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SESSÃO DE 17 DE JANEIRO DE 1876

Presidencia do sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios — os srs.

Ricardo de Mello Gouveia

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Summario

Ha votação nominal sobre ser ou não apoiado o projecto para a reforma da carta apresentado pelo governo em 1872, e renovado agora pelo sr. Pinheiro Chagas, e não é apoiado por não haver alcançado a terça parte dos votos presentes — Abre se debate sobre este assumpto, e fallam sobre elle os srs. Pinheiro Chagas, presidente do conselho, Marçal Pacheco, Luciano de Castro, Luiz de Campos, Manuel d’Assumpção, Eduardo Tavares, Visconde da Arriaga e Sousa Lobo. Não se entra na ordem do dia, e fica pendente o debate.

Presentes á chamada 61 senhores deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, Avila Junior, Boavida, A. J. de Seixas, Cunha Belem, Carrilho, Rodrigues Sampaio, Barjona de Freitas, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Neves Carneiro, Carlos Eugenio Correia da Silva, Carlos Testa, Vieira da Mota, Conde de Bretiandos, Conde da Graciosa, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Francisco Osorio, Francisco Mendes, Francisco Costa, Quintino de Macedo, Paula Medeiros, Illidio do Valle, Ferreira Braga, Barros e Cunha, J. M. de Magalhães, Vasco Leão, Mamede, J. J. Alves, Matos Correia, Klerck, Pereira da Costa, Figueiredo de Faria, Namorado, Luciano de Castro, Pinto Bastos, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Camara Leme, Bivar, Freitas Branco, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Mello Simas, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, (D.) Miguel Coutinho, Pedro Jacome, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Thomás Bastos, V. da Arriaga, V. da Azarujinha, V. de Guedes Teixeira.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, A. J. Teixeira, Mello Gouveia, Zeferino Rodrigues, Forjaz de Sampaio, Mouta e Vasconcellos, Lampreia, Moraes Rego, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, Mexia Salema, Julio de Vilhena, Marçal Pacheco, Pedro Franco, Thomás Ribeiro, V. de Carregoso, V. de Moreira de Rey, V. de Sieuve de Menezes, V. de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Adriano Sampaio, Rocha Peixoto (Alfredo), Braamcamp, Antunes Guerreiro, Arrobas, Telles de Vasconcellos, Falcão da Fonseca, Barão de Ferreira dos Santos, Francisco de Albuquerque, Pinto Bessa, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Palma, Perdigão, Jeronymo Pimentel, Ribeiro dos Santos, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Guilherme Pacheco, Nogueira, Rocha Peixoto (Manuel), Alves Passos, Cunha Monteiro, Placido de Abreu.

Abertura — A uma hora e meia da tarde. Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

Participações

1.* Do sr. José Pedro Antonio Nogueira, declarando que por motivo de doença não tem comparecido ás sessões, nem poderia comparecer a mais algumas.

2.ª Declaro que por motivo justificado não tenho comparecido a algumas sessões da camara. — Mariano de Carvalho.

3.ª Declaro que por incommodo de saude tenho faltado a algumas sessões. — Eduardo Tavares, deputado por Almada.

4.ª Tenho a honra de declarar a V. ex.ª e á camara, que não compareci ás sessões precedentes por motivo justificado.

Sala das sessões, 17 de janeiro de 1816. — Agostinho da Rocha.

Declarações

1.ª Declaro que se tivesse estado presente, teria votado com a minoria. =. 4. Osorio de Vasconcellos.

2.ª Declaro que se estivesse presente ás sessões em que esta camara foi consultada sobre se apoiava, para terem as respectivas leituras, os projectos da reforma da carta apresentados pelos srs. Francisco Mendes e Luciano de Castro, tê-los-ia apoiado. — Eduardo Tavares, deputado por Almada.

Officios

1.° Do ministerio da fazenda, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Manuel Augusto de Sousa Pires de Lima, declarando que no intervallo das sessões foi nomeado para o logar de secretario do tribunal de contas, por decreto de 13 de maio de 1875, o sr. deputado Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.

A secretaria.

2.° Da mesa da santa casa da misericordia de Lisboa, remettendo 120 exemplares do relatorio e contas da sua gerencia respectivas ao anno economico de 1874-1875.

Mandaram-se distribuir.

Requerimentos 1.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja remettida a esta camara com a maior urgencia copia de todo o processo que precedeu a deliberação do governo para mandar reduzir os direitos sobre o assucar na cidade do Porto.

Requeiro igualmente que seja enviada copia da resolução do conselho geral das alfandegas sobre este objecto.

15 de janeiro de 1876. == Barros e Cunha.

2.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me seja enviada a copia das tarifas propostas pela companhia real dos caminhos de ferro do norte e leste, e approvadas por portaria de 23 de abril de 1875.

Requeiro igualmente que me seja enviada copia ou um exemplar impresso das tarifas que se dizem affixadas nas estações do caminho de ferro do norte e leste, nos fins de maio de 1875, e que começaram a vigorar no 1.° de julho do mesmo anno. = José Luciano.

3.° Requeiro que a esta camara seja enviada relação:

I Dos professores vitalicios, que nos differentes lyceus regem as cadeiras para que foram despachados;

II Dos professores vitalicios que, havendo feito concurso e tendo sido nomeados para uma cadeira, estejam ensinando nos lyceus disciplinas para cujo magisterio se não mostraram habilitados em exame publico;

III Dos professores interinos ou provisorios que, sendo estranhos ao quadro effectivo do magisterio secundario, e não havendo mostrado aptidão para o exercer em concurso de provas publicas, estejam regendo cadeiras nos lyceus. = Manuel Augusto de Sousa Pires de Lima.

4.° Requeiro que seja remettido á commissão de fazenda o requerimento do tenente coronel José Maria de Bettencourt, no qual pede, em vista dos documentos que apresenta, melhoria de reforma, o qual já teve na sessão passada parecer na commissão de guerra. = O deputado pelo circulo n.º 96, Pedro Roberto Dias da Silva.

5.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja remettida, com urgencia, a esta camara copia do resultado da syndicancia feita em 1873 á delegação do correio de Amares por um empregado do correio do Porto, cujo pro-

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cesso foi enviado áquelle ministerio em abril do mesmo anno.

Sala das sessões da camara dos deputados, 15 de janeiro de 1816. = Jeronymo Pimentel.

6.º Requeiro que seja enviada a esta camara a relação das cadeiras de instrucção primaria creadas nos annos de 1872-1873 e 1874-1875 que ainda não estejam providas de mestres despachados pelo governo.

Sala das sessões, 15 de janeiro de 1876. = Manuel Augusto de Sousa Pires de Lima.

7.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada á camara uma nota dos individuos nomeados para fiscaes, com fundamento no artigo 5.° da lei de 18 de março ultimo, indicando se as alfandegas para onde foi feita a nomeação, e se os nomeados foram occupar os seus logares e n'elles se têem conservado. Era caso negativo a ratão por que se tem cumprido as disposições da nomeação.

Sala das sessões, 15 de janeiro de 1876. =0 deputado, Pereira de Miranda.

8.º Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada á camara uma nota dos encargos de divida fluctante, durante o primeiro semestre do actual anno economico, indicando-se a verba do orçamento por onde foi paga a importancia dos mesmos encargos. = O deputado, Pereira de Miranda.

Deu-se-lhes destino.

Representação

Dos escripturarios dos escrivães de fazenda dos bairros de Lisboa e dos dos concelhos de Belem e Olivaes, pedindo augmento de vencimento. (Apresentada pelo sr. deputado Cunha Belem.)

Á commissão de fazenda.

Foi approvado o seguinte requerimento do. sr. Pires de Lima.

Requerimento

Requeiro que sejam impressos e distribuidos n'esta casa os relatorios da inspecção mandada fazer ás escolas primarias no anno de 1873.

Sala das sessões, 15 de janeiro de 1876. — Manuel Augusto de Sousa Pires de Lima.

O sr. Presidente: — O projecto tendente a reformar a carta, de que vamos occupar-nos, para poder ter seguimento é preciso ser apoiado pela terça parte dos srs. deputados presentes. Vou consultar a camara.

O sr. Pinheiro Chagas: — Peço a V. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que haja votação nominal.

Assim se resolveu.

O sr. Presidente: — Os srs. deputados que apoiam a proposta dizem approvo, os que não a apoiam dizem rejeito.

Feita a chamada

Disseram approvo os srs. Pereira de Miranda, A. J. Boavida, Sousa Lobo, Conde de Bretiandos, Conde da Graciosa, Eduardo Tavares, Francisco Mendes, Barros e Cunha, José Luciano, Luiz de Campos, Pires de Lima, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Pedro Franco, Bastos.

Disseram rejeito — os srs.: Agostinho da Rocha, Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, A. J. d'Avila, A. J. de Seixas, Cunha Belem, Sampaio, Barjona, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Carlos Eugenio, Carlos Testa, Vieira da Mota, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Fonseca Osorio, Francisco Costa, Quintino de Macedo, Illidio do Valle, Ferreira Braga, J. M. de Magalhães, Vasco Leão, J. J. Alves, Matos Correia, Klerck, José Frederico, Figueiredo de Faria, Namorado, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, Mexia Salema, Pinto Bastos, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Bivar, Freitas Branco, Faria de Mello, Manuel d'Assumpção, Mello Simas, Marçal Pacheco, Pedro Jacome, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Sieuve de Menezes, Mamede, Carrilho e Ricardo de Mello.

O á. Presidente: — Responderam á chamada 69 srs. deputados, a terça parte d'esse numero são 23, disseram approvo 16, e rejeito 53, por consequencia a proposta não tem seguimento»

Vão ler-se agora os nomes dos srs. deputados que votaram a favor.

(Leram-se.)

O sr. Pinheiro Chagas: — (O sr. deputado não restituiu o discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): —Mudaram-se completamente os principios e as regras parlamentares; mas se d'essa mudança resulta para o governo a fortuna de ter o apoio dos illustres deputados que até aqui têem sido opposição, n'este caso applaudo-me com isso. (Apoiados.)

O governo levou um cheque da sua maioria; tem o apoio da opposição, e n'esse caso conclue o illustre deputado que deve marchar para o paço para depor as pastas nas mãos de Sua Magestade!!

A fallar a verdade, não tendo senão o apoio da opposição que infelizmente n'este assumpto teve 16 votos contra 53, não póde continuar a governar; mas como o governo conta tambem com o apoio sincero e leal da maioria, como até agora o tem tido (muitos apoiados), não póde condescender com os desejos do nobre deputado, e continua a permanecer no seu logar. (Apoiados.)

Não ha contradicção alguma entre o procedimento do governo de hoje e o de ha quatro annos, quando tive a honra, não eu, e digo não eu, porque estava doente n'essa occasião, mas o governo a que tenho a honra de presidir, de apresentar a proposta de reforma da carta.

O governo estava convencido de que a exemplo do que tinha acontecido em 1852, esta reforma seria uma bandeira de paz entre os partidos, e que não ficaria cada um com as suas reservas, para vir mais tarde apresentar ou propôr novas reformas da carta. O governo viu illudidos os seus esforços. Eu declarei em ambas as casas do parlamento, que desde que os partidos politicos militantes não se associavam á proposta do governo, elle não lhe podia dar seguimento. Esta declaração está de pé, e fez com que nas sessões subsequentes o governo não instasse pela reforma da carta, e com que na primeira sessão legislativa da actual legislatura, quando essa proposta já tinha caducado, não se renovasse a sua iniciativa.

O governo, portanto, está coherente com o seu procedimento. Apresentou uma reforma da carta, convencido de que vistas as manifestações que se apresentavam por parte dos homens dos differentes partidos, essa reforma poderia ser um laço de união entre nós; uma bandeira de paz; mas desde que a essa proposta de reforma se seguiram immediatamente outras, apresentadas pelos partidos historico e reformista, o governo viu que não podia conseguir o fim que tinha em vista e desistiu da sua. Agora é o illustre deputado que, no uso do seu direito, vem renovar a iniciativa d'essa proposta, a camara responde como entende, e o governo mantem o seu posto. (Apoiados.)

Tenho dito.

O sr. Pinheiro Chagas: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Luciano de Castro.

O sr. Luciano de Castro: — Como eu tenho de fallar no mesmo sentido em que acabou de fallar o illustre deputado que me precedeu, eu pedia a V. ex.ª que desse a palavra a outro deputado que fallasse em sentido contrario.

O sr. Presidente: — Como não havia thema para discussão eu ía dar a palavra aos srs. deputados pela ordem por que a pediram, mas n'esse caso tem a palavra o sr. Marçal Pacheco.

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O sr. Marçal Pacheco: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Luciano de Castro: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Aqui não ha renegados, aqui ha triumphadores, disse o illustre deputado no discurso que acabámos de lhe ouvir; mas triumphadores de quem, pergunto eu? De nós ou de si proprios? E pergunto isto, porque os mesmos homens que, quando o governo apresentou a proposta que agora fazem sua, que agora levantam nos escudos, a declaravam inconstitucional e saíam por aquella porta fóra, são os mesmos que nos vem dizer n'este momento que o governo reconsiderou. (Apoiados.)

Quem reconsidera aqui? Somos nós ou sois vós?

Esta questão tem uma historia que é preciso que se recorde.

Em 1871, o illustre deputado e meu amigo, que vejo presente, o sr. Francisco Mendes, apresentou n'esta casa a proposta da reforma da carta constitucional. Era uma proposta indefinida, era uma proposta que abrangia toda a carta, sem se saber quaes eram os pontos que especialmente pretendia reformar.

Pois o illustre deputado e os seus amigos politicos negaram o seu voto á admissão d'essa proposta á discussão (apoiados). O illustre deputado e os seus amigos politicos, que agora julgam a reforma da carta de grande necessidade, de primeira, necessidade mesmo para o paiz, conservadores n'essa epocha (apoiados), rejeitaram a admissão á discussão da proposta do sr. Francisco Mendes! (Apoiados.)

N'essa occasião ainda um dos meus illustres collegas, que então se sentava nos bancos da maioria, porque então nós apoiávamos o governo que estava á frente dos negocios publicos e era presidido pelo sr. marquez d'Avila e de Bolama, disse n'esta camara, que o partido regenerador não se recusava a introduzir na carta constitucional algumas modificações que fossem consentaneas com as idéas modernas, e que não tinha duvida em tomar desde logo um compromisso a esse respeito, para quando elle e os seus amigos fossem chamados ao poder.

Poucos dias depois fomos effectivamente chamados ao governo, e no primeiro discurso da corôa que se seguiu a | esse facto, annunciou El-Rei do alto do throno que se trataria da reforma da carta constitucional.

O governo fiel á sua promessa apresentou a proposta competente, e sabe a camara como procedeu o partido historico, á frente do qual está o illustre deputado, ou de quem pelo menos o illustre deputado é um dos chefes? Declarou inconstitucional a proposta do governo, e saíu da sala para não votar sobre a sua admissão! (Vozes: — Muito bem.)

Nem sequer a rejeitou; declarou-a viciada na sua origem, e a opposição toda saíu da sala, sendo a proposta admittida á discussão unicamente pelo voto dos amigos do governo.

Agora esta proposta inconstitucional, esta proposta que não podia produzir effeitos uteis, nem vantagens reaes para o paiz, porque estava viciada fundamentalmente, é levantada nos escudos, e somos nós os que não queremos fazer discutir a reforma da carta! Quantum mulatus ab illo? (Apoiados.)

E ainda os conservadores! Apesar de tudo estes conservadores propõem as reformas e fazem-nas, e comtudo o illustre deputado não dá licença que se chamem progressistas! (Apoiados.) Mas são-no, apesar das apreciações do illustre deputado, porque a força das cousas é superior á vontade dos homens. Este partido insistiu na reforma procurando approximar-se, agrupar-se em roda dos partidos politicos para chegar a um accordo. interpellado na outra casa do parlamento o que disse o governo pelo meu orgão?

Estamos promptos a levar avante a reforma da carta se for bandeira de paz entre os partidos; mas como depois da nossa proposta o illustre deputado tinha apresentado a sua para significar o seu desaccordo com a proposta do governo, e depois o seu amigo que é actualmente chefe do partido historico declarou radicalmente inconstitucional a proposta do governo, o que aconteceu foi não podermos vir a um accordo, quando d'esse accordo não podia resultar o contrario do que aconteceu em 1852, em que os diversos partidos politicos poderam entender-se.

Já sou velho, e estava sentado n'estas cadeiras no tempo em que esse partido que agora se alcunha de conservador apresentava uma reforma liberal; e s. ex.ª bem sabe que essa reforma foi apoiada por José Estevão, por Passos Manuel, por Passos José, por Leonel Tavares e por outros homens notaveis que se sentavam n'essas cadeiras.

Vós, senhores, que sois tão liberaes, vós que tendes o monopolio do principio progressista, que reformas da carta tendes apresentado ao parlamento, quantas tendes feito votar quando fostes governo? É boa. Então era a questão de fazenda; esta era a grande difficuldade. Agradeço ao illustre deputado o testemunho insuspeito que dá de que hoje a fazenda está n'um estado prospero!

Em 1872, ha quatro annos, gritava o illustre deputado d'aquella cadeira, que a situação da nossa fazenda era deploravel e desgraçada. E então queria que nós levassemos avante a reforma da carta? Que acervo de contradicções!

O illustre deputado, que tem um talento que eu admiro e respeito, parece incrivel, a não ser pela pessima posição em que se acha collocado, que desse flanco por este modo ás arguições dos seus adversarios.

A proposito da reforma da carta, podem discutir o que quizerem; os illustre deputados dizem que lhes tolhem a discussão, e são a prova viva da pouca exactidão do que asseguram. Podem discutir os pimpões, podem discutir a espionagem do exercito, podem discutir as tarifas, podem discutir o caminho de ferro da Outra Banda; mas estejam certos que o governo não recuará um só passo da sua responsabilidade; acceita-a toda, ha de discutir tudo, ha de mostrar aos representantes do paiz qual a sua posição, ha de justificar-se, esporo em Deus, porque não ha motivo ignobil que possa entrar no nosso animo para procedermos de outro modo. Podemos enganar-nos, mas não atraiçoamos a nossa consciencia, nem os principios da moralidade publica, nem os interesses do paiz. (Vozes: — Muito bem.) Não é lançando meia duzia de phrases em um debate que é especial e sobre um objecto determinado, que podem afastar os seus adversarios d'essa discussão. Essa discussão ha de vir, e é á opposição que pertence estabelecer o debate; não é a mim, nem á maioria.

Agora se a opposição quer forçar a maioria a vir a um terreno onde ella não quer vir; agora se por uma contradicção inexplicavel, a opposição quer realisar uma cousa que nunca se realisou em paiz nenhum, e que é contraria aos principios constitucionaes: governar a opposição e não as maiorias! (Apoiados.) a que não póde o illustre deputado forçar-me é a tratar de questões especialissimas, quando se trata da questão da reforma da carta. A reforma não se discute n'este momento, apena3 se dão explicações, e eu estou explicando o pensamento do governo, e explicando como o governo interpretou o pensamento da maioria.

Sr. presidente, eu não tenho já a força que tinha n'outros tempos e canso, mas espero que não hei de deixar sem resposta os argumentos dos meus adversarios.

Sinto que um illustre deputado de quem eu sempre fui amigo e a quem dei sempre provas de consideração, que tem um talento peregrino que eu respeito, o sr. Pinheiro Chagas, viesse trazer para o parlamento uma phrase que me pareceu pouco de accordo com a sua elevada delicadeza.

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O illustre deputado disse que o governo queria tanto a reforma da carta como queria enforcar-se, e querer a reforma da carta era querer enforcar-se. Foi uma phrase pouco feliz. Ha phrases que são permittidas aos talentos subalternos, mas que se não acceitam aos talentos superiores. Não o quero censurar, mas não gostei da phrase, e não gostei tanto mais, quanto o illustre deputado ainda ha poucos mezes me honrava com a sua confiança. Este homem perverso, este homem conservador assanhado, que mente á sua consciencia, que esquece o seu passado, que falta á verdade ao parlamento, este homem merecia ainda ha poucos mezes o apoio do illustre deputado, apesar de se ter já passado o primeiro anno da sessão legislativa, sem o governo ter renovado a iniciativa da reforma da carta! (Muitos apoiados.)

E o illustre deputado não lhe pareceu então que isto fosse mau (apoiados), porque já não digo nas reuniões publicas, mas nem nas reuniões particulares, ou a mim propriamente com a benevolencia que havia entre nós, não tenho idéa de que me fallasse na falta commettida pelo governo por não ter renovado a iniciativa da reforma da carta. (Apoiados.)

E admiro-me mesmo que o illustre deputado tendo hoje idéas tão assentadas sobre a necessidade da reforma da carta, então votasse contra as propostas de renovação de iniciativa apresentadas pelos partidos histérico e reformista.

O sr. Pinheiro Chagas: — Creio que se engana.

O Orador: — Não engano. Ainda hontem estivo percorrendo os Diários das camaras para ver se encontrava lá o nome do illustre deputado entre aquelles que votaram contra a não admissão, e lá o encontrei.

Mas Í3to não quer dizer nada. É uma contradicção. Para mim as contradicções não são boas, mas o mundo é mundo, e contradicções ha de sempre have-las tanto nos homens como nos governos. É difficil permanecer muito tempo nos negocios sem que se lhe possa notar alguma contradicção. As circumstancias mudam; essa terrivel opportunidade não se quer reconhecer, mas ella impõe-se, e quer a queiram reconhecer quer não, a ordem das idéas, o tempo, a corrente da opinião muda, e os poderes publicos têem de amoldar as suas idéas a essas circumstancias extremas, que são impreteriveis.

Portanto, eu não accuso o illustre deputado de contradicções, mas o que sinto é que elle não esteja na posição mais harmonica em relação a contradicções.

Sinto tambem que venha accusar o governo de uma maneira tão desapiedada como o fez, e sobretudo a mim, por commetter esta grave contradicção de não querer fazer vingar a reforma que em 1872 apresentei debaixo de um pensamento politico, e certamente forçado pelas circumstancias, mas de que desisti, como o declarei n'uma e na outra casa do parlamento.

Acontecendo que o illustre deputado, depois d'essa declaração, acompanhou o governo, como ainda ha poucos mezes o acompanhava, sem que eu saiba que de então para cá tivesse praticado um acto hostil á liberdade ou aos interesses do paiz, julgo que tenho direito para me doer da apreciação que s. ex.ª faz do meu procedimento; e esta minha magua não é filha senão da consideração que tenho pelos seus talentos e pelas suas qualidades.

De tanta gente tenho recebido offensas politicas, mais ou menos vehementes, e, a fallar a verdade, não me doem, porque são da natureza das cousas; e não creio que tenham outra intenção que não seja a manifestação de um pensamento que póde ser diverso do meu; mas doeu-me da parte do illustre deputado pelas considerações que fiz, porque julgava ter direito a não as esperar.. Sobre este ponto não direi mais nada.

O sr. Luciano de Castro atacou o governo. S. ex.ª é mais radical; é mais que progressista; não julga que nós laçamos nada bom. As finanças estão más...

(Interrupção do sr. Luciano de Castro.)

Infelizmente não ouço bem o illustre deputado.

O sr. Luciano de Castro: — Se lhe convem para qualquer cousa que eu seja radical, póde usar do termo a meu respeito.

O Orador: — Não me convem, não me desconvem que seja radical, constitucional, progressista, conservador, ou o que quizer. O illustre deputado é senhor das suas acções, do seu pensamento e do seu voto, e póde ser o que quizer. É uma cousa que interessa muito os seus amigos politicos, mas a mim não me interessa nada, embora eu não seja inimigo pessoal de ninguem.

Mas o illustre deputado acha tudo mau. É má a situação da fazenda. O deficit está constantemente no orçamento. A divida augmenta sem explicação. As explicações que se dão não são satisfatórias. O governo falta ao seu dever e rasga o seu programma não insistindo pela reforma da carta. Os caminhos de ferro n'este paiz são uma calamidade, e não servem senão para justificar esbanjamentos que se fazem!

Já me tardava a palavra, que tem sido proferida n'esta casa e fóra ha tanto tempo,. e por maneiras tão diversas, referindo-se a actos tão importantes para os interesses publicos, que eu quasi que me lisonjeio de que me chamem esbanjador.

E verdade, somos esbanjadores, porque fazemos caminhos de ferro; somos esbanjadores, porque fazemos estradas; somos esbanjadores, porque fazemos escolas de instrucção publica; somos esbanjadores, porque fazemos navios; somos esbanjadores, porque armámos o exercito e o instruímos e o disciplinámos; somos esbanjadores por tudo isso! E que tudo isso custa dinheiro. Ainda não aprendemos a fazer tudo isso de graça (apoiados). Ainda não aprendemos a ter espingardas, peças de artilheria e navios, que não custem, dinheiro. Ainda não aprendemos a ter estradas e caminhos de ferro que não sejam pesados para o estado primeiro que produzam os effeitos naturaes. (Vozes: — Muito bem.)

Estou farto de ouvir essas accusações. Ouvi-as ha vinte annos d'estes logares. Então eram produzidas por uns, e depois foram produzidas por outros. E sempre a opposição que accusa o governo por fazer alguma cousa util ao paiz, ou se o não accusa por fazer uma cousa util, accusa-o sempre pela modo por que a faz.

Mas póde negar-se que d'essa campanha em que entraram os meus amigos politicos, e eu com elles, em que lutámos tantos annos e em que nos acompanhou o proprio illustre deputado, então regenerador, e mais regenerador do que eu (apoiados), repito, póde negar-se que d'esses chamados esbanjamentos tem vindo para o paiz um incontestavel progresso e uma prosperidade que não ha nacionaes nem estrangeiros que não reconheçam? Quando não tivessemos outro direito á benevolencia da opinião publica, a tinhamos n'esta parte, porque ella aprecia em alto grau as vantagens que resultam para o paiz de ver cruzado o solo da patria de caminhos de ferro, de ver desenvolvidas e augmentadas as nossas vias de communicação, acrescentados os meios da nossa defeza tanto terrestre como maritima, e ver melhoradas as condições economicas.

A consequencia de tudo isto é a elevação do credito. A elevação do credito é o barómetro real do sentimento publico tanto em Portugal como lá fóra a este respeito; porque podem estar certos que não havia nenhuma consideração que podesse fazer subir os fundos 20 por cento durante o tempo em que esta administração está á frente dos negocios publicos, a não haver uma prosperidade publica fundada em bases solidas. (Apoiados.)

O sr. Luciano de Castro: — Isso é devido só a V. ex.ª ou ao seu partido.

O Orador: — Não senhor; é devido á opposição. Pois a quem ha de ser? E á opposição. Nós vimos aqui, apresentámos os projectos, a opposição combate-os nós quere

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mos caminhos de ferro, a opposição combate-os, declarando que somos esbanjadores. É a opposição que tem feito tudo isto; quem ha de ser? É preciso que cada um tome a parte que lhe compete.

O sr. Luciano de Castro: — V. ex.ª no seu relatorio diz que é devido a todos os partidos.

O Orador: — E verdade. Eu sou muito mais benevolo do que o illustre deputado que me accusa.

Aqui está como as cousas são. Eu pratiquei um acto de alta delicadeza para com os meus adversarios da opposição, e estes agora d'isso mesmo me accusam!

O sr. Mariano de Carvalho: — Eu precisava que V. ex.ª dissesse se fallou verdade quando disse que os outros partidos tinham concorrido, ou se agora é que falla verdade.

O Orador: — Póde-se ser delicado escrevendo e fallando.

Eu não quero accusar ninguem; tenho estado a fallar com extrema reserva; não tenho offendido nenhum partido politico, estranho que aquelles partidos em que não toquei se levantem para me accusar por um acto de extrema delicadeza que tive para com elles.

(Interrupção.)

. Contribuem todos por uma rasão. O governo propondo, e a opposição combatendo as idéas do governo pelos meios constitucionaes, contribuem ambos para o bem do paiz. Não ha parlamento sem opposição, e as medidas que não forem ao parlamento não podem ter effeito salutar. A opposição combatendo, contribue para o bem publico.

Veja o illustre deputado, que, sem faltar á verdade, usando de delicadeza, digo a verdade.

Por ultimo asseguro ao illustre deputado que não tenho desejo algum, nem os meus collegas, de conservar as pastas. Se alguem tem empenho de as obter, eu não o tenho em as conservar. Não faço allusões a ninguem, entretanto estou aqui n'um posto de honra, estou aqui desempenhando um dever sagrado, constitucional; não posso largar estas cadeiras do poder senão em virtude dos principios constitucionaes. Nem as ameaças, nem a vozeria, nem nenhuma outra consideração de igual natureza me póde fazer abandonar as cadeiras do poder emquanto os principios constitucionaes ordenarem o contrario. Emquanto o governo, a que tenho a honra de presidir, tiver o apoio das duas casas do parlamento, o apoio da corôa e o da opinião publica, como supponho que tem, ha de manter-se firme n'estes logares e procurará responder constitucional e delicadamente a todas as arguições que lhe forem feitas por parte dos seus illustres adversarios, preferindo sempre á verrina a discussão plácida, embora vehemente, com que os homens publicos costumam, ou devem mostrar ao parlamento e ao paiz a que pertencem, quaes são as rasões do seu proceder. (Apoiados.)

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

(S. ex.ª não revê os seus discursos.)

O sr. Luiz de Campos: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Manuel d'Assumpção: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Eduardo Tavares: — Começo por mandar para a mesa estas duas declarações. (Leu.)

Esta segunda declaração dispensar-me-ia de acrescentar algumas palavras para justificar o meu voto, se eu não entendesse que o devia fazer n'este momento solemne.

Não sou orador, e se o fosse, não seria esta a occasião propria para intentar um discurso politico, quando tivemos a satisfação de ouvir ao nosso collega, o sr. dr. Assumpção, a brilhante oração que acaba de proferir; mas isso não póde impedir-me de em poucas palavras dizer as rasões

que me levaram a dar o voto que dei, e no sentido em que

0 dei.

Antes de apresentar essas rasões, seja-me comtudo permittido dizer que não posso acceitar em absoluto a theoria que apresentou o illustre deputado o sr. Assumpção, de que os soldados devem acompanhar cegamente os seus chefes, morrerem junto d'elles pela fé jurada. Eu não tenho aqui chefes, e ainda que os tivesse conservaria a opinião de que, occasiões ha em que tal regra tem, e deve ter, as suas excepções.

Se não estou enganado, eu mesmo tenho já dado provas (do que aliás me não arrependo) de que não sigo constantemente a regra de que se trata.

Todas as vezes que têem vindo á camara alguns projectos para a reforma da carta, entendi, com excepção da primeira vez, que os devia apoiar para que tivessem as competentes leituras; e se não apoiei d'essa vez, é agora occasião opportuna de declarar á camara que me punge esse remorso e de dar ao meu illustre e sympathico collega, o sr. Francisco Mendes, uma satisfação por ter procedido assim.

Não sei nem quero saber se os projectos da opposição eram outras tantas bandeiras de guerra, e se o do governo era bandeira de paz; se era bandeira de paz o facto é que em 1872 ajudei a trazer aqui essa bandeira, e por emquanto não tenho rasão alguma para a deixar caír no chão. (Apoiados.) Apoio todos esses projectos, porque entendo que o debate entre todos póde trazer um grande aperfeiçoamento ao nosso codigo fundamental, e emquanto me não demonstrarem que esse codigo é a ultima expressão da perfeição não posso renegar o voto que acabo de dar agora.

Esses projectos podem ser manejos dos partidos, mas eu não estou aqui para servir esses partidos, estou para servir a causa publica, e tenho por uma necessidade mais ou menos urgente a reforma da carta, que ainda hoje nos rege. (Apoiados.)

Isto posto, creio ter justificado a rasão por que acompanhei os illustres deputados da opposição na votação de que se trata, e declaro que todas as vezes que em minha consciencia entender que devo proceder de igual fórma, não me hei de prender com a consideração de que os soldados devem morrer sempre pelo credo que juraram, porque não posso á priori jurar um credo que póde á posteriori ser contrario á minha rasão e á minha consciencia.

Não quero acrescentar mais nada. Pronunciando estas palavras dou apenas a rasão do meu procedimento, sem querer de modo algum irrogar censuras aos illustres deputados da maioria que procederam por fórma diversa. S. ex.ªs procederam como julgaram melhor; eu fiz o que entendi que devia fazer; estou convencido de que todos nós procedemos segundo a nossa consciencia e a nossa rasão. (Apoiados.)

O sr. Visconde da Arriaga: — Quando o actual governo apresentou em 1872 uma proposta para a reforma da carta, essa proposta foi a uma commissão especial. Eu fazia parte d'essa commissão, e vou dizer á camara não só as rasões que apresentei ali para que não se tratasse da reforma da carta n'aquella epocha, mas tambem que as que ainda hoje imperam no meu espirito, no mesmo sentido, são muito maiores do que as que me moveram n'aquella occasião.

Mas antes d'isso, para me collocar bem e poder fallar á minha vontade, preciso dar algumas explicações ao meu sympathico e nobre amigo, o sr. Pinheiro Chagas, que disse que não era renegado.

Eu tambem não sou renegado. O illustre deputado passou para a opposição porque teve motivos muito fortes de certo para o fazer; eu devo declarar a s. ex.ª que tenho motivos tambem muitissimos fortes para continuar a dar o meu apoio ao governo.

Sou membro d'esta casa ha vinte e dois annos sem in

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terrupção, e tenho seguido sempre a politica regeneradora, tanto no governo como na opposição. Na epocha em que aqui entrei pela primeira vez, isto é, em 1854, as minhas sympathias particulares levavam-me para Antonio Rodrigues Sampaio e para José Estevão, e impelliam o meu espirito a seguir a politica do governo que estes cavalheiros apoiavam; mas isto, que era só uma especie de sympathia de espectativa, uma especie de apoio de favor ou de occasião, é hoje para mim um dever de consciencia.

Eu vou provar isto á camara, que é para responder ao sr. Pinheiro Chagas, e para estar mais á minha vontade, na resposta que tenho a dar-lhe, direi as rasões que se apresentam ao meu espirito para mostrar a inopportunidade d'esta medida, a reforma da carta.

No estado em que se acha a Europa, se nós tratassemos agora de fazer uma reforma da carta, seria fazermos uma revolução dentro d'esta casa, quando o paiz está perfeitamente tranquillo. (Apoiados.)

Entrei n'esta camara em 1854, e tenho seguido sempre a politica regeneradora, e hoje não a podia abandonar, porque isso seria atraiçoar a minha consciencia, e teria necessario fazer um esforço superior ás minhas forças para me collocar em opposição ao governo actual.

Este governo tem augmentado o credito publico, tem realisado muitos melhoramentos e tem desenvolvido a instrucção.

Tudo isto podiam fazer os outros partidos.

O governo actual trata de armar o exercito, de libertar as colonias e de apresentar projectos perfeitamente radicaes. O governo portuguez acabou com a escravatura em 1836, com a escravidão em 1858, e com a servidão em 1875, e agora trata de apresentar um projecto para acabar com os libertos nas nossas provincias ultramarinas, dando a todos a liberdade.

Estes tres projectos foram de um grande alcance social, porque acabaram com uma questão que envergonha o homem, porque elles acabaram com uma especulação torpe, a exploração do homem pelo homem, o abuso do forte contra o fraco.

Hoje não ha escravidão, hoje não ha servidão. Acabou-se com estes meios immoraes e abomináveis do que se serviam os romanos para opprimir a humanidade e que foram imitados por nós. (Apoiados.)

Portanto quem é progressista e radical é este governo, porque realisou as medidas que acabo de citar. Estes projectos é que são projectos radicaes; assim é que se interpreta a carta constitucional no sentido mais liberal!

José Estevão, dizia — reformar a carta, rodeando a de leis democraticas.

Nas differentes discussões que eu tive com o sr. marquez de Sá, quando era presidente do conselho ultramarino, dizia elle: «Em 1836 acabámos com a escravatura, em 1858 com a escravidão, e no anno passado com os libertos. Vamos quebrando, élo a élo, todos os meios de oppressão, até entrarem os pretos na liberdade completa.»

Agora o governo actual é que acaba de completar a obra d'aquelle illustre general, que ha poucos dias com grande sentimento geral fomos acompanhar á ultima morada.

Como já disse, entrei aqui em 1854, e durante vinte e dois annos que apoio este governo, mencionei dois factos importantes que os outros partidos nunca poderam realisar e que determinam a minha consciencia para continuar-lhe o apoio. (Apoiados.)

O primeiro facto importante pertence ao anno de 1856. O paiz estava estacionario, estava apathico. Portugal não se desenvolvia, Portugal não tinha credito. Os nossos fundos não tinham cotação em Londres. Um ministro da corôa foi n'essa epocha a Londres. Encontrou o credito portuguez n'aquella praça nas peiores condições os fundos portuguezes não tinham cotação no stock exchange. O ministro da corôa que foi a Londres viu aquella nodoa que existia sobre o nome e credito de Portugal, coberto com

um crepe preto; rompeu como um leão esse crepe, cortou as difficuldades, fez um accordo, e desde esse dia o credito portuguez restabeleceu-se na praça de Londres, o stoch exchange cotou os nossos fundos, e esse accordo tão violentamente combatido, é que restabeleceu o nosso credito, que tão poderosamente tem concorrido para os melhoramentos publicos. Emfim o ministro da fazenda honrou a firma de Portugal, e Portugal honrou a palavra do ministro. Desde esse tempo até hoje os compromissos tomados têem sido satisfeitos. Vem, pois, de muito longe os motivos que me têem levado a prestar o meu apoio ao governo, e este é um dos principaes.

Outro facto importante que observei, e que todos conhecem, foi o ter o governo acabado com um poder intruso, que assoberbava e absorvia todos os poderes constitucionaes, perturbando o andamento regular dos negocios publicos. E bem faz o governo em não se retirar d'aquellas cadeiras emquanto tiver a confiança da corôa e o apoio do parlamento. (Apoiados.)

Ainda me lembro em 1868 e 1869 ser necessario entregar as nossas galerias ás guardas militares, para o parlamento poder funccionar á vontade. Lembro-me que um illustre "deputado pelo Porto disso n'esta casa, que se não satisfizessem aos desejos e exigencias dos seus patricios elles viriam pôr escriptos n'esta casa. (Apoiados. — Vozes: — E verdade.)

Lembro-me ainda mais. De ser preciso que se pozessem guardas até Cintra para Sua Magestade poder transitar com segurança. (Apoiados.) Lembro-me de tudo isto. Hoje porém Sua Magestade vae ás provincias do norte, e era toda a parte o respeitam. (Apoiados.) Sua Magestade aonde quer que está é acatado e respeitado por todos os portuguezes. (Apoiados.) Por consequencia quando vejo um governo que procura restabelecer, manter e augmentar o nosso credito; quando vejo que nos dá ordem e liberdade; quando vejo estes dois factos e outros muitos, digo que isto é que justifica o meu apoio ao governo que está á frente dos negocios publicos. E devo acreditar que o illustre deputado o sr. Pinheiro Chagas teve rasões poderosissimas para se separar das fileiras ministeriaes, assim como eu as tenho para continuar o meu apoio sincero ao governo.

Voltando á questão da reforma da carta, já disse á camara a rasão por que na commissão em 1872 me oppuz a que se effectuasse essa reforma.

Mas os illustres deputados pedem e insistem pela reforma, apresentam as suas propostas; porém os illustres deputados não fazem acompanhar essas suas propostas com pedidos nem das juntas geraes dos districtos, nem das camaras municipaes, nem da magistratura, nem de ninguem: apparece só manifestada a vontade individual, mas não a vontade do paiz.

E fóra d'esta casa tambem o sr. Guimarães apresentou um projecto de reforma da carta constitucional, e igualmente dá conselhos ao rei de Hespanha para reformar as instituições d'aquelle paiz! Por consequencia cada um apresenta o seu elixir, mas eu acho inconveniente reformar a carta na presente occasião.

Ainda ha pouco tempo o times dizia que o nosso paiz estava n'um estado prospero, que era grande o seu credito, que as suas obras publicas estavam desenvolvidas, que o nosso paiz estava tão socegado, que o rei passeava tranquillo pelas provincias do norte, que Portugal ía caminhando regularmente de um modo satisfactorio, e que este paiz devia ser independente porque sabia administrar-se; e eu pergunto aos illustres deputados, quando lá fóra se diz isto, devemos tratar de saber se a carta e3tá perfeita ou imperfeita, ou devemos escolher occasião mais opportuna?

Ali, onde está hoje sentado o sr. José Luciano, sentou-se n'outro tempo o deus da tribuna, o estrénuo defensor das liberdades publicas, o meu particular amigo José Estevão Coelho de Magalhães; e d'esse mesmo logar ouvi

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dizer-lhe que tinha grande arrependimento de ter concorrido para a confecção do acto addicional, na parte que dizia respeito ás eleições pelo systema directo. E perguntando-lhe eu a rasão d'essa sua phrase, disse-me: «Olha para a camara, e depois encontrarás a rasão». A rasão era porque achava mais liberal a maneira de se fazerem as eleições, segundo a carta constitucional, por dois graus, contra o que tinha pugnado toda a sua vida com as armas na mão, do que a de se fazerem, como hoje, pelo acto addicional! A eleição de dois graus dava-lhe collegas com que mais sympathisava.

Por consequencia, não quero adiantar-me mais, e vou concluir dizendo que achava perigoso, intempestivo e muito pouco politico, no estado da Europa, irmos tratar da reforma da carta constitucional.

A França, como o sr. Pinheiro Chagas sabe, tendo sido victima de uma invasão, de que não ha memoria em epocha alguma, e tendo visto as suas cidades e campos completamente talados, acaba de fazer uma constituição de sete annos para uma presidencia provisoria; e, por consequencia, eu tambem entendo que não é muito politico e consentaneo aos interesses do paiz estarmos agora a tratar da reforma da carta. (Apoiados.)

E esta a explicação do meu voto de hontem e de hoje; e é assim que procedo nas actuaes circumstancias. Não sou contra esta aspiração nobre e louvavel, mas entendo que a occasião opportuna de tratar d'ella é em tempos melhores, quando a Europa estiver mais socegada. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Sousa Lobo: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Pereira Rodrigues: — Mando para a mesa a declaração de que está constituida a commissão do ultramar, tendo nomeado para seu presidente ao sr. Matos Correia, a mira secretario, havendo relatores especiaes.

O sr. Presidente: — O sr. deputado Jeronymo Pimentel acaba de fazer saber á mesa que não póde comparecer na camara por haver fallecido a sua bisavó. Será desanojado por um dos srs. secretarios.

A hora está muito adiantada. Devemos entrar na ordem do dia; mas é muito tarde e ainda estão inscriptos sobre este incidente que tem occupado a attenção da camara os srs. Pinheiro Chaga3, Julio de Vilhena e José Luciano.

Vou dar a ordem do dia para ámanhã, que é a eleição das commissões de infracções e diplomatica e os projectos n.ºs 107, sobre a reforma da instrucção primaria, 105, relevando a camara municipal da Lourinhã da responsabilidade em que incorrera, dando ao convento de S. Francisco destino diverso ao da concessão por lei de 15 de setembro de 18-14; 116, sobre a fixação do vencimento dos enfermeiros da companhia de saude naval; e 61, sobre o augmento dos quadros de saude nas provincias ultramarinas. Foi hoje distribuido o projecto de resposta ao discurso da corôa, ámanhã será dado para ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

Sessão de 17 de janeiro

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