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SESSÃO DE 17 DE JANEIRO DE 1885 137

mimosear-nos com a sua presença, de passagem pelas cadeiras do poder e durante tão curto espaço de tempo que nos faz lembrar a apparição dos meteoros, mas pouco brilhantes, pouco luminosos e de pouca duração; porque em nada nos esclarecem, porque nos não illucidam e porque desapparecem n'um abrir e fechar de olhos; apenas tivemos ainda o prazer de ver um dia o sr. presidente do concelho depois da ordem do dia e para tratar dos acontecimentos do Porto, e isto depois de ter sido reclamada a sua presença pelos brados da opposição.

Foi uma verdadeira theophania que nós tivemos a dita de presencear com olhos mortaes e humanos!

O governo parece que tem tomado a peito o fazer-se representar n'esta casa pelo brilho da sua ausência, de forma que não nos tem sido possivel poder pedir-lhe contas de certos factos de grande responsabilidade dos quaes temos tido conhecimento.

É que o sr. presidente do concelho comprehende a epocha e a sociedade em que vive, olimpicamente sobranceiro a tudo isto imagina que só elle é grande e que tudo o mais é pequeno.

Bem sabe elle que a sua força lhe não deriva desta casa, e muito menos da opinião publica. É um facto triste e muito para censurar, que o governo assim proceda tão desdenhosamente para com o parlamento, e que em logar de empregar o seu tempo na administração justa e sabia dos negócios do paiz e dos interesses do povo, o empregue simplesmente em servir os amigos e em pensar, segundo uma phrase eternamente memoravel do sr. presidente do conselho, no que ha de dar no concerto maravilhoso dos arranjos cuja parte theorica consiste em saber o que se quer, e cuja parte pratica póde ter a sua effectividade no velho brocado do direito Romano do ut des., que é a formula mais generica dos contratos bilateraes.

E o paiz que gema, e o povo que soffra, e o governo que se recreie em desperdiçar o tempo com aquillo que mais prejudica a boa causa da publica administração.

Esta ordem de cousas é lastimosa, decadente, mas o soffrimento, a resignação já attingiram o seu maximum de saturação e densidade, e os abalos sociaes já vão dando mostras do rompimento dos vulcões, correndo parelhas com as revoluções da natureza physica, vehementemente, energicamente.

Pela minha parte, protesto contra este procedimento tão reprehensivel; não se póde admittir que o governo insista no proposito calculado e systematico de faltar ás sessões, voltando as costas ao parlamento, mostrando destarte a sua pouca consideração por elle; este facto dá logar a que os representantes do povo não possam exigir contas ao governo do que se passa no paiz.

Isto não póde continuar assim, é necessario que os srs. ministros, ou pelo menos algum delles, se apresente na sessão antes da ordem do dia, para que nós possamos pedir contas da desordem e da anarchia que lavram em todos os pontos do paiz, da immoralidade e desorganisação que se nota em todos os ramos dos serviços públicos, e que reina em toda a parte, desde a alta secretaria d'estado
até á mais humilde regedoria de parochia.

O desprezo pela lei e pelos interesses do povo vem do alto, e é o governo quem mais e melhor synthetisa e compendia em si esse mesmo desprezo, dando a todos o efficaz auxilio do seu mau e contagioso exemplo, que lavra como doença contagiosa, que inquina como a lepra, todas as camadas sociaes.

Não é assim que se concorre para o prestigio das instituições vigentes.

(Áparte.)

E vem de molde responder aqui á replica feita ao meu aparte, pelo illustre deputado o sr. Castello Branco.

Eu devo dizer, que nas monarchias constitucionaes o seu mais solido alicerce e mais firme esteio, é o parlamento, de cujo esplendor depende o prestigio da monarchia que oscilla, o maior ou menor grau de importancia que aos parlamentos for dada, consoante o respeito e veneração que lhes for imprimido.

Em summa, eu registo o facto da ausencia systematica do governo, e do seu desprezo formal pelos representantes do povo.

Se tem apparecido uma ou outra vez um ou outro dos membros do gabinete, é, como já disse, muito de passagem, e quando já está empenhada qualquer discussão dada para ordem do dia, quando qualquer deputado está fallando sobre o assumpto marcado, e portanto na altura em que qualquer membro d'esta casa não póde pedir a palavra para exigir do poder executivo os esclarecimentos de que precisa.

Sr. presidente, o governo, presidido pelo sr. Braamcamp, patenteou as repartições publicas, franqueou aberta e rasgadamente as secretarias d'estado aos deputados da opposição que quizessem tirar quaesquer esclarecimentos, examinar e esmerilhar quaesquer processos, para d'esta fórma se habilitarem melhor a emittir um juizo recto, firme e justo, ácerca do modo, aliás dignissimo e patriotico, como aquelle governo administrou e geriu os negocios publicos que impendiam de suas pastas.

Appello para o testemunho de alguns collegas meus n'esta camara e que o foram tambem n'esse tempo. Elles que digam se então se não dava o facto singular de todos os dias os deputados da opposição virem para esta casa carregados de documentos, disporem dos papeis publicos que queriam, sendo-lhes confiados até muitas vezes os proprios originaes.

N'este ponto eu desejo perguntar ao governo se elle está resolvido a adoptar para com a opposição parlamentar de hoje o mesmo procedimento correcto e leal que aquelle honrado e patriotico ministerio empregou então; desejo saber se elle está resolvido a dar ordens terminantes nas secretarias d'estado para os deputados da opposição poderem examinar quaesquer documentos, salvo os que se referirem a processos pendentes, cujo resultado e solução possam ser compromettidos pela violação do segredo que se deve manter.

Desejo fazer estas perguntas ao governo, mas o governo não apparece aqui. Foge miseravel e covardemente ao cumprimento do seu dever.

A opposição parlamentar precisa formular accusações gravissimas ao gabinete da gravidade; precisa pedir-lhe estreitas contas e liquidar-lhe com exactidão a responsabilidade da anarchia que lavra no paiz, da desordem e dos abusos, que a opinião publica e a imprensa todos os dias registam e stygmatisam; mas não o póde nem o deve fazer sem provas irrefragaveis, sem argumentos indestructiveis; e essas provas e esses argumentos hão de ser-lhe fornecidos pelos esclarecimentos que o governo lhe deve dar, e pelo exame que lhe deve consentir.

A opposição parlamentar precisa accusar o governo dos desacatos á legalidade, do favoritismo em prejuizo da lei, do patronato em menosprezo da moral, do escandalo em, detrimento da honestidade publica, em prol de seus parentes e para com adherentes, das offensas dos direitos de terceiro, e dos sophismas grosseiros e ainda das mutilações e violações flagrantes dos principios mais elementares e mais singelos da mais empírica e rudimentar economia; mas para isso carece de habilitar-se com os documentos, com as peças officiaes, para que não se diga que vem para a camara fazer accusações banaes e sem fundamento, similhantes á mascara de theatro, que apesar de ostentar bellas apparencias não tem cerebro.

A opposição parlamentar quer fazer accusações, mas fundamental-as em argumentos invenciveis, e esses argumentos quer deduzil-os do estudo e do exame consciencioso e analytico dos documentos que se encontram nas secretarias
d'estado, nas repartições publicas e nos archivos competentes.