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Discurso do sr. deputado Manuel Pinheiro Chagas, pronunciado nas sessões

de 15 e 16 de janeiro

Sessão de 15 de janeiro, pag. 70, col. 2.ª

O sr. Pinheiro Chagas: — É realmente para mim summamente difficil tomar a palavra depois da impressão produzida na camara pelo discurso brilhante do illustre deputado e meu amigo, o sr. Luiz de Campos (apoiados). Estando em desaccordo, como s. ex.ª e a camara facilmente imaginam, com a maior parte das idéas expendidas pelo meu illustre amigo o sr. Luiz de Campos, não posso comtudo, antes de principiar, deixar de prestar homenagem ás qualidades de eloquencia que s. ex.ª desenvolveu na sua aggressão, um pouco violenta, emquanto a mim, e um pouco injusta tambem (apoiados).

N'estes ultimos annos a discussão da resposta ao discurso da corôa era considerada simplesmente como um comprimento dirigido ao throno, e as opposições abstinham-se de travar luta n'este assumpto.

Não deixo porém de achar util que se não siga agora esta praxe, e que a opposição escolha este terreno para que todos nós exerçamos um dos nossos mais nobres direitos, cumpramos um dos nossos principaes deveres, o de examinar a politica do governo, fiscalisar os seus actos e avaliar a legalidade da sua gerencia no intervallo das duas sessões legislativas.

É possivel até que esta revista geral de politica do governo n'esta occasião dispense um grande numero de interpellações, que viriam depois estorvar o andamento regular dos negocios parlamentares, e é de certo modo vantajoso para a opposição, a qual, em vez de disseminar as suas forças n'essas escaramuças de interpellações, faz assim, na resposta ao discurso da corôa, uma especie de exame vago ao governo e á maioria que partilha em geral a responsabilidade da sua politica.

Sr. presidente, confesso a v. ex.ª que, ouvindo com toda a attenção o discurso que acaba de ser proferido pelo illustre deputado o sr. Luiz de Campos, nem sempre pude conseguir apreciar bem quaes eram as suas idéas definitivas ácerca de algumas das questões mais importantes que aqui tratou.

Por exemplo. S. ex.ª censurou asperamente (e com rasão, se o facto fosse verdadeiro, o que me não parece crivel) que uma deputação composta de artistas sapateiros e ferradores fosse em Coimbra recebida á gargalhada. É digno effectivamente de aspera censura qualquer desprezo que se manifeste pelos homens do povo. Mas, ao mesmo tempo que vi s. ex.ª affirmar estas idéas democraticas que todos partilhamos, vi tambem que s. ex.ª combateu e verberou o principio mais sagrado da democracia, o principio da soberania popular (apoiados), desde o momento em que negou a legitimidade ás eleições, que são a unica base da constituição que nos rege e a que devemos a nossa existencia politica (muitos apoiados).

Mais ainda. Vi que o illustre deputado manifestava o seu respeito pelo Soberano que actualmente está á frente dos negocios publicos, vi que affirmava altamente as suas idéas monarchico-democraticas. Não precisava s. ex.ª de fazer este protesto em plena camara; todos sabemos que ao amor da liberdade liga o illustre deputado o respeito pela monarchia constitucional. Mas, ao mesmo tempo que o vi prestar esta homenagem á realeza e ao rei, vi que, arrastado pelo seu enthusiasmo para o campo da historia, revolveu os annaes do imperio romano, e veiu fazer comparações um pouco perigosas entre os actuaes ministros e Tigellino e Sejano. V. ex.ª sabe, sr. presidente, que não é facil separar a historia d'estes cortezãos da historia dos imperadores, que os sustentavam e protegiam. Sem Nero e sem Tiberio não se podem comprehender Sejano e Tigellino. A comparação era portanto infeliz (muitos apoiados).

Sei que não era intenção do illustre deputado vibrar tão alto os seus tiros, mas devo confessar que me produziu uma impressão um pouco desagradavel ver equiparados, pelas comparações do sr. Luiz de Campos, aos cortezãos e aos favoritos dos despotas imperiaes os ministros parlamentares de um soberano constitucional.

Mais adiante tambem s. ex.ª, enlevado no brilho de uma figura de rhetorica, chegou a fazer uma comparação entre o soberano portuguez e o imperador Claudio, parallelo que não é de certo muito lisonjeiro para o personagem que representa entre nós a realeza constitucional (apoiados).

Mais ainda: vi que o illustre deputado, procurando a procedencia dos membros do gabinete, foi investigar a historia politica do sr. presidente do conselho, e viu que não militava em 1846 nas fileiras do partido progressista.

Julgava eu que essa velha historia das procedencias politicas estava obliterada ha muito, e que nos partidos havia uma certa confusão de elementos, que a nenhum d'elles auctorisava por consequencia a arremessar a pedra aos outros.

Ora, eu ouvi muitos dos membros do partido historico, que têem assento n'esta casa, applaudirem fervorosamente essa parte do discurso do sr. Luiz de Campos; mas, ao mesmo tempo, o sr. Luiz de Campos censurava o sr. ministro do reino por ter condecorado cem a Torre e Espada o sr. Mendes Leal, um dos mais distinctos ministros de varios gabinetes historicos, e de o ter condecorado por acções que elle praticara, quando em 1846 militava nas fileiras adversas ao partido progressista.

D'esta vez, em homenagem á verdade, devo dizer que os illustres membros do partido historico não applaudiram o sr. Luiz de Campos.

Evocando mais uma vez a historia, o sr. Luiz de Campos fez tambem a comparação entre a nossa epocha e a do baixo imperio.

D'estas reminiscencias do baixo imperio tem-se abusado um pouco; estes parallelos com o tempo dos imperadores bysantinos repetem-se com uma frequencia atterradora, sempre que um orador quer fulminar a politica dos seus adversarios (apoiados).

Mas effectivamente eu creio tambem que ha alguns pontos de contacto entre os nossos tempos e a epocha bysantina, porque me recordo que era effectivamente no tempo do baixo imperio que os prelados abandonavam os seus rebanhos para irem ao paço de Constantinopla lançar-se em plena politica, attendendo mais aos negocios temporaes do imperio, do que aos interesses espirituaes dos seus diocesanos (muitos e repetidos apoiados).

Isto passava-se no tempo do baixo imperio, com o qual acha o illustre deputado tanta similhança na epocha actual.

(Interrupção.)

Voltando ainda a revolver a historia, não já a historia romana do tempo de Tiberio e de Nero, mas a historia contemporanea de Portugal, o sr. Luiz de Campos renovou uma velha accusação, muitas vezes desmentida, e constantemente repisada, feita ao jornalista illustre, que hoje se senta nas cadeiras do ministerio na qualidade de ministro do reino, o sr. Antonio Rodrigues Sampaio.