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Discurso que devia ser transcripto a pag. 115, col. 2.ª, lin. 11.ª do Diario de Lisboa, na sessão de 13 de janeiro

O sr. Mártens Ferrão: — Começando se na sessão passada a discutir o projecto de lei ácerca de viação municipal, usei da palavra, declarando — que achava convenientes algumas, ou uma grande parte mesmo, das prescripções adoptadas no projecto. Entendi de grande necessidade — que se tomassem providencias ácerca da viação municipal, concordando por isso em these com o principio geral do projecto, approvando o na generalidade; mas discrepando em pontos que entram na sua organisação e que influem no seu todo; a respeito d'elles desejarei, perante a camara, expor simplesmente a minha opinião.

O ponto fundamental da minha divergencia em relação ao projecto do governo consiste — em que n'este projecto a autonomia municipal é ferida em alguns dos seus artigos, porque as attribuições das municipalidades, em relação á parte deliberativa e á parte executiva com respeito a caminhos vicinaes, passam todas para as mãos do governo.

Este facto, estas disposições, viciam quaesquer reformas que se queiram fazer n'este sentido; se ellas forem adoptadas não é necessario muito trabalho para sustentar esta minha proposição.

O projecto estabelece no artigo 2.° que = o governador civil, com o pessoal technico das obras publicas, proceda á confecção provisoria do plano de estradas municipaes e sua classificação, e aos outros trabalhos que lhe são relativos =. Esses trabalhos são — determinar primeiro quaes as estradas que são municipaes e as que o não são, o que não está determinado; designar o ponto onde começam e onde devem terminar, quer dizer, a sua directriz; a largura que devem ter; a sua extensão approximada; e a designação dos municipios que devem concorrer para a feitura ou conservação de cada uma d'ellas.

Elaborado assim este trabalho, são sobre elle ouvidas as municipalidades pela fórma consultiva, e depois de um inquerito aberto á similhança do que se pratica pela legislação belga, este trabalho é remettido a uma commissão central de viação publica, que é composta do governador civil, do director das obras publicas, de um outro empregado das obras publicas e de dois membros eleitos da junta geral do districto; mas ainda os trabalhos d'essa commissão não são verdadeiramente definitivos, porque hão de receber a approvação ou reprovação do governo em conselho de obras publicas, quando d'ellas tiver havido recurso.

Essa commissão permanente de viação tem a seu cargo: a classificação das estradas municipaes, ou sejam estradas municipaes de 1.ª ordem ou sejam de 2.ª; quer dizer, ou sejam estradas privativas do municipio, ou estradas que liguem municipio a municipio; a superior inspecção e fiscalisação de todas as obras de viação municipal executadas por administração ou por empreitada; a approvação de todos os projectos de obras respectivas a viação municipal; determinar annualmente, em vista dos orçamentos e recursos das camaras municipaes e do estado das estradas, as obras a fazer no seguinte anno; apresentar todos os annos um relatorio circumstanciado sobre o estado da viação municipal do districto, com especificação dos trabalhos e despezas que se effectuaram no anno anterior; propor as providencias que julgar convenientes a bem d'este serviço. Tudo isto abrange a parte deliberativa, de execução.

O governo por consequencia resolve definitivamente os recursos que se levantarem sobre qualquer acto praticado por esta commissão permanente de obras publicas, e os recursos podem recaír sobre todos ou quasi todos os pontos da sua gerencia; por consequencia não só porque a commissão é na sua maioria a representação do poder central, mas tambem porque o governo pôde resolver superiormente todos os pontos sobre que houver recursos, é claro que essas attribuições passam incontestavelmente para a mão do governo.

Ha mais no artigo 6.° o seguinte, e tudo isto se liga no mesmo systema (leu).

Quando o governo julgue conveniente classificar como estrada municipal alguma das estradas reaes ou de 1.ª ordem já existentes, ouvirá os conselhos municipaes interessados e respectiva commissão de viação, ficando definitiva a classificação que o governo decretar.

É a auctorisação ao governo para poder passar a municipaes a ordem de estradas que entender convenientes. Não me refiro ao bom ou mau uso que o governo possa fazer d'esta auctorisação; refiro-me á ordem de attribuições que vão ser centralisadas completamente na mão da auctoridade governamental.

O artigo 12.° estabelece que = as obras sejam feitas de empreitada =, e boa é esta disposição, mas estabelece ainda que = as condições do contrato e fórma de licitação e concurso sejam sujeitos á approvação da commissão de viação municipal =.

Aqui está mais um ponto em que tambem as attribuições passam para esta commissão, que é uma representação do poder central, pela fórma por que está organisada, como já disse.

Isto, sr. presidente, constitue uma centralisação na mão da auctoridade governamental das attribuições que pertenciam ás municipalidades desde longa data; desde a velha legislação das ordenações e subsequente do antigo regimen até á de 1850, que as conservou, e ainda á de 1862 (15 de julho) que não alterou a este respeito.

Póde dizer se, e com rasão, que o uso que em grande parte se fazia d'estas attribuições não era como devera ser; não era tão illustrado como conviria que fosse; e este argumento, ou este facto, direi melhor, que eu não contesto, para mim é sem duvida um argumento para a reforma e melhoramento municipal, mas nunca para lhe ir cercear uma attribuição summamente importante de que ainda hoje gosa o municipio.

Se nós formos a cercear as attribuições que competem ás municipalidades, este elemento municipal fica sem força no paiz, e desde que elle não tenha força deixa de existir ou arrosta uma vida indifferente e sem importancia na administração.

O que succede no nosso paiz em relação a attribuições municipaes, quanto á viação municipal, e ao bom ou mau uso que d'ellas se tem feito, succedeu tambem em relação a toda a viação publica. Pois o que eram os nossos trabalhos de viação publica ha quinze annos atrás? Incontestavelmente imperfeitíssimos. Qual foi o trabalho que se seguiu? Foi reformar. É o que eu desejo que se faça em relação ás municipalidades, mas não requestar lhes as suas attribuições, porque estas prendem com uma outra ordem de principios, que é o governo local que deve animar-se e não ser abatido.

O que succedeu entre nós, succede nos outros paizes, porque os aperfeiçoamentos da viação publica são, póde dizer-se, de moderna data; mas o que fizeram os paizes illustrados, a alguns dos quaes o projecto foi beber uma grande parte das suas disposições?

Eu já tive occasião de dizer aqui hontem, que o projecto era baseado essencialmente, numa grande parte das suas prescripções, na lei franceza de 21 de maio de 1836, e que em algumas outras prescripções seguira a legislação belga, por exemplo, quando estabelece o praso de um mez para as reclamações, que na legislação da Belgica é de dois mezes; mas na parte que eu impugno o projecto afastou-se completamente da legislação d'aquelles dois paizes, e ou seguiu um caminho seu privativo, ou foi seguir as disposições e principios da legislação hespanhola de 22 de julho de 1857, legislação em que se centralisaram todos os trabalhos municipaes na mão do governo, havendo uma liquidação das despesas já feitas em virtude da legislação anterior, principalmente da legislação de 1851, que o governo compensou com obras nas respectivas provincias ou municipalidades. Mas cumpre notar que na Hespanha as idéas de administração em geral têem seguido a corrente das opiniões politicas, e variado com ellas.

Uma parcialidade eleva o principio de dar desenvolvimento moral á acção municipal; vem outra e enfraquece-o: é assim que se tem andado, sem que se possa dizer, que se tenha assentado sobre bases certas e definidas a verdadeira reforma do systema municipal.

Confrontando pois o projecto de lei, não com este systema que não julgo seja o mais conveniente, mas com a legislação franceza e belga, notarei á camara os principios em que esta materia está baseada n'estes paizes, e a profunda divergencia que ha entre o pensamento do governo e o que se segue n'aquelles paizes, um doa quaes, a França, não póde ser suspeita para os que sustentam a centralisação administrativa.

Todos sabem que o principio centralisador existe em larga escala no regimen francez; pois lá o systema municipal em relação á viação publica não soffreu o golpe que soffre aqui pelas disposições d'este projecto. E é necessario ver que a lei de 21 de maio de 1836 não é a unica que regula esta materia, porquanto esta lei deixou subsistir a legislação anterior, e por ella é que se deve entender o que respeita ao estabelecimento e designação de caminhos municipaes.

Ha ali attribuições unicas e exclusivas dos municipios, ou communas, como é a designação dos caminhos municipaes homologada pelos prefeitos. Diz a legislação franceza: «Os caminhos vicinaes de grande e pequena communicação são reconhecidos taes por accordão dos prefeitos sobre deliberação do conselho municipal, que constata que a existencia d'estes caminho sé necessaria para a communicação doa consumos». Classificados assim os caminhos municipaes, sem distincção de 1.ª ou 2.ª classe, sem distincção de caminhos municipaes de grande transito, ou só para dentro da municipalidade, é ao conselho geral de departamento que compete a deliberação ácerca de, d'entre estes caminhos já classificados como communaes pelos conselhos communaes, quaes os que devem pertencer á 1.ª classe, ou de grande transito. Quer dizer quaes os caminhos de grande transito ou de pequeno transito, mas não foi arrancada ao elemento da povoação a attribuição que tinha de designar a ordem d'esses caminhos (apoiados). Competem, é certo, diversas attribuições ao prefeito, mas nenhuma d'ellas na escala que vem consignada neste projecto para a auctoridade ou governo central; salvo o principio que já referi, de que, quando ha caminhos municipaes que pertençam a concelhos de diversos districtos, é chamado sómente o prefeito a dirigir a parte policial, note-se bem, porque se podem dar conflictos entre diversas municipalidades, e então o governo entendeu que era necessario conferir ao prefeito exclusivamente essa attribuição de policia.

Temos portanto á face da legislação franceza subsistente, que o principio municipal foi ali mais respeitado, embora aquelle paiz seja o systema centralisador, do que o é pelo projecto que discutimos.

E não póde dizer-se que o estado em que se achavam em França os trabalhos municipaes era perfeito. Não, senhor; d'aquellas reformas e com aquelles elementos é que tem saído o aperfeiçoamento d'estes trabalhos.

Mas se se quizer confrontar o projecto com a legislação belga, a discrepancia é ainda maior, porque este paiz é descentralisador.

A Belgica que, á excepção da Inglaterra, é o paiz onde a viação publica está mais aperfeiçoada, tem a viação municipal entregue toda á municipalidade com fiscaes do governo, com interferencia não deliberativa, mas scientifica dos homens technicos das repartições do estado.

São os concelhos municipaes que designam quaes são os caminhos municipaes; é a deputação permanente que existe perante a provincia ou governo provincial, e por consequencia toda electiva, toda de representação local, que faz a classificação de quaes são os caminhos municipaes de 1.ª classe.

Já vemos pois que d'este modo tem sido possivel chegar a um aperfeiçoamento d'este' ramo importante de administração publica, sem desnaturar a instituição e sem arrancar á municipalidade as attribuições que lhe pertencem, porque nascem da ordem de interesses que ella é chamada a representar. É o systema de dois paizes, mas systema de dois paizes importantes, onde a viação publica está summamente desenvolvida, e nas quaes o principio da municipalidade foi respeitado: na Belgica muito mais, porque lá é descentralisador o governo; na França menos, mas sem fazer excepção quanto ao respeito que tem ao principio communal na sua fórma de organisação e administração geral.

Se nós olhâmos para um outro paiz, a Inglaterra, ahi veremos que a organisação da viação municipal é toda entregue ao governo da localidade, com uma direcção intelligente, e com uma fiscalisação acertada.

Citarei ainda um exemplo importante que a camara de certo conhece, succedido com o Piemonte.

Apenas o Piemonte pôde libertar a Lombardia do jugo a que estivera sujeita, a primeira cousa que fez foi dar-lhe uma larga instituição municipal, pela lei de 23 de outubro de 1859, instituição em que este systema de viação foi considerado como attribuição exclusiva da municipalidade com uma direcção discreta e intelligente; não a cerceou, não a centralisou no governo, porque a Italia, paiz que tanto soffreu e tão abatida foi em relação á sua independencia, sabe praticamente que se conservou sempre um grande desenvolvimento e illustração na sua vida de povo foi; principalmente devido ás suas fortes instituições locaes, que não consentiram que a dominação que sobre ella pesou por muitos annos podesse extinguir as profundas raizes que ali tinha lançado o elemento da municipalidade e a independencia local.

Eis-aqui tem v. ex.ª quaes são os precedentes, o estado de uma grande parte dos paizes civilisados em relação a esta materia importante.

Não desenvolverei agora este ponto, nem mesmo tratarei de expender as vantagens que ha n'um grande desenvolvimento municipal, seria levar muito longe estas reflexões, que são apenas o fundamento de um voto.

Eu approvo o projecto na generalidade, como já disse, mas desejaria que o nobre ministro explicasse, para o que me parece já pediu a palavra, se está ou não disposto a fazer no projecto, de que se trata, modificações em harmonia com os principios que acabo de expor. Se fizer as modificações que julgo necessarias, terá o meu apoio n'esta parte; se não as fizer, reservo-me para na especialidade votar contra os artigos em que é ferido este principio.

Ha n'este projecto uma parte, na qual noto grande discrepancia com relação ao que se acha disposto na lei de 15 de julho de 1862.

Na lei de 15 de julho de 1862 é chamada a junta geral do districto mesmo para objectos que não são tão proximamente da sua attribuição; para a classificação das estradas, ainda das de 1.ª e de 2.ª classe, é ali exigida a consulta da junta geral de districto era duas ou tres partes, e é respeitado o principio municipal: prescripção util que já tem dado bons resultados e que ha de continuar a da-los.

Ali a junta geral de districto é julgada competente para dar o seu parecer em relação aos caminhos de districto, em relação á viação publica ordinaria de todo o paiz, e no projecto que se discute a junta geral de districto desapparece completamente.

Na lei de 1862, como poderia julgar-se que faltava á junta geral de districto, para sua mais cabal instrucção n'este ponto, o conhecimento technico, por isso mandou-se, e com muita rasão, que os directores das obras publicas assistissem ás discussões para as elucidar e dirigir; em uma palavra, mandou-se que tivessem n'essas discussões a ingerencia que deviam ter como homens technicos e conhecedores. As juntas geraes de districto podem com effeito conhecer as vantagens geraes da viação, mas desconhecer as circumstancias e especialidades technicas em relação á maior ou menor facilidade da construcção, em relação ao maior ou menor despendio, etc.; são circumstancias que só os homens I technicos podem esclarecer convenientemente.

Argumento com esta lei para mostrar que n'uma classificação geral de estradas são chamadas as juntas geraes de districto, cousa que desapparece completamente d'este projecto, que não é de menor importancia do que aquella lei.

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Eu desejaria que a legislação n'esta parte se harmonisasse, que um elemento considerado de importancia n'uma lei geral de estradas não deixasse de o ser n'uma outra lei tambem geral de viação. Parece-me uma cousa de grave importancia.

Acresce a circumstancia que notei já, mas para a qual peço a attenção do nobre ministro, e é a faculdade que fica ao governo de passar para municipaes estradas que o não sejam.

Ora a municipalidade para mim é a familia da nação (apoiados), familia que eu quero que seja respeitada, encaminhada e dirigida, mas que não seja aniquilada, ou não se tenda a aniquila-la successivamente, e a cercear-lhe attribuições que nascem da sua propria natureza (apoiados). Se nós formos n'este caminho progressivo tirando ás municipalidades, como quasi que lhes fica tirado, tudo quanto pertence á viação publica; se todas as suas attribuições n'este ramo passarem para as mãos do governo; se mais tarde lhes cercearmos outras attribuições independentes, conforme se propõe no projecto geral de administração apresentado pelo governo, e que já tem parecer n'esta casa; se entregarmos todas essas attribuições ao governo, a municipalidade ficará completamente cerceada nos seus elementos de vida propria, e desde que ella não tenha força é o mesmo que se não existisse, definhará esta base essencial da sociedade civil em todas as epochas, e indispensavel nas sociedades modernas. Quando procurarmos por essa instituição de seculos encontraremos em seu logar o governo central, veremos o sr. ministro do reino ou o sr. ministro das obras publicas, mas não a municipalidade (apoiados).

Quando sustento, sr. presidente, as franquias municipaes, quando quero uma exacta fiscalisação do governo sobre esta entidade local, quando aceito mesmo a sua illustrada influencia, porque o governo pôde e deve influir em todos os elementos publicos dirigindo-os e illustrando-os, não quero senão o que faz as aspirações dos homens que mais desapaixonadamente têem visto esta questão, que é de todos os dias, que é, pôde dizer-se, a questão dos povos modernos.

Ha um outro ponto sobre que teria duvidas se não se achasse já até certo ponto sanccionado por lei no nosso paiz, e se não desse, como tem dado, uteis resultados em outros paizes; porque para mim, em questões de administração, a experiencia feita ou no proprio paiz ou n'aquelles que mais se têem avançado, é de uma grande importancia; fallo do imposto de trabalho que vem no projecto.

Este projecto é um projecto de imposto, como já disse. O imposto é forte, é grande, mas é um imposto que ha de dar em resultado, a quem o pagar, as vantagens que se tiram do melhoramento da viação publica. Por consequencia não recuo diante d'esta idéa, e prefiro, ainda que á custa de sacrificios da sociedade actual, os melhoramentos de que ha de gosar a sociedade que nos succeder, e ainda nós mesmos. Entendo que é este o dever do homem publico.

Repito, se o imposto de trabalho não se achasse já legislado entre nós no codigo administrativo, ou pelo menos facultado, embora se tenha feito d'elle um pequeno uso; e se • não tivesse dado os bons resultados que deu em outros paizes, eu teria grande difficuldade em o votar, porque é um imposto desigual, e a não ser considerado para objectos d'esta ordem, para objectos que tão proximamente se ligam com a fortuna da familia, com o viver domestico, o imposto do trabalho poderia mesmo considerar-se degradante.

Este imposto foi impugnado em França, mas ahi deu bons resultados, e os clamores acabaram, e hoje é considerado como um recurso muito importante para a viação local, e similhantemente é considerado na Belgica, onde tambem se acha estabelecido.

Mas n'este imposto faria eu uma modificação em harmonia com o que se acha disposto na Belgica.

Na legislação franceza está determinado o mesmo que se estabelece no projecto apresentado pelo governo. O trabalho ha de ser imposto até tres dias, e abrange tambem carros e outros vehiculos de trabalho, mas não separadamente os animaes que os tirem. Eu creio que o pensamento do governo é o mesmo; quem tiver, por exemplo, pago por um carro, não seja obrigado a pagar separadamente pelos animaes que o tiram. Não pôde haver uma duplicação; sempre se entendeu que o vehiculo comprehende os animaes, e não se pôde separar o carro para tributar depois os animaes. Mas, posto este ponto de parte, eu iria antes para o systema da lei de 1841 da Belgica, que estabeleceu uma especie de imposto proporcional. Os individuos que pagam até 3 francos de imposto, não podem ser obrigados a dar mais do que um ou dois dias de trabalho, e aquelles que pagam mais de 3 francos, podem ser obrigados a dar tres dias de trabalho. Quer dizer, ao individuo que paga o imposto minimo, signal de que vive absoluta e exclusivamente do seu trabalho, é muito mais pesado contribuir todos os annos com tres dias de trabalho, do que aquelle que paga um imposto maior, signal de que tem mais haveres e que ha de auferir mais vantagens e mais commodidades da viação publica, porque provavelmente terá que transportar.

Deve estabelecer-se uma gradação. Os individuos que pagarem um imposto minimo, devem concorrer com menos trabalho, porque para esses o trabalho é muito mais caro, porque lhes é necessario para as primeiras necessidades da vida. Creio que poderemos conseguir este melhoramento no projecto sem ferir o seu pensamento. Não ha lei que não deva ser humanitária e doce para os pobres, não ha lei que não possa conter um elemento de beneficencia. O pobre que seria obrigado por esta lei a tres dias de trabalho, se for obrigado só a dois, recebe por esta modificação mais um dia de trabalho que utilisa para as suas maiores necessidades.

Eu estabeleceria esta differença, que entrego á consideração do nobre ministro e da illustre commissão.

Término aqui as minhas considerações, não tenho mais nada que dizer, e quiz apenas registar o meu voto e fundamenta-lo. O meu fim, é que não sejam cerceadas as attribuições das municipalidades, entendendo que se lhes deve dar toda a força de que ellas carecem (apoiados).

Discurso que devia ser transcripto a pag. 117, col. 3.ª, lin. 8 do Diario de Lisboa, na sessão de 13 de janeiro

O sr. Mártens Ferrão: — A hora está a dar. Pouco tenho a dizer sobre a materia de que se trata, porque não desejo cansar a camara. Levantei esta questão na generalidade do projecto, embora vote por ella, porque entendi que era ahi o logar proprio para discutir os pontos que influem na organisação ou na economia geral do projecto. Se a discussão na generalidade significa que a camara quer occupar se da materia sem prender a opinião que se possa ter sobre cada um dos artigos especiaes, é claro que todas as vezes que se discutem pontos que influem na economia geral de um projecto, o seu logar proprio é a discussão da generalidade, e esta tem sido mais de uma vez a pratica constante d'esta casa.

Sr. presidente, ouvi com a maior attenção as rasões e argumentos apresentados pelo sr. ministro do reino, e pelo illustre deputado e meu amigo que acaba de fallar e que expendeu luminosos principios de administração. Estou de accordo com a maior parte das rasões apresentadas pelo illustre deputado que acaba de me preceder no debate, e aceito e voto a maior parte dos principios que s. ex.ª apresentou, como estando bem organisados no projecto, nem eu havia tratado de os combater. São elementos bons, e que completados convenientemente devem dar optimos resultados.

Mas os pontos fundamentaes a que me referi, esses o illustre deputado não os contrariou absolutamente, porque declarou por parte da commissão que elle não teria duvida em aceitar qualquer emenda ou modificação que podesse conservar á municipalidade a sua força e as suas attribuições ligadas e harmonisadas com o desenvolvimento illustrado da municipalidade e exacta fiscalisação do governo, fiscalisação que elle deve exercer em todos os corpos municipaes e politicos. Estou pois n'este ponto completamente de accordo com o illustre deputado.

Não discuto agora a questão da centralisação ou descentralisação administrativa; não discuto, porque teremos de tratar de um projecto de administração em mais larga escala, e então terei occasião de expender as minhas idéas a este respeito.

Sou partidario do principio de descentralisação, e estas têem sido de ha muito as minhas opiniões. Quero progresso com ordem, e conforme e harmonisado com as circumstancia» da sociedade. Sou descentralisador nos paizes grandes e nos pequenos, mas se me perguntarem se pôde, como de salto, passar-se da centralisação para a descentralisação, digo que não. Mas é dever dos corpos politicos e dos homens que se occupam das cousas do seu paiz, encaminhar successivamente todos os passos da sociedade para que as difficuldades se não apresentem tão grandes como ellas seriam n'uma rapida mudança de systema.

Para mim é uma verdade e uma cousa altamente conveniente o principio descentralisador na administração; o meu desejo seria que todos o» projectos de. administração se encaminhassem n'esta vereda.

E este principio, quanto a mim, é para os paizes grandes e para os paizes pequenos que se regem por uma mesma ordem de idéas.

Não tem faltado quem diga — que em relação aos paizes grandes, é necessaria a maior centralisação; não tem faltado quem sustente — que a unidade da França é devida á sua centralisação, que tem seguido desde seculos; e que a não ser essa centralisação ella se teria desmembrado nos differentes corpos que se comprehenderam ou entraram n'aquella extensão territorial, e que só os trabalhos de seculos, embora os differentes systemas de administração politica por que tem passado, é que poderam dar-lhe a co-existencia que hoje ninguem entende que possa ser abalada.

Não entro desenvolvidamente n'esta questão. Creio que o desenvolvimento da administração municipal, e dar vida á familia do estado, serve para ligar e estreitar os laços da nação e o poder central exercer a sua acção benefica pela influencia politica que os estados devem ter, e na maneira por que podem actuar na vida das pequenas sociedades que, como familias, constituem a grande sociedade do estado.

Mas pondo de parte esta questão, que é vasta, eu passo a responder a alguns dos pontos apresentados na discussão.

Pareceu me que o illustre ministro do reino tinha entendido que eu fizera censura ao governo ou á commissão, por ter trazido para este projecto as disposições da lei franceza, e na parte de inquerito as disposições da lei belga; pelo contrario, eu citei este facto, mas como dando auctoridade a algumas das disposições do projecto. E quando temos a experiencia dos paizes civilisados; quando podemos adoptar para. o nosso prescripções que já estão lá fóra experimentadas, não creio que n'isso se faça mal. Não foi com a idéa de fazer censura que fiz aquella referencia, pelo contrario sinto que o projecto não seguisse aquelle pensamento, porque teria attendido mais para as conveniencias da municipalidade. Eu nunca hei de vir arguir o governo de plagiato d'esta ou d'aquella legislação, quando os principios forem bons. Os governos devem ver o que é mais util ao seu paiz, porque são governo para attender ás necessidades publicas' e não para satisfazer orgulhos pessoaes. Portanto, na parte em que o projecto está em harmonia com aquella legislação, tem a seu favor uma grande auctoridade.

(Deu a hora.)

Sr. presidente, sinto que, pela segunda vez que entro em debates n'esta casa, n'esta sessão, tenha de levar a palavra para casa; mas prometto, na proxima sessão, ser muito breve.

Vozes: — Muito bem.

Em virtude de resolução da camara dos senhores deputados se publicam os seguintes documentos

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Lisboa, 15 de junho de 1863

Recebi a carta de vv. s.as de 2 do corrente, na qual depois de fazerem diversas considerações, concluem manifestando a sua estranhesa, por que, sem esperar a resposta que vv. s.as deviam dar ao banco sobre o negocio de diamantes, eu resolvesse mandar proceder á sua venda em Lisboa.

O conteudo d'aquella carta ter-me-ía surprehendido se anteriormente não tivesse chegado ao meu conhecimento, que a decisão tomada ácerca da venda dos diamantes da corôa provocara da parte de vv. s.as infundadas declamações, que por motivo algum eu devia esperar, como lhes fiz saber pelo telegramma de 2 do corrente que o conselheiro Brito, encarregado da agencia, deve ter communicado a vv. s.as Lamento ser obrigado a occupar-me do objecto do sua carta, mas não posto deixar de o fazer para sustentação do decoro do logar em que estou collocado, visto que aos actos do governo se attribue menos boa fé.

Em primeiro logar é preciso dizer, mais uma vez, que a portaria dirigida ao banco de Portugal, em 28 de abril, convidando-o a um accordo para a venda dos diamantes ser feita por' intervenção de vv. s.as não significava o proprio contrato, e ainda menos que a ratificação formal d'elle dependia, como vv. s.as dizem, tão sómente de informações que a vv. s.as foram pedidas (pelo banco) quanto ao modo de se levar a effeito a proposta.

Aquella providencia só podia manifestar, e manifestava effectivamente, a intenção que o governo tinha de seguir na actualidade a marcha adoptada em caso identico. O banco fez dependente a sua resposta de informações de vv. s.as e apresentando se entretanto diversos concorrentes á compra com offertas, que o governo não podia nem devia desprezar, visto que até então não havia tomado resolução definitiva, era indispensavel dar outra direcção ao negocio; e tanto menor hesitação eu podia ter, quanto estava persuadido, como vv. s.as dizem, que devia achar me, que vv. s.as, recommendando uma marcha especial, o fariam desinteressadamente; e de certo será muito para suppor-se (salvo conluio, que não é possivel prevenir), que pela venda publica, proporcionando-se a compra a quem maior somma offerecer, não se obtenha o justo valor dos diamantes, de cujo producto apenas haverá de deduzir uma insignificante despeza, que não chegará a 1 por cento o maximo, quando é certo que todos os encargos das anteriores vendas excederam a 5 1/2, como mostram os respectivos documentos.

(Dilengiar) Diligenciar obter aquelle resultado, aproveitando os meios que a occasião offerecia, era a primeira obrigação do governo que vv. s.as não podem desconhecer.

Com relação ás concessões e sacrificios que vv. s.as dizem ter feito com o emprestimo de 5.000:000 libras para o fim do removerem obstaculos que não foram causados por vv. s.as, direi ainda, que por diversas vezes, e por varios modos, tenho dado testemunho da maneira cavalheira por que vv. s.as têem conduzido a realisação do mesmo emprestimo, correspondendo assim, e muito satisfatoriamente, á confiança que o governo mostrára ter em vv. s.as; mas não é menos certo que cada um dos seus actos, a que alludem, teve uma rasão de ser, e porque estas rasões são sabidas por vv. s.as, considero me dispensado de chamar para ellas a sua attenção. Reconheço, todavia, que vv. s.as poderiam desempenhar-se dos compromettimentos tomados por modo menos conveniente para o thesouro, e sobre este ponto ainda acrescentarei (sentindo a necessidade de faze-lo) que, se o thesouro portuguez tirou maiores vantagens do que podia esperar dos termos em que se ajustaram operações secundarias do emprestimo, esta transacção na qual mais de uma casa se propozera entrar em ajustes definitivos, como vv: s.as sabem, sendo-lhes commettida de preferencia pelo governo, veiu pelo seu bom exito acrescentar o credito de que vv. s.as justamente gosavam. Com o que deixo dito, attendendo, como me cumpre, á dignidade do logar que tenho a honra de occupar, sem me deixar mover por justificados resentimentos pessoaes, tive em vista mostrar, e julgo have-lo conseguido, que o governo não tem faltado a todas as deferencias para com vv. s.as, tanto quanto o permittiram os seus deveres, de cujo cumprimento tem de dar contas ao paiz, ao mesmo tempo que vv. s.as são os unicos juizes das suas acções. = (Assignado) Joaquim Thomás Lobo d'Avila.

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London, 10 de julho de 1863.

Ill.mo ex.mo sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila, ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda, etc. etc. etc. — Lisboa.

Temos a honra de accusarmos recebida a prezada carta de v. ex.ª, de 15 de junho, de cujo conteudo tomámos attenta nota, e felicitamos a v. ex.ª pela conclusão das fadigas da sessão e pela perspectiva melhorada da nação portugueza, por cuja prosperidade não interrompida fazemos votos sinceros.

Pedimos licença para reparar na observação, que v. ex.ª se digna fazer-nos, que o emprestimo de 1862 nos foi commettido de preferencia; não podemos chegar á convicção d'aquella preferencia com o conhecimento de um telegramma dirigido aos srs. Stern Brothers, depois do despacho de v. ex.ª de 15 de junho, aceitando a nossa proposta; este telegramma custou nos umas 18:000 libras da nossa commissão. Isto não obstante, tendo-nos nós incumbido da realisação do emprestimo, terá V. ex.ª visto que não só cumpri

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mos o nosso contrato com zêlo e lealdade, mas que tambem fizemos mais do que compensar ao governo pelo juro perdido nos pagamentos sob desconto:

1.º Cedendo o lucro sobre as 500:000 libras, cuja cessão foi feita com o fim de ratificarmos uma promessa verbal feita ao sr. Brito.

2.º Abonando nós um juro mais elevado do que tinhamos obtido, concessão com que nunca tinhamos contado depois da primeira acima mencionada.

Confessâmos pois que ficamos contrariados ao vermos que v. ex.ª se deixava persuadir ao não cumprimento do que nós tinhamos entendido ser a resolução de V. ex.a — que a venda dos diamantes fosse confiada ao nosso cuidado por intervenção do banco de Portugal.

Relativamente á venda dos diamantes nada mais temos a dizer senão que a questão das commissões e despezas, se fossem remettidas para Londres, não formou, a nosso ver, uma rasão attendivel, comparadas com as mesmas verbas em Lisboa, para se fazer a mudança.

O verdadeiro ponto que se deve ter em vista é qual dos dois modos dará o melhor liquido, ponto que para nós não offerece duvida alguma.

Observamos ter-se votado a auctorisação para levantarem-se varias quantias para objectos especiaes, e já ouvimos sussurrar, por pessoas vindas de Lisboa, que pôde esperar-se dentro em pouco novo emprestimo portuguez. Confiámos porém que decorram alguns mezes antes de tornar-se precisa similhante medida, porque na actualidade a occasião seria mui pouco propicia; e podendo-se adiar até principios do anno, ou pelo menos até approximar-se o fim do anno corrente, isso seria muito para desejar, pois continuam a apparecer muitos projectos na maior parte especulativos (sendo muitos entre elles um verdadeiro jogo) que absorvem a attenção do publico, e tarde ou cedo ha de chegar o dia das contas quando a gente procurar empregar o seu dinheiro em valores indubitáveis; e então naturalmente os capitalistas não perderão de vista os fundos portuguezes.

No caso do governo de Sua Magestade Fidelissima julgar opportuno commetter ao nosso cuidado a negociação do emprestimo, empregaríamos como até aqui todos os nossos esforços em beneficio de Portugal, carregando a mesma commissão d'antes, e ousamos pensar que poderiamos dar a este negocio tão boa direcção como outra qualquer casa ou companhia.

Com o fim de levar a bom exito uma operação da natureza alludida, o publico, tanto em Portugal como em outra parte, deve ignora-la emquanto não for annunciada em jornaes.

Seja qual for a casa, á qual esteja confiada a negociação do emprestimo, ella deve saber de antemão quando se ha de precisar do dinheiro, devendo tambem ser auctorisada com antecedencia de alguns mezes para tomar as providencias necessarias, a fim de tudo estar prevenido para a introducção do emprestimo, logo que chegar o momento opportuno.

Depois de v. ex.ª ter assentado na escolha de uma casa que, na sua opinião, esteja habilitada a negociar o emprestimo com mais vantagem, ousamos aconselhar a v. ex.ª que se limite a tratar com aquella casa, para que o publico não venha no conhecimento, com resultado de quaesquer negociações com outros, de ser preciso o emprestimo.

No caso de V. ex.a commetter-nos este negocio, confiámos que v. ex.ª possa obter a efficaz cooperação do banco de Portugal; julgámos ser isto essencial, porque o publico liga muita importancia á coadjuvação do banco.

Tendo vencido em 1 do corrente a ultima prestação do emprestimo portuguez de 1862, fizemos a conta d'esta operação e entregamo-la ao sr. Brito, mostrando a dita conta um saldo em caixa de

[Ver diário original]

Sem outro assumpto por hoje, temos a honra de subscrever-nos com toda a consideração — De V. ex.ª

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Com officio do conselheiro encarregado da agencia financial de Londres, de 8 d'este mez, foi-me presente a conta corrente que vv. s.as lhe enviaram, com carta de 7, comprehendendo a mesma conta todas as operações de receita e despeza, relativas ao emprestimo de 5.000:000 libras contratado com vv. s.as em 26 de junho do anno proximo passado, sendo acompanhada do recibo de vv. s. as respectivo ao saldo em bonds que lhes foram entregues, nos termos do dito contrato.

Achando-se concluida aquella importante transacção, que a todos os respeitos foi conduzida com a maior regularidade, encontrando sempre em vv. s.as o referido agente a cooperação franca e leal que correspondia á confiança que mereceram do governo, apraz-me de assim o communicar a vv. s.as, fazendo-lhes saber que o saldo em dinheiro de libras 96:840-16-1, illiquido de 20:000 libras já satisfeitas, deverá ser entregue ao sobredito conselheiro.

Deus guarde a vv. s.as Ministerio dos negocios da fazenda, em 15 de julho de 1863. = (Assignado) Joaquim Thomás Lobo d'Avila.

Londres, 5 de outubro de 1863

Ill.mo e ex.mo sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila, ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda, etc. etc. etc.

Tivemos a honra de escrever a v. ex.ª em 10 de julho, quando sujeitámos á consideração de v. ex.ª as nossas vistas e recommendações quanto ao melhor (modo) meio de se levar a effeito um novo emprestimo, do qual então já se tinha fallado.

A nossa referida carta ficou sem resposta, o que nos causou alguma estranheza, e quando ouvimos dizer ter V. ex.ª contratado um emprestimo com os srs. Stern Brothers, teriamos receiado que a nossa carta nunca chegasse ás mãos de v. ex.ª, se ella não tivesse sido remettida com os despachos da agencia financial, porque nunca devia esperar-se que v. ex.ª realisasse um contrato com outra qualquer casa sem pelo menos proporcionar nos a occasião de tratarmos, em vista do bom exito do ultimo emprestimo por nós negociado, e das seguintes expressões de v. ex.ª no seu ultimo officio a nós dirigidas em data de 15 de julho.

«Achando-se concluida aquella importante transacção, que a todos os respeitos foi conduzida com a maior regularidade, encontrando sempre em vv. s.as o referido agente a cooperação franca e leal que correspondia á confiança que mereceram ao governo, apraz me de assim o communicar a vv. s.as».

Colhemos que nas suas negociações com v. ex.ª o Sr. Stern deu a entender que qualquer cousa, que v. ex.ª com elle fizesse, era de accordo comnosco; sendo assim, isto até certo ponto seria uma rasão para V. ex.ª tratar com elle, mas parece-nos que a justiça pedia que, antes de v. ex.ª concluir um contrato com elle, nos fizesse V. ex.ª scientes d'aquelle facto.

Rogamos pois a v. ex.ª se digne explicar-nos debaixo de quaes circumstancias o emprestimo foi contratado com o sr. Stern, pois confessamo-nos contrariados com a marcha dos acontecimentos, e parece um desar para nossa casa o termos sido tão completamente desattendidos.

Somos com toda a consideração de v. ex.ª amigos attentos, e veneradores e creado =(Assignado) Knowles e Foster.

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Lisboa, 14 de outubro de 1863.

Ill.mo sr. Knowles & Foster. — Londres.

Tenho presente a carta que vv. s.as me dirigiram com data de 5 do corrente.

Sobre o seu objecto devo dizer a vv. s."3 que não"me parece haver motivo para vv. s.as estranharem não ter eu dado resposta á sua carta de 10 de julho.

Em primeiro logar esta carta de vv. s.as já era resposta á que eu, com menos satisfação, lhes escrevera era 2 de junho sobre o negocio dos brilhantes; e não obstante vv. s.as tratarem ali, por incidente, do novo emprestimo, de que entendiam precisar o governo, é certo que o fizeram por modo que tirava toda a esperança de poder chegar-se a um resultado satisfactorio, visto que muito expressamente vv. s.as declararam — que a occasião era muito pouco propicia, e que similhante medida só poderia ser tomada (com bom exito) nos principios de 1864, ou pelo menos até approximar-se o fim do anno corrente.

Não sendo pois o objecto d'aquella carta de vv. s.as o proporcionar ao governo a realisação do novo emprestimo, antes pelo contrario faziam sentir a impossibilidade de tratar-se então de tão importante negocio, de que aliás o governo precisava occupar-se para assegurar os meios de attender ás despezas de maior vulto, que deveria começar a effectuar nos mezes proximos, julguei não ser necessario responder. Mais me convenci de que o novo contrato não podia ser celebrado com vv. s.as, ainda quando a questão de tempo podesse ser posta de parte, considerando que vv. s.as, se o negocio lhes fosse commettido, julgavam essencial a cooperação do banco de Portugal, a qual não havia rasão para esperar agora, lembrando o que a este respeito se passou em 1862.

Satisfazendo aos desejos que vv. s.as manifestam na sua ultima carta, acrescentarei que nas negociações com os srs. Stern Bro.ª fiz lhes saber os desejos que eu tinha, de que a casa de vv. s.as fosse contemplada na distribuição do novo emprestimo.

N'este acto, e em todos quantos tenho praticado por motivo das relações em que vv. s.as se têem achado com o governo, julgo ter dado sempre todas as provas de consideração por vv. s.as, consideração que algumas vezes tem sido menos bem apreciada.

Sou de vv. s.as = (Assignado) Joaquim Thomás Lobo d'Avila.

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Londres, 26 de outubro de 1863.

Ill.mo e ex.mo sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila, ministro e secretario d'estado doa negocios da fazenda, etc. etc. etc. — Lisboa.

Ill.mo e ex.mo sr. — Temos a honra de accusar recebida a certa de v. ex.ª de 14 do corrente, em resposta á nossa de 5 do mesmo, e inteirados do seu conteudo, não podemos deixar de estranhar as rasões que v. ex.ª allega para não ter accusado a nossa carta anterior de 10 de julho, e ter V. ex.ª desattendido completamente as suggestões n'ella contidas relativas ao novo emprestimo.

Ousamos emittir a opinião que a interpretação por v. ex.ª dada á nossa carta de 10 de julho, a saber que era impossivel tratar-se então de tão importante negocio, e que era condição positiva o termos a cooperação do banco de Portugal — é uma interpretação forçada, e não justificada pela redacção d'ella.

Nós apenas davamos expressão ás nossas idéas quanto á melhor marcha a seguir-se, e á conveniencia de obter-se a coadjuvação do banco, e julgamos que a cortezia, prescindindo de outras considerações, pedia que se respondesse á nossa carta, e que se nos proporcionasse occasião de tratarmos.

Tendo a nossa carta de 10 do julho ficado Bem resposta não consentia a nossa dignidade que fossemos novamente á presença de v. ex.ª sobre este assumpto, nem nos teriamos occupado mais d'elle, directa ou indirectamente, se não fossemos consultados por nosso amigo, o ill.mo sr. Carlos Ferreira dos Santos Silva, em primeiro logar sobre um emprestimo interno, e depois sobre um emprestimo externo. A pedido d'este amigo annuimos a ter parte n'um emprestimo externo, conjunctamente com a respeitavel firma dos srs. Fonseca Santos & Vianna, mediante a cooperação do banco de Portugal, ao que tambem annuiram os ditos senhores; e posteriormente remettemos ao ill.mo sr. Santos Silva as bases para um contrato, cujas bases elle apresentou a v. ex.ª, tendo-lhe V. ex.ª assegurado que estava prompto a receber propostas, e que o ill.mo sr. Santos Silva podia estar certo que em caso de conveniencia V. ex.ª aceitaria a que conjunctamente apresentávamos, pois que em quanto ao credito dos proponentes não precisava de tirar informações, do expressar-se V. ex.ª por esta fórma, já havia perto de dois mezes que o emprestimo estava contratado. Já em principios de agosto tivemos motivos para suspeitar que v. ex.ª tivesse feito alguma cousa com os srs. Stern & Irmãos, e na nossa carta ao ill.mo sr. Santos Silva de 21 de agosto demos expressão á nossa opinião n'estes termos:

«Não obstante o que a V. s.a disse o sr. ministro, nada estranharemos que já alguma cousa fique arranjada entre s. ex.ª e os srs. Stern Irmãos, e, em presença de certas cousas que vamos vendo, até inclinamo-nos a crer um tal arranjo». Na recepção d'esta nossa carta o ill.mo sr. Santos Silva obteve outra conferencia com v. ex.ª, quando V. ex.ª lhe asseverou que era falso o que se dizia de v. ex.ª ter tratado alguma cousa com os srs. Stern, a respeito do novo emprestimo, e que todas as conferencias que v. ex.ª teve com o sr. Stern Sobrinho não passaram de meias conversas; finalmente que, quando V. ex.ª tivesse de tratar de novo emprestimo, nenhuma rasão tinha para não entrar novamente em accordo comnosco em preferencia a qualquer outro, pelo muito bem que tinhamos dirigido o ultimo emprestimo.

Não obstante esta negativa formal de v. ex.ª ter tratado alguma cousa com os srs. Stern, resultaram ser bem fundadas as nossas suspeitas manifestadas em 21 de agosto, e de facto n'aquelle dia já havia perto de um mez, que v. ex.ª tinha feito o contrato com elles.

De tempos a tempos nos foram communicadas asserções de v. ex.ª tão pouco consequentes como as que acima mencionámos, mas julgamos ter já citado bastante para provar que da parte de v. ex.ª houve menos boa fé pelo que respeita ás negociações de v. ex.ª com o ill.mo sr. Santos Silva.

Póde ser que para muitos seja cousa de estranhar que nós e outros tenhamos sido tratados por v. ex.ª d'esta maneira; quanto a nós, porém, nenhuma admiração nos causa que v. ex.ª celebrasse o contrato com os srs. Stern, sem dar-nos uma occasião de tratarmos; e com bastante antecedencia recommendámos ao ill.mo sr. Santos Silva com que nada' contasse, pois não podemos esquecer-nos da marcha por v. ex.ª seguida em 1862. N'aquella occasião vendo nós que v. ex.ª não estava cumprindo o que se tinha convencionado quando começámos as nossas negociações, e que se fazia jogo com a nossa offerta, pedimos em 14 de junho do anno passado ao ex.mo sr. Brito, encarregado da agencia financial n'esta côrte, para que expedisse a v. ex.ª o seguinte telegramma:

«Knowles e Foster pedem-me communique ao banco o seguinte: «Consideraremos retirada a nossa proposta com base para um contrato se não for aceite até segunda feira de manhã, por motivos que explicamos ao banco».

Comquanto no dia 15 de junho V. ex.ª nos mandasse communicar pelo ex.mo sr. Brito que v. ex.ª aceitava as nossas condições, sempre desejava V. ex.ª que os srs. Stern Irmãos tivessem o emprestimo, como se verá da proposta que v. ex.ª posteriormente lhes fez. No caso de v. ex.ª ter-se esquecido d'esta circumstancia, cremos que uma referencia ás copias dos telegrammas archivados n'esse ministerio a trará novamente á memoria de v. ex.ª Qual o encanto que tem feito que v. ex.ª tanto se prendesse da referida casa, naturalmente não podemos sobre isto formar opinião.

Comquanto na occasião do emprestimo de 1862 tivessemos bastante rasão para não estarmos contentes com o proceder de v. ex.ª, como não ignora o ex.mo sr. Brito, todavia, tendo se celebrado o contrato, resolvemos fazer qualquer sacrificio com o fim de realisarmos o contrato de um modo que fizesse honra para Portugal e a nós mesmos; e esse sacrificio, como v. ex.ª e o sr. Brito muito bem sabem, importou em quasi metade da nossa commissão.

Se nós tivessemos permittido que o proceder de v. ex.ª fosse communicado ao publico, como teria sido communicado se não fosse o sacrificio por nós feito, nem nós, nem outra qualquer casa, poderiamos ter negociado aquelle emprestimo.

Depois de v. ex.ª ter assignado o contrato, viu V. ex.ª que não tinha contemplado o prejuizo para o thesouro proveniente do desconto sobre as prestações pagas com antecedencia, o que daria um preço liquido abaixo daquelle fixado pelas côrtes; e para tirarmos a v. ex.ª d'esta difficuldade annuimos a compensar em parte aquelle prejuizo, abonando nós um juro mais alto do que o que fóra convencionado. Promettemos tambem ao ex.mo sr. Brito que veriamos se nos seria possivel fazer mais alguma cousa.

Em cumprimento d'esta nossa promessa verbal puzemos á disposição de v. ex.ª libras 500:000 do fundo de 1862, quando elle estava por um premio elevado. Vendemos estas libras 500:000 ao premio de 4% (ou 2 1/2 %, exclusivè do semestre vencido em 1 de janeiro de 1863), e renderam.....................£ 231.177»16»3

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O sr. Youle, como v. ex.ª sabe, tinha feito ao governo uma reclamação consideravel pela sua intervenção, por parte dos srs. Stern, nas negociações com v. ex.ª relativas ao emprestimo de 1862, e estava para ir a Portugal com o fim de proseguir a sua reclamação perante os tribunaes, mas depois de muita persuasão o nosso chefe pôde fazer que elle retirasse os documentos que tinha remettido a v. ex.ª, e finalmente que aceitasse libras 3:000, sendo:

Libras 2:000 encontradas, conforme a auctorisação de v. ex.ª, no lucro que deixaram as libras 500:000 e 1:000 encontradas na nossa commissão.

Recordar-se-ha V. ex.ª que n'aquella epocha quaesquer procedimentos do sr. Youle em nada nos teriam affectado, pois havia muito tempo já que o emprestimo estava realisado; os nossos esforços pois n'este assumpto tinham unicamente por fim evitar prejuizo para o governo.

Subsequentemente viu V. ex.ª que teria de fazer todos os seus calculos de novo, a não abonarmos mais, a titulo de juros, a quantia de libras 621-5-3, ao que debaixo das circumstancias annuimos, apesar de já termos abonado mais do que tinhamos obrigação de abonar.

Depois de termos de tal modo excedido os nossos compromissos para com o governo, e depois de nos termos dado tanto trabalho para vencermos difficuldades de um caracter muito grave, e nos quaes V. ex.ª estava tão compromettido, difficuldades estas não motivadas por nós, é incrivel que fossemos tratados pelo modo com que V, ex.ª nos tem tratado.

Quanto aos brilhantes tinhamos tencionado nada mais dizer, mas já que v. ex.ª por incidente se refere a elles, seja-me permittido observar que, para dizer o menos, não era possivel que o banco de Portugal ou nós mesmos encarássemos o proceder de v. ex.ª sob um ponto de vista favoravel. Comprometteu-se V. ex.ª para com o banco e para com nós mesmos, o que teve por resultado uma venda das mais desfavoraveis, e teve logar uma combinação, cousa de que já tinhamos prevenido a v. ex.ª; ficou apenas um comprador que as comprou por preço muito inferior ao seu valor. Aqui tal combinação não era possivel.

Do novo emprestimo os srs. Stern offereceram-nos libras 250:000, sem porém dizerem que era a pedido de v. ex.ª; rejeitámos a offerta no nosso particular, pois segundo lhes dissemos não podiamos comprometter os nossos principios por amor de qualquer beneficio pecuniario, mas estavamos promptos a tomarmos essa somma em cumprimento de pedidos de correspondentes que se tinham dirigido a nós na expectativa de que o emprestimo seria negociado por nossos intermedios os srs. Stern, porém recusaram se a conceder os fundos a correspondentes em Portugal, dizendo que estes podiam fazer os seus pedidos em Portugal, visto que ía abrir se uma subscripção ahi. Já em 5 do corrente dissemos a v. ex.ª que deu-se-nos a entender que, nas suas negociações com v. ex.ª, o sr. Stern dissera que qualquer cousa que v. ex.ª com elle fizesse era de accordo comnosco. Seria isto verdade? E seria a offerta acima a parte que se tencionava tomassemos no emprestimo?

Depois de feitas as cousas é facil qualquer dizer que podia ter feito melhor; nós porém nunca pensavamos em introduzir o emprestimo por menos de 48, e n'uma carta que em 14 de maio proximo passado dirigimos a um correspondente, que nos tinha consultado sobre um novo emprestimo, dissemos que se o' negocio nos for commettido, deixando-se-nos livres para dar-lhe a direcção que nos parecer melhor, Unhamos toda a confiança de poder introduzi-lo por preço muito mais. alto.

Sentimos a necessidade em que nos achamos de escrever a v. ex.ª com tanta extensão, mas é do nosso dever fazer constar a parte que tomámos no emprestimo de 1862 e o modo por que temos sido tratados.

Somos com toda a consideração de v. ex.ª muito attentos veneradores e creados = (Assignados) Knowles & Foster.

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Lisboa, 10 de novembro de 1863.

Ill.mos srs. Knowles & Foster. — Londres.

Recebeu o ex.mo sr. ministro da fazenda a carta de v. ex.ª de 26 do passado, e resolvendo não entreter correspondencia com relação aos assumptos, a que vv. s.as se referem, sendo desagradavel a s. ex.ª a linguagem de que vv. s.as se servem n'aquella sua carta, e têem empregado em outras anteriores, ordenou-me que, para rectificar factos ali mencionados sem a exactidão necessaria, respondesse a vv. s.as o seguinte:

Quanto ao emprestimo ultimamente contratado. — Que a carta de vv. s.as de 10 de julho não deixava esperança de chegar-se a um resultado satisfactorio, pelas considerações já feitas na carta de s. ex.ª de 14 de outubro, e que em taes circumstancias, offerecendo se ao governo occasião de negociar em termos os mais favoraveis, que então era possivel obter, cumpria as. ex.ª aproveitar o ensejo para não correr o risco de verse mais tarde obrigado a aceitar condições menos convenientes.

Que, tomada esta resolução, era tambem do dever de s. ex.ª, e assim lhe foi exigido, e vv. s.as haviam aconselhado n'aquella sua carta, não deixar conhecer o estado do negocio.

Para este fim não podia s. ex.ª recusar-se a receber quaesquer propostas, pois a sua immediata rejeição importava a declaração de que o negocio estava ultimado, o que era preciso evitar para o bom exito da operação; alem de que, podendo acontecer não se levar a effeito o contrato de 30 de julho, como n'elle se previa, aquellas propostas ainda que houvessem de ser modificadas, por força das circumstancias supervenientes, habilitariam o governo a escolher com quem tratar, para supprir as necessidades mais urgentes do thesouro.

Que um governo não é como um particular, que pôde desprezar o maior lucro por condescendencias; que entenda dever ter. Assim viu-se s. ex.ª obrigado a ouvir pessoas que não procurou de modo algum, e que não recusou por deferencia para com ellas.

Repetem vv. s.as ter-lhes constado que, nas negociações com o governo, o sr. Stern dissera que ía de accordo com vv. s.as Isto é inteiramente inexacto.

Quanto ao emprestimo de 1862. — Que vv. s.as, não podendo ignorar que as propostas dos srs. Stern Irmãos eram anteriores á negociação com vv. s.as, não devem estranhar que para o fim de conservar occulta esta negociação, como era indispensavel, se mantivesse correspondencia com os ditos capitalistas até o momento de vv. s.as serem os preferidos como aconteceu; o que mostra com toda a evidencia, que da parte de s. ex.ª não havia os desejos que vv. s.as suppõem de que aquelles banqueiros fizessem o emprestimo.

Examinados os registos d'esta repartição, como vv. s.as aconselham, vê-se que, na occasião em que vv. s.as assignaram o contrato de 26 de junho, já os srs. Stern estavam de posse da ultima e formal declaração de s. ex.ª, de que as propostas, que haviam feito, não podiam ter resultado.

Novamente vv. s.as alludem aos sacrificios que dizem ter feito para realisarem o contrato de 26 de junho, de um modo que fizesse honra a Portugal. N'estas considerações, aliás já respondidas, quando s. ex.ª disse a vv. s.as que os sacrificios e concessões, que allegavam, tinham uma rasão de ser, vê s. ex.ª que vv. s.as estão esquecidos da marcha do negocio.

Julga portanto s. ex.ª recordar a vv. s.as a origem do que vv. s.as chamam sacrificios e concessões, os quaes consistem no augmento do juro estipulado no contrato, e na cessão das 500:000 libras de titulos.

S. ex.ª chama a attenção de vv. s.as para a sua carta de 28 de agosto, que foi publicada no Diario de 8 de abril d'este anno, na qual prometteram compensar o governo do prejuizo que podesse resultar do juro abonado aos possuidores das cautelas, sendo pagas as prestações sob descontos, com o qual o governo não devia contar, assim como não contára com a maior extensão das prestações, o que vv. s.as exigiram depois de feito o contrato de 26 de junho.

S. ex.ª mandando fazer esta recordação tem em vista mostrar que foi o governo que annuiu aos sacrificios exigidos por vv. s.as, na esperança (que se verificou por aquella fórma, e que poderia verificar-se por outra que vv. s.as preferissem) de que o thesouro teria a promettida compensação.

Dizem vv. s.as que, depois de ter s. ex.ª assignado o contrato, vira que não tinha contemplado o prejuizo proveniente do indicado desconto, que daria um preço liquido abaixo do fixado pelas côrtes. Em resposta a este ponto quer s. ex.ª que vv. s.as attendam, para reconhecerem o engano em que estão, que a respeito do mesmo preço, por que poderia saír o emprestimo para estar nos limites da lei, já s. ex.ª mandára prevenir o conselheiro encarregado da agencia em telegramma de 5 de junho, isto é, muito antes do contrato de 26 d'esse mez, e que não se estipulando n'este contrato o desconto das prestações nem o maior praso em que ellas foram satisfeitas, o que influiria no preço, é claro que as exigencias de vv. s.as a este respeito não podiam deixar de ter a compensação que tinham promettido e que realisaram.

Quanto ao negocio do sr. Youle. — Tambem n'este ponto mostram vv. s.as estarem completamente equivocados a respeito do que se passou, pelo que s. ex.ª manda lembrar a vv. s.as a sua carta de 8 de setembro de 1862, que qualquer discussão (sobre a reclamação do sr. Youle) seria na actualidade de prejuiso para todos os interessados no emprestimo; vendo-se pela outra carta de vv. s.as de 16 de dezembro, que vv. s.as julgavam tão importantes os serviços d'aquelle cavalheiro, prestados no assumpto do emprestimo, que entenderam deverem exceder o limite marcado por s. ex.ª no arbitramento da respectiva gratificação.

Isto que fica dito mostrará a todos o engano em que vv. s.as estão, quando na sua ultima carta, a que esta serve de resposta, affirmam que n'aquella epocha quaesquer procedimentos do sr. Youle (para sustentar a sua reclamação) em nada teriam affectado a vv. s.as e que os seus esforços n'este assumpto tinham unicamente por fim evitar prejuizo para o governo.

Quanto á venda dos brilhantes. — Affirmam vv. s.as que a resolução de s. ex.ª mandando vender em Lisboa os brilhantes da corôa, a respeito dos quaes nada havia tratado com vv. s.as, teve por resultado uma venda das mais desfavoraveis.

N'isto vê s. ex.ª que vv. s.as ignoram completamente o que succedera, e para não continuarem n'essa illusão manda-lhes communicar o seguinte:

Que os diamantes vendidos por vv. s.as em Londres, tendo sido avaliados em Lisboa em 579:986$600 réis, obtiveram n'aquella praça a maioria de preço de 6:337$224 réis, resultado da differença para mais de 13:248$662 réis na primeira venda, e da diminuição de 6:911$438 réis na segunda; correspondendo o indicado augmento a 1,074 por cento sobre a referida somma de réis 579:986$600.

Que os diamantes vendidos em Lisboa, sendo avaliados em 232:773$600 réis, alcançaram sobre esta quantia o acrescimo de 12:156$700 réis, isto é, o augmento de 5,2 por cento, havendo portanto uma vantagem superior a 4 por cento nas vendas em Lisboa comparadas com as de Londres.

Que a despeza total com estas, incluindo a applicação do respectivo producto, importou em 34:153$729 réis, o que corresponde a 5,8 por cento da somma illiquida de réis 586:323$824; sendo certo que toda a despeza com operações relativas ás vendas em Lisboa não chegou a 1 por cento de 244:930$300 réis, era que importou o respectivo producto.

Resulta d'estes factos, comprovados com os respectivos documentos, um beneficio de 9 por cento approximadamente na venda em Lisboa, a qual portanto pôde e deve ser considerada das mais favoraveis.

Concluindo a presente carta, que escrevo nos termos prescriptos por s. ex.ª, aproveito esta occasião para apresentar a vv. s.as os protestos da consideração com que sou = De vv. s.as = (Assignado) Joaquim José do Nascimento Lupi.

Londres, 25 de novembro de 1863.

Ill.mo e ex.mo sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila, ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda — Lisboa.

Ill.mo e ex.mo sr. — Accusâmos recebida a carta que em 10 do corrente, por ordem de v. ex.a, nos dirigiu o sr. conselheiro Joaquim José do Nascimento Lupi, e tendo tomado attenta nota do seu conteudo passámos a responder.

Empréstimo ultimamente contratado. — Não podemos admittir a interpretação que v. ex.ª dá á nossa carta de 10 de julho, a qual não passava de uma franca exposição das nossas idéas quanto ao tempo mais conveniente para a realisação do emprestimo que, segundo corria o boato, já estava projectado. Dissemos sim que, podendo-se adiar a operação, podia-se rasoavelmente contar com resultado mais satisfactorio para o thesouro, em vista das rasões que apresentámos, mas isto não foi, segundo V. ex.ª diz na sua carta de 14 do proximo passado, tirarmos toda a esperança de poder chegar a um resultado satisfactorio.

De outro modo não teriamos na nossa dita carta emittido a opinião que, no caso do negocio nos ser commettido, poderiamos dar-lhe tão boa direcção como outra qualquer casa ou companhia, e devemos repetir que em vista do que se tinha passado relativamente ao emprestimo de 1862, e das expressões, a serem sinceras, que v. ex.ª se dignou dirigir-nos, o ter V. ex.ª contratado outro emprestimo sem ao menos dar-nos uma occasião de tratarmos, envolvia uma falta de consideração para comnosco que não deviamos esperar.

O contrato celebrado em 30 de julho proximo passado obrigava só ao governo, porque dando se certas eventualidades não era obrigatorio para os srs. Stern Irmãos; a garantia pois d'estes senhores era na realidade um mitho. Corre o boato que v. ex.ª desejava que os ditos senhores alterassem a data d'este contrato, pondo lhe uma data posterior, o que sem duvida aconteceu depois de 1 de outubro. A ser isto assim já não era dado aos srs. Stern Irmãos satisfazer os desejos de v. ex.ª, ainda mesmo que quizessem faze-lo, por já nos terem dito que tinham contratado o emprestimo em julho ao preço de 47 1/2 por cento, sendo a nossa opinião deliberada que o emprestimo teria sido emittido a 47 1/2 por cento, a termos nós aceito a offerta que elles nos fizeram de libras 250:000 aquelle preço, e portanto estamos curiosos de ver as datas das communicações que hão de ter passado relativamente ao augmento do preço da emissão para 48 por cento.

Dando-se V. ex.ª por satisfeito com um contrato garantido pela fórma em que o têem feito os srs. Stern Irmãos, nós teriamos introduzido o emprestimo de 1862 a 45 por cento, e o emprestimo de 1863 a 49 por cento. Para mostrar quaes eram as nossas idéas sobre este ponto, diremos que ao escrevermos em 14 de maio passado ao nosso amigo o ill.mo sr. Carlos Ferreira dos Santos Silva, dando-lhe certos esclarecimentos que elle nos pedíra, demos expressão á nossa opinião, que salvo qualquer contingencia inesperada, e mediante a cooperação combinada da sua firma e do banco de Portugal, poderiamos introduzir o novo emprestimo ao preço de 50 por cento para cima. Em 8 de setembro, depois do mercado ter em parte recuperado a baixa que soffrera em julho, participámos ao sr. Santos Silva que contávamos com uma subscripção de 48 a 48 1/2 por cento, não excedendo as prestações a seis mezes. Em 21 de setembro escrevemos novamente ao sr. Santos Silva que, deixando-nos V. ex.ª livres para obrarmos conforme o nosso proprio juizo, poderiamos negociar o emprestimo a 48'/s ou mesmo a 49 por cento. Ao banco de Portugal, em epocha identica, escrevemos no mesmo sentido.

Referimos estes factos para mostrar qual era a nossa opinião, e que estavamos animados pelo desejo, não já de obtermos o contrato o mais em conta possivel, senão de negociarmos o emprestimo pela fórma mais vantajosa para o governo.

No caso pois de v. ex.ª nos ter confiado o emprestimo não nos teriamos esforçado por fazer baixar o preço; as nossas diligencias teriam sido em sentido opposto, e com a experiencia que tinhamos do mercado nenhuns receios teriamos tido quanto ao resultado.

Não estavamos tão cegos que não adivinhássemos o que em fins de julho estava passando; sabe v. ex.ª que em agosto, segundo participámos ao sr. Santos Silva, tivemos suspeitas que v. ex.ª concluisse alguma cousa com os srs. Stern Irmãos, e só depois de v. ex.ª asseverar solemnemente que nada tinha feito com elles, annuimos ao pedido de v. ex.ª, apresentando as bases para um contrato. Na occasião de v. ex.ª pedir-nos para que apresentassemos estas bases bem sabia V. ex.ª que tinha feito um contrato obrigatorio para o governo; de outro modo, sendo as condições que submettemos como base para negociações mais favoraveis para o governo do que as dos srs. Stern Irmãos, tinhamos direito a sermos os preferidos.

Empréstimo de 1862. — Em primeiro logar lembraremos a v. ex.ª que cedo, no anno proximo passado, por intervenção do banco de Portugal, tinhamos exposto as nossas idéas quanto ao melhor modo de se satisfazerem as precisões do thesouro; as nossas representações porém não tiveram re-

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sultado, em consequencia de alguma desintelligencia entre V. ex.ª e a direcção do banco.

Posteriormente e, segundo julgámos, a rogo de v. ex.ª, o sr. conselheiro Brito, encarregado da agencia financial n'esta coite, pediu nos para que declarássemos as nossas idéas, o que fizemos, estipulando que cessasse immediatamente a venda de bonds por intervenção do banco união de Londres, e que se desse logo por finda toda e qualquer negociação pendente com outras casas.

Estas condições foram por v. ex.ª aceitas, e no dia 6 de junho, em cumprimento do pedido que v. ex.ª nos fizera, por intervenção do sr. Brito, pelo telegrapho, apresentámos a v. ex.ª, tambem telegraphicamente, as nossas bases para um contrato.

De posse d'estas bases V. ex.ª não me fez proposta alguma, nem nos deu a conhecer a sua opinião quanto ás nossas condições, porém de dia em dia se faziam tantas perguntas pueris que ficámos convencidos ou que v. ex.ª não estava ao facto dos principios que regem os contratos de emprestimo, ou que se nos estava burlando. Portanto em 14 de junho pedimos ao sr. conselheiro Brito que expedisse & V. ex.ª o seguinte telegramma:

«Consideraremos retirada a nossa proposta como base para um contrato se não for aceita até segunda feira de manhã, por motivos que explicámos a Brito.»

Sem duvida que v. ex.ª não ignorava «os motivos» assim explicados, e em 16 de junho escrevemos ao banco de Portugal como segue:

«Antes de sabbado se nos tinham feito varias perguntas por meio do sr. Brito, as quaes com as nossas respostas de viam ter sido transmittidas á ill.ma direcção, para a ill.ma direcção ficar sciente de tudo, e surprehendeu nos achar que isto se não tivesse feito. Juntando a esta circumstancia o facto que o sr. ministro não fez proposta alguma, que 8. ex.ª não disse se concordava com as nossas idéas ou se não estava conforme, e chegando-nos aos ouvidos um boato que s. ex.ª estava tratando com outros, começámos a duvidar da sua lealdade e julgámos do nosso dever mandar o telegramma acima alludido, por termos a convicção que era incompativel com a dignidade do banco, e com a nossa obrigação como agentes do mesmo, deixarmos que s. ex.ª persistisse na reserva que parecia disposto a guardar.»

Por telegramma, expedido em 15 de junho, pediu ex.ª ao sr. conselheiro Brito de communicar nos que v. ex.ª approvava as nossas bases, e no dia seguinte, 16 de junho, foi remettida ao dito senhor a concessão do emprestimo, assignada por v. ex.ª Diz o sr. conselheiro Lupi, na sua carta de 10 do corrente, que examinados os registos d'essa repartição, como aconselhámos, vê se que na occasião, em que assignámos o contrato de 26 de junho, já os Stern Irmãos estavam de posse da ultima e formal declaração de v. ex.ª de que as propostas, que haviam feito, não podiam ter resultado.

O telegramma expedido aos srs. Stern Irmãos, para o qual chamamos a attenção de v. ex.ª, levou data de 16 ou 17 de junho. Cremos que 16, e n'elle, se fomos bem informados, deu V. ex.ª aos ditos senhores a opção de até o dia 24 de junho tomarem o emprestimo nos mesmos termos das nossas bases, que v. ex.ª aceitára; suppomos pois que a terem os referidos senhores aceito a offerta de v. ex.ª teria V. ex.ª telegraphado ao sr. conselheiro Brito, para que não nos entregasse a concessão, que devia chegar aqui no dia 24 ou 25, e cremos que de facto chegou n'este ultimo dia.

Cumpriu V. ex.ª o seu compromisso de suspender as vendas por intervenção do banco união, mas não o seu compromisso de dar por findas todas as negociações pendentes com outras casas, e isto nos contrariou até tal ponto que estavamos dispostos a abandonar o negocio; se tivessemos resolvido assim fazer, mesmo depois de assignado o contrato, as circumstancias amplamente justificavam, conforme fizemos saber ao sr. conselheiro Brito, mas preferimos sujeitar nos ao grande sacrificio que fizemos na nossa commissão, para assim podermos levar o emprestimo a bom exito, e nunca temos sentido o termos assim feito, pelo beneficio que d'ahi resultou para o credito de Portugal.

Quanto á cessão do lucro sobre as 500:000 libras de titulos, essa nunca foi por nós denominada um sacrificio; foi uma concessão por nós espontaneamente feita. Estas libras 500:000 foram por nós reservadas com o proposito de Cedermos ao governo qualquer lucro que houvesse. A isto nada nos obrigava, mas tendo nós dito ao ar. conselheiro Brito que tratariamos de algum modo ou outro de compensar o prejuizo que resultasse do juro abonado aos possuidores de cautelas que pagassem todas as prestações aos desconto, e tendo nós formado o proposito de reservarmos as 500:000 libras n'um tempo quando já tinhamos conhecimento do proceder de v. ex.ª, cumprimos a nossa promessa.

Reservando nós as 500:000 libras no intuito de darmos ao governo a vantagem de qualquer proveito que dessem, era nosso o risco no caso de ir o preço abaixo do par, por ter tido logar aquella reservação sem o conhecimento de v. ex.ª N'este ultimo caso o prejuizo teria feito para nós, de modo que em todos os sentidos foi uma concessão ao governo.

Dos sacrificios, aos quaes nós nos referimos, foi o principal o sacrificio na nossa commissão que nos foi forçoso fazer para evitar que por meio dos jornaes te fizesse um uso menos escrupuloso do telegramma de v. ex.ª de 16 ou 17 de junho. Já pelos jornaes de 3 a 9 de julho vimos o que se estava preparando, em presença de paragraphos, quaes os seguintes:

Do Times de 3 de julho de 1862

«Quanto ao novo emprestimo portuguez, sempre parece que os arranjos definitivos ainda não foram ajustados, e ha quem dê franca expressão a duvidas sobre se as negociações do governo n'este assumpto têem sido conduzidas de um modo que induza o publico a olhar com favor as condições.»

Do Times de 3 de julho de 1862

«A respeito do emprestimo portuguez corre o boato que será adiado, e que ainda se não ajustaram os preliminares.»

Do Times de 9 de julho de 1862

«Os fundos portuguezes têem estado recentemente menos frouxos, em virtude de que por ahi se diz que o emprestimo projectado de 5.000:000 não sairá por emquanto. Julga-se porém que a demora não será por muito tempo, e duvida-se como será olhada aqui uma emissão tão consideravel, visto o actual estado financial de Portugal»; e, a não termos procedido como procedemos, a publicação do referido telegramma teria divulgado tamanha falta de boa fé da parte de um ministro da fazenda que o publico não teria subscripto.

Para mostrar a v. ex.ª quaes eram os nossos receios ao tempo em que tudo isto se passava, apenas chamaremos a attenção de v. ex.ª para a carta que em 26 de junho de 1862, antes de assignarmos o contrato, entregámos ao sr. conselheiro Brito, e que por elle deve ter sido communicada a v. ex.ª, e para o seguinte extracto da nossa carta ao banco de Portugal de 12 de julho do anno proximo passado.

«Se o resultado do emprestimo não for o que desejamos, não será por não termos empenhado os nossos esforços e influencias para bem do credito de Portugal, mas as providencias por nós tomadas nos vão custar uma porção muito grande da nossa commissão; ainda mesmo que não nos custem a totalidade, pôde ser que pouco nos reste em recompensa da nossa responsabilidade e trabalho que excederam todos os nossos calculos, alem de qualquer lucro que possa haver nas 500:000 libras que temos tomado. O sr. ministro tratou e temporisou com muitos, e, o que é peior, em epocha identica, o que foi pouco acertado, e temos tido que combater o mau effeito d'isto, mas julgamos que os nossos esforços não sairão mallogrados.»

Outro sacrificio, importando em 1:000 libras, pouco mais ou menos, proveiu do juro que abonámos alem do estipulado no contrato.

Por arranjo supplementar, feito com o sr. conselheiro Brito, concordámos em abonar o juro de 2 3/4 por cento, com o fim de compensar em parte o prejuizo resultante do pagamento das prestações sob desconto, mas quando, por carta de 28 de agosto de 1862, dirigida ao mesmo senhor, puzemos á disposição do governo as 500:000 libras de titulos, queriamos dar a entender que o lucro sobre estas libras 500:000 devia compensar tudo. A nossa carta foi concebida n'estes termos:

«Estamos promptos a ratificar a nossa promessa verbal, pondo á disposição do ex.mo sr. ministro da fazenda libras 500:000 do emprestimo, por nós -tomadas, com a condição que estas libras 500:000 fiquem em nosso poder, e que não sejam collocadas no mercado senão depois de pago o semestre de janeiro proximo findo, devendo então ser vendidas por nossa intervenção exclusivamente, pela fórma e nas epochas que nos parecer prudente. Vemo-nos na precisão de fazermos esta estipulação com o fim de garantirmos aquelles amigos que foram levados pelas nossas representações a tomar um avultado interesse no emprestimo; e temos a convicção que isto ha de redundar em beneficio do governo, julgando nós que passados alguns mezes regulará este fundo muito mais alto do que na actualidade, sendo o premio de hoje 2 1/8 a 2 3/8».

V. ex.ª porém não tinha interpretado a nossa carta por esta fórma; e tendo V. ex.ª firmado as suas contas na supposição de que sempre abonaríamos juros a rasão de 2 3/4 por cento, nós no mez de janeiro, depois de entregue a conta do emprestimo até 31 de dezembro, e a pedido do sr. conselheiro Brito, annuimos a este nosso sacrificio com o fim de poupar a v. ex.ª a necessidade de reformar os seus calculos.

Faz V. ex.ª allusão a sacrificios por parte do governo com a extenção de duas prestações alem de maio, e com o pagamento das prestações sob desconto, a cujo respeito cumpre-nos dizer que nenhum sacrificio ou concessão foi feito pelo governo depois de assignado o contrato, alem do que ficou providenciado n'aquella occasião, porque, como v. ex.ª deve muito bem saber pelas cartas trocadas entre nós e o sr. conselheiro Brito, tinhamos em vista o pagamento sob desconto, ficando por ajustar a taxa do mesmo e outros detalhes, como se vê do seguinte extracto da carta que nos dirigiu o sr. conselheiro Brito em 26 de junho, dia em que se celebrou o contrato:

«Fica entendido, pois, que a taxa d'esse desconto será fixada de accordo com esta agencia, assim como a importancia e datas das prestações.»

Em logar, pois, de sacrificios por parte do governo, fomos nós (para não faltarmos da perda na commissão) que em primeiro logar concedemos o lucro sobre as 500:000 libras (concessão que, segundo V. ex.ª então disse, foi por nós generosamente proposta), e depois sacrificámos a differença entre o juro mais elevado que abonámos e o que tinhamos contratado.

Sr. Youle — Quando na nossa carta, de 8 de setembro de 1862, dissemos que qualquer discussão sobre a reclamação d'este senhor seria de prejuizo para todos 09 interessados no emprestimo, não fallavamos de um prejuizo que nós mesmos podessemos vir a ter, porque sabendo nós o que faria o sr. Youle, no caso de não conseguirmos ajustar as differenças que existiam entre elle e v. ex.ª, podiamos ter vendido, se assim estivessemos dispostos, todos os bonds que possuíamos, evitando d'este modo qualquer prejuizo para nós mesmos; mas aquelles que tinham sido induzidos a tomar parte no emprestimo, muitos entre elles por sermos nós os contratadores, teriam ficado prejudicados com | a publicidade que, como v. ex.ª sabe, o sr. Youle tencionava dar á materia, e a realisação das 500:000 libras estava no mesmo caso;

Não ignora V. ex.ª a opinião que formou o sr. Youle do proceder de v. ex.ª para com elle, porque sobre isto» foi muito explicito na carta que dirigia a v. ex.ª, cremos por mão do sr. Payant, e que nós podemos fazer que elle' retirasse, para que documento tão inconveniente não apparecesse nos archivos d'essa repartição; e, se o teor das nossas cartas tem sido desagradavel a v. ex.ª, o da carta do sr. Youle muito menos lhe deve ter agradado.

Quanto aos serviços prestados por aquelle cavalheiro, não foi a nós que foram prestados, mas sim a v. ex.ª, allegando elle que v. ex.ª o mandára chamar a Lisboa, e reconhecêra, ou tanto valia, como agente de v. ex.ª, com o fim de: promover um contrato com os srs. Stern Irmãos, que v. ex.ª lhe promettêra uma commissão, mas que depois de feito o' contrato comnosco repudiara V. ex.ª a sua reclamação.

Comquanto não julgassemos ter o sr. Youle direito á quantia por elle reclamada a v. ex.ª, o julgámos com direito a mais do que as 2:000 libras que lhe arbitrámos, e que saíram do lucro das 500:000 libras, e por isso nós mesmos lhe demos mais 1:000 libras, apesar de que nem a mais remota obrigação tinhamos de faze-lo.

Diamantes — Os resultados comprovativos, por v. ex.ª citados, das vendas doa diamantes em Lisboa e Londres não são baseados em principios sãos, por depender tudo da exactidão da avaliação feita em Lisboa. A este respeito cumpre-nos observar que, apenas souberam-se os tamanhos e o sortimento, disse-nos um comprador que sem ver as pedras dava 5 por cento acima das avaliações. Posteriormente, depois das pedras terem sido examinadas, um comprador seguindo os conselhos do nosso corretor (um dos melhores conhecedores, na Europa, do valor dos diamantes) deu ordem para que pelas pedras brutas se offerecesse o preço de 82 por cento, mas subsequentemente retirou essa ordem em virtude de um arranjo que se fizera com o fim de evitar a competição. Referimos factos, não hypotheses. O nosso corretor avaliou as pedras brutas de 82 a 85 por cento, e julgou que este ultimo preço teria sido realisado aqui. As pedras lapidadas venderam-se muito baratas, e deram para os compradores um lucro excellente.

Em prova do que avançamos, no caso de existir uma partida igual de pedras brutas, o comprador acima mencionado a tomará ao referido preço de 82 por cento pago em Lisboa sem despeza alguma para o thesouro.

Diz V. ex.ª que & respeito d'estas pedras nada havia tratado comnosco; quanto á letra talvez V. ex.ª tenha rasão, mas não quanto ao espirito. E mesmo quanto á letra, se nada havia tratado comnosco, rogamos a v. ex.ª se digne esclarecer o sentido de um telegramma que expediu ao sr. conselheiro Brito, relativamente aos diamantes em questão, mandando nos communicar que os passos que v. ex.ª ía dar nos sei iam satisfactorios.

Se temos dado expressão aos nossos sentimentos de um modo desagradavel para V. ex.ª, não ignora V. ex.ª que temos para isso sobrado motivo em vista do proceder de v. ex.ª para comnosco. Por longos annos de relações dos nossos predecessores e de nós mesmos com Portugal, tem sido das mais agradaveis possiveis, e sabendo nós fazer justiça á lealdade do caracter portuguez, é grande a magua que temos experimentado ao ver-nos obrigados a dirigirmo-nos a v. ex.ª com estas reflexões.

Temos a honra de subscrever-nos com toda a consideração = De V. ex.ª muito attentos veneradores e creados = (Assignados) Knowles & Foster.

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Lisboa, 12 de dezembro de 1863. ill.mos srs. Knowles & Foster.

O ex.mo sr. ministro da fazenda incumbiu-me de dizer a vv. s.as que não encontra na sua carta de 25 de novembro observação alguma que altere o estado das questões que vv. s.as têem tratado, como eu o apresentei na minha carta de 10 do dito mez, cujo conteudo s. ex.a manda confirmar.

Mas aquella carta manifesta um outro equivoco, em que vv. s.as estão, o qual só poderá ser devido a informações menos exactas, que lhes tenham sido dadas.

Dizem vv. s.as em um dos paragraphos da sua indicada carta... «annuimos ao pedido de v. ex.ª, apresentando bases para um contrato. Na occasião de v. ex.ª pedir-nos para que apresentassemos estas bases, bem sabia V. ex.ª que tinha feito um contrato» (o de 30 de julho).

S. ex.ª, para rectificar, por assim o julgar conveniente, esta parte da sua alludida carta, quer que' eu faça saber a vv. s.as, muito positivamente, que para taes asserções não ha fundamento algum, porque s. ex.ª, pelas considerações já feitas em outra occasião, nem directa, nem indirectamente, sollicitou de V. s.as bases, ou quaesquer informações, para um novo contrato de emprestimo, e isto mesmo está evidenciado pela carta de vv. s.as de 5 de outubro ultimo, em que estranharam que não tivesse tido resposta a carta de vv. s.as de 10 de julho antecedente, em que se haviam referido á possibilidade de precisar o governo fazer outro emprestimo, manifestando a sua opinião a este respeito.

Concluindo a presente, renovo os protestos de consideração com que sou = De vv. s.as = (Assignado) Joaquim José do Nascimento Lupi.

COPIA

Via França Londres, 21 de dezembro de 1863

Ill.mo e ex.mo sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila, ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda, etc. etc. etc. — Lisboa.

Fica em nosso poder a carta do sr. conselheiro Joaquim José do Nascimento Lupi, de 12 do corrente, escripta por ordem de v. ex.ª, onde V. ex.ª nos manda communicar que não

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encontrou na nossa carta de 25 de novembro observação alguma que altere o estado das questões que temos tratado, como V: ex.a apresentou na sua de 10 do dito mez, cujo conteudo V. ex.ª agora manda confirmar.

Já que v. ex.ª prosegue-no systema de passar sem reparar as allegações as mais importantes contidas nas nossas cartas, devemos suppor que v. ex.ª concorda na justiça d'ellas: torna-se pois inutil que entremos mais em materia.

Dizendo porém V. ex.a que não ha fundamento algum para a nossa asserção, que foi a pedido de v. ex.ª que apresentámos as bases para um novo contrato — acrescentando tambem V. ex.ª que nem directa nem indirectamente solicitou de nós bases ou quaesquer informações para um novo contrato — pedimos licença para dizer a v. ex.ª que a nossa dita asserção está plenamente justificada pelas asserções de v. ex.ª verbalmente feitas ao ill.mo sr. Carlos Ferreira dos Santos Silva, como se vê dos extractos, que em seguida damos, de duas cartas que recebemos d'este amigo, por cuja intervenção remettemos a v. ex.ª a presente.

Extracto n.º 1, em data do 12 de setembro

«Recebo propostas e decidirei com quem me fizer maiores vantagens, comtanto que me offereça as necessarias garantias. Diga aos seus amigos que o auctorisem a fazer me uma offerta, e diga as condições, e esteja certo que aceito se me convierem, pois emquanto ao credito dos proponentes não preciso de tirar informações.»

Extracto n.° 2, em data de 26 de setembro

«Pediu me s. ex.ª que fizesse então uma proposta, o que me deu occasião a entregar lhe a de que consta a copia inclusa, que já levava prompta, li-lh'a; s. ex.ª pareceu satisfeito, e prometteu-me uma resposta definitiva na proxima segunda feira, assim como a preferencia se fosse precisa n'ella alguma alteração para a collocar a par de qualquer outra.»

D'estes extractos verá V. ex.ª que não foi levianamente que fizemos a asserção que V. ex.a taxa de infundada.

Temos a honra de subscrever-nos com toda a consideração, de v. ex.ª, etc. etc. = (Assignados) Knowles & Foster.

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