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SESSÃO DE 16 DE JANEIRO DE 1878

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs.

Barão de Ferreira dos Santos

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Remetteram-se para a mesa diversos requerimentos e propostas de lei por parte dos srs. ministros da fazenda, marinha e obras publicas. — O sr. Arrobas pede para serem publicados diversos documentos apresentados pelo sr. ministro da justiça se não houver inconveniente. O sr. ministro responde que não se oppõe á publicação e dá explicações a respeito de uma phrase pronunciada na sessão anterior. — O sr. Lourenço de Carvalho faz igual pedido ao sr. ministro das obras publicas pelo que respeita a documentos sobre o fornecimento de 160:000 travessas para o caminho de ferro do Minho e Douro. Responde o sr. ministro, tomando parte na discussão o sr. visconde de Moreira de Rey, que em seguida propõe sejam reconduzidas as commissões da sessão anterior, o que é approvado pela camara.

Presentes á chamada 44 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, Pereira de Miranda, Cardoso Avelino, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Arrobas, Rodrigues Sampaio, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Conde de Bertiandos, Conde da Graciosa, Custodio José Vieira, Forjaz de Sampaio, Pinheiro Osorio, Paula Medeiros, Palma, Illidio do Valle, Jayme Moniz, Jeronymo Pimentel, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Matos Correia, Pereira da Costa, Guilherme Pacheco, Namorado, Ferreira Freire, Pereira Rodrigues, Pinto Basto, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Faria e Mello, Pires de Lima, Alves Passos, Mello Simas, Marçal Pacheco, Cunha Monteiro, Miguel Coutinho (D.), Correia da Silva, Placido de Abreu, Visconde de Carregoso, Visconde Moreira de Rey.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Rocha Peixoto (Alfredo), Braamcamp, Teixeira de Vasconcellos, A. J. d'Avila, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, Carrilho, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Correia Godinho, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Cardoso de Albuquerque, Francisco Costa, Pinto Bessa, Van-Zeller, Ferreira Braga, Barros e Cunha, J. M. de Magalhães, Dias Ferreira, José Luciano, José de Mello Gouveia, Mexia Salema, Julio de Vilhena, Camara Leme, Bivar, Manuel d'Assumpção, Rocha Peixoto (Manuel), Pinheiro Chagas, Pedro Franco, Pedro Jacome, Thomás Ribeiro, Visconde da Arriaga, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Adriano de Sampaio, Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Antunes Guerreiro, Neves Carneiro, Carlos Testa, Vieira da Mota, Conde da Foz, Vieira das Neves, Francisco Mendes, Mouta e Vasconcellos, Guilherme de Abreu, J. Perdigão, Cardoso Klerck, Correia de Oliveira, Figueiredo de Faria, Moraes Rego, J. M. dos Santos, Nogueira, Sampaio e Mello, Freitas Branco, Mariano de Carvalho, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde da Azarujinha, Visconde de Sieuve de Menezes.

Abertura — ás duas horas e um quarto da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Participações

1.ª Participo a v. ex.ª que o sr. deputado Mouta e Vasconcellos não póde comparecer á sessão de hoje por motivo de doença. = A. Carrilho.

2.ª Declaro que não compareci ás sessões anteriores por motivo justificado. = Vasco Leão.

3.ª Declaro que não compareci á sessão de hontem por incommodo de saude.

Sala das sessões, 16 de janeiro de 1878. = O deputado, Antonio José Boavida.

Mandaram-se lançar na acta.

Requerimentos

1.° Requeiro que, pela secretaria d'estado dos negocios da justiça, sejam enviadas a esta camara todas as representações, informações e propostas tendentes a augmentar o ordenado aos delegados do procurador regio. = O deputado, Luiz de Lencastre.

2.º Requeiro que a esta camara sejam enviados por copia os officios que com as datas de 19 de julho de 1875, 16 de agosto de 1875, 24 de setembro de 1875 e 13 de setembro de 1876 foram dirigidos pelo administrador do concelho de Agueda ao governador civil do districto de Aveiro.

Requeiro tambem copia do officio com o n.º 122, dirigido pelo administrador substituto do concelho de Agueda ao mesmo funccionario, sobre irregularidades commettidas na concessão de passaportes aos mancebos que emigram para o Brazil. = Pires de Lima.

3.° Requeiro que, pelo ministerio dos negocios da justiça, sejam enviados por copia a esta camara os seguintes documentos:

Portarias: de 23 de janeiro de 1850, de 31 de maio de 1854, de 10 de maio de 1849, de 21 de abril de 1851, de 16 de março de 1849, de 7 de outubro de 1839, de 21 de janeiro de 1843, de 28 de outubro de 1848, de 31 de outubro de 1848 e de 1 de abril de 1852;

II. Officio de 23 de março de 1863 ao presidente da relação do Porto;

III. Officio de 4 de setembro de 1872, idem;

IV. Officios do presidente da relação de Lisboa, de 13 de maio, 7 e 13 de julho de 1874;

V. Officios ao presidente da relação de Lisboa, em 29 de março e 15 de abril de 1875;

VI. Officio do ministerio do reino de 10 de julho de 1877.

VII Officio do enfermeiro mór do hospital de S. José, de 15 de junho de 1877. = Thomás Ribeiro.

4.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam com urgencia remettidos a esta camara os seguintes documentos, ou copias d'elles:

I. Protesto que ao sr. ministro do reino dirigiram muitos irmãos da misericordia dos Arcos de Valle de Vez, districto de Vianna, contra o adiamento da eleição da mesa da mesma misericordia que havia de servir no anno corrente, e contra a posterior dissolução da mesa que estava em exercicio;

II. Telegramma, officios e representações que a camara municipal do mesmo concelho dos Arcos tenha dirigido ao sr. ministro do reino, ácerca da posse que o governador civil do districto ordenou que fosse conferida a uns cidadãos por elle indicados, como vereadores, no dia 2 d'este mez; e toda a correspondencia havida ácerca da mencionada posse, entre o ministerio do reino e o governo civil de Vianna, e entre este e o administrador do concelho dos Arcos. = O deputado, Alfredo Peixoto.

5.° Requeiro, com urgencia, pela secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, uma nota dos empregados do qualquer categoria, despachados para missões diplomaticas desde julho de 1876 até ao presente, que não tomaram posso dos logares para que foram nomeados, e quaes os motivos d'este procedimento; e se a esses funccionarios têem

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sido feitos quaesquer abonos, qual a sua importancia, e finalmente se têem sido rigorosamente observadas as prescripções dos artigos 93.° § 2.°, 94.°, 96.° e 98.° da lei de 18 de dezembro de 1869; e que esta nota, em todo o caso, seja remettida a esta camara antes da discussão do orçamento. = Paula Medeiros.

6.º Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada á camara a copia do officio e informação do administrador do concelho de Cantanhede para o governador civil de Coimbra, sobre a reclamação apresentada em novembro ultimo por Francisco, filho de Joaquim Rodrigues de Paula, da freguezia de Cantanhede, fundada em disposição do artigo 2.° da lei de 4 de junho de 1859. Sala das sessões, 16 de janeiro de 1818. = Ferreira Freire.

Foram remettidos ao governo.

O sr. Paula Medeiros: — Mando para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.)

Muito estimará o paiz certificar-se que o nobre presidente do conselho tem sabido dar fiel execução aos artigos da lei que deixo citada no requerimento que li, por estar em perfeita harmonia com o seu programma de moralidade e economia, que o gabinete arvorou como mote da sua bandeira, quando tomou conta da gerencia dos negocios publicos.

O sr. Vasco Leão: — Tenho a honra de participar a V. ex.ª e á camara que não tenho comparecido ás sessões por motivo justificado.

O sr. Conde da Graciosa: — Mando para a mesa os requerimentos dos officiaes de cavallaria n.º 8, que vem pedir ao parlamento augmento de soldos, porque dizem que seus vencimentos não chegam para viver em attenção á carestia das subsistencias. Eu pedia a v. ex.ª que tivesse a bondade de mandar reunir estes requerimentos aos que foram apresentados pelos srs. Luiz de Campos e Mariano de Carvalho, aos quaes acompanho nas observações que fizeram com referencia ao assumpto.

Aproveito a occasião para participar a v. ex.ª e á camara que não compareci a algumas sessões por incommodo de saude.

O sr. Lencastre: — Pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte requerimento:

(Leu.)

Hontem n'esta camara foram apresentados pelo meu antigo amigo o sr. Luiz de Campos, requerimentos de alguns militares pedindo augmento de soldos. Eu associo-me ás palavras nobres e elevadas com que s. ex.ª acompanhou a remessa d'aquelles requerimentos, assim como faço minhas as palavras proferidas pelo sr. Mariano de Carvalho, palavras igualmente elevadas e justas.

Eu não venho pleitear pobrezas n'esta casa; eu digo, como disse o sr. Luiz de Campos, todo o funccionalismo publico portuguez está muito mal remunerado. A classe a que tenho a honra de pertencer, a magistratura, é uma das que está mais mal retribuida: entre esta ha uma, que é a dos delegados do procurador regio, que eu não sei como póde viver.

Já digo, não venho pleitear pobrezas n'esta casa: eu quizera, e foi a impressão que o meu espirito recebeu hontem, que em logar de virem os militares aqui requererem, pelo que não os censuro, porque entendo, como o meu amigo o sr. Luiz de Campos, que estavam no seu direito, que d'estes bancos (aponta para as cadeiras dos ministros) partisse uma proposta de lei, depois do governo conhecer as necessidades do exercito, assim como do ministerio da justiça as da magistratura, para regular os vencimentos destas classes. Eu entendo que é isto do dever d'este ou de outro governo que vier, porque não ha no que digo intenção partidaria.

Não faço mais considerações; e se o governo não apresentar uma proposta no sentido que acabo de indicar, eu apresentarei um projecto de lei, e n'essa occasião direi o mais que entenda sobre o assumpto.

O sr. Cunha Monteiro: — Mando para a mesa vinte e cinco requerimentos de officiaes de infanteria n.º 8, em que pedem augmento de vencimento.

É de todo o ponto justa a pretensão d'estes funccionarios, que são pelo menos os mantenedores da ordem publica.

Hontem o sr. Luiz de Campos e o sr. Mariano de Carvalho levantaram ou transpareceram uma parte do véu que cobre o quadro de miseria que ha no lar domestico dos officiaes do exercito portuguez. Effectivamente ha ali muita privação e eu tenho-a presenciado.

Ao que s. ex.ªs hontem disseram tenho apenas a acrescentar que o estado, sendo obrigado como é a aquartelar a força publica, não tem quarteis em toda a parte onde a tem estacionada para alojamento dos officiaes.

Esta questão de alojamento é hoje uma questão séria para o official, porque o aluguer de uma casa indispensavel para viver o mais modestissimamente possivel importa-lhe uma terça parte, pelo menos, da cifra annual dos seus vencimentos.

D'isto resulta uma grande desigualdade entre os officiaes que habitam em quartel do estado e aquelles que os alugam á custa d'elles, e esta desigualdade sobe de ponto quando o estado os contribue, como de facto contribue na decima de renda de casas!

Mando para a mesa os requerimentos e um projecto de lei que tem por fim isentar da decima de renda de casas os officiaes arregimentados que não possam ser alojados nos quarteis a que pertencem. Rogo a v. ex.ª que, tanto aquelles como a este, mande dar o destino conveniente.

O sr. Pires de Lima: — Mando para a mesa dois requerimentos pedindo esclarecimentos.

(Leu.)

Aproveito esta occasião para mandar para a mesa tambem um projecto de lei que passo a ler. (Leu.)

Como v. ex.ª e a camara acabam de ouvir pelo relatorio cuja leitura fiz, não é meu intuito ou proposito augmentar os emolumentos e salarios dos empregados da camara e auditorio ecclesiasticos da diocese de Aveiro.

O meu fim é outro e bem differente. Repugna-me sempre que a falta de lei dê occasião ao arbitrio, e não quero de modo algum que haja possibilidade de abusos e não haja ao mesmo tempo meio legal de os reprimir. (Apoiados.) N'estes assumptos não póde nem deve haver omissões ou ambiguidades. (Apoiados.) Tudo deve ser definido e claro. Vae n'isso o interesse das partes, e o credito e o bom nome dos funccionarios. (Apoiados.) É este o pensamento do meu projecto e o motivo do meu procedimento.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar).

O sr. Ministro da Fazenda (Mello Gouveia): — Antes de dar conta á camara das propostas que tenho para lhe apresentar, com o relatorio do ministerio a meu cargo, permitta-me v. ex.ª que eu aproveite a occasião de offerecer a v. ex.ª e á camara as minhas desculpas por não ter aqui comparecido desde o primeiro dia da sessão legislativa. A camara sabe que estive bastante incommodado, e ainda o estou, o que todavia me não impede felizmente de vir desde já prestar a homenagem do meu respeito á representação nacional do meu paiz, que eu sou o primeiro a acatar como ministro e como cidadão. (Apoiados.) Continuando, agradecerei ao illustre deputado e meu amigo o sr. Osorio de Vasconcellos a manifestação benevola, em que foi acompanhado por algum dos meus illustres collegas, com que acolheu a minha presença n'esta casa, por s. ex.ª attribuida ao restabelecimento da minha enfraquecida saude. Sou profundamente reconhecido a esta prova de estima e consideração,

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que eu agradeço aos meus nobres collegas, muito cordialmente, como uma das mais lisonjeiras que póde ter um homem na vida publica.

Emquanto ao objecto para que s. ex.ª pediu a attenção do ministro da fazenda, creio que se trata de certos bens desamortisados, que foram vendidos pelo thesouro, em nome de uma corporação diversa d'aquella a quem pertenciam, e que esta reclama contra o equivoco, e pretende que se lhe adjudique o usufructo do preço da venda a que tem direito, e que foi dado ao supposto dono.

Sem entrar no exame da origem do erro, se foi simplesmente do annuncio da venda, ou se já vem do inventario, o que n'este momento não podemos liquidar, parece-me que, averiguada a legitimidade da reclamação, ha de haver meio legal de reparar o engano.

Eu tomo sobre mim esclarecer este negocio, para dispor o que for preciso em ordem a fazer-se justiça a quem a tiver, por modo regular.

Vou ler o relatorio do ministerio da fazenda:

(O ministro leu, sendo apoiado por varios srs. deputados em alguns pontos da leitura, terminada a qual disse:)

Mando para a mesa, para o devido seguimento, o relatorio e as propostas a que elle se refere, que peço á camara me dispense de ler, porque já estou muito fatigado.

Mando, alem das propostas do relatorio, mais tres do ministerio da fazenda, duas para a reforma do serviço interno e da fiscalisação externa das alfandegas, que muito carecem de séria attenção em beneficio do thesouro, do commercio e do proprio pessoal das alfandegas, e uma para ser auctorisada a fabricação de nova moeda de bronze para substituir o cobre e bronze em circulação.

Mando pelo ministerio da marinha uma proposta para modificar em alguns pontos a organisação da escola naval e duas renovações de iniciativa de propostas pendentes n'esta casa, para reorganisação das capitanias dos portos e regulamento de pilotagem,

O relatorio e as propostas de fazenda vão publicadas no fim d'esta sessão, e as que dizem respeito ao ministerio da marinha são as seguintes:

Proposta de lei

Senhores. — A escola naval e companhia dos guardas marinhas, unica e indispensavel instituição de ensino professional para os officiaes dos corpos da armada, foi reformada por decreto com força de lei de 28 de dezembro de 1868. Desde então até hoje varias disposições legislativas têem alterado em parte as condições constitutivas da mesma escola; e a pratica do ensino e do serviço aconselha outras alterações.

Sendo reconhecida a necessidade de facilitar a admissão de candidatos a aspirantes de marinha, entendi dever consignar como preceito permanente e effectivo, nas condições em que vae estabelecido, o principio de effeito transitorio que foi promulgado pela carta de lei de 24 de abril de 1867, que já não vigora, e cujos resultados foram proveitosos, parecendo-me ao mesmo tempo conveniente marcar o maximo numero que deve haver d'estes aspirantes.

Um outro ponto reconhecidamente importante, qual é a parte applicativa do ensino ministrado pela escola, a instrucção pratica naval a bordo, que, nas condições actuaes da nossa marinha de guerra e do serviço quasi exclusivo de estações, se torna improficua e quasi nulla, tenho em vista attender n'esta proposta.

Desde que o aspirante e o guarda marinha, para poderem alcançar o posto de official, têem de fazer no mar um tyrocinio pratico, corre ao estado o dever de ministrar perfeitos e completos os elementos indispensaveis a este tyrocinio para que seja effectivo e proveitoso, e se complete o ensino naval de fórma a satisfazer cabalmente á instrucção dos officiaes e ás exigencias do serviço.

Convém tambem que, sem prejuizo dos interesses dos aspirantes de marinha, mas respeitando ao mesmo tempo os do ensino do serviço e da disciplina, o posto de guarda marinha não seja conferido sem que se tenham obtido os elementares conhecimentos praticos navaes que devem corresponder áquella graduação.

O desenvolvimento do ensino escolar tem mostrado a necessidade de que o corpo docente da escola naval seja composto de cinco lentes, como estabelecia o referido decreto de reforma de 28 de dezembro de 1868, que n'esta parte foi alterado pelo decreto de 8 de abril de 1869.

Attender a estes importantes pontos e melhoramentos que as condições do serviço naval aconselham e reclamam, e bem assim juntar na mesma lei, harmonisando-as, todas as disposições legislativas que ha dispersas e se referem a este assumpto, é o que tenho em vista, submettendo á vossa apreciação a seguinte proposta de lei:

TITULO I

CAPITULO I

Fins da escola naval; quadro dos seus estudos

Artigo 1.º A escola naval é destinada a ministrar a instrucção technica necessaria aos officiaes da marinha militar, aos da engenheria hydrographica e engenheria naval, aos engenheiros machinistas navaes e aos pilotos e machinistas da marinha mercante.

Art. 2.° Professam-se na escola naval as seguintes doutrinas:

a) Elementos de calculo differencial e integral;

b) Principios de mechanica, e theoria desenvolvida dos corpos fluctuantes;

c) Astronomia nautica, hydrographia, desvio e regulação da agulha, meteorologia;

d) Dynamica, balistica;

e) Artilheria, torpedos;

f) Manobras do navio, tactica naval;

g) Noções de fortificação de campanha;

h) Descripção e classificação das differentes especies de navios, docas, planos inclinados, theoria geral do navio e de seus movimentos, architectura e construcção naval, navegação por vela, por vapor, navegação mixta;

i) Machinas de vapor e sua applicação á locomoção dos navios;

j) Principios de direito maritimo internacional, historia maritima nacional e estrangeira, administração naval.

Art. 3.° O ensino pratico professado na escola comprehende:

A) Desenho de hydrographia, levantamento de plantas e principios do photographia;

B) Desenho de construcção naval e de machinas;

C) Descripção e uso dos instrumentos astronomicos applicaveis á navegação, observações astronomicas, calculos de astronomia nautica, principios de pilotagem, derrotas;

D) Exercicios de apparelho e manobras;

E) Exercicio de artilheria e infanteria;

F) Esgrima;

G) Natação;

H) Demonstrações praticas de construcção naval no arsenal da marinha.

Art. 4.° Ha na escola naval cinco cursos:

1.° Curso de officiaes da marinha militar;

2.° Curso de engenheiros hydrographos;

3.° Curso de engenheiros constructores navaes;

4.° Curso de engenheiros machinistas navaes;

5.° Curso de pilotagem.

Art. 5.° O curso de officiaes da marinha militar é professado em dois annos, e comprehende as doutrinas designadas no artigo 2.° com as letras a, b, c, d, e, f, g, i, j, a parte das disciplinas h, e de hydrographia, cujo conhecimento seja necessario ao official de marinha, e os exercidos praticos designados no artigo 3.° com as letras A, C, D, E, F e G.

Art. 6.° O curso de engenheiros hydrographos é feito

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n'um anno, e comprehende as disciplinas do curso complementar de hydrographia, o desenho e exercicios notados no artigo 3.° com a letra A.

§ unico. A primeira parte d'este curso, que comprehende os elementos indispensaveis ao official de marinha, é professada pelo lente de astronomia e navegação; e a segunda, ou a parte complementar, que constitue o curso especial dos engenheiros hydrographos, e professada por um engenheiro hydrographo nomeado em commissão para este fim, sob proposta do conselho escolar. Esta commissão durará sómente em quanto houver alumnos matriculados n'este curso.

Art. 7.° O curso de engenheiros constructores navaes divide-se em dois annos, em que se professam as doutrinas marcadas no artigo 2.° com as letras e, h, i, e a regulação da agulha e os exercicios praticos designados no artigo 3.° com as letras B e H.

§ unico. Faz parte d'este curso a resistencia de materiaes e a estabilidade de construcções estudada na escola do exercito.

Art. 8.° O curso de engenheiros machinistas navaes dura dois annos, e comprehende uma parte theorica e outra pratica.

Art. 9.° A parte theorica do curso de machinistas navaes comprehende:

a) Descripção e classificação das differentes especies de navios;

b) Descripção e classificação das machinas de vapor e sua applicação á locomoção dos navios;

c) Machinas empregadas nas docas e nos planos inclinados;

d) Desenho de machinas e dos planos para o seu assentamento nos navios.

Art. 10.° A parte pratica do curso de machinistas navaes consiste em trabalhos executados nas officinas de machinas do arsenal de marinha durante o curso, e a bordo, dos navios movidos por vapor durante as ferias.

Art. 11.° O curso de pilotagem é feito n'um anno e consta das seguintes disciplinas:

a) Operações sobre decimaes e complexos, systema metrico decimal, conhecimento pratico e uso dos logarithmos;

b) Principios elementares de algebra e de geometria, medição das áreas e dos volumes;

c) Conhecimento das linhas trigonometricas, formulas principaes para a resolução dos triangulos rectilineos e esphericos, applicação e uso das tábuas dos logarithmos;

d) Principios de astronomia espherica;

e) Principios de astronomia nautica, desvio e regulação da agulha, derrotas;

f) Conhecimento pratico dos principaes instrumentos usados na navegação, pratica das observações;

g) Regras para prevenir os abalroamentos no mar;

h) Observações meteorologicas uteis á navegação;

i) Conhecimento e uso das cartas de ventos e correntes.

Art. 12.° Passar-se-ha carta de piloto ao individuo, que tendo frequentado o curso da escola, e obtido approvação, prove ter um anno de embarque no alto mar, antes ou depois do exame, e apresente derrotas originaes feitas em livros previamente numerados e rubricados pelas auctoridades marítimas ou consulares competentes, e posteriormente authenticados pelos capitães dos navios que tiverem feito essas viagens.

Art. 13.° São porém admittidos a exame, independente de frequencia na escola, quaesquer individuos que satisfaçam as condições exigidas no decreto regulamentar de 13 de agosto de 1874.

CAPITULO II

Do pessoal e serviço scientifico da escola

Art. 14.° O pessoal encarregado do ensino theorico e pratico que se professa na escola naval comprehende:

1.° Cinco lentes effectivos;

2.° Tres professores auxiliares;

3.° Um instructor de artilheria e infanteria, que será o ajudante da companhia dos guardas marinhas, primeiro tenente da armada;

4.° Um mestre de esgrima;

5.° Um mestre de apparelho e natação;

6.° Um demonstrador de trabalhos praticos de construcção naval.

§ unico. O mestre de apparelho e natação é tirado da classe dos officiaes marinheiros e tem a graduação de segundo tenente da armada; o demonstrador de trabalhos praticos de construcção tem a graduação de segundo tenente, quando por outro titulo a não tenha maior.

Art. 15.° Os lentes effectivos devem ser officiaes de marinha ou de engenheria naval.

§ unico. Na falta de officiaes de marinha e de engenheria naval o governo póde mandar admittir nos concursos para os logares de lentes individuos das classes militares estranhos áquellas corporações, ou civis na falta d'estes.

Art. 16.º Os professores auxiliares são destinados: um exclusivamente para o ensino do desenho; outro para coadjuvar o ensino de astronomia e ensinar os exercicios praticos notados no artigo 3.° com a letra C; e o terceiro para coadjuvar o ensino das disciplinas da escola, segundo for designado no respectivo regulamento.

§ 1.° Quando o ensino reclame o emprego de mais um professor auxiliar, o governo póde por um decreto especial, e sob proposta do conselho da escola, ordenar a sua admissão temporária.

§ 2.° Os professores auxiliares servem em commissão na escola, e são escolhidos entre os officiaes de marinha ou de engenheria naval, e na falta d'estes, entre os lentes das escolas polytechnica e do exercito, ou officiaes das armas scientificas do exercito.

Art. 17.° Os lentes effectivos têem a categoria e vantagens que pertencem aos lentes da escola polytechnica.

Art. 18.° O provimento dos logares de lente effectivo é feito por concurso de provas, segundo um programma formulado pelo conselho escolar e approvado pelo ministro da marinha. Pela mesma fórma será provido o logar de professor auxiliar de desenho.

Art. 19.º Os logares de professores auxiliares com excepção do de desenho, são providos por concurso documental perante o conselho escolar.

Art. 20.° Os logares de instructor de artilheria e infanteria, de mestre de esgrima, de mestre do apparelho e natação e de demonstrador de trabalhos praticos de construcção, são providos sob proposta do conselho escolar.

Art. 21.° Ao professor auxiliar para o ensino da astronomia cabe a direcção do deposito de cartas e instrumentos nauticos e da officina annexa.

CAPITULO III

Do pessoal encarregado do serviço da fiscalisação, administração e policia da escola

Art. 22.° O pessoal encarregado do serviço da fiscalisação, administração e policia da escola naval consta de:

Um commandante, official general ou superior da armada, que superintende em tudo que é relativo ao ensino, ao serviço, á administração, fiscalisação e policia da escola;

Um secretario;

Um bibliothecario;

Um thesoureiro;

Um adjunto do observatorio e deposito de cartas e instrumentos nauticos, primeiro tenente da armada;

Um conservador da bibliotheca e museu de antiguidades navaes;

Tres amanuenses para o serviço da secretaria da escola, deposito de cartas e bibliotheca;

Um porteiro;

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Um mestre de officina de instrumentos nauticos;

Tres guardas;

Tres serventes;

Um official e dois aprendizes na officina de instrumentos nauticos.

§ 1.° No impedimento ou falta do commandante da escola faz as suas vezes o lente effectivo mais antigo, na parte que diz respeito ao serviço da mesma escola.

§ 2.° O bibliothecario e o thesoureiro são annualmente eleitos de entre os lentes effectivos pelo conselho escolar.

Art. 23.° O commandante, o secretario e o conservador da bibliotheca e museu de antiguidades navaes são de nomeação regia. O demais pessoal é nomeado pelo ministro da repartição, sob proposta do conselho escolar.

§ unico. O exercicio do logar de adjunto do observatorio dura tres annos, findos os quaes este official é substituido.

Art. 24.° O secretario e conservador da bibliotheca e museu de antiguidades navaes são escolhidos de entre os officiaes effectivos ou reformados da armada, os amanuenses e o porteiro de entre os officiaes inferiores do corpo de veteranos da armada, os guardas e os serventes d'entre as praças de pret do mesmo corpo.

§ unico. Quando no corpo de veteranos não haja individuos nas circumstancias de exercerem os logares de amanuenses, guardas e serventes são estes providos por meio de concurso documental.

CAPITULO IV

Conselho da escola naval

Art. 25.° A reunião dos lentes effectivos da escola e dos professores auxiliares, presidida pelo commandante, constituo o conselho escolar, ao qual serve de secretario, sem voto, o secretario da escola.

Art. 26.° São attribuições do conselho escolar:

1.° Formular e submetter á approvação do governo os programmas de concursos;

2.° A distribuição das materias de ensino por aulas, pelos lentes effectivos e professores auxiliares;

3.° Formular os programmas dos estudos e todos os regulamentos da escola;

4.° Propor ao governo o adjunto do observatorio, o instructor de artilheria e infanteria, os mestres de esgrima e apparelho, o demonstrador de trabalhos praticos e construcção, e todos os empregados subalternos da escola;

5.° Auctorisar a despeza, examinar e approvar as contas do thesoureiro;

6.° Conhecer, emfim, de tudo quanto diga respeito á administração scientifica e economica da escola,

CAPITULO V

Do material da escola

Art. 27.° Os estabelecimentos auxiliares do ensino são:

1.° Um observatorio astronomico para o ensino pratico e para os usos da navegação;

2.º Um deposito de cartas, instrumentos e livros para uso da navegação;

3.° Um gabinete de instrumentos nauticos, armamento portatil, modelos de artilheria;

4.º Um gabinete de modelos de architectura e construcção naval, de machinas de vapor, de apparelho e uma collecção de madeiras empregadas nas construcções navaes;

5.° Uma bibliotheca e museu de antiguidades navaes;

6.º Uma officina para concerto de instrumentos mathematicos.

CAPITULO VI

Das habilitações exigidas para a primeira matricula dos differentes cursos da escola

Art. 28.° Os individuos que pretendam matricular-se no curso de marinha militar na escola naval devem provar:

1.° Que têem exame e approvação em geographia, chronologia e historia, e em lingua ingleza n'um lyceu nacional;

2.° Que foram approvados na 1.ª cadeira e curso geral de physica (5.ª) na escola polytechnica, ou nas materias correspondentes na universidade de Coimbra ou na academia polytechnica do Porto.

Art. 29.° Para ser admittido â matricula no curso de engenheiros hydrographos é necessario:

1.° Ser segundo ou primeiro tenente da armada, na conformidade da legislação em vigor;

2.° Estar habilitado nas seguintes disciplinas:

a) Mechanica;

b) Geometria descriptiva;

c) Astronomia e geodesia;

d) Mineralogia e geologia;

e) Geodesia pratica, topographia e desenho correspondente;

f) Rios e canaes;

g) Lingua allemã.

Art. 30.° As disciplinas notadas com as letras a, b, c, d são estudadas na escola polytechnica; as disciplinas designadas pelas letras e, f, são cursadas na escola do exercito; a habilitação na lingua allemã prova-se por documento de exame feito n'um lyceu nacional.

§ unico. Esta ultima habilitação poderá adquirir-se até o fim do curso da escola naval,

Art. 31.º Os que se proponham a seguir o curso de engenheiros constructores navaes, não podem ser matriculados na escola sem que tenham exame de inglez em lyceu nacional, e o quarto curso completo da escola polytechnica, ou approvação nas disciplinas equivalentes na universidade de Coimbra ou na academia polytechnica do Porto.

§ unico. Os operarios do arsenal da marinha que tenham habilitações no instituto industrial poderão, sem outra habilitação especial, seguir a parte pratica do curso de construcção.

Art. 32.° Para ser admittido á matricula no curso de engenheiros machinistas navaes, com destino ao serviço do estado, é necessario:

1.° Ter aprendizagem durante dois annos, pelo menos, em officinas do estado, de ferreiro, serralheiro, caldeireiro ou de machinas;

2.° Prova de habilitação nas seguintes disciplinas:

a) Elementos de arithmetica e trigonometria rectilinea, algebra e geometria;

b) Desenho linear, principios de physica e suas principaes applicações ás artes;

c) Elementos de mechanica industrial, traducção de francez e de inglez.

§ unico. A habilitação do n.º 2.° é adquirida nas escolas industriaes, no curso de conductores de machinas e fogueiros, ou em qualquer outro estabelecimento de instrucção do estado.

Art. 33.° Os individuos que não se dedicam ao serviço do estado, ou se destinam á marinha mercante, podem matricular-se no curso de engenheiros machinistas navaes, quando satisfaçam ás condições do n.º 2.º do artigo antecedente, ou obtenham approvação n'um exame de admissão igual ao que é estabelecido no artigo 72.°, e tenham aprendizagem durante dois annos, pelo menos, em officinas de ferreiro, serralheiro, caldeireiro ou de machinas nos arsenaes do estado, ou em qualquer estabelecimento particular acreditado.

Art. 34.° Os que pretendam seguir o curso de pilotagem na escola naval, não se podem matricular sem que previamente provem que sabem ler, escrever e as quatro operações sobre numeros inteiros.

TITULO II

CAPITULO I

Organisação e serviço da companhia dos guardas marinhas.

Admissão dos aspirantes a guardas marinhas

Art. 35.° Os alumnos da escola naval que se destinam

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a servir na marinha militar, formam a companhia de guardas marinhas, a qual tem a seguinte composição:

1 Commandante, que é o commandante da escola naval.

1 Segundo commandante, official superior da armada;

1 Ajudante, que é o instructor de artilheria e infanteria da escola naval;

30 Guardas marinhas;

20 Aspirantes a guardas marinhas;

1 Corneteiro, que serve tambem de correio da escola naval.

Art. 36.° O governo póde augmentar ou diminuir o numero de praças da companhia, quando assim o exijam as conveniencias do serviço.

Art. 37.° São admittidos em cada anno tantos aspirantes quantas as vacaturas que haja n'essa classe.

Art. 38.° Os pretendentes á classe de aspirantes devem provar:

1.° Que não têem mais de dezesete annos;

2.° Que têem todas as habilitações exigidas no artigo 27.°

§ unico. Uma junta de saude naval verifica se os candidatos possuem as condições physicas requeridas para o serviço de mar.

Art. 39.° Quando o numero de candidatos habilitados na fórma do artigo antecedente é maior do que o das vacaturas, são preferidos:

1.° Os que provem ter maiores e melhores habilitações;

2.° Os filhos de militares, e entre aquelles os que já não tiverem pae;

3.° Os que, em igualdade de circumstancias, tenham menos idade.

Art. 40.° Quando o numero das vacaturas for superior ao numero dos candidatos, e haja conveniencia em facilitar as suas admissões, podem ser admittidos na qualidade de aspirantes extraordinarios de marinha, com o vencimento mensal de 6$000 réis, e em numero igual ás vacaturas existentes, os individuos que provarem:

1.° Não exceder a idade de dezesete annos;

2.° Que têem a robustez necessaria para a vida do mar, o que será comprovado pela junta de saude naval;

3.° Que se acham matriculados na 1.ª cadeira de mathematica e no curso de physica da escola polytechnica, ou em disciplinas identicas na universidade de Coimbra ou na academia polytechnica do Porto.

Art. 41.° O numero d'estes aspirantes extraordinarios não deverá exceder a dez, que se no fim de um anno não apresentarem certidão de approvação, tanto na 1.ª cadeira como no curso geral de physica da escola polytechnica ou nas disciplinas identicas na universidade de Coimbra ou academia polytechnica do Porto, serão demittidos.

Art. 42.º Os aspirantes extraordinarios entrarão no quadro legal dos aspirantes de marinha logo que estejam nas condições estabelecidas no artigo 28.°

Art. 43.° A admissão dos aspirantes realisa-se por meio de concurso aberto nos mezes de agosto e setembro perante o conselho da escola. Os requerimentos são dirigidos ao commandante da escola naval, acompanhados de todos os documentos que provem as habilitações e preferencias estabelecidas nos artigos 28.° e 38.° O conselho, examinando os documentos, propõe ao governo a lista graduada dos candidatos pela sua ordem de preferencia, segundo as disposições d'esta lei.

§ unico. É expressamente prohibida qualquer admissão que não seja feita na epocha e pela fórma determinada n'este artigo e nas condições expressas n'esta lei.

Art. 44.° Os aspirantes do quadro da companhia dos guardas marinhas ficam obrigados ao serviço militar na armada, pelo tempo de seis annos, a contar da data em que tenham a referida praça, e por isso isentos do recrutamento militar.

Art. 45.° A praça de aspirante da companhia de guardas marinhas corresponde á de aspirante a official no exercito.

Art. 46.° Aquelles que não completarem os seis annos de serviço na armada, de que trata o artigo 44.°, e tiverem baixa em virtude de disposição legal, ficam sujeitos ao recrutamento militar, conforme as leis em vigor.

§ unico. O excesso de idade não os dispensa de entrar no recrutamento do anno immediato áquelle em que tiverem baixa do serviço da companhia dos guardas marinhas.

Art. 47.° Os aspirantes que hajam completado o primeiro anno do curso de officiaes de marinha na escola naval são em seguida e durante as ferias grandes mandados servir, pelo menos, sessenta dias a bordo de um navio de guerra surto no porto de Lisboa, ou que d'elle haja de saír em commissão, que não vá alem d'aquelle praso de tempo, por fórma que os aspirantes estejam em Lisboa quando se abram novamente as aulas. Terminado este tempo de embarque, o aspirante passa a ter o vencimento de 8$000 réis mensaes.

Art. 48.° Os aspirantes que no fim de tres annos, contados da primeira matricula na escola naval, não tenham sido approvados em todas as disciplinas que constituem o curso de marinha militar, são demittidos do serviço.

CAPITULO II

Promoção dos aspirantes a guardas marinhas e dos guardas marinhas ao posto de segundos tenentes

Art. 49.° Os aspirantes approvados no segundo anno do curso de officiaes de marinha, e tendo completado este curso, são classificados pela ordem de approvações e frequencia pelo conselho escolar, e assim relativamente collocados, passando a ter o maior vencimento da sua classe.

§ unico. N'esta classificação é tambem attendida a applicação que os aspirantes hajam mostrado durante o tempo de embarque, em presença das informações dos respetivos commandantes.

Art. 50.° Os aspirantes, logo que hajam terminado o curso completo de marinha, são obrigados ao tirocinio de um anno de embarque a bordo de navios de guerra portuguezes fóra dos portos do continente do reino, e tendo terminado este anno são promovidos a guardas marinhas, sob proposta do conselho da escola naval.

Art. 51.º Os guardas marinhas, logo depois da sua admissão a esta classe, são obrigados a continuar o tirocinio de embarque por mais dois annos, a bordo de navios de guerra portuguezes fóra dos portos do continente do reino.

Art. 52.° O anno de embarque fóra dos portos do continente do reino, como aspirante para ser promovido a guarda marinha, e o primeiro dos dois annos como guarda marinha para ser promovido a segundo tenente, são feitos exclusivamente a bordo de navios de vela. Para este fim a força naval deverá conter annualmente dois navios de vela para o ensino pratico de navegação e manobra, brigues ou corvetas de lotação conveniente. O ultimo ou terceiro anno de tirocinio de embarque é feito em navio de systema mixto ou simplesmente de vapor, para conhecimento e uso pratico das machinas.

§ unico. Um regulamento especial estabelecerá o serviço e ensino a dar aos aspirantes a guardas marinhas a bordo d'estes navios-escolas durante o tirocinio, e a bordo do navio de vapor.

Art. 53.° Nenhum aspirante ou guarda marinha, excepto por motivo de doença, devidamente comprovada, póde estar desembarcado. Não póde igualmente ser empregado em serviço em terra, nem obter licença para frequentar quaesquer estudos, sem que esteja completamente habilitado para ser promovido ao posto de segundo tenente da armada.

Art. 54.° Terminados os tres annos de tirocinio de em-

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barque fóra dos portos do continente do reino, os guardas marinhas são promovidos ao posto de segundo tenente da armada, tendo sido novamente julgados aptos para o serviço pela junta de saude naval e satisfeito a um exame pratico. O exame pratico versa sobre:

1.° Pratica de apparelho e manobra;

2.º Observações astronomicas, calculos correspondentes, derrotas e navegação;

3.° Pratica de artilheria naval e de desembarque;

4.° Exercicios de infanteria e armas portateis;

5.° Pratica do serviço de bordo;

6.° Machinas de vapor maritimas.

§ unico. Um regulamento especial estabelecerá as instrucções e programma detalhado para estes exames.

Art. 55.° O exame pratico realisa-se em Lisboa a bordo de navios de systema mixto, que para esse fim se fazem ao mar e assim se conservam o tempo que os examinadores julguem sufficiente, e que nunca deve ser menos do dez dias nem mais de quinze.

§ 1.° O jury do exame deve compor-se de tres officiaes superiores da armada nomeados pelo ministro.

§ 2.° Os examinadores não devem ter pertencido aos navios em que os examinandos tiverem feito o seu tirocinio.

Art. 56.° Os guardas marinhas que, tendo ultimado o tirocinio de embarque, não satisfaçam desde logo ao preceito legal do exame pratico, por não se acharem em Lisboa, e que por isso não sejam incluidos na promoção, são promovidos logo que satisfaçam ao exame e collocados na escala dos officiaes, no logar que lhes pertenceria se não tivessem sido por aquelle motivo preteridos, abonando-se-lhes a differença de vencimento que por tal rasão hajam deixado de receber.

Art. 57.° Os guardas marinhas, que sejam reprovados no exame pratico de habilitação, são admittidos a segundo exame depois de terem mais um anno de tirocinio de embarque, nas condições do artigo 52.°

Art. 58.º Os guardas marinhas que fiquem reprovados n'este segundo exame são demittidos do serviço da armada.

Art. 59.° Os guardas marinhas approvados em segundo exame só se consideram habilitados desde o dia da approvação.

Art. 60.º A promoção a segundo tenente é feita sob proposta do conselho da escola naval em presença de todos os documentos necessarios e legaes, acta do exame pratico final, derrotas das viagens, informações dos commandantes dos navios aonde os propostos hajam servido, opinião da junta de saude naval, etc.

Art. 61.° É expressamente prohibido promover a segundo tenente da armada, sob qualquer pretexto e allegação, individuo algum que não possua as habilitações theoricas e praticas estabelecidas na presente lei, e não satisfaça ás mais condições em vigor.

§ unico. Quando o guarda marinha não esteja nas condições legaes de ser promovido, o conselho propol-o-ha immediatamente para demissão, designando os motivos que a lei especifica para que assim se proceda.

TITULO III

Da admissão e promoção dos aspirantes engenheiros constructores navaes de 2.ª classe

Art. 62.° Os individuos que se matricularem no curso de engenheiros constructores navaes na escola naval são declarados aspirantes a engenheiros constructores navaes de 2.ª classe, com a graduação de aspirantes de marinha.

Art. 63.º Os pretendentes á classe de aspirantes a engenheiros constructores navaes de 2.ª classe devem provar:

1.° Que têem aptidão para o serviço, verificada por uma junta de saude naval;

2.º Que possuem todas as habilitações exigidas no artigo 31.° d'esta lei.

Art. 64.° Os aspirantes a engenheiros constructores navaes de 2.ª classe passam a aspirantes de 3.ª classe, com a graduação de guarda marinha, quando tiverem completado o respectivo curso de estudos nas escolas de applicação.

Art. 65.° O governo designa annualmente, segundo as necessidades do serviço, o numero de individuos que podem matricular-se no primeiro anno do curso de engenheiros constructores navaes.

Art. 66.° Os aspirantes a engenheiros constructores navaes de 2.ª classe, que no fim de tres annos, contados da primeira matricula na escola naval, não tenham sido approvados em todas as disciplinas que constituem o curso de engenheria naval, são demitidos.

Art. 67.° Quando o numero dos candidatos habilitados na fórma do artigo 31.° é superior ao designado pelo governo, a admissão é feita por meio de concurso, sendo preferidos os que reunam mais e melhores habilitações.

TITULO IV

CAPITULO I

Da admissão e promoção dos ajudantes machinistas de 3.ª classe

Art. 68.° Os individuos que se matriculam no primeiro anno do curso de engenheiros machinistas navaes, com destino ao serviço do estado, são nomeados ajudantes machinistas de 3.ª classe, com a graduação de contra-mestre da armada, ficando desde então para todos os effeitos sujeitos ás leis militares e obrigados ao serviço da armada durante seis annos.

Art. 69.° Os pretendentes á classe de ajudantes machinistas navaes de 3.ª classe deverão satisfazer ás seguintes condições:

1.ª Aptidão para o serviço, verificada por uma junta de saude naval;

2.ª Idade superior a quinze annos e inferior a vinte;

3.ª Possuir as habilitações exigidas no artigo 32.°

Art. 70.° O governo designa annualmente o numero de individuos que podem matricular-se no primeiro anno do curso de engenheiros machinistas navaes com destino ao serviço do estado, conforme as necessidades d'este serviço.

Art. 71.° Quando o numero dos candidatos que estão nas condições do artigo 69.° é superior ao designado pelo governo, são preferidos:

1.° Os que tenham mais e melhores habilitações;

2.° Os que tenham mais tempo de aprendizagem;

3.° Os que, finalmente, forem filhos de militares ou de empregados nos arsenaes do estado.

Art. 72.° As habilitações exigidas no artigo 32.° podem ser substituidas por um exame de admissão que comprehenda as disciplinas n'aquelle artigo designadas. Este exame será feito perante a escola naval, segundo um programma formulado pelo conselho da mesma escola, approvado pelo governo e publicado com a antecedencia de seis mezes, pelo menos.

Art. 73.° Os ajudantes machinistas de 3.ª classe que ao fim de tres annos, contados da primeira matricula na escola naval, não tenham sido approvados em todas as disciplinas que constituem o curso de engenheiros machinistas navaes, são demittidos, devendo indemnisar o estado dos soldos que tenham recebido desde á sua nomeação para ajudantes machinistas de 3.ª classe, e ficando desde logo sujeitos á lei do recrutamento militar.

Art. 74.° O conselho da escola naval classifica por ordem de merito os ajudantes machinistas de 3.ª classe que completam o curso de engenheiros machinistas navaes. O seu embarque para os navios do estado é feito sempre pela ordem d'esta classificação.

Art. 75.º Os ajudantes machinistas de 3.ª classe são promovidos á 2.ª classe, quando n'esta haja vacatura e tenham obtido carta de habilitação do curso completo de

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engenheiros machinistas, e conservam a graduação anterior.

CAPITULO II

Dos machinistas da marinha mercante

Art. 76.° Os individuos que frequentam o curso de engenheiros machinistas navaes na escola naval, sem destino ao serviço do estado, ao concluir o curso podem tirar carta de habilitação para machinista de marinha mercante.

Art. 77.° Tambem é concedida carta de habilitação para machinistas de marinha mercante aos individuos que, não tendo frequentado a escola naval, sejam, todavia, approvados nos dois exames estabelecidos nos artigos seguintes.

Art. 78.° O primeiro exame é preparatorio e comprehende duas provas, uma oral e outra escripta.

§ unico. Para ser admittido ao exame de que trata este artigo é indispensavel apresentar attestados de bom comportamento e de matricula em uma das capitanias do porto nacionaes, de um anno de embarque a bordo de navio ou navios a vapor como empregado no serviço das machinas.

Art. 79.° A prova oral e a prova escripta versam sobre as disciplinas seguintes;

a) Arithmetica e algebra elementar;

b) Geometria elementar e trigonometria rectilinea;

c) Principios de physica, principalmente a que se refere ao calor;

d) Noções geraes de chimica com especial applicação á pratica do machinista;

e) Elementos de mechanica;

f) Machinas a vapor.

§ unico. Um programma especial, formulado pela escola naval e approvado pelo governo, fixa os pontos a que são obrigados a responder os candidatos em uma e outra prova. Os programmas servem seis mezes depois de publicados.

Art. 80.° O segundo exame é de applicação; comprehende duas provas, uma oral outra escripta, e versa sobre as seguintes disciplinas:

Differentes especies de caldeiras e condensadores, sua utilidade relativa;

Descripção e uso das differentes especies de bombas, de válvulas e torneiras, descripção e uso do volante, regulador, valvula do divisor e excentrico;

Alimentação, evacuação e limpeza das caldeiras;

Circumstancias diversas que podem occasionar a sua explosão, alimentação e limpeza das fornalhas;

Differentes especies de combustivel, suas propriedades calorificas, vistoria e assentamento das machinas e seus propulsores a bordo;

Verificação do seu estado em caso de necessidade;

Esboço e fabrico de qualquer peça de uma machina;

Definição de trabalho de uma força, cavallo-vapor;

Exposição das formulas que servem para avaliar o trabalho das machinas em cavallo-vapor, e uso e descripção do indicador de Watt, avaliação da força por meio dos diagrammas tirados pelo indicador, apparelho fumivoro;

Obrigações do machinista de serviço, escripturação do diario da machina.

Problemas:

Quantidade de combustivel e de calor para vaporisar certa quantidade de agua,

Trabalho de uma machina, conhecidos os dados indispensaveis;

Combustivel necessario para certo numero de dias de viagem, sendo conhecidas as bases do calculo;

Producção indispensavel de vapor para obter um determinado andamento.

Art. 81.° Para ser admittido ao exame de que trata o artigo antecedente é indispensavel apresentar logo depois do primeiro exame:

1.° Attestados de bom comportamento, de matricula em uma das capitanias portuguezas, de um anno de embarque a bordo de navio ou navios de vapor;

2.° O livro competentemente authenticado, que contém o diario da machina.

Art. 82.° O jury d'estes exames é composto de dois lentes da escola naval, e de um official de marinha ou de engenheria naval, proposto annualmente pela escola e designado pelo ministro.

Art. 83.° O processo que deve observar-se nos exames preparatorios e de applicação designados nos artigos 79.° e 80.° é determinado no regulamento da escola.

Art. 84.° O exame de que trata o artigo 78.° é dispensado aos individuos que apresentem as habilitações exigidas para a matricula no artigo 32.°

Art. 85.° Quando os candidatos são dispensados do primeiro exame, ou pretendem fazer os dois na mesma epocha, sómente podem ser admittidos referindo-se os attestados de comportamento e do tempo de embarque a dois annos, pelo menos.

Art. 86.° Os machinistas de lanchas ou de pequenos barcos de vapor empregados em navegação fluvial ficam sujeitos ás disposições estabelecidas pela portaria de 12 de setembro de 1870.

TITULO V

CAPITULO I

Disposições diversas

Art. 87.° O governo, quando julgue conveniente manda abrir concurso perante o conselho da escola naval para a escolha de officiaes da armada que vão praticar nas esquadras de nações estrangeiras.

Art. 88.° Não póde nunca haver mais de tres officiaes embarcados, por conta do estado, em esquadras estrangeiras.

Art. 89.° No concurso só podem entrar os officiaes da armada habilitados com o curso da escola naval.

Art. 90.º O concurso é documental. Os candidatos devem instruir os seus requerimentos com todos os documentos que possam illustrar o jury, ácerca dos seus conhecimentos e aptidão. O conselho da escola naval, vistos esses documentos e as informações dos commandantes sob cujas ordens tenham servido os candidatos, classifica estes por ordem de merito.

Art. 91.° O governo escolhe de entre os classificados os officiaes que devem ir servir nas esquadras estrangeiras.

§ 1.º Estes officiaes, quanto seja possivel, embarcam em navios destinados a campanhas, expedições scientificas ou viagens de descobrimento e circumnavegação.

§ 2.° O governo, pelos meios que julgue conveniente, torna effectiva a sua superintendencia nos officiaes que vão servir nas esquadras estrangeiras, de modo que tenha sempre exactas informações ácerca do seu comportamento e applicação.

Art. 92.° Os emolumentos que se pagam na escola naval continuam a ser regulados pela tabella actualmente em vigor e constituem receita do estado.

Art. 93.° Para as despezas do expediente, mobilia, melhoramentos, acquisição de livros, modelos, instrumentos e mais objectos destinados ao ensino theorico e pratico da escola é consignada annualmente a verba de réis 1:000$000.

§ 1.° Para a compra de cartas, roteiros e outras publicações e instrumentos necessarios á navegação e á meteorologia é destinada annualmente a quantia de 800$000 réis.

§ 2.º Para o expediente do serviço do deposito e officina annexa é destinada annualmente a quantia de réis 500$000.

Art. 94.° Para as disciplinas que constituem um exame final haverá um premio pecuniario de 60$000 réis, e

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um numero indeterminado de premios honorificos, que são conferidos na conformidade do regulamento escolar.

Art. 95.º Os soldos, gratificações e prets do pessoal da escola naval e companhia de guardas marinhas são regulados pela tabella que faz parte integrante d'esta lei.

CAPITULO II

Disposições geraes e transitorias

Art. 96.° Os actuaes empregados de administração e fiscalisação, cujos logares são pela presente lei conservados, continuam a exercel-os com os mesmos vencimentos, e aquelles que excederem ao pessoal aqui indicado continuam a servir como addidos com os vencimentos que actualmente têem.

Art. 97.° O conselho escolar formulará e submetterá á approvação do governo os regulamentos necessarios para que no proximo anno lectivo possam ter completa execução todas as disposições da presente lei.

Art. 98.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 15 de janeiro de 1878. = José de Mello Gouveia.

Tabella a que se refere a lei d’esta data

[Ver diário original]

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 15 de janeiro de 1878. = José de Mello Gouveia.

Proposta de lei

Senhores. — Renovo a iniciativa da proposta de lei apresentada em sessão de 2 de março de 1876 para a reorganisacão das capitanias dos portos do reino e ilhas adjacentes.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 15 de janeiro de 1878. = José de Mello Gouveia.

Proposta de lei

Senhores. — Renovo a iniciativa da proposta de lei apresentada em sessão de 5 de abril de 1873 e renovada em sessão de 23 de janeiro de 1875 para a approvação, do que depende de sancção legislativa, do projecto de regulamento geral do serviço de pilotagem das barras e portos do continente do reino e ilhas adjacentes.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 15 de janeiro de 1878. = José de Mello Gouveia.

O sr. José de Mello Gouveia, ministro da fazenda, a convite do sr. presidente, prestou juramento na qualidade de deputado eleito.

O sr. Presidente: — O sr. visconde de Carregoso, dignissimo thesoureiro da commissão administrativa d'esta camara, encarregou-se de apresentar as contas da gerencia de 1876-1877, que estão sobre a mesa, a fim de poderem ser examinadas pelos srs. deputados.

As contas serão remettidas á commissão de fazenda para dar sobre ellas o seu parecer.

Como a hora está adiantada, vae passar-se á ordem dia e...

Varios srs. deputados pedem a palavra.

O sr. Arrobas: — Peço a palavra por parte da commissão de fazenda.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. visconde de Moreira de Rey por parte da commissão de administração publica.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não pedi a palavra por parte de commissão nenhuma, mas agora uso d'ella para pedir a v. ex.ª que consulte a camara se permitte que usem da palavra os srs. deputados que a pediram para antes da ordem do dia: creio que não temos assumpto nenhum tão importante na ordem do dia que nos obrigue a deixar de pedir esclarecimentos, ou de tratar assumptos de maior importancia. Se a camara resolver...

O sr. Presidente: — Já está distribuido o parecer relativo á resposta ao discurso da corôa, e parecia-me conveniente...

O Orador: — Esse parecer não está dado para a ordem do dia de hoje.

O sr. Presidente: — O parecer já está distribuido para entrar em ordem do dia, e por isso conviria que estivessem eleitas o maior numero de commissões.

Orador: — Se v. ex.ª pozer o meu requerimento á votação da camara, tenho tenção de propor tambem que as commissões do anno passado sejam reconduzidas, ou a mesa auctorisada para as nomear. (Apoiados.)

Estamos realmente perdendo tempo em eleições inuteis que ninguem disputa.

O sr. Arrobas: — Pedi a palavra para declarar a v. ex.ª que a commissão de fazenda se constituiu, tendo nomeado para presidente o sr. Dias Ferreira, secretario o sr. Carrilho, havendo relatores especiaes.

Tambem peço que v. ex.ª consulte a camara sobre se consente que sejam aggregados á commissão os srs. Antonio José Teixeira e Illidio do Valle.

Consultada a camara, resolveu afirmativamente.

O sr. Bessa: — Mando para a mesa uma declaração de que faltei a algumas sessões, e faltarei a outras, por incommodo de saude.

O sr. Lourenço de Carvalho: — Sr. presidente, eu pedi na sessão de 7 do corrente mez differentes esclarecimentos ao governo, para poder realisar uma interpellação ao sr. ministro das obras publicas sobre os actos da sua administração, relativos aos caminhos de ferro do Douro e Minho.

Sei que a quantidade dos documentos é volumosa, e não estranho que esses documentos não tenham ainda vindo: não levo isso a mal ao sr. ministro das obras publicas, nem aos funccionarios do ministerio, porque sei, de experiencia propria, quanto elles são diligentes e activos, e por isso

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confio que esses documentos não faltarão, e virão com a possivel brevidade.

Não creia v. ex.ª que eu vá por modo algum entrar, nem levemente sequer, em quaesquer assumptos que se possam comprehender na nota de interpellação que apresentei.

Não poderia nunca, por motivo algum, demover-me d'este proposito, porque careço d'estes elementos para poder entrar na discussão do assumpto.

Eu sei perfeitamente qual é a minha posição, e que esta questão tem um tanto ou quanto de pessoal, o que me obriga a guardar a maior reserva e a mais completa serenidade de animo.

V. ex.ª sabe muito bem que eu fui por largo tempo incumbido da gerencia de uma d'aquellas linhas, saíndo d'ella por motivos que não me cumpre agora apreciar; deixei n'aquella direcção collegas, camaradas e amigos que me são extremamente affeiçoados, e por quem tenho a maior estima; tenho, alem d'isso, ali alguem a quem me ligam vinculos mais estreitos do que os da mais intima amisade. Isto impõe-me a obrigação de guardar a maxima reserva; não posso por isso referir-me a facto algum d'aquella administração que não seja em face de documentos apresentados n'esta camara, e só essa apresentação me póde habilitar a fallar sobre os diversos assumptos, sem a menor suspeição nem illação por parte de quem me escute, de inconfidencia ou indiscrição commettida por qualquer individuo pertencente ao pessoal d'esta linha, ou por qualquer outro funccionario do ministerio das obras publicas.

O sr. ministro das obras publicas apresentou em uma das sessões passadas alguns documentos que não remetteu para a mesa: pôl-os comtudo, creio eu, á disposição dos deputados que quizerem tomar conhecimento d'elles, e principalmente á disposição dos deputados interessados nas questões a que os mesmos documentos se referem.

Ora eu creio, sr. presidente, que esta questão interessa a todos os srs. deputados, porque é um assumpto de interesse geral do paiz. Mas, questões que têem caracter, por qualquer fórma, pessoal interessam duplamente aos individuos que têem relação mais ou menos directa com ellas. Affirmo a mais firme e sincera intenção de abstrahir na sua apreciação da minha personalidade quanto ser possa. Mas v. ex.ª comprehende, e a camara de certo me acompanhará n'este sentimento, que eu não posso deixar de reputar-me inteiramente interessado na questão de que se trata, pela dupla rasão que apontei. Eu quero a publicidade de todos os documentos. (Apoiados.) Creio que com isto ninguem perde, nem perde o paiz.

O sr. ministro das obras publicas promptificou-se a mostrar esses documentos aos srs. deputados que os quizessem ver. Eu quero mais alguma cousa do que isso. Eu pedi e peço a publicação de todos os documentos que se comprehendem no meu requerimento. E note v. ex.ª que eu fui muito explicito quando tive a honra de os apresentar n'esta casa, ampliando-os até onde a minha presumpção me podia auctorisar. Eu pedi e peço todo e qualquer documento concernente a este assumpto, expecialmente os que dizem respeito ao contrato para o fornecimento das 160:000 travessas para o caminho de ferro do Douro e Minho, contrato, como v. ex.ª sabe, já posterior á minha administração, mas que nem por isso me merece menor attenção e interesse.

Eu não pedi nenhum documento que significasse para o governo nenhuma inconfidencia ou algum prejuizo de seus direitos. Refiro-me agora á consulta da procuradoria geral da corôa. Pedi todos os documentos. Se o governo tem a minima difficuldade em apresentar a consulta, caso a haja, creio que a ha, pelo que vi affirmado nos jornaes, e porque creio que todo e qualquer ministro deseja sempre esclarecer-se com a opinião de tão illustrada instancia como é aquella que a lei poz ao lado de cada ministerio, para estudar os assumptos sob o ponto de vista legal ou juridico; portanto, creio que deve existir uma consulta da procuradoria geral da corôa. Mas exista ou não exista, direi que se existe e o sr. ministro das obras publicas a quizer apresentar, tanto melhor. Se existe e a não quizer apresentar, não lhe levo isso a mal.

O que digo simplesmente á camara, é que eu pedi no meu requerimento todos os documentos, e que estes e alguns mais que ali não fossem mencionados, desejava que fossem publicados. Peço ao sr. ministro das obras publicas não só que mande para a mesa todos os documentos ou esclarecimentos a respeito do assumpto que temos a tratar, mas inclusivamente que todos esses documentos sejam publicados. Se ha, porém, qualquer documento que o sr. ministro das obras publicas por motivos especiaes, por uma reserva que não comprehendo, não deseja que sejam publicados, eu não vou contra isso, desde o momento que não haja para isso nenhum motivo pessoal que me diga respeito ou ao pessoal d'aquella linha.

Careço n'este ponto de uma declaração terminante, positiva e categorica do sr. ministro das obras publicas. Em tudo quanto me diga respeito quero a publicidade completa. (Apoiados.); não só a quero como a exijo (Apoiados.), e para resalvar o sr. ministro das obras publicas de qualquer responsabilidade que s. ex.ª pareceu hesitar em assumir.

Se s. ex.ª quer pôr-se ao abrigo de qualquer imputação de malevolencia para commigo, então faço mais, então peço á camara que, por uma resolução sua, determine não só a remessa mas tambem a publicação d'esses documentos.

Eu tenho dito por mais de uma vez e continuarei sempre a dizer que não tenho receio algum de expor aos olhos de quem queira ver todos os actos da minha administração.

E note v. ex.ª que não trago isto para entrar na discussão da materia; eu não trago isto senão para dizer que careço dos documentos para entrar na apreciação d'ella com toda a clareza, com toda a placidez, e quanto em mim caiba para olhar a questão pelo lado administrativo, assim como tambem por estarmos n'uma assembléa politica, e todos nós temos mais ou menos uma individualidade politica para a considerar no campo politico, e n'um e outro caso abstrahindo quanto possivel da minha individualidade como funccionario.

Eu precisava fazer esta declaração, e careço de que o sr. ministro das obras publicas, no desempenho do seu dever, se assim o entender, por iniciativa sua, por uma resolução da camara, ou por qualquer outro meio, porque todos os meios me são indifferentes, mande para a mesa, a fim de serem publicados todos os documentos a que s. ex.ª se referiu no seu discurso e que não sei quaes são. (Apoiados.)

Se v. ex.ª me permitte, aproveito a palavra para um assumpto, inteiramente diverso, mas que está na ordem d'aquelles que qualquer deputado tem por dever tratar n'esta camara.

Tenho a honra de representar n'esta casa o concelho de Mondim de Basto, e hoje recebi um officio da illustrada camara municipal d'aquelle concelho, acompanhando duas representações que d'ali me são dirigidas; uma com respeito ao pedido de concessão do caminho de ferro até Chaves, e outra com respeito á creação de um tabellionato n'aquelle extincto julgado.

Parecem-me justos os fundamentos de uma e outra d'estas pretensões.

Peço a v. ex.ª que, pela mesa, se isto não é contrario aos precedentes d'esta casa, sejam estas representações enviadas ao governo para as tomar na devida consideração.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Barros e Cunha): — A camara tem conhecimento, pelos factos, de que ainda ministro algum, em epocha alguma, foi mais prompto em satisfazer os pedidos dos srs. deputados, sobre apresentação de documentos do que eu o tenho sido.

Apresentei hontem, e estão sendo publicados no Diario do governo, os de que possuia copia; e offereci a v. ex.ª,

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para que fossem examinados por todos os illustres deputados, os originaes que não tive tempo de mandar copiar.

Não sei se o illustre deputado é ou não é pessoalmente interessado nas questões de que se trata; isso parece-me absolutamente indifferente.

Como ministro, não tenho senão a responder pelos actos da administração que me estão confiados, na situação em que pelas leis do paiz me acho collocado.

O uso que os srs. deputados possam fazer dos documentos relativos aos actos que tenha praticado, ou aos actos do meu ministerio, é para mim e para a nação de pequena importancia.

A questão especial, porém, e a que respeita ao contrato das 160:000 travessas para os caminhos do ferro do Minho e Douro, que hontem trouxe á camara.

Expliquei já, que tendo-se aberto concurso para o fornecimento de 160:000 travessas, porque no contrato se não observaram as condições do concurso, e se alteraram de maneira que me pareceu inconveniente para os interesses do thesouro, neguei a approvação a esse contrato, e auctorisei o director da construcção para que (nas condições do concurso e contratando com individuo que desse as necessarias garantias ao estado), adoptasse qualquer outra proposta para o fornecimento d'aquellas 160:000 travessas. Esses documentos estão em meu poder.

Não sei se a camara julga conveniente discutir um assumpto sobre o qual se podem levantar pleitos nos tribunaes.

Quando hontem me referi a um documento que desejava publicar, não me referia ao illustre deputado, mas tem relação com a questão das travessas.

Os illustres deputados desejam a publicidade, quando uma das maiores faltas, o maior crime em que tenho incorrido, é de ter dado publicidade a quasi todos os actos do ministerio das obras publicas, e que até aqui não era de costume que fossem publicados. (Apoiados.)

Os illustres deputados querem a publicidade; eu tambem a quero. Mas o illustre deputado, que foi ministro das obras publicas, sabe perfeitamente que é impossivel que mande, com a rapidez que s. ex.ª deseja, todos os documentos que pediu, e ainda aquelles que s. ex.ª deixou a mim o arbitrio de suppor que lhe são necessarios.

Pela minha parte declaro ao illustre deputado que vou fazer toda a diligencia para lhe mandar, logo que possa ser, todas as copias que s. ex.ª indicou, e mesmo aquellas que s. ex.ª não indicou e que eu julgue que podem servir ao illustre deputado para formular contra a minha gerencia, e contra o meu procedimento, as accusações que lhe aprouver.

Creio que tenho satisfeito ao illustre deputado; e se elle se não satisfez com esta declaração, pela minha parte não posso mais do que pôr á disposição d'elle a boa vontade que me assiste, para que este negocio fique tão completamente esclarecido quanto o illustre deputado o deseja.

E agora vou tratar de outro assumpto que me parece mais importante.

Mando para a mesa a seguinte proposta de lei.

Leu e é a seguinte:

Proposta de lei

Senhores. — No justo empenho de promover quanto possivel as vantagens, que pelo desenvolvimento da rede da nossa viação accelerada devem advir ao paiz, não podia esquecer ao governo o caminho de ferro da Beira Alta.

A grande importancia e o alcance economico d'esta linha é por todos reconhecida; pois que a sua construcção não só irá fomentar a riqueza industrial e agricola da zona que no territorio portuguez tem de ser por ella atravessada, como tambem occasionará o consideravel encurtamento de perto de 500 kilometros, com relação ao percurso, entre a nossa capital e a fronteira franceza, encurtamento que envolve uma vantagem internacional, e que sem duvida muito contribuirá para augmentar a vida commercial das cidades de Lisboa e Porto, accentuando assim mais pronunciadamente a sua importancia incontestavel.

Não só pelo que respeita ás vantagens d'esta linha, como no tocante á sua directriz e modo de construcção, está o governo de accordo com as idéas geraes consignadas no projecto de lei n.º 16 que ficou pendente de discussão na sessão passada; não obstante entende de conveniencia publica submetter á vossa illustrada consideração algumas modificações que lhe parecem uteis, e que principalmente se referem á epocha do começo da construcção e ao modo de solver os encargos que d'ella devem resultar para o thesouro.

Sob o primeiro ponto de vista, pensa o governo que e mais util encetar a construcção de que se tracta, quando estiver concluida a linha ferrea do Minho até Valença, e a do Douro até ao Pinhão.

Por esta fórma não virão sobrecarregar o thesouro dificuldades de maior vulto; e pelo lado da administração resultará a importante vantagem de aproveitar o pessoal technico, os empreiteiros nacionaes e estrangeiros, e as machinas, ferramentas e outros materiaes actualmente empregados na construcção d'aquellas linhas; podendo assim com taes elementos ser emprehendidos na alludida epocha, que deve estar proxima, com mais desassombro e actividade os trabalhos d'este novo commettimento.

Pelo que respeita ao segundo, obedecendo ao preceito da lei de não tomar novos encargos sem crear receita para lhes fazer face, entende que poderão, sem notavel gravame para o paiz, e por ventura com applauso do mesmo, ser interessados os contribuintes nos encargos resultantes das operações financeiras que devem habilitar o governo para as despezas de construcção, repartindo os mesmos encargos por addicional ás contribuições directas do continente, onus este que irá sendo successivamente attenuado com o rendimento que a linha for dando apenas começar a entrar em exploração, e que assim será, não só de pouca duração attendendo as probabilidades do rendimento crescente d'esta linha, como em absoluto pequeno, e successivamente menos gravoso.

Os estudos circumstanciados feitos quanto ao delineamento d'esta linha, e as considerações ácerca d'ella apresentadas no seio do parlamento e da imprensa, têem illustrado sufficientemente o conceito publico no tocante á sua directriz e aos fecundos resultados que d'ella ha a esperar, e dispensam assim o governo de entrar em mais amplos promenores; sendo que por elles teria de reproduzir muitas considerações já feitas e sanccionadas pela opinião geral.

Em harmonia pois com as rasões expostas temos a honra de sujeitar á vossa illustrada apreciação, e esperamos que mereça a vossa approvação, a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a construir e explorar por conta do estado o caminho de ferro da Beira Alta, o qual partindo da Pampilhosa, na linha do norte, siga por Santa Comba Dão, ou suas proximidades, e termine na fronteira de Hespanha, ligando-se ao caminho de Salamanca.

Art. 2.° As principaes condições technicas para a construcção d'esta linha serão as seguintes:

1.ª A largura da via será de 1m,67 entre as arestas interiores dos carris;

2.ª As declividades não deverão exceder a 0m,015 por metro;

3.ª Os raios das curvas não serão inferiores a 350 metros na concordancia dos alinhamentos rectos, e a 200 metros nas vias de resguardo.

§ unico. As modificações que no decurso da construcção se julgar util introduzir deverão ser adoptadas precedendo approvação do governo, e nos termos dos regulamentos estabelecidos no ministerio das obras publicas.

Art. 3.° Este caminho deverá ser construido com leito

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e obras de artes para uma só via, excepto nas estações.

§ unico. Os carris a empregar serão de aço e o seu peso não será inferior a 30 kilogrammas por metro corrente.

Art. 4.° Na execução das obras poderá o governo adoptar o systema de empreitadas geraes ou parciaes empregado na construcção das estradas ordinarias.

Art. 5.° A construcção d'este caminho deverá começar apenas esteja concluida a do caminho de ferro do Minho até Valença, e a do caminho de ferro do Douro até ao Pinhão, e deverá ser realisada no praso maximo de quatro annos, contados da data em que for começada.

Art. 6.° O governo explorará esta linha segundo os regulamentos já adoptados na exploração das linhas por conta do estado, fixando, porém, opportunamente os preços da conducção de passageiros, gado e mercadorias, de modo que as respectivas tarifas se harmonisem quanto possivel ás das linhas ferreas do norte, leste, Minho e Douro.

Art. 7.° Para occorrer ás despezas a fazer com as obras de execusão da linha mencionada no artigo 1.°, que tem a extensão de 201 kilometros, é o governo auctorisado a levantar, por meio da emissão de obrigações, a quantia de 6.600:000$000 réis, correspondente ao preço medio kilometrico de 33:000$000 réis, nos termos do respectivo orçamento.

Art. 8.° As obrigações serão ao portador e na importancia nominal de 90$000 réis cada uma; ficando á escolha do governo a adopção do padrão em que tenha de ser fixado o juro annual e a amortisação.

Art. 9.° Da operação auctorisada pelos artigos antecedentes não poderá resultar para o estado encargo annual superior a 7 por cento sobre o capital realisado, comprehendendo juro e amortisação.

Art. 10.° Os juros serão pagos aos semestres, e adiantadamente, a começar no primeiro dia de cada semestre.

Art. 11.º Em cada semestre serão amortisadas as obrigações que a sorte designar, em quantidade necessaria para que a amortisação total se complete no praso determinado pelas condições de juro e amortisação adoptadas pelo governo, applicando-se successivamente á amortisação em cada semestre o juro correspondente ás obrigações amortisadas no semestre anterior.

Art. 12.° A emissão deve ser feita por series, cuja importancia o governo fixará conforme entender conveniente em attenção ao desenvolvimento dos trabalhos, e por modo que os semestres para pagamento dos juros e amortisação coincidam com os semestres do anno economico.

Art. 13.° Para o pagamento dos juros e amortisação das obrigações emittidas é o governo auctorisado a lançar por addicional ás contribuições directas do continente a verba necessaria, a contar do começo da construcção, verba que annualmente será approvada pelas côrtes.

§ unico. Desde que a linha começar a dar rendimento liquido quanto á sua exploração, será uma somma igual a esse rendimento liquido annualmente deduzida da totalidade do imposto addicional, de fórma que só se cobre pelo imposto a parte para que não chegue o rendimento da exploração.

Art. 14.° Serão isentos de direitos nas alfandegas os materiaes, machinas e instrumentos importados, para a construcção e exploração, por conta do estado, da linha a que se refere o artigo 1.°

Art. 15.° O governo dará annualmente conta ás côrtes da execução da presente lei.

Art. 16.º Fica revogada a legislação em contrario e designadamente a lei de 26 de janeiro de 1876 na parte que se refere ao caminho de ferro da Beira Alta.

Secretaria d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, 16 de janeiro de 1878. = José de Mello Gouveia = João Gualberto de Barros e Cunha.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Principio por perguntar a v. ex.ª se já foi remettida para a mesa a resposta aos esclarecimentos que pedi pelo ministerio da fazenda.

O sr. Presidente: — Ainda não veiu: salvo se veiu em algum dos documentos que foram ha pouco apresentados pelo sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda: — Se v. ex.ª dá licença eu posso informal-o já e á camara de que tenho dado ordem para que sejam satisfeitas, nas secretarias de meu cargo, as requisições de esclarecimentos de s. ex.ª e de todos os cavalheiros que são membros d'esta camara; e que a respeito d'aquella a que s. ex.ª se refere, n'este momento, sobre o producto da emissão dos quatro milhões esterlinos e divida fluctuante em certas datas, acabam de me mostrar na secretaria da fazenda, como é costume, as notas que estão para vir para esta casa, aonde de certo estarão ámanhã.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Em vista da declaração do sr. ministro da fazenda, reputo-me satisfeito em relação a este ponto.

Emquanto á apresentação dos documentos pelo ministerio das obras publicas, a que o illustre ministro acaba de responder com tanta largueza e calor, declarando ao mesmo tempo que considera este assumpto menos importante do que um projecto cuja execução ainda fica adiada...

Uma voz: — Para as kalendas gregas.

O Orador: — Não direi para as kalendas gregas, mas seja para as kalendas portuguezas, que não farão grande differença das outras.

Quanto aos documentos, eu apesar de ser estranho, pessoalmente, á questão de que se trata, julgo interpretar fielmente os sentimentos d'esta camara declarando ao nobre ministro, que o que se deseja e que supponho que o illustre deputado o sr. Lourenço de Carvalho pretende, é que s. ex.ª mande para a mesa, para serem ou não publicados, conforme se julgar ou não conveniente esta publicação, todos os documentos que se lhe pediram, e todos aquelles que o sr. ministro quizer mandar sobre este assumpto; ficando todos nós com a certeza plena e absoluta, de que s. ex.ª não guarda no seu bolso ou na sua secretaria documentos que compromettem alguem (apoiados); terminando de uma vez a insinuação ou suspeita, de que haja n'esta casa alguem que tenha a menor apprehensão, receio ou medo, de documentos que s. ex.ª tenha em seu poder. (Muitos apoiados.)

Eu gosto de por as questões claras. Não tenho creado dificuldades pessoaes ao governo; pedi documentos sobre um ponto importante que pretendia tratar, e tenho-me abstido de entrar nas discussões d'esta casa antes de me chegarem á mão esses documentos, ou antes de chegar uma questão importante, que mereça a pena de com ella gastarmos tempo e de n'ella empregarmos os nossos recursos. Mas desde que vejo um systema que consiste em insinuar (apoiados) que se guardam documentos terriveis e provas fulminantes, de que treme algum de nós ou trememos todos, julgo do meu dever, como membro do parlamento, exigir do governo, ou que diga explicitamente que não tem documento algum d'esta ordem, nem parecido, como eu creio, ou, se os tem, que os apresente todos, e quanto antes. (Apoiados.)

Em todo o caso desde já lhe affirmo que não ha de ficar armado com a possibilidade de dizer que não mandou os documentos, porque ninguem se atreveu a pedil-os. Parece que já estão pedidos todos, mas, se algum falta, se ha alguma reserva ou omissão, se o nobre ministro precisa de reclamação expressa, eu requeiro e reclamo todos os documentos, sem excepção nem reserva alguma, sejam elles de que ordem forem. (Apoiados.).

Dadas estas explicações, seria talvez injusto, pela minha parte, deixar de reconhecer que a ultima parte da resposta do sr. ministro das obras publicas parece-me conformar-se

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com a exigência que faço, pois creio ter ouvido s. ex.ª declarar, que quanto lh'o permittissem as circumstancias do serviço, mandaria todos os documentos; deu, porém, a entender que essa remessa havia de necessariamente ser demorada.

Essa demora é que eu não comprehendo, desde que s. ex.ª aqui declarou que trazia comsigo os documentos todos, e alguns que não poderam ser copiados, que os trazia comsigo para serem examinados em qualquer sala de commissão que para isso se destinasse. E n'esta parte apenas estranhei que s. ex.ª não duvidasse apresentar os documentos ao nosso exame em qualquer das salas das commissões e tivesse duvida em os remetter para a mesa, como é costume, porque a mesa d'esta camara offerece de certo todas as garantias de conservação e guarda dos documentos que n'ella existam, não tendo s. ex.ª a receiar, de certo, falsificação nem possibilidade de extravio. (Apoiados.)

Outro ponto ha, sobre que desejo chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas, ou pelo menos pedir a s. ex.ª que seja devidamente explicito.

Tendo eu exercido a profissão de advogado já por alguns annos, e não poucos, ultimamente tenho visto com surpreza proclamar theorias, não só sobre attribuições do poder judicial, mas até sobre termos de processo e pratica forense, que me parecem de mais recente invenção, pois que eram inteiramente desconhecidas no tempo em que eu me dedicava ao foro!

Não chego a comprehender a difficuldade ou receio, que s. ex.ª diz sentir, de ver tratar pela camara um assumpto que s. ex.ª affirma que ha de defender, de um certo e determinado modo, perante os tribunaes.

Permitta-me o nobre ministro que lhe observe em primeiro logar, que s. ex.ª não póde tratar perante os tribunaes assumpto algum publico, ou relativo aos interesses da nação, de um modo diverso d'aquelle por que esse assumpto for interpretado e avaliado pelo parlamento. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

É necessario que o nobre ministro, parlamentar antigo, e muito versado nas praxes e formulas da vida parlamentar ingleza, de cujas citações não costuma ser avaro, e pela minha parte eu acceito a Inglaterra como mostra e exemplo das boas praxes parlamentares; é necessario que s. ex.ª, quando decerto sabe, não finja ignorar que quando trata dos negocios da sua repartição, como ministro da corôa, não trata dos negocios da corôa, mas sim dos da nação. (Apoiados.)

Ora, os negocios da nação portugueza têem de ser tratados pelos ministros conforme a vontade da mesma nação, (Apoiados.), e os representantes da nação portugueza acham-se nas duas casas do parlamento. (Apoiados.)

Que receio tem ou póde ter s. ex.ª de ver compromettidos pelos representantes da nação portugueza os negocios do paiz? Imagina-se, porventura, investido agora de um poder novo e miraculoso? Foi, porventura, enviado pelo céu a este paiz (riso) para tratar dos seus negocios, segundo o seu modo de ver, receiando que os representantes da nação, no uso do seu direito, apreciem esses negocios de um modo diverso, e os resolvam em sentido contrario? Imagina, acaso, que a sua opinião ha de prevalecer se for opposta á vontade do paiz?

Reputar-se-ha s. ex.ª como enviado celeste, revestido de poder sobrenatural para governar o mundo, contra a sua vontade? Se alimenta taes illusões, creio bem que labora n'um equivoco que a menor reflexão ha de desvanecer.

Eu não vejo inconveniente algum, pelo contrario, vejo grande e manifesta vantagem para o ministro, em averiguar a opinião dos representantes do paiz, todas as vezes que tenha de ser tratado qualquer negocio a cargo do seu ministerio perante um poder independente, como é o poder judicial. Não ha inconveniente algum, antes ha toda a vantagem em que esses negocios sejam avaliados e esclarecidos pela discussão do parlamento.

A possibilidade de ser demandado o governo por qualquer particular não é cousa importante, nem tem outra significação que não seja a perfeita liberdade que tem qualquer individuo de demandar outro. Nunca o facto de propor uma demanda significou necessariamente que tivesse rasão ou justiça aquelle que a intenta.

Ordinariamente deve presumir-se que ninguem vae intentar uma demanda senão devidamente aconselhado; no emtanto muitas vezes se observa que os mais promptos, e os que com mais frequencia usam do recurso das demandas, attendem mais ao proprio capricho, ou á propria paixão, do que á justiça e ao direito que lhes possa assistir.

Termino aqui as minhas observações, porque não desejo prevenir ou antecipar questões que hão de ser discutidas mais tarde; e por esta occasião, como nós estamos perdendo tempo, e effectivamente já vae parecendo pouco regular que esta camara não esteja constituida com todas as suas commissões, mando para a mesa um requerimento, e peço a v. ex.ª que o submetia á resolução definitiva da camara. O requerimento é o seguinte.

(Leu.)

O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta que o sr. ministro da fazenda mandou para a mesa. Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Peço á camara que permitta que possa accumular o logar de deputado com o cargo que exerce na caixa dos depositos, querendo, o sr. deputado Julio Ferreira Pinto Basto. = Mello Gouveia.

Foi approvada.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que sejam reconduzidas as commissões da ultima sessão, que ainda não estão eleitas, ficando a mesa auctorisada a preencher qualquer falta. = Visconde de Moreira de Rey.

Foi admittida e em seguida approvada.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Peço desculpa ao illustre deputado do calor que me attribue quando expuz a situação em que o governo estava de dar publicidade a todos os documentos exigidos pelos illustres deputados que têem annunciado a necessidade d'esses mesmos documentos para os examinar.

Os documentos estão aqui todos, e a rasão por que não os mandei logo para a mesa foi porque absolutamente não houve tempo para tirar copia d’elles.

Não sei se o illustre deputado quer que eu mande para a imprensa os originaes!

Quando pensava dar prova da minha boa vontade, trazendo á camara os originaes, que não posso deixar ficar, porque se referem a causas que estão affectas aos tribunaes, vejo reprehensão e censura, até para com os meus escrupulos e respeito pela decisão dos tribunaes.

O sr. Pereira de Miranda: — Mando para a mesa alguns requerimentos de officiaes do regimento de artilheria n.º 2, pedindo melhoria nos seus vencimentos.

Não faço considerações para justificar esta pretensão, porque me reporto ás que em favor de outra identica fizeram na sessão de hontem os meus amigos e collegas os srs. Luiz de Campos e Mariano de Carvalho.

Aproveitando a occasião de estar presente o sr. ministro das obras publicas, peço licença para dirigir algumas palavras a s. ex.ª

O governo sabe que em consequencia da crise por que passou o paiz em 1876 e de que ainda não está restabelecido, o que tem chamado mais particularmente a attenção das pessoas immediatamente interessadas, é o modo por

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que são publicados os balancetes que usam apresentar mensalmente as sociedades anonymas.

Tem-se dito, e peço a attenção do nobre ministro, que os balancetes que mensalmente são enviados ao ministerio das obras publicas pelos estabelecimentos bancarios, não satisfazem completamente ás necessidades de uma apreciação justa e rasoavel, sobre a marcha e situação d'aquelles importantes estabelecimentos.

Parecia-me de alta conveniencia que o sr. ministro das obras publicas dedicasse a sua attenção para este assumpto, reputando pela minha parto de grande conveniencia o estabelecerem-se regras fixas e uniformes ás quaes se subordinassem todos esses estabelecimentos, ao apresentarem os seus balancetes mensaes, e assim se poder fazer uma apreciação mais justa ácerca da sua situação, e uma comparação facil entre esses mesmos estabelecimentos.

Lembraria ainda a conveniencia de que fosse mais regular a publicação d'aquelles documentos na folha official, para que não se desse o atrazo que hoje se dá, e ainda assim não é tão grande, como em epochas anteriores, e alem d'isso que se publicassem em uma só folha do Diario os balancetes de cada mez, para melhor facilitar a sua apreciação e comparação.

Aproveitando tambem a occasião de estar presente o sr. ministro da justiça, chamarei a attenção de s. ex.ª para os trabalhos que estão commettidos a uma commissão incumbida da reforma de que carece a nossa legislação commercial.

Não sei se essa commissão tem trabalhado, se se tem reunido, nem qual o adiantamento dos seus trabalhos, mas sei e todos sabem, e muito principalmente o devo saber o sr. ministro da justiça, como um magistrado distincto que é, que temos urgente necessidade de reformar a nossa legislação commercial.

Se aquella commissão não póde dar andamento e conclusão aos seus trabalhos, pedia a s. ex.ª que prestasse a sua attenção para este importante assumpto.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Sobre o assumpto a respeito do qual o illustre deputado chamou a attenção do governo, direi que elle já tem sido considerado pelo governo e que se têem empregado todos os meios para que os balancetes sejam publicados com regularidade.

Não ha duvida de que a uniformidade na publicação será uma cousa mais conveniente e procurarei satisfazer as indicações do illustre deputado.

O sr. Arrobas: — Mando para a mesa vinte requerimentos de varios srs. officiaes do batalhão de caçadores n.º 1, pedindo ás côrtes a elevação de seus vencimentos.

É por tal modo justificado este pedido, attentas as circumstancias que se dão da carestia dos generos necessarios á vida e da exiguidade da retribuição d'aquelles officiaes, que me dispenso de acompanhar a remessa d'estes requerimentos de quaesquer reflexões, limitando-me a pedir a urgencia na resolução de assumpto tão urgente e interessante.

Aproveito a occasião, sr. presidente, para perguntar a v. ex.ª se já foram recebidos na mesa os documentos que eu pedi pelo ministerio da justiça.

O sr. Secretario: — Ainda não foram recebidos os documentos a que allude o sr. deputado.

O Orador: — Pois, sr. presidente, admiro que ainda não estejam na mesa, porquanto o sr. ministro da justiça, por occasião de eu fazer o pedido d'esses documentos, se comprometteu a envial-os immediatamente, e já são passados seis dias depois da expedição do meu requerimento.

Ora eu, sr. presidente, como ouvi aqui o sr. ministro da justiça dizer que os documentos haviam de desmentir as minhas asserções, e como este desmentimento, salva a redacção, quer dizer que eu menti; eu tenho grande pressa em que esses documentos venham para serem examinados aqui, e eu assim hei de provar á camara e ao paiz quem é que falla verdade.

Como os documentos hontem não foram apresentados, eu tratei de arranjar como poude as provas de que houve censura aspera por parte do ministerio da justiça a dois juizes de direito, por acto do exercicio de suas funcções judiciaes, acrescendo ao attentado a que se baseava em facto inexacto.

Obtive um que aqui tenho e que é a declaração, reconhecida por tabellião, assignada pelos tres dignos medicos que fizeram a autopsia a que me referi, declarando elles que ha seis mezes que reclamam o pagamento ajustado do serviço feito e que para isso se haviam dirigido, ora ao juiz que fez o ajuste, ora ao presidente da relação, ora á procuradoria regia, ora á repartição competente da secretaria da justiça, aonde a final lhes disseram que o sr. ministro mandara pagar aos moços que ajudaram na autopsia.

Este documento não era necessario, se já aqui estivesse a copia do officio da presidencia da relação de Lisboa, pedindo o pagamento das quantias ajustadas para a realisação da autopsia a que me referi, declarando que pagaria elle da sua algibeira, se o governo se recusasse a pagar. Ora esta reclamação, sendo datada de julho de 1877, provava exuberantemente que este pagamento de ha seis mezes estava sendo reclamado do governo pela auctoridade competente.

Ahi fica pois por terra a declaração que fez o sr. ministro, de que tinha mandado pagar aos moços, porque tinham reclamado, e que não tinha mandado pagar aos medicos por elles não terem ainda reclamado.

Se os documentos não vierem a tempo hei de realisar a interpellação sem elles.

O sr. Ministro da Justiça (Mexia Salema): — Eu creio que o illustre deputado se enganou quando disse que eu o tinha dado como mentiroso. Esta expressão não está mesmo na minha educação. (Apoiados.) Não podia dizer cousa alguma que se parecesse com isso: eu disse que decerto houve da parte do sr. deputado uma tal ou qual confusão; que os documentos haviam de vir e destruiriam essas asserções. (Apoiados.)

(Interrupção.)

Pois então devo dizer uma cousa; a palavra desmentir em relação aos documentos, parece-me que a camara comprehende que nunca podia ter a accepção que lhe quer dar o illustre deputado. (Apoiados.) Estas phrases são ditas na melhor boa fé; não era possivel, por ellas, que eu quizesse dizer que o sr. deputado vinha mentir á camara. (Apoiados.)

O sentido que essas palavras tinham de certo não era outro senão que haviam de destruir as asserções do sr. deputado.

Portanto eu não podia dizer essas palavras no sentido que s. ex.ª indicou, e espero que acceite esta explicação, porque não sei nunca faltar aos deveres da delicadeza para com os meus collegas.

Os documentos estão ahi, não poderam vir mais cedo porque foi hontem o primeiro dia de sessão depois que as sessões se suspenderam em consequencia do lamentavel acontecimento que nós todos deplorámos.

Não poderam vir ainda hontem para esta camara, mas vieram hoje.

V. ex.ª, sr. presidente, e a camara sabem que muitas vezes acontece, haver demora na remessa não só de documentos, mas ainda de qualquer simples officio, expedidos pelas secretarias d'estado para esta camara.

É um facto que se dá frequentes vezes, mesmo sem haver culpa alguma.

Logo que houve no ministerio a meu cargo conhecimento da nota do requerimento do sr. deputado a quem me refiro, immediatamente mandei que fosse satisfeito, menos na parte em que não o podesse ser.

Todas as copias pedidas ahi estão, excepto uma, que importa a certidão de um processo criminal instaurado n'um dos juizos criminaes d'esta cidade.

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Essa certidão foi competentemente requisitada na parte em que não houvesse segredo de justiça, e hei de mandal-a para a camara no mais breve espaço de tempo possivel.

Quanto ao mais responderei ao illustre deputado, em vista dos documentos, no dia que v. ex.ª, sr. presidente, marcar para se realisar a interpellação que o illustre deputado deseja dirigir-me.

O que devo unicamente acrescentar é que não tenho conhecimento algum de reclamações feitas pelos peritos que realisaram a autopsia a que s. ex.ª se referiu.

Eu já disse aqui outro dia que não tinha conhecimento algum de nenhuma reclamação d'essa natureza, e hoje assevero com toda a certeza, e sem medo de errar, que não existe no ministerio da justiça reclamação alguma a tal respeito. Logo que a houver sobre tal assumpto, eu mandarei pagar o que for devido, assim como mandei pagar aos homens que ajudaram a fazer a autopsia.

Nada mais devo por agora dizer em resposta ao illustre deputado.

O sr. Arrobas: — Peço licença para mandar para a mesa um requerimento para se juntar aos outros.

O sr. Ferreira Freire: — Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos pelo ministerio do reino.

O sr. Manuel d'Assumpção: — Declaro a v. ex.ª que o illustre deputado o sr. Augusto Neves Carneiro tem faltado ás sessões passadas, e faltará a mais algumas, por estar incommodado.

O sr. Ferreira Braga: — Participo a v. ex.ª que a commissão de obras publicas está installada, tendo nomeado o sr. Cardoso Avelino para presidente, a mim para secretario, e havendo relatores especiaes.

O sr. J. J. Alves: — Sr. presidente, pedi a palavra para fazer uma pergunta muito simples ao sr. ministro das obras publicas, e desde já declaro a s. ex.ª que não ha n'ella intenção politica; ha porém o interesse geral, o interesse que todos devemos ter pela causa publica, o interesse emfim dos cidadãos menos favorecidos da fortuna.

Sr. presidente na sessão da camara dos dignos pares, do dia 27 de fevereiro de 1877, o digno par o sr. Carlos Bento interpellou o sr. ministro, que então geria a pasta das obras publicas, sobre os meios que s. ex.ª tencionava empregar para proporcionar habitações baratas ás classes menos abastadas da sociedade.

Era então ministro das obras publicas o sr. Lourenço de Carvalho, e não vendo por essa occasião solução alguma a esta pergunta, por isso a faço hoje.

Creio que a idéa do digno par que interpellou, era ver se se podiam adoptar meios analogos aos que em outras nações se têem empregado para fim identico.

Agora sem idéa alguma politica, porque a questão é de interesse geral, parecendo-me que s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas deve tambem ter a peito os interesses da cidade e dos seus habitantes, eu desejava que s. ex.ª me dissesse se no seu animo e no do governo está algum pensamento que tenha relação com o assumpto a que venho de referir-me.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — O assumpto a que o illustre deputado se referiu tem merecido sempre e merece ainda a consideração do governo.

Creio que o illustre deputado tem noticia de que eu e alguns dos meus collegas, por occasião de examinarmos a questão da avenida, tratámos e discutimos ao mesmo tempo a conveniencia de se obterem meios para se edificarem habitações baratas para os operarios.

Esta questão está sujeita a um plano geral, depende de meios, e o governo não tem podido, por emquanto, tomar sobre ella a resolução que seria para desejar; entretanto está-se estudando com o maior cuidado e estimarei muito que a camara habilite o governo para que possa fazer mais do que aquillo que os meios actuaes permittem que faça.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Mando para a mesa quatro requerimentos de facultativos militares, pedindo augmento de vencimentos.

Associo-me ás considerações feitas hontem pelo meu collega o amigo o sr. Luiz de Campos, por occasião de apresentar alguns requerimentos de officiaes do exercito n'este mesmo sentido; devo porém dizer que se é de justiça attender á petição dos funccionarios a que s. ex.ª se referiu, mais justiça, se é possivel, seria attender á d'estes funccionarios.

A promoção d'estes é tão demorada que alguns ha que passam quinze e dezoito annos no mesmo posto.

Portanto á justiça que assiste a todos os empregados militares, acresce n'estes esta consideração, que, a meu ver, é de ordem superior.

Peço a v. ex.ª que mande dar a estes requerimentos destino conveniente, remettendo-os á commissão respectiva; e depois, quando a commissão tratar d'este assumpto, direi mais sobre elle o que se me offerecer.

O sr. Lourenço de Carvalho: — Depois das palavras eloquentes do meu particular amigo o sr. visconde de Moreira de Rey, podia dispensar-me de tornar a tomar a palavra; mas entendi que devia fazer duas declarações.

Em primeiro logar declaro que me não conformo com a peregrina theoria apresentada pelo sr. ministro das obras publicas com respeito á publicação dos documentos de que se trata.

Em segundo logar observo ao sr. ministro das obras publicas que, por mais que s. ex.ª se queira declarar como modelo e iniciador de um pretendido systema de publicidade dos documentos do seu ministerio, s. ex.ª não tem levado esses principios até á sua completa execução, o que claramente se deprehende das proprias palavras de s. ex.ª na questão sujeita.

É evidente que s. ex.ª tomou diversas resoluções sobre a questão do fornecimento das 160:000 travessas, e se assim como foi publicada a primeira portaria denegando a approvação do contrato, fossem tambem publicadas as portarias subsequentes, eu não me veria obrigado a pedir copias d'esses documentos, podendo examinal-os na folha official. (Apoiados.)

Limito aqui o que tenho a dizer, n'esta occasião, repellindo pelo que me diga respeito e aos meus correligionarios, toda e qualquer insinuação que se pretende lançar sobre a difficuldade ou receio que nós tenhamos de publicidade sobre qualquer assumpto.

O sr. Thomás Ribeiro: — Desejo associar-me á interpellação annunciada pelo meu particular e antigo amigo o sr. deputado Arrobas, e para entrar n'ella preciso de fazer um requerimento que diz o seguinte:

(Leu.)

É muito grave a questão levantada pelo meu illustre amigo e collega o sr. Arrobas, é uma questão de doutrina e nós não podemos prescindir de todos os documentos necessarios para bem a tratar.

Creio que o meu illustre collega não deseja fazer politica com essa questão. (Apoiados.)

Estou intimamente persuadido de que o illustre ministro da justiça andou como devia andar todo o homem collocado na sua posição. Por consequencia tenho desejo de entrar na questão, porque a minha consciencia está acima de tudo. Se entendesse que o illustre ministro da justiça não tinha procedido como devia, não vinha accusal-o n'esta camara, porque era contra a minha promessa; mas o meu proceder não é um acto de deferencia pessoal, é um acto da minha consciencia que reclama associar-se a s. ex.ª n'essa discussão.

E para bem a podermos tratar, careço eu de apresentar ao illustre deputado os documentos que constam do meu requerimento.

Como ha uns actos em que pelo ministerio da justiça se censuram alguns dos membros do poder judicial, acrescen-

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to de voz e peço a v. ex.ª que consigne no officio de remessa para o ministerio da justiça, que posso prescindir dos nomes dos magistrados a que se referem estes documentos: basta simplesmente a doutrina d'elles.

Como explicação ainda ao meu illustre amigo o sr. Arrobas, devo dizer que a demora que tem havido na remessa dos documentos por s. ex.ª pedidos pelo ministerio da justiça, não deve ser imputada ao illustre ministro que preside áquelle ministerio: se alguma falta póde haver, essa responsabilidade pertence a mim, desde que s. ex.ª me deu terminantes ordens para immediatamente mandar fazer as copias dos documentos e remettel-as a esta camara.

Mas convido o meu illustre amigo a ir ámanhã ou de pois á secretaria da justiça, para s. ex.ª ver com os seus proprios olhos, que estão occupados todos quantos empregados podem estar em tirar copias dos documentos que por esta camara foram requisitados áquelle ministerio.

Eu não posso obrigar os empregados d'aquella repartição a trabalhar mais do que podem trabalhar. O sr. ministro, é dever fazer lhe essa justiça, ordenou-me que mandasse immediatamente tirar copias de todos os documentos pedidos, e eu não podia fazer mais do que satisfazer ás ordens que s. ex.ª me deu.

Agora, aproveitando a lembrança do meu amigo e correligionario politico ácerca da proposta de lei apresentada hoje pelo sr. ministro das obras publicas, relativa á construcção do caminho de ferro da Beira Alta, direi que agradeço, não o caminho de ferro, que se não faz (Apoiados), mas os desejos manifestados pelo sr. ministro das obras publicas.

Eu já sei pela ephemeridade das situações politicas n'este paiz, que muito antes de chegar a conclusão á raia do norte de Portugal do caminho de ferro do Minho e ao Pinhão o caminho de ferro do Douro, s. ex.ªs hão de, provavelmente, o que sentirei muito, ter chegado ao termo da sua gerencia.

E para eu ficar, ao menos, um pouco mais descansado a este respeito e para saber se devo ou não retirar desde já a nota de interpellação que tinha annunciado ao sr. ministro das obras publicas a respeito do caminho de ferro da Beira Alta, preciso que s. ex.ª me diga, ou antes me responda a uma das considerações que fiz quando apresentei essa nota de interpellação, e vem a ser, que o sr. ministro das obras publicas me diga se ainda mantém a sua opinião de que as secções dos caminhos de ferro devem ser construidas successivamente e não simultaneamente; é para eu saber até quando posso esperar a conclusão do caminho de ferro do Minho e começo da construcção do caminho de ferro da Beira Alta.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Estimaria muito ver realisada a prophecia do illustre deputado ácerca da minha duração n'este logar fosse ainda menor do que aquelle que o illustre deputado prevê. Se porém tiver a honra de continuar a gerir a pasta das obras publicas, póde o illustre deputado ter a certeza de que o caminho de ferro da Beira Alta ha de ser uma realidade. (Apoiados.)

O que eu disse no documento a que o illustre deputado se referiu, quanto ao modo do construir os caminhos de ferro, foi de que se devia adoptar como regra, que a construcção fosse emprehendida de modo que as secções ligadas ás linhas principaes podessem ir abrindo successivamente em exploração.

Creio ter satisfeito a pergunta do illustre deputado.

O sr. J. J. Alves: — Sr. presidente, está-me parecendo que o sr. ministro das obras publicas de certo não me comprehendeu, ou eu não me fiz entender; e talvez fosse esta segunda parte o mais natural.

Eu não me referi ao projecto que está pendente na camara dos dignos pares já approvado por esta camara, e que diz respeito ás expropriações por zonas.

É questão que não está ainda resolvida, nem sei mesmo se se resolverá n'esta sessão; e quando mesmo se decida, s. ex.ª sabe e ninguem ignora que as edificações que devem ser feitas nas immediações do grande boulevard que haja de realisar-se, são aquellas que hão de ter mais principalmente ligação com as classes poderosas e abastadas da sociedade.

Ora, referindo-me eu unicamente ás edificações para as classes operarias, é necessario que o governo e a camara tomem em consideração este assumpto; é necessario que a camara se compenetre de que estando hoje as rendas das casas por um preço fabuloso, que ás classes pobres é impossivel satisfazer, tanto mais que todos os annos vão progredindo, torna-se urgente uma medida que remedeie este mal.

O que eu perguntava pois ao sr. ministro das obras publicas é se s. ex.ª tem em mente fazer alguma concessão aos proprietarios, quer sejam particulares, quer sejam companhias, e que dêem em resultado termos edificações apropriadas para a classe pobre.

Eis o meu pensamento e nada mais.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — O sr. deputado julga que eu não comprehendo, mas é o contrario d'isso.

Esta questão não se póde desligar.

Se a capital realisar a edificação de novos bairros onde deva alojar-se a parte mais rica e mais importante da população, é certo que a parte da população que for habitar esses bairros deixa outra que tem habitado até aqui.

Portanto é uma questão complexa, que tem de ser apreciada em relação aos melhoramentos geraes que teem de ser feitos na cidade de Lisboa.

Apesar d'isso o governo tem-se occupado isoladamente de um ou de outro ponto em relação a essa questão, e n'uma proposta de lei que já está no parlamento encontrará o illustre deputado disposições que por meio de isenção de contribuições por um certo tempo favorecem as construcções novas.

O que o governo não póde é substituir-se á industria e ao interesse particular para edificar casas de uma certas dimensões para um certo e determinado preço.

Para obtermos o fim desejado, temos não só que estudar as localidades em que os novos bairros devem ser construidos, mas tambem que nos entendermos com as emprezas constructoras, e póde o illustre deputado estar certo de que não só para continuar os trabalhos do sr. Carlos Bento, que tinha todo o interesse de realisar este melhoramento, mas alem d'isso pelo interesse que a todos merece o assumpto, sempre que a opportunidade se offerece, o governo não se descuida um momento de tratar d'este objecto.

O sr. J. J. Alves: — Agradeço as palavras do sr. ministro e aguardo alguma proposta de lei no sentido que acabo de expor.

O sr. Arrobas: — Tomei novamente a palavra depois de ter visto que o sr. deputado Thomás Ribeiro pediu para tomar parte na interpellação do sr. ministro da justiça, por attentados praticados por s. ex.ª contra o poder judicial.

Agradeço a s. ex.ª e não me demove do meu proposito: hei de bater-me com o sr. ministro e com o sr. deputado; e creia s. ex.ª, que estou por tal modo seguro de provar o que aqui enunciei, e creia s. ex.ª que, apesar da sua intervenção, eu hei de ficar victorioso.

Repito e confirmo tudo quanto aqui disse, e comprometto-me a proval-o, e não descansarei sem realisar a interpellação.

O sr. Thomás Ribeiro: — Não podemos discutir assim uma questão que é tão complexa, que tem tanto que estudar, que tem principio, meio e fim. Chegar o illustre deputado, começar a exposição dos seus juizos desacompanhados de documentos, é desnaturar a discussão, é querer deixar uma impressão desagradavel sobre quem realmente não exorbitou das suas attribuições no meu modo de entender.

(Interrupção do sr. Arrobas.)

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O Orador: — Eu dei a minha explicação, não entrei na questão; e o illustre deputado não deve entrar agora na questão, porque assim prejudica-a, e de grande torna-a pequena.

Eu não sei se o sr. ministro quer que se publiquem esses documentos; para se avaliar esta questão entendo eu que não é necessario publicar os documentos. Quer s. ex.ª agora que se publiquem censuras talvez aos que já morreram? Porque a imprimirem-se uns devem publicar-se todos?

Não quer certamente.

Os documentos hão de estar na camara. E quanto basta para que os srs. deputados estudem e decidam.

O sr. Arrobas: — Se o sr. ministro não acha inconveniente, peço a publicação dos documentos que foram para a mesa.

O sr. Ministro da Justiça: — Já declarei em um áparte que não me oppunha a que fossem publicados os documentos. Entretanto parece-me que elles, desacompanhados de outros que hei de trazer á camara por occasião da interpellação, não dão bem a conhecer a questão de que se trata, porque o sr. deputado pediu alguns documentos, mas não pediu outros que são necessarios para explicação d'esses.

Decida pois a camara como entender, na certeza de que não me opponho á publicação dos documentos.

O sr. Julio de Vilhena: — Por parte da commissão de administração publica, requeiro que sejam aggregados á mesma commissão os srs. Rodrigues Sampaio e Jacinto Antonio Perdigão.

Este requerimento foi approvada.

O sr. Presidente: — A deputação que foi nomeada por esta camara para dar os pezames a Sua Magestade pelo fallecimento de El-Rei Victor Manuel, assim como a que ha de apresentar a Sua Magestade a lista quintupla para a escolha dos supplentes á presidencia e vice-presidencia d'esta camara, e dar-lhe parte da constituição da mesma, serão recebidas ámanhã no palacio da Ajuda, pelas onze horas da manhã.

A ordem do dia para sexta feira é a discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Sessão de 16 de janeiro de 1878

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