60 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Agora índo um pouco adiante dos desejos de s. exa., direi que o que ha, e de longa data, são documentos attestando a impossibilidade do sr. Bento de Freitas continuar no serviço effectivo da direcção da alfandega do Porto. Não tenho outros documentos.
Alludiu depois o illustre deputado a perseguições feitas aos guardas; e tendo eu pedido factos, referiu-se o illustre deputado, antes do mais, á portaria que publiquei, e estranhou, entre parenthesis, que essa portaria tivesse primeiro apparecido no Diario de noticias, sem se lembrar que, muitas vezes apparecem em differentes jornaes noticias de despachos, antes da sua publicação no Diario do governo.
Eu não fazia mysterio d'aquella medida; não a escondia; pelo contrario, desejava que ella tivesse a maxima publicidade para produzir desde logo os seus effeitos moraes, se não officiaes o politicos; e por isso, se algum jornal a publicou, fez muito bem, porque n'isso prestou um serviço.
O illustre deputado não se animou a classificar aquella portaria de acto de fraqueza, e eu tenho a agradecer-lhe o bom conceito que faz da minha energia. Mas o que s. exa. não julga de modo algum possivel é que do meu ministerio tivesse partido ordem para serem destacados para a fronteira os guardas que se não alistassem, porque isso reputa s. exa. quebra de palavra!
Ora chegámos, finalmente, a um ponto de discussão.
O que é que na portaria se determina? Determina-se que o praso do alistamento ficava prorogado até ao dia 31 de janeiro. Por conseguinte até ao dia 31 de janeiro tinham de ser conservados os logares aos guardas que estavam em effectivo serviço.
Pergunto, algum guarda foi demittido? Deixou de ser conservado no seu logar, antes do dia 31 de janeiro?
Absolutamente nenhum. Mas foi algum transferido? De certo. É esse direito de transferencia tenho eu; e digo isso bem alto para que bem se ouça. No dia em que o governo ficar privado do direito de destacar guardas para onde for conveniente, morreu o serviço e acabou toda a auctoridade. (Apoiados.) D'esse direito, nem em presença do parlamento eu posso prescindir, porque é uma condição essencial e fundamental para a boa organisação do serviço.
O governo tem a responsabilidade dos serviços que executa e portanto tem o direito de destacar os guardas, quando e para onde entender. (Apoiados.)
Respondo com esta franqueza para que se não possa dizer, que nas minhas palavras vae envolvida uma confissão de fraqueza.
Por conseguinte, em duas palavras, a disposição da portaria tem sido cumprida. E porque? Porque nenhum guarda foi demittido antes do fim do praso de 31 de janeiro e porque nenhum deixou de ser conservado no logar que lhe pertence, que não é o logar em Lisboa ou na fronteira, mas é o logar no quadro, o que é muito differente.
E se dentro do quadro algumas transferencias houve, effectuaram-se ellas no plenissimo direito de quem as fez, direito de que, mais uma vez repito, não prescindo, nem mesmo perante o parlamento, porque não respondo, nem pela disciplina da fiscalisação, nem pela boa ordem dos serviços, desde que d'esse direito seja privado e exautorado.
É necessario que os guardas entrem rigorosamente no cumprimento dos seus deveres conforme se lhes determinar; e contra qualquer propaganda em contrario, resistirei eu abertamente. (Apoiados.)
Entendamo-nos bem de uma vez.
O que lamento, é que o illustre deputado, que é um homem novo, cheio de aspirações generosas e de grandes brios parlamentares, desejando acertar o contribuir para o bem da causa publica e do paiz, se pozesse do lado dos que pretendem perturbar a ordem publica e lançar a desorganisação nas fileiras de um corpo de fiscalização, em vez de se collocar do lado d'aquelles, que querem manter essa disciplina e que consideram o alistamento, como a base essen-
cial da toda a reforma da fiscalisação, como a questão vital para o bom serviço e para o bom cumprimento dos deveres fiscaes; isto é que eu lamento. (Apoiados.)
Respeito as intenções de s. exa., mas quizera vel-o ao lado dos que querem a disciplina e a ordem, e não dos que pretendem perturbal a, quaesquer que sejam as intenções que os acompanham ou a especulação que os move.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Eduardo José Coelho: - Não tinha na ultima sessão declarado que desejava interpellar o sr. ministro da fazenda sobre o assumpto, que está em discussão, no entanto as respostas do sr. ministro aos oradores precedentes obrigam-me a inscrever-me n'esta altura do debate, e antes de proseguir, desejo merecer ao nobre ministro a fineza de responder-me á seguinte pergunta:
Está o sr. ministro resolvido a esperar qualquer resolução d'esta camara sobre as petições dos guardas fiscaes e remadores, sobreestando no entretanto na execução do decreto n.° 4, de 17 de setembro ultimo?
Depois da resposta do sr. ministro da fazenda, se s. exa. se dignar dar-m'a, farei as considerações que julgar convenientes sobre os pontos do referido decreto em discussão e direito dos guardas peticionarios.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - O decreto n.° 4 é effeito de uma auctorisação parlamentar. A minha obrigação é cumpril-a emquanto não me for retirada. (Apoiados.)
O sr. Eduardo José Coelho: - Não era preciso ser propheta para adivinhar que a resposta do sr. ministro devia ser tal qual se dignou dar-ma.
E maravilha em verdade que o sr. ministro da fazenda respondesse aqui, com tanto orgulho e nobre altivez, que não podia suspender o decreto com força de lei, de que se trata.
E digo que maravilha que isto se diga aqui no parlamento, quando é certo que o mesmo sr. ministro não duvidou suspender a execução do artigo 34.° do decreto em discussão, pela celebre portaria de 19 de dezembro do 1885, e fel-o em condições um pouco excepcionaes.
É certo que os guardas fiscaes deixaram chegar o praso marcado n'este decreto para o alistamento; e, esgotados todos os recursos, foram processionalmente a casa do sr. presidente do conselho, o em seguida á secretaria d'estado; e, comquanto fossem de um modo pacifico e cordato, sempre é evidente que foram de modo que o sr. ministro os visse...
N'estas circumstancias, e trocadas differentes explicações, porque, parece, houve intermediarios entre os guardas e o sr. ministro, apressou-se a publicação da portaria citada, que, lealmente interpretada e executada não póde deixar de considerar-se uma satisfação aos peticionarios.
Não comprehendo, pois, a desculpa de hoje, e ainda menos a maneira accentuadamente intransigente com que é feita. (Apoiados.)
Agora que os infelizes e perseguidos guardas se dirigem ao parlamento, usando do direito que a lei constitucional lhes confere, agora é que o sr. ministro da fazenda responde que não póde suspender o decreto, ou demorar a sua resolução, emquanto o parlamento não delibera! (Apoiados.)
Parece-me que o sr. ministro se mostra sem rasão cruelmente hostil contra os guardas, que exerceram um direito garantido pela lei fundamental do paiz, e que mostra menos respeito polo parlamento. (Apoiados.)
D'aqui chego a uma conclusão muito desagradavel; que o recurso ao direito de petição é de todo inutil; as classes aggravadas nada têem a esperar d'elle. Se poderem fazer-se respeitar e temer na praça publica, podem ter como certo que serão attendidas nas suas pretensões. De outra fórma não. (Apoiados.)
Ainda mais. Alem da portaria já citada, o sr. ministro cedeu n'um ponto capitalissimo da sua reforma.