a reexportação da referida farinha.

Art. 7.° A importação temporaria de trigo estrangeiro sujeita ao direito de 1/2 real por kilogramma, e a reexportação da respectiva farinha é sujeita ao direito de 1 real por kilogramma.

Art. 8.° O importador temporario de trigo estrangeiro, que no dia 31 de agosto de cada anno não tiver reexportado ou depositado a respectiva farinha, nos termos do artigo 5.°, incorre na multa de uma quantia igual ao quintuplo de direito ultimamente fixado para despacho para consumo de trigo estrangeiro, calculando-se essa multa sobre o peso do trigo correspondente á quantidade da farinha que tiver deixado de reexportar ou depositar.

§ unico. O importador temporario de trigo estrangeiro é obrigado a assignar, por cada despacho de importação, termo de responsabilidade pelo pagamento de multa em que possa incorrer, na conformidade d'este artigo, e prestará fiador idoneo, que assignará o dito termo.

Art. 9.° Os processos de contestação suscitados entre os importadores de trigo estrangeiro ou seus agentes e os empregados das alfandegas, ou entre os empregadores das alfandegas que intervem nos despachos de importação temporaria ou exportação, relativamente a qualquer circumstancia, inherente a esses despachos, seguirão o seu curso, nos termos do artigo 17.º dos preliminares das pautas das alfandegas do continente do reino e ilhas adjacentes e do artigo 161.º e seguintes do decreto n.º 2 de 27 de setembro de 1894.

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Art. 10.° Fica revogada a legislação em contrario.

Lisboa, 16 de janeiro de 1897.=O deputado, Antonio Adriano da Costa.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, mando para a mesa o orçamento geral do estado para o anno economico 1897-1898, e respectiva proposta de lei de receita e despeza.

Vae publicado no fim da sessão a pag. 89.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco):- Sr. presidente, mando para a mesa a seguinte

Proposta

Sendo conveniente ao serviço publico, o governo de Sua Magestade pede á camara dos senhores deputados da nação portugueza a necessaria permissão para que possam continuar, querendo, no serviço do professorado, com interrupção dos seus trabalhos parlamentares, os srs. deputados, dr. Aarão Ferreira de Lacerda, lente da academia polytechnica do Porto, e dr. Wenceslau do Sousa Pereira do Lima, lente d'aquella academia e director da escola medico-cirurgica da mesma cidade.

Camara dos senhores deputados da nação portugueza, em 18 de janeiro de 1897.=João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

Foi approvada.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz de Soveral): - Sr. presidente, mando para a mesa a seguinte

Proposta

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos senhores deputados permissão para que o membro da mesma camara, vice-almirante Manuel Joaquim Ferreira Marques, accumule, querendo, o desempenho da commissão que exerce, com as funcções legislativas.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 16 de janeiro de 1897. = Luiz de Soveral.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Fratel, para dirigir algumas perguntas ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, conforme tinha pedido em aviso previo, mandado para a mesa n'uma das sessões anteriores.

O sr. Fratel: - Diz que no tratado celebrado em 1891 com a Inglaterra se estabeleceu que o limite sul da provincia de Moçambique seria uma linha que, partindo da confluencia do Pongolo com o Maputo, seguisse esse paralello até á costa maritima. Succede, porém, que estes rios, depois de confluirem, se separam, formando varias ilhas; e parece que o commissario inglez, que foi a Moçambique para conjunctamente com o commissario portuguez proceder á delimitação, entende que a linha divisoria, em logar de partir da confluencia dos dois rios, deve partir da ultima das ilhas.

Este facto é grave, tanto mais que, sendo aquellas ilhas de alluvião, se hoje existem tres ou quatro, ámanhã podem existir cinco ou seis, ou póde não existir ilha alguma. Pergunta, portanto, ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, se as noticias que appareceram a este respeito são verdadeiras, e, no caso de o serem, se o governo está disposto a conformar-se com a pretensão do commissario inglez.

Chama a attenção do governo para esta importante questão, porque, se as condições do paiz não lhe permittem alargar os seus dominios coloniaes, elle tem em todo o caso obrigação do conservar os que lhe pertencem, devendo lembrar que uma das portas que temos deixado abertas ás invasões dos estrangeiros, é a falta de delimitações bem definidas, aproveitando-se elles d'esta circunstancia para estabelecerem as linhas que lhes convem em prejuizo nosso e a tal ponto que, segundo consta, até já cortaram ao meio o nosso terreno de Macequece.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra guando devolver as notas tachygraphicas.}

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz Soveral):- A camara comprehenderá bem que, havendo negociações pendentes sobre esta questão, eu não posso alargar-me em considerações que satisfaçam a curiosidade do illustre deputado.

É certo que, entre o delegado portuguez e o delegado inglez surgiu uma divergencia de opinião sobre a exacta applicação do tratado de 1891, mas devo acrescentar que o governo de Sua Magestade Britannica nunca se referiu
a essa divergencia, nem verbalmente, nem por escripto, talvez por entender que ella se podia regular entre os dois delegados, sem a intervenção dos respectivos governos.

Uma cousa posso declarar a s. exa.: é que o governo tem informações exactas sobre este assumpto, das auctoridades superiores da provincia de Moçambique e com ellas conta estrictamente conformar-se.

O sr. Costa Pinto: - Sr. presidente, mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Nos termos do regimento declaro que desejo interrogar o sr. ministro das obras publicas ácerca da prolongação do caminho de ferro do Barreiro a Cacilhas, ponte da Trafaria e assoreamento da doca em Porto Brandão.

Sala das sessões, em 18 de janeiro de 1897.= Jayme Arthur da Costa Pinto.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Campos Henriques): - Creio poder dar desde já algumas explicações ao illustre deputado, o sr. Costa Pinto, que porventura o possam satisfazer.

S. exa. referiu-se, se bem me recordo, no aviso previo que mandou para a mesa, ao prolongamento do caminho de ferro do Barreiro a Cacilhas, e eu posso informar, a s. exa. que, a respeito do prolongamento d'esse caminho de ferro, que tem realmente importancia porque facilita as communicações dos povos ao sul do Tejo com Lisboa, ha já um estudo feito.

Esse estudo, porém, é muito dispendioso. A distancia orça por 9 kilometros e custa 900 oondtos e réis, isto é, 90 contos de réis por kilometro.

A rasão d'esta despeza consiste principalmente na construcção de obras de arte muito dispendiosas., como são, duas pontes muito importantes, um tunnel e a estação do Barreiro

Em virtude d'isto, o conselho superior de obras publicas e minas, a quem submetti a apreciação d'este projecto, entendendo, como não podia deixar de entender, que realmente este prolongamento tinha vantagens incontestaveis, foi de parecer que elle fosse novamente estudado e modificado, a fim de se poder construir por uma quantia, muito menos importante.

Conformando-me com esse parecer, mandei estudar um projecto em harmonia com as indicações do conselho superior de obras publicas e minas.

Esse projecto está em via de conclusão, e apenas elle me seja apresentado, se porventura se tornar exequivel e for compativel com os recursos do thesouro, terei a maior satisfação em poder realisar esse melhoramento.

Não sei se o illustre deputado se referiu a outro assumpto.

O sr. Costa Pinto: - Referi-me tambem á ponte da Trafaria.

O Orador: - Com relação á ponte da Trafaria tambem posso desde já dar algumas explicações.

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Existe na Trafaria uma ponte que está em tão más condições de segurança, que ameaça proxima e immediata ruina.

O sr. Costa Pinto: - Apoiado.

O Orador: - Em virtude d'isso mandei estudar a reconstrução d'essa ponte, e os engenheiros que procederam a esse estudo opinaram porque não se fizesse reconstrucção, visto estar em pessimas condicções de segurança, mas por que se fizesse uma nova ponte. A nova ponte se for feita sobre estacas metallicas custa 7:000$000 réis, e se for feita sobre estacas de madeira o seu custo é de 2:100$000 réis approximadamente.

Sobre este projecto mandei que fosse ouvido o conselho superior de obras publicas e minas e a opinião d'este corpo consultivo; é que a obra é indispensavel e urgente, e que deve fazer-se sobre estacas metellicas por que se for feita sobre estacas de madeira dentro de pouco tempo estará absolutamente destruida

Em conformidade com o parecer do conselho superior de obras publicas e minas, mandei que se fizessem com urgencia os respectivos estudos, e portanto, creio que n'este ponto estão satisfeitos os desejos do illustre deputado.

O sr. Costa Pinto referisse ainda a outro assumpto...

O sr. Costa Pinto: - Referi-me ao assoreamento da doca do Porte Brandão.

O Orador: - Relativamente a esse ponto não tenho conhecimento de que existe no meu ministerio reclamação alguma, mas se os interessados quizerem mandar alguma representação, eu estudarei o assumpto e tratarei de o apreciar pela fórma mais conveniente aos interesses d'aquella localidade. São estas as explicações que posso dar ao illustre deputado.

O sr. Boavida: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta, que vae tambem assignada pelo illustre deputado e meu prezado amigo, e collega, o sr. dr. Mendes Lima, na qual pedimos que seja lançado, na acta um voto de sentimento pela morte do insigne cathedratico e antigo parlamentar, o sr. conselheiro Francisco Antonio Rodrigues de Azevedo, de quem fui discipulo e admirador, e de quem tive a honra de ser amigo pessoal, tendo por isso occasião de apreciar os elevados dotes de caracter, espirito e coração, que o distinguiam.

Se V exa. me permitte, leio a proposta, em que vão compendiados os principaes considerandos, que este assumpto me suggeriu.

A proposta é do teor seguinte:

Proposta

Propomos que na acta das sessões d'esta camara se lance um voto de profundo sentimento pelo fallecimento do conselheiro dr. Francisco Antonio Rodrigues de Azevedo, que, alem de ter sido par do reino, eleito pelos estabelecimentos scientificos foi tambem lente distinctissimo da faculdade de theologia na universidade de Coimbra, em que revelara, a par de um talento extraordinario, raras faculdades pedagogicas e disciplinadoras de trabalho, sendo por isso considerado com justiça, e sem contestação, um dos professores mais eruditos, eloquentes e austeros, ornamento da propria faculdade e gloria da mesma universidade.

Se no exercicio do magisterio no primeiro instituto scientifico do nosso paiz, prestou relevantissimos serviços á igreja e ao estado, não são de menor monta os que na tribuna sagrada prestara á litteratura e oratoria christãs, em que excedera os proprios mestres, segundo o testemunho unanime de quantos escutaram a sua palavra convicta á eloquente, ou leram os seus discursos correctos e inspirados, que são modelos no seu genero.

Por todas estas considerações, propomos ainda, que familia do illustre extincto se transmitia a expressão da nossa condolencia, enviando-se-lhe a copia respectiva da acta da nossa sessão. = Os deputados, Antonio José Boavida =José Mendes Lima.

O sr. Presidente do Conselho (Hintze Ribeiro):- Associo-me por parte do governo ao voto de sentimento que acaba de ser proposto pelo fallecimento do sr. dr. Rodrigues de Azevedo que conheci pessoalmente e que todos apreciavam como sendo um distincto professor da universidade e ao mesmo tempo um dos mais brilhantes ornamentos da tribuna sagrada.

O sr. Santos Viegas: - Pedi a palavra para declarar a v. exa. e á camara que muito particularmente me associo á proposta apresentada pelo sr. Boavida.

Tive a honra de ser tambem discipulo d'esse vulto singular, que deu brilho á Universidade de Coimbra, e tenho ainda como rasão particular o ser elle quem me levou á pia baptismal, e portanto ser meu padrinho.

Não fiz essa proposta, apesar de talvez a dever fazer, porque desejei proceder em harmonia com o que se costuma praticar n'esta casa, que só lança na acta votos de sentimento pela morte dos pessoas que n'ella tiveram assento.

Fui consultar os annaes d'esta camara, e não encontrei incluido na lista dos deputados em epocha mais ou menos afastada, o nome d'esse prestantissimo varão, em cujo peito, hoje sem vida, rivalisavam o amor pelo seu paiz, o nunca desmentido interesse pelo respeito do estabelecimento scientifico, de que era uma gloria.

Não fiz, portanto, a proposta, mas associo-me da maneira mais sentida e sinceramente á esse voto de profundo pezar, não só como discipulo que fui d'elle e seu admira-lo mas ainda pela rasão especial, que acabo de indicar. Deve vestir-se de luto a Universidade, é em especial a faculdade, de que foi o mais notavel ornamento, e punge-me que no saimento funebre, de quem tanto a inaltecêra, não soasse a voz entrecortada de soluços e lagrimas dos que lhe succederam na missão augusta do ensino theologico, (Apoiados.) commemorando os seus dotes, as suas e os serviços, que todos lhe deviam!

Eu sou dos que mais admiravam a sua vigorosa intelligencia e vastissima illustração, porque de perto convivi com esse gigante da sciencia, que honrando a Universidade dentro e fóra do paiz, honrou tambem a nação, em que nasceu, e para cujo engrandecimento sempre trabalhou. (Apoiados.) Associo-me, portanto ao voto de pesar pelo fallecimento do conselheiro Rodrigues de Azevedo.

Tenho dito.

Foi approvada a proposta.

O sr. D. José Gil: - Mando para a mesa uma justificação de faltas e uma representado dos terceiros distribuidores dos telegraphos-postaes do districto de Evora em que pedem para serem elevados á categoria de segundos distribuidores com o respectivo vencimento.

Vão publicadas no fim da sessão.

O sr. Fratel: - Agradece as explicações dadas pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, mas observa que só ficou com á certeza de que se deu divergencia de opiniões entre os commissarios inglez e portuguez.

Insta de novo com s. exa. para que trate de conseguir ama delimitação definitiva de Manica, á fim de se evitar que aconteça o que se está dando em Macequece, sentindo que sobre este assumpto não obtivesse do nobre ministro informação alguma.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra guando devolver as notas tachyqraphicas.)

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz de Soveral): - Pedi a palavra a v. exa. para declarar ao illustre deputado, que a delimitação do territorio de Manica está sujeita a arbitragem e que, portanto, o governo não tem meio nenhum possivel de apressar essa delimitação.

O sr. Fratel: - Accentuar que os inglezes, segundo in-

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formações que tem, já estão fazendo concessões n'aquelle ponto.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz do Soveral:- Devo ainda dizer ao illustre deputado, que as communicações officiaes que tenho do governo inglez asseguram-me, que foram dadas ordens, as mais terminantes, para que o territorio em letigio esteja absolutamente fóra de toda e qualquer concessão que se pretenda fazer.

O sr. Costa Pinto: - V. exa. comprehende, sr. presidente, que tenho de agradecer ao sr. ministro das obras publicas a sua extrema bondade em dar-me immediatamente as explicações que, nos termos do regimento, n'um aviso previo, pedia a s. exa. para me prestar n'outra qualquer sessão, ácerca de uns assumptos de serviços publicos que reputo importantes; e fazendo este agradecimento devo declarar ao nobre ministro das obras publicas e como explicação a alguns dos meus illustres collegas, que pedindo o prolongamento do caminho de ferro do Barreiro até Cacilhas, não foi meu intento contribuir para o augmento de despeza, como alguns dos meus collegas poderiam pensar, porque ao fazer este pedido, o que está na minha mente, é aproveitar a crise de trabalho que os operarios estão atravessando e em que todos os dias se falla, solicitando-se do governo qualquer emprego que lhes suavise a sua triste situação, e applicar esses operarios na construcção de uma obra importante, reconhecida por todos, de uma grande utilidade publica, como é o prolongamento do caminho de ferro do Barreiro até Cacilhas. (Apoiados.)

É n'esta obra que desejava se utilisasse a actividade dos centenares de trabalhadores, que o governo se vê forçado, pelas excepcionaes condições que o paiz atravessa, a empregar em obras ás vezes de bem contestavel proficuidade; e realmente é de reconhecida utilidade publica não só para o trafego, mas para os passageiros, que o terminus d'aquella valiosa linha ferrea seja em Cacilhas. (Apoiados.)

Sobre o segundo ponto de que desejava tratar, a ponte da Trafaria, pedia instantemente ao sr. ministro das obras publicas que mandasse construir aquella ponto o mais breve possivel e em condições da maior economia para o thesouro.

Esta ponte é indispensavel pelo enorme serviço que póde prestar áquella localidade, cuja população vivendo em frente de Lisboa, composta de gente quasi toda empregada na industria da pesca, que desgraçadamente tanto tem escasseado, posso dizer a v. exa. que no inverno sofrem os horrores da fome; e o unico recurso que tem aquella localidade é no verão, na epocha balnear, poder alugar casas a banhistas que ali vão passar alguns mezes.

Ora, sem a ponte não ha a faculdade de transporte; nã se estabelece a carreira de vapor que facilita a concorrencia de banhistas, e portanto a miseria, ainda mesmo no verão, continuará a affligir aquelles povos, dignos de melhor sorte. (Apoiados.)

Desejava, pois, que o sr. ministro das obras publicas não se esquecesse d'este meu pedido, que tambem o é de um dos meus collegas n'esta casa, o sr. Theodoro Pinto Bastos, o mandasse construir a ponte o mais breve que fosse possivel.

Quanto ao assoriamento da doca de Porto Brandão, creio que a sua desobstrucção é de pouca despeza e em que s. exa. presta um grande auxilio, á pequena navegação, que se vê a maior parte das vezes, sem abrigo para os seus barcos, e um assignalado serviço ao publico que ali desembarca, porque, como v. exa. sabe, o cães de Porto Brandão liga com a estrada do Lazareto, e portanto é grande o movimento de passageiros n'aquelle local.

Já vê v. exa. que, com uma pequena despeza, presta um grande beneficio á classe maritima que muito carece da protecção dos poderes publicos.

O sr. Ferreira Marques: - Declaro a v. exa. e á camara que lancei na caixa das petições tres requerimentos: um, do sr. general do ultramar, Cabral Vieira, reformado desde 1889, que estando a perceber os seus soldos pela tarifa de 1790, pede que lhe seja applicada a tarifa de 1865, pela qual recebem todos os officiaes reformados, quer da metropole quer do ultramar; e os outros dois requerimentos de terceiros distribuidores telegrapho-postaes das cidades da Horta e Ponte Delgada, pedindo melhoria de situação.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto do lei n.° 1 (resposta ao discurso da corôa)

Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza:

Abrindo a presente sessão das côrtes geraes da nação parlamentar, portugueza, cumpro gostosamente um dever constitucional, confiando em que a desvelada cooperação dos seus representantes em muito servirá á causa publica, á resolução dos assumptos em que mais interessa a prosperidade do paiz.

Com todas as nações estrangeiras temos presentemente cordiaes relações.

O incidente, que ha pouco sobreveiu a desagradaveis occorrencias que se deram, em Lourenço Marques, com o representante consular do Imperio Germanico, terminou por fórma a satisfazer os melindres d'aquella nação, que prezâmos, sem offensa do nosso proprio decoro.

A convite, que nos foi dirigido por Sua Magestade o Imperador Rei da Austria Hungria, foi Sua Magestade a Rainha, minha augusta e muito amada esposa, assistir em Vienna ao casamento de seu irmão o Senhor Duque de Orleans; pelo captivante acolhimento que teve, pela afectuosa prova de estima que recebemos, consigno o nosso sincero reconhecimento.

Não menos penhorante convite, que por igual agradeço, nos fez Sua Magestade o Rei de Italia, a mim e á minha familia, para assistirmos ao casamento de seu filho? Sua Alteza Real o Principe do Napoles; por esse motivo se dirigiram a Roma Sua Magestade a Rainha a Senhora D. Maria Pia, minha muito prezada mãe, o meu irmão

Senhor: - Foi grata aos representantes da nação a presença de Vossa Magestade na abertura da actual sessão parlamentar.

Folgou esta camara ouvindo de Vossa Magestade que a mais perfeita cordialidade preside actualmente ás relações do nosso paiz com todas as potencias estrangeiras, sendo-lhe agradavel a affirmação de que o incidente ultimamente occorrido em Lourenço Marques com o representante consular do Imperio Germanico, terminara sem desdouro para a nossa dignidade nacional.

Os representantes da nação juntam o seu reconhecimento ao de Vossa Magestade pelo afectuoso acolhimento com que Sua Magestade a Rainha Senhora D. Amelia foi recebida na côrte de Vienna d'Austria.

Não menor reconhecimento lhes inspira o convite que Sua Magestade o Rei de Italia dirigiu a Vossa Magestade e a sua familia para assistir ao casamento de Sua Alteza Real o Principe de Napoles, facto que determinou a ida a Roma de Sua Magestade a Rainha a Senhora D. Maria Pia e do Senhor Infante D. Affonso. Especial satisfação

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o Senhor Infante D. Affonso. Do modo o mais amigavel se restabeleceram, por essa occasião, as nossas antigas e affectivas relações com a Italia, o que me dá satisfação declarar-vos.

Um outro facto de ordem internacional occorreu tambem no intervallo parlamentar, que me é grato registrar aqui. Na pendencia que se suscitou, entre os Estados Unidos do Brazil e a Gran-Bretanha, ácerca da ilha da Trindade, coube a Portugal a conciliadora missão de, por bons officios, indicar a uma e outra d'essas nações amigas a solução que ambas acceitaram.

Aos memoraveis feitos que, em 1895, tanto enalteceram a nossa historia militar, outros se acrescentaram no anno que findou, assignalando o prestigio da soberania portugueza nas possessões de alem-mar. Em Timor, a occupação de Batugadé, a tomada dos reinos de Balibó e Catubaba, a submissão dos rebeldes de Hanir, Cová e Fatumean; em Angola, o castigo infligido ao gentio do Bondo, na região do Lui, pelas depredações e attentados que commettêra; na Guiné, a derrota do potentado de Farreah-Damá, a occupação militar das margens do Corubel, a vassalagem do territorio do Oio; em Moçambique, a recente campanha contra os Namarraes, tão valorosamente encetada, e cujo exito, estou certo, corresponderá ás acções gloriosas de Marracuene, Magul, Coolella e Chaimite, e ainda o recente e corajoso desembarque em Mocambo, contra a aggressão dos Maraves; - são factos que exalçam o renome das armas portuguezas, e nobilitam a marinha e o exercito pela sua constante e intemerata devoção á causa da patria.

Na India, restabelecida a ordem e assegurada a administração, porfia o meu governo em reprimir os actos de bandidismo, que alguns grupos de malfeitores têem commettido. Aos serviços que prestou meu irmão, o Senhor Infante D. Affonso, já como chefe das forças expedicionarias, debellando a conflagração que pôz em sobresalto aquella provincia, já como Vizo-Rei, exercendo superiores fracções administrativas, presto aqui o devido reconhecimento.

Em todo o paiz, inalteravel se tem mantido a ordem publica.

Depois que se encerrou a ultima sessão das côrtes, não só o meu governo se occupou da execução das leis promulgadas, mas actos importantes de administração se realisaram, de que devo fazer especificada menção pelo mais largo alcance que têem. A cotação das obrigações da companhia real dos caminhos de ferro; o emprestimo, que se effectuou, de cêrca de 3.000:000$000 réis para a acquisição de navios de guerra, primeira operação de credito que emprehendemos depois da crise de 1891; a adjudicação e o contrato que se fez com casas constructoras das mais conceituadas no estrangeiro, para a execução do plano d'esses navios e seu armamento;-melhorando, por um lado, as condições do thesouro e do credito publico, prepararam, por outro, a reorganisação das forças navaes, em defeza do nosso dominio e serviço das colonias que possuimos no ultramar.

Apraz-me, tambem, poder dizer-vos que os resultados, obtidos no cumprimento das novas leis de recrutamento e de repressão de emigração clandestina, permittem já affirmar não só que, muito superior ao que de tem realmente apurado serão, de ora em diante, os effectivos de guerra, mas tambem que, com o producto das remissões, se constituirá, uma valiosa somma, que muito auxiliará a indispensavel reconstituição do nosso material de guerra.

A mais das providencias que na anterior sessão legislativa ficaram pendentes do vosso exame, outras conta o meu governo apresentar-vos, a que confio prestareis cuidadosa attenção. Taes são, designadamente, as que se referem; a preceitos complementares da reforma da instruc-

sente esta camara pelo amigavel restabelecimento das nossas antigas relações com a Italia.

A subida prova de consideração que os Estados Unidos do Brazil e a Gran-Bretanha deram a Portugal na pendencia que entre aquellas duas nações se suscitou ácerca da ilha da Trindade constituo, indubitavelmente, um acontecimento importantissimo para o nosso paiz.

A camara exulta com similhante facto e rejubila-se em ver que soubemos corresponder á honrosa confiança que as duas grandes potencias em nós depositaram, dictando uma solução que por ambas foi acceite.

Os ultimos feitos militares nas provincias ultramarinas de Timor, Angola, Guiné e Moçambique ainda uma vez certificaram o brio inquebrantavel do nosso exercito e da nossa marinha. Ás duas corporações, vota esta camara o seu profundo reconhecimento.

A cooperação do Senhor Infante D. Affonso no restabelecimento da ordem e da administração na India foi por certo valiosa e bem merece a gratidão do paiz.

A cotação das obrigações da companhia real dos caminhos de ferro e o levantamento do emprestimo de 3:000 contos de réis, são indicios seguros de que o restabelecimento do nosso credito no estrangeiro se vae justamente affirmando.

A applicação do producto d'esse emprestimo á reorganisação das forças navaes em muito contribuirá para a melhoria da nossa administração colonial.

Com agrado ouviu esta camara que as novas leis de recrutamento e de repressão de emigração clandestina estão produzindo beneficos resultados.

Os representantes da nação aguardam as novas providencias que o governo, pelos diversos ministerios, projecta trazer ao debate parlamentar, e sentindo que circunstancias de força maior tenham ultimamente originado um aggravamento na situação cambial, esperam, entretanto,

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ção secundaria e do serviço de repressão da emigração clandestina; á organisação da magistratura judiciaria e ao processo das fallencias; ao serviço das forças do exercito no ultramar, bem como aos de saude; á classificação das praças de guerra, deixando de ser assim consideradas os desnecessarias para a defeza do paiz; á fixação das regras de admissão e permanencia dos officiaes das divertias armas no serviço do estado maior; ao regimen bancario nas nossas colonias; ao dos privilegios e exclusivos que a ellas tenham applicação, e ao das concessões que para a sua exploração e desenvolvimento se haja de fazer; ao estabelecimento de mercados nacionaes, ultramarinos; á navegação para as nossas possessões; á construcção dos caminhos do ferro do Ruo, de Benguella, e na ilha de S. Thomé, e ao prolongamento da linha de Loanda a Ambaca até Malange; á revisão das pautas de Angola, de modo a, sem prejuizo da protecção realmente necessaria ás industrias, se alcançar a melhoria das receitas d'aquella colonia; á declaração commercial que se acha assignada entre o meu governo e o da Dinamarca; á cultura de vastos tractos do terreno que no paiz se acham improductivos e que muito importa valorisar; ao melhoramento das condições de exportação dos nossos vinhos communs; ao regimen de constituição e funccionamento sociedades commerciaes, especialmente das sociedades anonymas. A todas estas questões sobreleva, porém, a questão de fazenda, hoje, como sempre, vital no paiz. Mantem-se, por sem duvida, a melhoria alcançada nas condições do nosso regimen economico e financeiro. É d'isso prova incontrastavel o facto de ter o thesouro, n'estes ultimos annos, podido obtemperar a todos os seus compromissos com os proprios recursos da nação, sem emprestimos externos, sem augmento avultado na divida fluctuante contrahida no estrangeiro. É innegavel, as estatisticas o mostram, que, em absoluto, se têem desenvolvido as industrias e as transacções do commercio; que são mais faceis as liquidações, attesta-o a consideravel diminuição na exportação do oiro, a par da reducção da taxa geral de desconto no banco emissor. Circunstancias se juntaram, todavia, ao terminar de 1896, que vieram affectar a nossa situação cambial. A baixa cotação no cambio do Brazil, a alta do desconto em Londres e Berlim, accrescendo á escassez de algumas colheitas pelo mau anuo agricola que decorrera, á carestia dos trigos nos mercados da America, e á restricção no valor dos productos exportados de Angola, encareceram o premio do oiro, aggravando consequentemente os encargos da praça e do thesouro, e produziram um retrahimento no commercio de importação, que se reflectiu em menor cobrança de receitas aduaneiras. Felizmente, já as cotações cambiaes vão melhorando; as circumstancias da praça e dos mercados estrangeiros prenunciam que em breve se desaggravará a situação.

Está pendente do vosso exame a remodelação das pautas, em que, porventura, convirá fixar as bases de um regimen convencional, applicavel ao commercio com outras nações; providencias especiaes vos serão propostas, a par do orçamento geral do estado; da vossa reflectida collaboração com o meu governo fio em muito a pertinente resolução dos assumptos que mais se prendem com os interesses do thesouro e do paiz.

Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza: é ardua e complexa a missão que vos incumbe; os mais altos problemas da governação publica, as questões de que mais depende o incremento e a prosperidade do paiz vos estão commettidos. Tenho fé em que, ajudados da Divina Providencia, lhes dareis solução adequada ao bem estar da nação.

Está aberta a sessão.

que da execução das novas medidas legislativas e do uma ponderada remodelação das pautas, advirá sensivel beneficio para o paiz, abrindo-se caminho para uma mais desafogada situação economica e financeira.

Ao estudo d'essas medidas applicará esta camara os seus melhores esforços e, confiando no auxilio da Divina Providencia, espera que os seus trabalhos hão de contribuir para o bem estar da nação.

Sala da camara, 15 de janeiro de 1897.=Antonio José da Costa Santos = Antonio Ribeiro da Santos Viegas = Antonio Teixeira de Sousa =João Pereira Teixeira de Vasconcellos = Luiz Osorio Pereira de Castro = Manuel Joaquim Fratel =Luciano Affonso da Silva Monteiro, relator.

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O sr. Dias Ferreira: - Talvez na sua exposição devesse cingir-se á parte da resposta ao discurso da corôa que se refere á questão economica e á questão financeira; porque é a respeito d'essas questões que o paiz atravessa uma situação mais grave.

Não póde, porém, guardar silencio a respeito de alguns factos politicos, porque não póde separar a politica da administração, nem a administração da politica.

Querendo argumentar com factos, tinha requerido varios documentos pelos differentes ministerios, mas teve o desgosto de não receber nem um, dos ministerios da marinha e dos negocios estrangeiros, e de não receber do ministerio da fazenda todos os que podiam e deviam vir á camara.

Pelo ministerio da marinha tinha pedido os documentos, officios, notas, telegrammas e todas as communicações quer nacionaes quer internacionaes, ácerca dos incidentes occorridos com o consul allemão em Lourenço Marques, nos dias 10 de outubro e 8 de dezembro do anno findo, e tambem ácerca de quaesquer factos relativos a esses incidentes.

O sr. ministro da marinha respondeu-lhe, porém, com um officio em que dizia que não estando ainda liquidadas as responsabilidades inherentes a esses factos, não podia por emquanto mandar os documentos pedidos.

N'estas occorrencias havia duas ordens de factos: havia os delictos, porventura, praticados, e pelos quaes hão de responder os que delinquiram; e havia a correspondencia trocada entre o governo e as auctoridades de Lourenço Marques ou a auctoridade superior da provincia.

Não pediu o processo, porque nem d'elle precisava, nem estava encarregado de syndicar quem delinquiu; pediu unicamente a correspondencia trocada entre o governo e as auctoridades de Lourenço Marques; porque tem o direito de avaliar as responsabilidades do governo.

Porque não vieram estes documentos? Não haveria um officio; não haveria um telegramma, ao menos, annunciando que tinha sido satisfeito o melindre do governo allemão, segundo o accordo feito em Lisboa?

Se o sr. ministro da marinha lhe dissesse que reputava inconveniente dar publicidade a esta correspondencia, comprehendia isto perfeitamente; mas o que não comprehende é que s. exa. empregasse similhante evasiva para deixar de remetter os documentos pedidos.

Quando o incidente tomou o caracter internacional, foram fornecidas á imprensa notas oficiosas, e na ultima affirmava-se que seria saudada a bandeira allemã e que o governador de Lourenço Marques visitaria o consul allemão. Não era natural que se completasse esta nota declarando-se que o accordo tinha sido cumprido? Certamente que o governo estaria para isso habilitado com a devida communicação de Lourenço Marques.

De mais a mais dava-se a circunstancia de dizerem os jornaes estrangeiros que o que se passou em Lourenço Marques divergia do que foi accordado em Lisboa, e este facto carecia de ser esclarecido.

A questão da salva não é indifferente, porque nos póde crear uma situação difficil para o futuro. Se na nações a quem convenha manter bem altas, immaculadas e illesas as boas praxes internacionaes, são certamente as nações pequenas, e por isso não percebe qual foi a rasão por que o governo não mandou os documentos pedidos a este respeito; mas o que sobretudo o surprehendeu, foi o motivo invocado.

Mais o surprehendeu ainda a resposta do sr. ministro dos negocios estrangeiros. S. exa. respondeu-lhe que não tinha havido correspondencia escripta ácerca do incidente de Lourenço Marques, e que se reservava para dar explicações verbaes!

Não póde deixar de acreditar na affirmação de s. exa. mas acha extraordinario que, tratando-se de um incidente, pelo qual nos vimos obrigados a saudar a bandeira allemã, não houvesse um unico documento que justificasse o acto excepcional que praticámos.

Pelo ministerio da fazenda tinha pedido os documentos relativos ao convenio com os credores dos caminhos de ferro portuguezes, porque no discurso da corôa se alludiu á cotação das obrigações dos mesmos caminhos de ferro, e ao emprestimo dos 3.000:000$000 réis em obrigações da tabacos.

A resposta que obteve, foi que estava a imprimir-se um livro branco que seria opportunamente apresentado á camara.

N'estas circumstancias, elle orador, vê-se obrigado a não discutir o assumpto por falta dos documentos que pediu; mas ha um ponto a respeito do qual pedirá explicações ao governo.

Duas questões se levantaram na imprensa a proposito da cotação das obrigações da companhia real.

A primeira foi a da cedencia dos direitos sobre o material da companhia para a linha de cintura e para a de Cascaes. Esta questão não tem grande importancia.

A segunda questão que se ventilou, foi a da remissão das linhas a que o governo tinha direito, passados quinze annos depois de construida a segunda via, e que os obrigatorios queriam que ao podesse ser effectuada dez annos depois da reconstituição da companhia.

Nos documentos que o governo lhe enviou, não encontra nada ácerca do direito de remissão, por parte do governo, das linhas do norte e leste, mas viu publicado n'um jornal, que tem á sua frente um ex-ministro da fazenda, um officio em resposta á camara syndical de Paris, e n'elle se allude ao assumpto. Pergunta, pois, se a doutrina d'esse officio é do conhecimento do governo.

Referindo-se ainda ao facto de não lhe terem sido enviados todos os documentos que pediu, nota que o sr. ministro da fazenda o que não lhe mandou foi exactamente o mais simples, que é a nota da divida fluctuante em 31 de dezembro, e d'essa nota carecia elle orador, para poder apreciar a situação da fazenda publica.

O discurso da corôa diz que a cotação das obrigações da companhia dos caminhos de ferro e o emprestimo dos réis 3.000:000$000 é uma demonstração clara de que o nosso credito está levantado.

O orador não é d'esta opinião. A seu ver, quanto mais se deve, mais precaria é a situação do paiz.

Se o credito está levantado, como se explica que varias casas a que o governo se dirigiu, se recusassem a concorrer ao emprestimo, e elle fosse feito com duas outras que têem como representantes o presidente e o vice-presidente da companhia dos tabacos?

Mas ha mais, e é o mais extraordinario; como é que recusando-se os bancos commercial e Lisboa e Açores a concorrerem ao emprestimo, o banco alliança do Porto, que tem menos recursos, mas que é muito bem administrado, como são os dois outros a que se referiu, apresenta no seu relatorio, como sendo uma bella operação, o ter conseguido obsequiosamente a cedencia de duas mil obrigações do emprestimo.

Analysando o contrato do emprestimo, parece-lhe extraordinario que o governo comece a pagar juros em 1 de outubro de 1896, quando só recebe uma quasi metade do emprestimo em 15 de dezembro de 1897. Considera a clausula dos duodecimos como um bonus para os contratadores; manifesta-se contra o direito de opção quando se haja de contrahir novo emprestimo, e sente que se fizesse um contrato que tivesse de ser pago em oiro no estrangeiro. Que fosse feito em melhores condições do que o de 1891, não é para admirar, desde que todos se recordem de que a camara votou esse emprestimo debaixo da pressão violenta e da declaração do governo de que não havia outro meio de acudir á situação angustiosa do paiz, situação

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que originou pouco depois a inconvertibilidade da nota e passado um anno a reducção nos juros da divida publica.

(O discurso será publicado na integra, em appendice a esta sessão, guando s. exa. o restituir.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Uma phrase perfeitamente conceituosa teve o illustre deputado no discurso que acabou de proferir; o que não quer dizer que as outras não fossem proprias de quem conhece de ha muito os negocios publicos e tem uma larga experiencia das condições economicas e financeiras do paiz. Houve, porém, na phrase a que me refiro, um pensamento do illustre deputado que me pareceu sobremaneira adequado á situação presente e foi que o paiz não lucra absolutamente nada com objurgatorias politicas e que é precisamente na união de todos que póde consistir a melhor garantia á solvabilidade dos seus compromissos e ao levantamento do seu credito.

A camara comprehende que eu mal corresponderia ao discurso sereno o cordato do illustre deputado, se entrasse n'um terreno politico para que s. exa. de todo me não chamou, mas, pelo contrario, cuidadosamente affastou do debate.

O illustre deputado tocou em varios assumptos dos que se acham indicados no discurso da corôa, mas sempre com a elevação que é caracteristica do seu animo e com uma urbanidade de phrase para com o governo, que eu, pela minha parte lhe agradeço.

Não julgue, pois, o illustre deputado que possa haver ano palavras que eu vou proferir, uma só, que porventura o magoe, de leve que seja. De resto, divergencia nas nossas apreciações, isso sim.

O illustre deputado discutiu convictamente, quero crer; mas com a mesma convicção lhe posso eu dizer que, a bem do paiz, só achei no seu discurso a phrase de que não é com objurgatorias politicas que o podemos salvar.

Seguirei a ordem de considerações que o illustre deputado expoz; acompanhal-o-hei passo a passo, e depois a camara me permittirá,-se não for hoje, ámanhã,-que eu faça uma exposição mais desenvolvida do estado economico e financeiro do paiz, porque me parece necessario que todos nós tenhamos bem presentes quaes as condições do momento, para que, exactamente como disse s. exa., sem objugatorias politicas, entremos no estudo verdadeiro da questão.

O illustre deputado referiu-se aos documentos que pediu, e comprehende v. exa. muito bem que, embora se dirigisse aos meus collegas da marinha e dos negocios estrangeiros, é obrigação minha responder a todos os pontos do seu discurso, a todas as arguições que fez ao governo. Responde pelo governo (apoiados) a que tenho a honra de presidir.

O illustre deputado dirigindo-se ao sr. ministro da marinha, queixou-se de que, tendo pedido a correspondencia relativa aos incidentes que se deram em Lourenço Marques com o consul allemão, o sr. ministro da marinha se limitasse a dizer-lhe que, sendo esses factos objecto de processo judicial, não podia por esse motivo satisfazer o pedido do illustre deputado. E então dizia-nos s. exa.-o que tem a correspondencia trocada entre o governo e as auctoridades ultramarinas com os factos que se apuram perante o poder judicial? Tem tudo. (Apoiados.)

O illustre deputado comprehende bem que a correspondencia trocada entre o governo e as suas auctoridades versa precisamente sobre esses factos. Discutir esta correspondencia importa discutir os factos que os tribunaes têem por missão julgar, para pedirem a responsabilidade áquelles que os praticaram. (Apoiados.)

Não lhe mandaram tambem, disse o illustre deputado, os telegrammas relativos ao cumprimento da satisfação dada ao governo allemão. Foi este, creio eu, um dos pontos mais importantes do discurso du s. exa., e desde que assim é, apresso-me a satisfazer ao que o illustre deputado, no interesse do proprio decoro do paiz, reclama de mim: - a exacta declaração do que se fez.

No que toca aos factos occorridos em Lourenço Marques, ao modo por que só passaram, á responsabilidade de quem os praticou, a tudo o que póde ser objecto de investigação judicial, creio que justificado está o governo em não mandar os respectivos documentos, porque não podemos ao mesmo tempo discutil-os na parlamento o fazel-os julgar nos tribunaes. (Apoiados.)

Pelo que toca á natureza da satisfação dada ao imperio germanico, ao cumprimento que teve o accordo havido entre o governo allemão e o governo portuguez, se ha qualquer falta de documentos no sentido em que s. exa. só queixa, tem as declarações claras e formaes do governo, que de certo a suppre. (Apoiados.)

O illustre deputado, referindo-se á nota officiosa publicada pela imprensa a este respeito, disse que, se bem não fosso esto o costume havido entre nós, comtudo o não desapprovava.

E, sem duvida, esclarecer o paiz em tanto quanto se póde esclarecer n'um assumpto internacional, desde que elle tomou uma feição importante, e se prende com o proprio modo de ser da nação nas suas relações com as nações estrangeiras, parece-me que é um acto de boa politica do governo, ao mesmo tempo que o cumprimento de um dever stricto para com o paiz. (Apoiados.)

Simplesmente o illustre deputado disse que a nota officiosa, que dera informação do estado das negociações entre o governo portuguez e o governo allemão, não teve o seu natural complemento, porque era necessario esclarecer tambem, para conhecimento do paiz, se realmente o accordo se cumprira e os termos em que se cumprira.

Sr. presidente, escusado me pareceu esse complemento. Desde que officiosamente, como informação emanada do governo, a imprensa noticiou um accordo havido entre dois governos, e não houve um desmentido a essa noticia, não tem o illustre deputado n'isso a prova mais clara e mais completa de que effectivamente a noticia foi de todo o ponto exacta? (Apoiados.)

Pois suppõe o illustre deputado que se o governo portuguez se abalançasse, n'um assumpto que era do discussão com outro governo, a dar uma noticia sobre a maneira como se resolvia um incidente ou um conflicto qualquer, e essa noticia não fosse a expressão da verdade, o governo que estivesse em negociações comnosco a deixaria passar sem correctivo? (Apoiados.)

S. exa. viu uma nota officiosa, publicada pela imprensa, dando informação do accordo a que chegáramos com o governo allemão. O silencio d'esse governo era a comprovação absoluta do que n'essa nota dizia. (Apoiados.)

Julga o illustre deputado indispensavel que dissessemos que o accordo tinha sido cumprido? Comprehende s. exa. que um compromisso internacional entre dois governos se deixe de cumprir, sem mais consequencias? (Apoiados.)

Desde que o governo portuguez accordára com o governo allemão em que, por virtude de occorrencias desagradaveis que se deram em Lourenço Marques com o consul d'aquelle paiz se praticariam, por nossa parte, determinados actos de deferencia, que seriam retribuidos pelas auctoridades allemãs, acha s. exa. que se isto não se tivesse feito-e o cumprimento era um dever de honra para o nosso paiz-as cousas se passariam, como passaram, sem reclamações, sem mais nada?

Evidentemente, o illustre deputado, com a larga experiencia que tem dos negocios diplomaticos não precisava de perguntar ao governo se se cumprira o promettido no accordo com o governo allemão. Na propria ausencia de ulteriores reclamações estava a prova de que se havia cumprido o que se accordára, nem de outro modo se podia comprehender o silencio da Allemanha.

O que o governo referiu, com inteira verdade, foi que se accordára com o governo allemão: uma visita feita pelo

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governador de Lourenço Marques ao consul allemão, que a retribuiria; e a saudação da bandeira allemã pelo navio chefe portuguez que estava no porto de Lourenço Marques, a que o navio de guerra allemão, fundeado nas mesmas aguas, corresponderia, saudando a bandeira portugueza.

Sobre isto, apenas o illustre deputado leu um telegramma, em que se dizia que o governador geral tinha acompanhado o governador do districto a casa do consul, o que por certo não affectou o cumprimento do accordo que se fizera. De resto, não tenha s. exa. a menor duvida quanto ao modo por que elle foi cumprido. Os factos passaram-se como foram referidos na nota oficiosa do governo. Faço esta declaração tanto mais desassombradamente, que, na minha consciencia, entendo que se esses acontecimentos foram lamentaveis, a satisfação dada não feriu o brio e o decoro da nação portugueza. (Apoiados.)

O illustre deputado disse que ella tinha ido mais longe do que deveria, acrescentando que não se saudava a bandeira de uma nação estrangeira, quando não houvera um attentado á soberania d'essa nação, um insulto feito á propria nação! Esqueceu-se s. exa. de uma cousa, e é que os factos occorridos em Lourenço Marques, no dia 8 de dezembro, não se deram simplesmente com o consul allemão; deram-se com o consulado da Allemanha e o illustre deputado sabe que, pelo principio da exterritorialidade, este representa a nação allemã para todos os effeitos. (Apoiados.)

Aqui tem s. exa. a rasão porque, independentemente dos factos puramente pessoaes, houve o reconhecimento, por parte do governo, de que se devia uma satisfação á Allemanha pelo desacato feito ao seu consulado, satisfação que foi dada em termos de reciproca deferencia.

Insisto n'este ponto, e citarei até um facto recente. Ainda ha pouco um navio de guerra inglez entrou num porto francez, e devendo saudar a terra, saiu, por qualquer motivo, sem ter cumprido esse dever.

O governo francez sentiu-se, fez a sua reclamação, e a Inglaterra apressou- se a mandar uma esquadra composta do alguns navios saudar a terra, n'esse porto, reconhecendo e reparando assim a falta que se praticara.

Reparar, em termos de mutua cortezia, um aggravo que se reconhece, não molesta os brios de ninguem, individuo ou nação.

Ainda sobre o mesmo assumpto, se referiu o illustre deputado ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, não pondo em duvida a veracidade da sua resposta, quando o meu collega lhe dizia não ter havido negociações escriptas sobre os acontecimentos de Lourenço Marques e ao que d'ahi se seguiu entre os dois governos, mas estranhando que não houvesse essas negociações.

Estranheza, quanto a mim, só póde haver no facto de querer o illustre deputado, com tanto afan, que sobre um assumpto d'esta ordem corressem negociações escriptas. Pois, quando duas nações têem relações cordeaes entre si e um incidente se levanta, que por isso mesmo que é ostensivo e publico, exige uma reparação que não fica mal a ninguem dar, acha o illustre deputado que é preferivel haver negociações escriptas, notas violentas, palavras acerbas, para se chegar a um resultado?

Francamente, entendemos nós e o governo allemão, que por isso mesmo que as relações entre os dois paizes eram cordeaes, podia e devia este assumpto liquidar-se sem o apparato diplomatico de notas formaes, sem mais do que um accordo, bona fide, entre as duas partes.

Foi por isto que não houve negociações muito melhor foi que não as houvesse.( Apoiados.)

S. exa. lembra-se, por certo, do que occorreu em 1890. Houve então as notas escriptas de que profundamente nos resentimos. Quem o illustre deputado que a respeito das occorrencias agora havidas em Lourenço Marques, tambem ficasse uma nota escripta, um registro na historia, que fosse doloroso ao nosso sentimento? (Apoiados.)

Não foi bem melhor reconhecer-se de commum accordo, em boa paz, que por virtude de factos desagradaveis, a que o governo foi estranho, era devida uma justa reparação sem que isso fosse precedido de uma imposição, de uma intimativa, de qualquer nota internacional que podesse ferir a nossa susceptibilidade, o nosso decoro? Parece-me que o contrario seria desejar o que no interesse do paiz, e pelo sentimento da sua propria dignidade, todos nós mais deveriamos evitar. (Apoiados.)

De resto, certamente o illustre deputado não podia pôr em duvida, e eu sei que não põe, mas não quero que seja só por consideração pessoal para com s. exa. o ministro dos estrangeiros que o diga, que desde que o governo declara não haver sobre o assumpto negociações escriptas, porque não existem.

Em que situação ficaria o governo se, n'um assumpto que se discutiu internacionalmente, tendo havido negociações, viesse dizer que não houvera. O governo só póde dizer que não as houve, quando realmente ellas não existiram.

Depois referiu-se o illustre deputado ainda ao sr. ministro dos estrangeiros pela resposta que elle lhe deu ácerca da correspondencia diplomatica relativa ao convenio dos caminhos de ferro. Efectivamente os documentos não vieram; os documentos são longos e estão sendo colligidos, a fim de se publicarem no Livro branco.

Creia s. exa. que não era em tres ou quatro dias que esses documentos podiam vir á camara. Nem s. exa. em tão breve espaço os podia manusear. São documentos que se escreveram durante mezes, que têem de ser devidamente compilados como todos os dos Livros brancos.

S. exa., sem ter sido ministro dos negocios estrangeiros, sabe que em todas as questões que assumem uma certa importancia, como aquella assumiu, o que se publica e manda para a camara é regularmente o Livro branco. Sabe mais que ha documentos de negocios internacionaes que o governo não póde publicar, desde que representam correspondencia com outros governos, sem primeiro se certificar de que o governo, com quem tratou, não vê n'isso inconveniente.

Quando se possa fazer uma compilação regular de todos os documentos, terá o illustre deputado occasião de ver uma cousa, e é que o governo defendeu quanto poude os interesses do paiz até chegar a um resultado, qual foi o da liquidação do credito do governo sobre a companhia dos caminhos de ferro, resultado que me abalanço a dizer que significa um grande e productivo esforço da parte do governo portuguez, porque d'essa liquidação nos adveiu um importante stock de titulos negociaveis no estrangeiro uma consideravel reserva valorisavel em oiro, que de momento nos póde habilitar a solver uma difficuldade que appareça, um compromisso que haja a satisfazer em praso curto.

Dito isto, creio que tenho justificado os meus collegas das arguições que s. exa. lhes dirigiu.

Agora fallarei de mim, visto que tambem s. exa. me accusou, e a mim quasi por excesso. Dos meus collegas queixou-se por não lhe mandarem documentos, de mim porque lhe mandei de mais.

Queixou-se d'aquelle livro de 570 paginas que lhe mandei; (Riso.) achou que era um presente pouco amigavel o mandar-lhe um volume tão grosso para que s. exa. houvesse de o manusear em horas successivas, a fim de se habilitar a discutir. Verdade é que se s. exa. o leu, pouco lhe aproveitou, porque não se referiu a elle; e assim posso ter a esperança, algum tanto fundada, de que a leitura lhe não tivesse fatigado o espirito.

Vamos á questão da cotação. S. exa. deseja que a este respeito o governo faça declarações claras e terminantes eu desejava fazel-as ainda hoje, porque, enfim, vi que

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s. exa. estava sobremaneira preoccupado com algum compromisso que o governo houvesse tomado no que toca á remissão das linhas de norte e leste, e não desejo que s. exa. leve essa preoccupação comsigo.

Duas questões diz o illustre deputado que se levantaram por occasião da cotação; uma foi a da liquidação dos direitos aduaneiros, relativamente a importação de material para o caminho de ferro de Cascaes; a outra foi a relativa ao uso do direito de remissão das linhas, por parte do governo.

Sr. presidente, tive uma grande satisfação quanto á primeira parte, e ingenuamente a confesso; foi quando ouvi o illustre deputado, que aliás recebeu todos os documentos que ou lhe podia mandar, porque eram os que tinha, ácerca da liquidação dos direitos aduaneiros relativos do caminho de ferro do Cascaes, dizer, depois do ler todos esses documentos, que não havia sobre elles que discutir. Ainda bem!

Tantas foram as accusações, tão destituidas do fundamento, tão injustas, sobre o modo como o governo sacrificou os interesses do thesouro, para alcançar a cotação das obrigações dos caminhos de ferro do norte e leste, sendo um dos graves motivou do condemnação o de ter dado de mão beijada á companhia real uns contos de contos de réis, por importação de material para o caminho de ferro de Cascaes, que, francamente, quando ouvi a palavra auctorisada e imparcialissima do illustre deputado asseverar que, em vista dos documentos que eu lhe mandára sobre o assumpto, não havia que discutir, fiquei tranquillo na minha consciencia, com a certeza de bem ter procedido. (Apoiados.)

Effectivamente, apenas como esclarecimento á camara, em brevissimas palavras lhe direi o que foi esta questão dos direitos aduaneiros sobre o material para a linha ferrea do Cascaes.

Como os srs. deputados sabem, houve em 1887 um alvará do concessão á companhia real para o lançamento da linha ferrea do Cascaes.

Não se estipulou expressamente, n'esse alvará, que a companhia gozasse de isenção, no tocante aos direitos de importação; mas o certo é que, não um, nem dez, nem cem, mas quinhentos despachos se fizeram, sem reclamação, por parte do governo, de direitos aduaneiros. Devia-se ter feito? Não se devia ter feito? Era uma questão que melhor se poderia apurar então, do que hoje, que o caminho de ferro está feito.

Certo é que «m 1892, a proposito de um pedido feito ao illustre deputado, quando ministro da fazenda, para a isenção de direitos aduaneiros referentes á importação de uma mobilia que se destinava ao Hotel Internacional, o illustre deputado lançou o seu despacho, indeferindo. A companhia entendeu que este despacho só vigorava para o futuro e não em relação ao que já estava importado e despachado, continuando as cousas assim, até 1893. N'esse anno, sobre um parecer da procuradoria geral da corôa, entendeu-se que não havia, effectivamente, n'esse alvará isenção alguma de direitos aduaneiros para o material do caminho de ferro, e que o governo estava, a todo o tempo, investido na faculdade de reclamar esses direitos; reclamou-os.

A companhia não só conformou e requereu arbitragem. O governo não a concedeu; a procuradoria geral da corda confirmou o seu anterior parecer; a companhia intentou acção perante o tribunal do commercio, que deferiu á arbitragem pedida, do que o agente do ministerio publico recorreu.

Chegou o recurso até ao supremo tribunal de justiça, recurso que só veiu a ser decidido, quanto ao modo como devia ter recebido, bastante tempo depois de estar ultimado o convenio entre a companhia o os seus credores.

N'esse convenio, que foi acceito pelo governo, e em que se estipulou expressamente qual a importancia do credito do governo, diz-se:

«A divida da companhia ao thesouro portuguez, incluindo juros contados até 31 de dezembro de 1893, como aos demais credores por divida fluctuante, é liquidada, segundo a conta corrente trocada entre a administração da companhia e o governo, na quantia definitiva do 5.498:385$172 réis, moeda corrente.

«A divida da companhia ao thesouro portuguez será extincta pela entrega de obrigações privilegiadas de primeiro grau de 3 por cento computadas ao preço de 315 francos, oiro, isto é pela entrega, pura e simples, de 72:718 obrigações privilegiadas de primeiro grau de 3 por cento com vencimento do 1.° de janeiro de 1894.»

Esta foi a estipulação do convenio que o governo portuguez sanccionou.

Depois d'isso, quando ultimamente se tratou da cotação das obrigações,-e, como a camara comprehende, era este um assumpto que interessava não só a bancos e particulares, mas ao proprio governo, por isso mesmo que o seu credito lhe era computado em obrigações de primeira hypotheca na companhia dos caminhos de ferro de norte e leste,- apresentou-se um protesto ante a bolsa do Paris, e esse protesto, ao qual s. exa. se referiu, comprehendia, ao mesmo tempo, uma reclamação contra a exigencia dos direitos de importação de material relativamente ao caminho da ferro de Cascaes, e uma reclamação tambem contra o possivel uso do direito de resgate por parte do governo.

Então a companhia, representada pelo presidente do conselho de administração, veiu fazer uma larga demonstração ao governo, esforçando-se por demonstrar que, depois que no convenio se liquidara qual era devidamente a importancia do credito do governo sobre a companhia e se estipulara na base 10.º a fórma do pagamento, ao governo não assistia o direito de reclamar outra qualquer quantia, com fundamento na importação de material para o referido caminho de ferro.

O governo ouviu sobre isto a procuradoria geral da corôa, sustentando esta, e sustentando firmemente, que o que mais interessava hoje ao paiz era cumprir leal e absolutamente os accordos internacionaes que houvesse feito, e que, portanto, desde que o convenio fóra feito sob os auspícios de dois governos, o governo francez e o governo portuguez, com intervenção do credores estrangeiros e nacionaes, estipulando-se qual era a divida do governo e qual a fórma de pagamento, devia o governo do nosso paiz abster-se de qualquer outra exigencia, para não parecer que reclamava o que não era devido, faltando á fé dos contratos. Foi com este parecer, da instancia mais competente, que me conformei, entendendo que depois do convenio não tinha direito a reclamar aquella somma.

Eis tudo o que se passou com relação aos direitos de importação de material para o caminho de ferro de Cascaes.

A camara avaliará se o governo procedeu bem ou mal, se procedeu, como me parece, justificadamente, em vista das rasões que foram dadas e do proprio parecer de uma alta estação consultiva que indicou o caminho a seguir, na boa fé do convenio a que o governo portuguez tinha adherido por completo.

Depois d'isto a questão da remissão.

Na propria exposição feita pela companhia ao governo, sobre o direito da remissão se dizia o seguinte:

«É inadmissivel a exigencia feita no protesto, em nome dos obrigatarios, relativamente á limitação do praso em que o governo portuguez póde usar do direito de remissão das linhas concedidas á companhia real. Esse direito, seja elle qual for, e que não se discute n'este momento, é o que consta das condições dos respectivos contratos mantidos integralmente, sem addições, nem subtracções, nem modificação de ordem alguma, pela base 16.ª da conven-

sobre

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ção de 4 de maio de 1894, que transcrevo nos dois textos, portuguez e francez, para tirar todas as duvidas:

«Base decima sexta:

«As condições d'esta convenção em nenhum caso prejudicam os direitos que, pelas leis e clausulas dos contratos e alvarás, pertencem ao estado sobre as linhas ferreas concedidas á companhia, nem alteram por qualquer firma os prasos e todas as demais condições fixadas n'esses contratos e alvarás para reversão ao estado das linhas e seus ramaes, nem modificam o direito, que continua assegurado ao estado, de fazer a remissão d'essas linhas, tudo nos termos dos referidos contratos e alvarás.»

Diz isto um documento tambem official. Não é o governo que falla, é a Companhia; e pelo que acaba de ouvir, vá a camara que no convenio, a que o governo adheriu, não houve modificação alguma no statu que juridico ácerca do direito de remissão por parte do estado com relação aos caminhos de ferro do norte e leste, e isso foi expressamente reconhecido pela companhia.

Mas o illustre deputado referia-se a outro documento, e eu desejo fazer n'esta parte a minha demonstração completa.

S. exa. confessou lealmente que nos documentos que lhe mandei --e foram todos os que havia na minha secretaria referentes ao assumpto - nenhum existia que implicasse, da parte do governo, qualquer compromisso em contrario ao que nos contratos primordiaes se estipulava, com relação á remissão das linhas.

Mas referiu-se á resposta dada, em Paris, á camara dos corretores, quando ella interrogou os representantes do comité, ali, dos caminhos de ferro sobre a conveniencia ou a inconveniencia, para a companhia, de se conceder a cotação a todas as obrigações, incluindo as do governo portuguez.

N'essa resposta não viu o illustre deputado uma só palavra que podesse implicar o reconhecimento, por parte do governo, da abdicação do uso do seu direito com relação á remissão d'aquelle caminho de ferro; pelo contrario, n'essa resposta, que foi exclusivamente dos representantes da companhia, ali o que se accentuou foi que o comité de Paris não julgava opportuno discutir a questão da remissão pelos motivos que expendeu, mas não por virtude de qualquer transacção ou accordo em que tivesse intervindo o governo portuguez.

Isso está formalmente declarado ião documento que eu vou ler á camara.

Quando a resposta, a que o illustre deputado se referiu, foi conhecida aqui, na séde da administração da companhia dos caminhos de ferro do norte e leste, perguntou-se ahi se o governo tinha adherido áquella resposta ou de qualquer fórma intervindo na sua redacção. Fez a pergunta um dos delegados do governo, o sr. Madeira Pinto. O que se passou consta do seguinte documento:

«Companhia real dos caminhos de ferro portugueses.- Extracto da acta da sessão do conselho de administração de 2 de dezembro de 1896,-.O sr. conselheiro Madeira Pinto pergunta se para as communicações trocadas entre o comité de Paris e a camara, syndical dos correctores, de Paris para a cotação das obrigações da companhia real intervem outra entidade que não fossem os mesmos comité e camara syndical.

«O sr. presidente responde que hão, pois que a camara syndical tendo querido ouvir sobre o assumpto o comité, como já ouvira os que contra a cotação haviam protestado, compareceram por parte do mesmo comité na camara syndical os srs. Kergall, Richemond e elle, sr. presidente, a fim de darem todas as explicações que ao comité se pediam, explicações que deram verbalmente primeiro, e depois repetiram e ampliaram por escripto, como se vê dos documentos n.ºs 1 e 2 appensos ao relatorio em discussão. Não lhe consta que outra entidade interviesse nas relações entre o comité e a camara syndical.

«O ar. conselheiro Madeira Pinto: fica, portanto, consignado que nenhuma outra entidade interveiu para as communicações entre o comité e a camara syndical. Em seguida s. exa. declara que se associa ás palavras de congratulação e louvor ha pouco proferidas pelo sr. conselheiro Arroyo, e vota á sua proposta.»

Vê, portanto, o illustre deputado, provadamente, que a resposta a que s. exa. se referiu, dada pelo comité de Paris á camara dos corretores ali, foi da exclusiva responsabilidade d'esse comité, em que o governo portuguez de fórma alguma interveiu.

Creio, com isto, ter socegado o illustre deputado. A verdade é que o convenio, celebrado em 1894, em nada alterou as condições do direito de remissão, por parte do governo, antes declarou subsistentes as condições primordiaes dos contratos, com que se construiram aquellas linhas.

O sr. Presidente: - V. exa. dá-me licença? Devo prevenil-o de que, se não quizer ficar com a palavra reservada, visto a hora estar a dar, o regimento lhe concede mais meia hora para concluir o seu discurso.

O Orador: - Por agora pouco mais direi; apenas o suficiente para terminar este assumpto, em que estou respondendo ao illustre deputado.

Dizia eu que o convenio celebrado pelo governo, e que é da sua responsabilidade, em nada alterou as condições dos contratos primitivos e que, no tocante á remissão, não houve, nem se tomou, por parte do governo, compromisso algum, por occasião de se tratar da cotação. Ao mesmo tempo que acrescento não haver, da parte do governo, intenção de resgatar tão cedo as linhas do norte e leste, prejudicando assim, desde já, as obrigações de segunda hypotheca.

Entendo que, para termos credito no estrangeiro, devemos proceder em tudo de boa fé, ligamento, sem sacrificar os interesses dos outros unicamente para beneficiar os nossos. O governo, embora não tivesse tomado compromissos, porque os não tomou, deseja sempre proceder de maneira a, quanto possivel, evitar recriminações.

Creio ter respondido n'esta parte ao discurso proferido pelo illustre deputado; não me leve v. exa. e a camara a mal que eu continuo ámanhã no uso da palavra, para responder sobre os demais assumptos financeiros, de que s. exa. tratou.

Vozes: - Muito bem.

O orador foi muito comprimentado.

O sr. Presidente: - A commissão de redacção não fez alteração alguma ao projecto de lei n.° 121, introduzindo-lhe apenas o additamento approvado pela camara.

A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada para hoje. Está levantada a sessão.

Eram mais de seis horas.

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Propostas de lei e documentos mandados para a mesa n'esta sessão

Proposta de lei n.° 1-F

Senhores. - Tenho a honra de submetter á vossa apreciação o orçamento geral das receitas e despezas do estado, na metropole, para o futuro exercicio de 1897-1898, cujos resultados geraes são os seguintes:

Receitas:

Impostos diretos 12.625:700$000

Sêllo e registo 5.196:500$000

Impostos indirectos 26.184:650$000

Impostos addicionaes 1.086:000$000

Bens proprios nacionaes e rendimentos diversos 4.506:056$200

Compensações de despeza 3.539:110$050 53.138:016$250

Despesas:

Ordinarias:

Encargos geraes, incluindo emprestimos com garantia das receitas dos tabacos 8.616:496$471

Divida publica fundada 18.171:718$078

Fundo permanente de defesa nacional -$-

Differença de cambios (alem das correspondentes á divida publica fundada) 500:000$000

Serviço proprio dos ministerios 22.856:005$166

Caixas, geral de depositos e economica portugueza 58:920$000

50.203:139$715

Extraordinarias 2.824:000$000 53.027:l39$716

Excedente das receitas proprias do thesouro 110:876$535

As receitas vão calculadas de harmonia com os preceitos do regulamento geral da contabilidade publica, convindo, porém, observar que, apesar de, no ultimo anno economico as receitas dos cereaes no continente terem sabido a 2.898:650$258 réis, vão computadas, para maior segurança das previsões, só por 2.250:000$000 réis, isto é, ainda abaixo da media da receita dessa proveniencia. Tambem nenhuma quantia se inclue pelo producto da remissão de recrutas, visto que essa receita, e nos limites d'ella, tem applicação especial pelos ministerios da guerra e marinha, e nenhuma quantia determinada por essa applicação figura tanto no orçamento do ministerio da guerra como no da marinha. A proporção que as receitas forem sendo cobradas e applicadas mediante a preliminar abertura de creditos especiaes, as contas do thesouro mencionarão tanto a recepção da receita, como o respectivo dispendio.

Figuram n'este orçamento tambem os encargos de 43.000:000$000 réis de inscripções creadas para caução de operações do thesouro; os juros d'essas inscripções, que pertencem á fazenda, sobem a 1.290:000$000 réis, e augmentam as receitas:

No imposto de rendimento 387:000$000

Nas compensações de despeza 903:000$000

1.290:000$000

As receitas proprias do thesouro, ordinarias, arrecadadas nos doze mezes da gerencia de 1895-1896, foram em dinheiro:

Impostos directos 12.129:662$425

Sêllo e registo 4.935:350$658

Impostos indirectos 26.156:413$545

Impostos addicionaes 1.122:338$789

Bens proprios nacionaes e rendimentos diversos 4.750:815$710

Compensações de despezas 3.016:504$749

52.111:085$876

Só addicionarmos a esta quantia a dos juros de 43.000:000$000 réis, que não podiam ser incluidas nas cobranças de 1895-1896, por que os respectivos titulos só depois de finda essa gerencia é que foram creados 1.290:000$000

Teremos 53.401:085$876

E como o orçamento das receitas para 1897-1898, incluindo os juros dos referidos 43.000:000$000 réis de inscripções sobe a 53.138:016$250

É esse orçamento inferior á totalidade das receitas arrecadadas na ultima gerencia á importante quantia de réis 263:069$626

o que mostra a moderação dos calculos feitos.

Comparando as tabellas do orçamento ora proposto com as annexas a lei de 13 de maio de 1896, que regulou as receitas e despezas do estado na metropole no exercicio de 1896-1897, encontrareis as seguintes differenças:

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SESSÃO N.º 9 DE 18 DE JANEIRO DE 1897 75

Quanto ás receitas:

Orçamento de 1897-1898 Tabellas Vigente Differenças do orçamento

Impostos indirectos 12.625:700$000 11.953:239$750 + 672:460$250

Sêllo e registo 5.196:500$000 6.210:200$000 - 13:700$000

Impostos indirectos 26.184:650$000 24.688:583$326 + 1.496:066$674

Impostos addicionaes 1.086:000$000 717:000$000 + 369:000$000

Bens proprios nacionaes e rendimentos diversos 4.506:056$200 4.450:274$250 + 55:781$950

Compensações de despeza 3.539:110$050 2.681:673$600 + 857:436$450

53.138:016$250 49.700:970$926 + 3.437:045$324

Todas estas differenças vão, por cada uma das receitas, minuciosamente explicadas nos documentos juntos a esta proposta de lei.

Quanto ás despesas, agrupando as ordinarias e as extraordinarias, encontrareis o seguinte por ministerios: Ministerios:

Orçamento de 1897-1898 Tabellas da lei de 13 de maio de 1896 Differenças do orçamento

Fazenda 31.157:667$014 28.629:796$343 + 2.527:870$671

Reino 2.594:140$983 2.564:423$033 + 29:717$950

Justiça 1.002:0920$237 1.010:480$236 - 8:387$999

Guerra 5.697:216$617 5.472:176$874 + 225:039$743

Marinha e Ultramar:

Marinha 2.975:349$965 2.888:805$685 + 86:544$280

Ultramar 1.621:049$700 1.545:272$900 + 75:776$900

Estrangeiros 460:939$635 462:454$880 - 1:515$245

Obras publicas, commercio e industria 7.459:763$564 6.796:780$289 + 662:983$275

Caixas, geral de depositos e economica portugueza 58:920$000 59:877$500 - 955$500

53.027:139$715 49.430:067$640 + 3.597:072$075

Nas notas preliminares dos orçamentos dos diversos ministerios estão com toda a minucia explicadas e justificadas as rasões das differenças, algumas das quaes têem compensação nas receitas, entre ellas avultando a dos juros de 43:000 inscripções a que acima me referi, creadas para caução de operações do thesouro e que importam em 1.290:000$000 réis.

No entanto, e a traços largos, vou dar informação das rasões dos principaes augmentos de despeza acima mencionados.

Pelo ministerio da fazenda:

Juros de 43.000:000$000 réis de inscripções, com compensação igual na receita 1.290:000$000

Juro e amortisação do emprestimo de 3.000:000$000 réis com garantia dos tabacos 226:635$440

Augmentos nas quantias destinadas a diferenças de cambios pela elevação do premio do oiro 335:688$428

Pensões das companhias braçaes 2:000$000

Compensação de imposto de rendimento nos juros de titulos de divida fundada de estabelecimentos de beneficencia 5:000$000

Augmento das quantias destinadas a encargos da divida fluctuante por ter augmentado a importancia d'esta divida 83:780$000

Subsidio á caixa de aposentação, nos termos da lei de 13 de maio de 1896 21:000$000

Compensação do imposto de rendimento descontado nos juros de titulos pertencentes a estabelecimentos de beneficencia relativa aos exercicios de 1894-1895 e 1895-1896, para que não chegaram as verbas respectivamente calculadas 50:000$000

Despeza do trafego aduaneiro 17:234$420

Material da guarda fiscal 18:500$000

Construcção de um edificio para posto aduaneiro e fiscal em Leixões 16:000$000

Construcção de dois vapores e grandes reparações nos barcos da fiscalisação
Aduaneira 33:000$000

Reformados da guarda fiscal 18:848$000 103:580$420

Augmento na quantia destinada a participação dos titulos de divida externa nos rendimentos aduaneiros, alem de 11.400:000$000 réis em harmonia com a lei, e com as receitas respectivas descriptas no mappa d'ellas 314:800$000

2.432:486$288

Pelo ministerio do reino:

Nas verbas para vencimentos, e em especial da policia, na conformidade das leis
Votadas 32:949$520

Nas verbas de material e diversas despezas dos serviços, tambem em conformidade das leis 5:688$896 38:638$415

Esta quantia de 38:638$415 réis é superior 8:920$465 réis aos resultados das differenças para mais n'este ministerio.

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Pelo ministerio da guerra:

Augmento nas seguintes verbas:

Auxilio para rancho 137:591$145

Ferias e material dos estabelecimentos fabris 41:806$000

Transportes 27:000$000

Mobilia e utensilios dos corpos do exercito 10:000$000

Soldos de officiaes reformados 40:245$300 256:642$445

Tambem já esta quantia é superior 31:602$702 réis ás differenças para mais do ministerio da guerra no quadro anterior.

Pelo ministerio da marinha:

Prets e rações de 671 praças augmentadas no armamento naval (lei de 21 de
maio de 1896) 128:879$950

Outros vencimentos, em virtude da mesma lei 6:871$000

Augmento na verba destinada a subsidios para as provincias ultramarinas 100:000$000

Augmento na verba para subsidiar a emigração para as colonias 10:000$000 245:750$950

Ora, sendo os augmentos pelo ministerio da marinha, no quadro acima, de 162.321$180 réis,

segue-se que a nota acima já é superior a esses augmentos 83:429$770 réis. Pelo ministerio das obras publicas:

Para melhor dotação da verba de edificios publicos, que fica dotada com réis
650:000$000 390:000$000

Na verba ordinaria do serviço dos caminhos de ferro do estado, incluindo acquisição de material 28:563$900

Melhor dotação dos serviços telegrapho-postaes 40:378$150

Melhor dotação das verbas dos serviços agricolas, e em especial da dos adubos 12:840$400

Melhor dotação da verba extraordinaria para caminhos de ferro 30:000$000

Melhor dotação da verba para portos artificiaes, sendo a principal a que se
refere ao de Ponta Delgada 190:000$000 691:782$450

Estas despezas, á sua parte, representam mais 28:799$175 réis do que a differença mencionada no quadro anterior.

Assim todos os augmentos de despeza que acabo de mencionar sommam 3.665:300$648

Demonstrando-se assim que em outras despezas do estado ha reducções que, balanceadas com varios outros augmentos em resultado dos serviços, ainda representam diminuição de encargos na importancia de 68:228$473 réis; visto que a comparação com as tabellas annexas á lei de 13 de maio de 1896 apenas apresenta uma differença de 3.597:072$075 réis.

Em outro documento terei occasião de vos dizer o que o governo pensa sobre a situação financeira do paiz e quaes as providencias com que julga fazer face a todos os nossos encargos.

Por agora limito-me á ligeira exposição que acabo de fazer e de chamar a vossa attenção porá a proposta de lei em que são fixadas as regras geraes para a arrecadação das receitas e pagamento das despezas do estado na metropole no exercicio de 1897-1898.

Ministerio dos negocios da fazenda, aos 18 de janeiro de 1897.=Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Proposta de lei

CAPITULO I

Da receite publica

Artigo 1.° As contribuições, impostos directos e indirectos e os demais rendimentos e recursos do estado, constantes do mappa n.° l, que faz parte da presente lei, avaliados na quantia de 53.138:016$250 réis continuarão a ser cobrados no exercicio de 1897-1898, em conformidade com as disposições que regulam ou vierem a regular a respectiva arrecadação, e o sen producto será applicado ás despezas auctorisadas por lei.

§ 1.° Da somma comprehendida n'este artigo applicará o governo em 1897-1898, para compensar o pagamento da dotação do clero parochial das ilhas adjacentes, a quantia de 200:000$000 réis, deduzida do saldo disponivel dos rendimentos, incluindo os juros de inscripções, vencidos e vincendos, dos conventos de religiosas supprimidos depois da lei de 4 de abril de 1861.

§ 2.° A contribuição predial do anuo civil de 1897, emquanto por lei por outra fórma não for regulada, continua fixada o distribuida pelos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes, nos termos do que preceituam os §§ 1.° e 3.° do artigo 7.° da carta de lei do 17 de maio de 1880. A contribuição predial especial do concelho de Lisboa do anno civil de 1897 continuará a pertencer ao thesouro nos termos do artigo 148.º do codigo administrativo de 2 de março de 1895 e decreto de 13 de setembro do mesmo anno, e a ser arrecadada nos termos do § 3.° do artigo 1.° da lei de 23 de junho de 1888.

§ 3.° O addicional ás contribuições predial, de renda de casas e sumptuaria do anno civil de 1897 para compensar as despezas com os extinctos tribunaes administrativos, viação districtal e serviços agricolas dos mesmos districtos, é fixado na mesma quota, respectivamente lançada em cada districto, em relação ao anno civil de 1892.

4.° Continuarão tambem a ser cobradas pelo estado no anno economico de 1897-1898 as percentagens sobre as contribuições, que votavam as juntas geraes dos districtos, para o seu producto ter a applicação determinada no artigo 10.° do decreto de 6 de agosto de 1892.

Art. 2.° Continuarão igualmente a cobrar-se no exercicio de 1897-1898 os rendimentos do estado que não tenham sido arrecadados até 30 de junho de 1897, qualquer que seja o exercicio a que pertencerem, applicando-se do mesmo modo o seu producto ás despezas publicas auctorisadas por lei.

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Art. 3.° A conversão da divida consolidada interna em pensões vitalicias, nos termos da carta de lei de 30 de junho de 1887, quando pelo cabimento, segundo esta lei, se possa verificar, continuará a ser regulada no anno economico de 1896-1897 pelo preço actual.

Art. 4.° Continuam em vigor, no exercicio de 1897-1898, as disposições do § 10.º do artigo 1.° da lei de 23 de junho de 1888, relativamente ao assacar produzido no continente do reino e ilhas dos Açores.

§ unico. Para o districto do Funchal vigorará o disposto no decreto de 31 de dezembro de 1895 segundo os respectivos regulamentos.

Art. 5.° O governo é auctorisado a levantar, por meio de letras e escriptos do thesouro, as sommas necessarias para a representação, dentro do exercicio de 1897-1898, de parte dos rendimentos publicos relativos ao mesmo exercicio, e bem assim a occorrer por esta forma às despezas extraordinarias a satisfazer no dito exercicio de 1897-1898 incluindo no maximo da divida a contrahir, nos termos d'esta parte da auctorisação, o producto liquido de quaesquer titulos amortisaveis ou não, excepto obrigações dos tabacos que o thesouro emittir, usando de auctorisações legaes.

§ unico. Os escriptos e letras do thesouro, novamente emittidos como representação da receita, não podem exceder, nos termos d'este artigo, a 3.500:000$000 réis, somma que ficará amortisada dentro do exercicio.

CAPITULO II

Das despeças publicas

Art. 6.° As despezas ordinarias e extraordinarias do estado na metropole, no exercicio de 1897-1898, nos termos da legislação em vigor, ou que vier a vigorar, e conforme o disposto n'esta lei, são calculadas, segundo os mappas n.ºs 2 e 3 que vão annexos e que d'esta lei fazem parte, em 53.027:139$715 réis, sendo ordinarias réis 50.203:139$815 e extraordinarias 2.824:000$000 réis, a saber:

Despezas ordinarias:

Ao ministerio dos negocios da fazenda:

Para os encargos geraes 8.616:496$471

Para a divida publica fundada 18.171:718$078

Para o serviço proprio do ministerio 3.801:452$465

Para o fundo permanente de defeza nacional -$-

Para differença de cambios 500:000$000 31.089:667$014

Ao ministerio dos negocios do reino 2.594:140$983

Ao ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça 1.002:092$237

Ao ministerio da negocios da guerra 5.457:216$617

Ao ministerio dos negocios da marinha e ultramar:

Marinha 2.875:349$945

Ultramar 976.049$700 3.851:399$665

Ao ministerio dos negocios estrangeiros 384:939$835

Ao ministerio dos negocios dos obras publicas, commercio e industria 5.764:763$564

Ás caixas, geral de depositos e economica portugueza 58:920$000

Despeza extraordinaria:

Ao ministerio dos negocios da fazenda 68:000$000

Ao ministerio dos negocios da guerra 240:000$000

Ao ministerio dos negocios da marinha:

Marinha 100:000$000

Ultramar 645:000$000 745:000$000

Ao ministerio dos negocios estrangeiros 76:000$000

Ao ministerio dos negocios das obras publicas, commercio e industria 1.695:000$000 2.824:000$000

53.027:139$715

Art. 7.º A despeza faz-se, em regra, como é marcada, dentro de cada capitulo, para cada artigo das tabellas de distribuição de despeza, mas expressamente nos termos seguintes:

1.° As verbas destinadas para um serviço não poderão ser applicadas a outro;

2.° As verbas destinadas para pessoal não podem, em caso algum, ser applicadas ao material ou vice-versa;

3.° As ordens de pagamento que forem expedidas, com excepção das relativas a encargos de divida publica, tanto consolidada como amortisavel ou fluctuante e de garantias de juro, não podem, em caso algum, exceder a importancia de tantos duodecimos da verba annual respectivamente auctorisada quantos forem os mezes começados do exercicio a que respeitarem; não podendo a direcção geral da contabilidade publica registar, nem o tribunal de contas visar, ordem de pagamento em que este preceito seja infringido;

4.° Poderio, porém, dentro do mesmo capitulo, as sobras de um artigo ser applicadas ás deficiencias que se dêem n'outros artigos, mediante decreto da transferencia, fundamentado em conselho de ministros, registado na direcção geral da contabilidade publica e publicado preliminarmente na folha official; mas guardando-se sempre os preceitos dos n.ºs 2.° e 3.° d'este artigo, sem o que a referida direcção geral não poderá registar a sua transferencia.

§ unico. Os fornecimentos de material para os arsenaes de terra e mar poderão, porém, ser feitos dentro das importancias das verbas annuaes auctorisadas, sem a limitação de que trata o n.° 3.° d'este artigo, mas com precedencia de decreto, fundamentado em conselho de ministros, publicado na folha official do governo e registado no tribunal de contas e direcção da contabilidade publica, sem o que as respectivas ordens de pagamento não poderão ser visadas; isto alem do preenchimento de todos os demais preceitos vigentes sobre o assumpto.

Art. 8.° Todas as entregas, transferencias ou passagem de fundos de um cofre para outro, ou de um cofre para qualquer responsavel especial das despesas dos ministerios, e com destino a pagamento, opportuno, qualquer que elle seja, de encargos orçamentaes, que ainda não estejam

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fixados nas tabellas da distribuição de despeza, não se poderão realisar sem previo registo na direcção geral da contabilidade publica, e sem aviso do facto dado por esta direcção ao tribunal de contas, a fim de que se possa exercer a devida fiscalisação no movimento e applicação geral dos dinheiros publicos.

Art. 9.° Todas as receitas, sem distincção de ordem nem de natureza de qualquer estabelecimento ou proveniencia, serão entregues no thesouro e constituirão recurso geral do estado, devidamente descripto nas contas publicas, conforme as regras e preceitos do respectivo regulamento e instrucções dadas pela direcção geral da contabilidade publica. As despezas do estado só poderão ser applicadas as verbas descriptas nas tabellas da distribuição das despezas e segundo os preceitos d'esta lei, ficando revogadas todas e quaesquer prescripções em contrario, exceptuando as relativas ao fundo de instrucção primaria e ás receitas das extractas juntas geraes dos districtos, unicas que serão arrecadadas e applicadas nos termos actualmente em vigor, mas subordinadas em tudo ás regras absolutas do regulamento geral da contabilidade publica e fiscalisadas pela respectiva direcção geral.

Art. 10.° Nos termos dos artigos 6.° e 7.° do decreto de 15 de dezembro de 1894, e guardadas todas as suas disposições, continua sendo da competencia do ministerio da fazenda, pela direcção geral da contabilidade publica, a verificação, nos termos das leis e regulamentos, não só do tempo de serviço dos funccionarios e empregados de qualquer ministerio a aposentar, e cujos vencimentos tenham de ser pagos pela caixa de aposentação, como da completa inhabilidade, physica ou moral, dos aposentandos, e das circumstancias d'essa inhabilidade para o exercicio das respectivas funcções.

§ 1.° Igualmente é da competencia da mesma direcção geral, e nos mesmos termos, a verificação da inhabilidade, tempo de serviço e circumstancias com que podem ser reformados quaesquer outros empregados cujos vencimentos de inactividade tenham de ser pagos pelo ministerio da fazenda.

§ 2.° Todos os processos de pensões de qualquer ordem ou natureza, depois de preparados nos respectivos ministerios, continuarão a ser, nos termos do dito decreto de 15 de dezembro de 1894, enviados ao ministerio da fazenda, quando o respectivo abono deva ser feito por esse ministerio, para que, depois de examinados pela direcção geral da contabilidade publica, para verificação de se haverem satisfeito todos os preceitos legaes, serem expedidos os respectivos decretos ou despachos.

§ 3.° Nos casos do disposto no corpo deste artigo e paragraphos anteriores, declarar-se-ha sempre nos decretos ou despachos o ministerio ou estação por onde a despeza for proposta.

§ 4.° A importancia dos vencimentos de aposentação continuará a ser calculada e abonada sempre nos precisos termos do decreto com força de lei n.° 1 de 17 de julho de 1886, e das leis de 1 de setembro de 1887 e de 14 de setembro de 1890, decretos de 8 de outubro de 1891, de 22 do dezembro de 1894 e de 25 de abril de 1895, e dos seus regulamentos, sem embargo de quaesquer outras disposições em contrario.

§ 5.° Constituirá receita da caixa de aposentação, de que trata o decreto n.° l, de 17 de julho de 1886, metade da importancia dos vencimentos de aposentação de empregados do estado descriptos no orçamento, que tenham vagado ou vagarem em qualquer ministerio, a datar do exercicio de 1895-1896 inclusive, não podendo esse augmento de subsidio exceder a quantia de 30:000$000 réis.

§ 6.° Continua suspensa a disposição do § 9.° do artigo 1.° da lei de 14 de setembro de 1890.

§ 7.° A administração da caixa de aposentação continuará regulada pelo decreto de 26 de julho de 1886.

Art. 11.° As despeças extraordinarias do movimento de tropas, que não seja determinado por exclusiva conveniencia do serviço militar, serão pagas no anno economico de 1897-1898 de conta dos ministerios que reclamarem esse movimento de tropas, por meio de abertura de creditos especiaes, abertos nos termos d'esta lei, e que serão descriptos separadamente nas contas do ministerio da guerra.

Art. 12.° Continua no anno economico de 1897-1898 a ser fixado em 200 réis diarios o preço da ração a dinheiro, a que têem direito os officiaes e mais praças da armada, nas situações determinadas pela legislação vigente.

§ unico. O abono de rações far-se-ha nos termos do decreto de 1 de fevereiro de 1895.

Art. 13.° No anno economico de 1897-1898 as ajudas de custo diarias para o pessoal technico de obras publicas e quadros auxiliares continuarão a ser reguladas nos seguintes termos:

Engenheiros inspectores - 2$500 réis.

Engenheiros chefes - 2$000 réis.

Engenheiros subalternos e architectos - 1$500 réis.

Engenheiros aspirantes conductores de 1.ª classe-réis 1$000.

Conductores de 2.ª classe - 800 réis.

Conductores de 3.ª classe -600 réis.

Desenhadores de l.ª classe - 500 réis.

Desenhadores de 2.ª classe - 400 réis.

Art. 14.° As disposições, ainda não executadas, dos n.ºs l.° a 12.° do artigo 2.° do decreto n.° 7 com força de lei de 10 de fevereiro de 1890, relativo ao fundo permanente de defeza nacional, continuam suspensas em relação ao exercicio de 1897-1898. Os fundos existentes no respectivo cofre, em virtude do referido decreto, continuam exclusivamente destinados ás despezas efectuadas com o corpo expedicionario a Moçambique, e nesses termos constituem esses fundos receita do thesouro nas contas dos respectivos exercicios.

Art. 15.° É permittido ao governo abrir creditos extraordinarios sómente para occorrer a despezas exigidas por casos de força maior, como inundação, incendio, epidemia, guerra interna, externa e outros similhantes. Os creditos extraordinarios só podem ser abertos estando encerradas as côrtes e depois de ouvido o conselho d'estado, e devem ser apresentados ás côrtes na proxima reunião, para que sejam examinados e confirmados por lei.

Art. 16.° Nenhuma despeza de qualquer ordem ou natureza, ordinaria ou extraordinaria, quer se refira á metropole, quer ás provincias ultramarinas, seja ou não auctorisada por lei especial, poderá ser ordenada e paga pelos cofres publicos, sem que esteja incluida no orçamento geral ou na lei annual das receitas e despezas do estado, e portanto nas tabellas da distribuição de despeza decretadas em conformidade d'esta lei.

§ unico. Fica, porém, entendido, que todas as despezas novas, auctorisadas por lei, dentro de qualquer anno economico, que não tiverem podido ser incluidas nas tabellas de despeza desse exercicio ou do immediato posterior, serão satisfeitas, em conformidade do disposto no § 9.° do artigo 1.° da carta de lei de 30 de junho de 1891, isto é, com a preliminar abertura, no ministerio da fazenda, de credito especial a favor do ministerio a que competir a despeza, determinando-se pelo ministerio da fazenda no respectivo decreto, que será fundamentado em conselho de ministros e publicado na folha official, o artigo, capitulo, secção on verba das tabellas onde a mesma despeza deve ser escripturada; guardando-se todas as prescripções do artigo 1.° do decreto n.° 2 de 15 de dezembro de 1894.

Art. 17.° Em harmonia, porém, com o disposto no § unico do artigo antecedente e no artigo 9.° d'esta lei, durante o anno economico de 1897-1898 o governo poderá abrir creditos especiaes, guardados os preceitos do § unico do

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anterior, para melhor dotação da seguintes serviços:

Caminhos de ferro do estado;

Fornecimento de sulfureto de carbone;

Serviços hydraulicos;

Officinas dos institutos e escolas industriaes e commerciaes;

uando as receitas respectivas arrecadadas d'esses serviços excederem as avaliações no mappa n.° l, junto a esta lei, e que d'ella faz. parte, sendo a importancia de taes creditos limitada aos excessos de receita effectivamente arrecadada e escripturada nas contas geraes do estado.

§ unico. As differenças de cambio resultantes de operações telegrapho-postaes serão escripturadas em conta especial. O saldo, que porventura haja a favor do thesouro, n'essa conta, póde ser applicado a material do mesmo serviço telegrapho-postal mediante abertura de credito especial nos termos d'esta lei, que nunca poderá, em cada anno, exceder as quantias marcadas nas secções 6.º e 7.º do artigo 15.° do capitulo 6.° do orçamento do ministerio das obras publicas, commercio e industria.

Art. 18.° O provimento das vacaturas em todos os serviços publicos só produzirá effeito para o pagamento do correspondente encargo no fim do trimestre do anno civil, durante o qual as mesmas vacaturas se tenham dado, exceptuando as nomeações exigidas por conveniencias urgentes de serviço publico, e quaesquer outras de que não resulte despeza para o thesouro.

Art. 19.° Em harmonia com o preceituado na lei de 26 de fevereiro de 1892, durante o exercicio de 1897-1898, nenhum funccionario poderá perceber por ordenados, emolumentos, incluindo tanto os aduaneiros de qualquer ordem, como os judiciaes, pensões, soldos, ou quaesquer outras remunerações, pagas directamente pelo thesouro, nem por accumulações, somma excedente a 2:000$000 réis annuaes, sé estiver em serviço activo, e a 1:500$000 réis, tambem annuaes, se for aposentado, jubilado ou reformado, sendo ambos estes limites liquidos de todas as imposições legaes.

§ unico. Exceptuam-se do disposto n'este 1.° O cardeal patriarcha, os arcebispos, os bispos, o presidente do supremo tribunal de justiça, o presidente do supremo conselho de justiça militar, os membros do corpo diplomatico e consular, os empregados das agencias financeiras nos paizes estrangeiros, os generaes de terra e mar exercendo funcções de cominando, os officiaes da armada em commissão de embarque nas colonias e noa portos estrangeiros, e os governadores das provincias ultramarinas, os quaes perceberão os vencimentos que respectivamente lhes forem fixados, sujeitos às disposições do artigo 1.° da lei citada de 26 de fevereiro de 1892;

2.° Os ministros e secretarios d'estado effectivo que perceberão, liquidos de impostos, 2:560$000 réis annualmente.

Art. 20.° Da mesma fórma, durante o exercicio de 1897-1898, não poderá exceder a 1:500$000 réis annuaes a somma total proveniente da accumulação, nos termos das leis vigentes, de quaesquer vencimentos de actividade como os de inactividade, reatando, porém, ao funccionario o direito de optar pelos de actividade, quando excederem só por ai a somma total n'este artigo mencionada e com a limitação do artigo 19.° d'esta lei.

Art. 21.° As quotas de cobrança dos rendimentos publicos no anno economico de 1897-1898, que competem tanto aos delegados do thesouro como aos escrivães de fazenda, serão provisoriamente reguladas pelas tabellas actualmente em vigor.

Art. 22.° Continuam em vigor no exercicio de 1897-1898 as disposições dos decretos n.º 2 e 3, e da artigos 1.° a 9.° do decreto n.° 4, todos de 15 de dezembro 1894.

CAPITULO III

Disposições diversas

Art. 23.º Continua revogado o artigo 4.º da lei de 5 de março de 1858, que auctorisava a amortização da divida contrahida sobre penhor de titulos de divida fundada.

Art. 24.° É prohibido:

1.° A troca da promutação de empregos, sempre que os empregados não forem da mesma categoria, os empregos da mesma natureza e com igual retribuição.

§ unico. Nenhum logar de provimento vitalicio que vagar, a requerimento de quem n'elle estiver provido, poderá ser preenchido por individuo estranho ao serviço do estado, ou por empregado de categoria inferior ou mesmo igual, quando o vencimento seja inferior ao do logar vago, sem terem decorrido tres mezes, depois de publicado na folha official o despacho da vacatura.

2.° A nomeação de quaesquer empregados para locares não creados por lei, ou que se não acharem descriptos nas tabellas organisadas em virtude d'esta lei, não podendo, em caso algum, ser substituidos os funccionamos de qualquer categoria, alem dos quadros o addidos, quando mudarem de situação ou fallecerem, tudo nos termos das disposições de execução permanente d'esta lei.

3.° O lançamento e cobrança de contribuições publicas, de qualquer que seja o seu titulo ou denominação, alem das auctorisadas por esta lei, ou por outras que estejam em vigor ou forem promulgadas: as auctoridades empregados que as exigirem incorrerão nas penas dos concussionarioa. Exceptuam-se as contribuições das corporações administrativas, as congruas dos parochos e as dos coadjutores, e as contribuições locaes, auctorisadas com applicação a quaesquer obras ou a estabelecimentos de beneficencia.

4.° A isenção, sob qualquer fundamento, de direitos de entrada das mercadorias estrangeiras, com as unicas excepções expressamente fixadas nas leis, ou de uso diplomatico em que haja a devida reciprocidade. As estações publicas de qualquer ordem e natureza ficam obrigadas ao pagamento dos direitos fixados na pauta para os productos e artigos que importarem, quer de paizes estrangeiros, quer das provincias ultramarinas.

§ unico. O governo poderá extraordinariamente dispensar o pagamento dos direitos do importação do material dos serviços dependentes dos diversos ministerios, quando essa dispensa seja necessaria, mas sempre mediante requisição ao ministerio da fazenda pelo ministro respectivo, devendo essa requisição declarar qual a qualidade e quantidade do material importado que deve gosar da isenção, e ser registado na direcção geral da contabilidade publica.

Art. 25.° Nenhum individuo estranho aos serviços publicos póde ser nomeado para qualquer vacatura que tenha occorrido ou occorrer depois da lei de 26 de fevereiro de 1892, emquanto existirem empregados addidos de igual categoria na mesma ou em differente repartição ou ministerio, e que tenham as condições idoneas para o exercicio do cargo que vagar.

Art. 26.° Os titulos da divida publica fundada, na posse da fazenda, que não provierem da cobrança de rendimentos ou de bens proprios nacionaes, nem de pagamentos de alcances de exactores, só poderão ser apoucados para caução dos contratos legalmente celebrados. Os titulos que provierem da cobrança de rendimentos, de bens nacionaes ou de pagamento de alcance de exactores, poderão ser convertidos em recursos efectivos, nos termos das leis da receita geral do estado.

Art. 27.° Continua o governo auctorisado, durante o anno economico de 1897-1898, a:

1.° Restituir o preço arrecadado nos cofres do thesouro de quaesquer bens nacionaes vendidos em hasta publica, posteriormente ao anno de 1864-1865, quando se reco-

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nheça legalmente que esses bens não estavam na posse da fazenda; e bem assim restituir a importancia de quaesquer impostos ou receitas que a fazenda tenha recebido, sem direito a essa arrecadação desde o anno de 1881-1882 inclusive;

2.° Pagar a despeza que, durante o dito anno economico de 1897-1898, tiver de fazer-se com o lançamento e repartição das contribuições directas do anno civil de 1898;

3.° Subrogar por inscripções na posse da fazenda, se o julgar conveniente, os fóros, censos ou pensões que o thesouro seja obrigado a satisfazer;

4.° Applicar a disposição do artigo 10.º da lei de 4 de maio de 1878 a quaesquer creditos, devidamente liquidados, que os responsaveis á fazenda publica tenham contra a mesma fazenda, comtanto que esses creditos sejam anteriores ao exercicio de 1863-1864, que os encontros se façam com dividas resultantes de accordãos definitivos do tribunal da contas, e estas e aquellas digam respeito ao mesmo responsavel.

Art. 28.° Com previa auctorisação especial do governo, dada em decreto fundamentado em conselho de ministros e publicado na folha official, as camaras municipaes poderão, no decurso do anno economico de 1897-1898, applicar em obras de saneamento, abastecimento de aguas, construcção e reparação de cemiterios e reparação e construcção de edificios publicos a seu cargo, incluindo paços do concelho, reparação de pontes, viaductos e caminhos vicinaes, até metade do fundo de viação municipal disponivel.

§ unico. Logo que se decrete nova classificação de estradas geraes e municipaes, o governo, ouvido o conselho superior de obras publicas e minas, poderá, por decrete preliminarmente publicado na folha official, auctorisar as camaras municipaes dos concelhos, onde as estradas municipaes estejam concluidas, a dispor do fundo de viação nas mesmas condições que das restantes receitas, reservando-se, porém, do fundo de viação tanto quanto seja necessario com applicação especial á reparação das mesmas estradas.

Art. 29.° O governo poderá pagar, guardadas as solemnidades fixadas n'esta lei, relativamente ao anno economico de 1897-1898, á companhia das aguas de Lisboa, o preço que se convencionar do excesso de consumo de agua do anno anterior, não podendo a despeza ser superior á que para tal fim foi fixada no exercicio de 1892-1893, e ficando dependente da approvação das côrtes o contrato que for realisado.

Art. 30.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Ministerio dos negocios da fazenda, aos 18 de janeiro de 1891.= Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

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SESSÃO N.º9 DE 18 DE JANEIRO DE 1897 81

Mapas das receitas e despezas ordinarias e extraordinarias do estado, na metropole, para o exercicio de 1897-1898

A que se refere a proposta de lei, datada de hoje, comparadas com as receitas e despeças auctorisadas segundo os mappas annexos a carta de lei de 13 de maio de 1896

[Ver tabela na imagem.]

Ministerio dos negocios da fazenda, em 18 de janeiro de 1897.= Ernesto Rodolpho Hinize Ribeiro.

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82 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

N.º 1

Mappa da receita do estado para o exercicio de 1897-1898 a que se refere a proposta de lei datada do hoje

RECEITA ORDINARIA

[Ver tabela na imagem]

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SESSÃO N.º 9 DE 18 DE JANEIRO DE 1897 83

ARTIGO 3.º

[Ver tabela na imagem]

Página 84

84 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ARTIGO 5.º

[Ver tabela na imagem]

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SESSÃO. N.º 9 DE 18 DE JANEIRO DE 1897 85

ARTIGO 6.º

[Ver tabela na imagem]

Página 86

86 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

[Ver tabela na imagem]

Página 87

SESSÃO N.º 9 DE 18 DE JANEIRO DE 1897 87

MINISTERIO DOS NEGOCIOS ESTRANGEIROS

[Ver tabela na imagem]

Página 88

88 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA MARINHA E ULTRAMAR

[Ver tabela na imagem]

Página 89

SESSÃO N.º 9 DE 18 DE JANEIRO DE 1897 89

[Ver tabela na imagem]

Ministerio dos negocios da fazenda, em 18 de janeiro de 1897. - Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Justificação de faltas

Participo a v. exa. e á camara que, por motivo de doença, só hoje me foi possivel vir tomar parto nos trabalhos da mesma camara. = O deputado por Evora, José Gil de Borja Macedo e Menezes.

Declaro que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado. = Licinio Pinto leite.

Para a secretaria.

Representação

Dos terceiros distribuidores telegraphos-postaes do concelho de Evora, pedindo para serem elevados á categoria de segundos distribuidores com o respectivo vencimento.

Apresentada pelo sr. deputado D. José Gil de Macedo e enviada ás commissões de obras publicas e de fazenda.

O redactor = Sá Nogueira.

Página 90

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