SESSÃO DE 16 DE JANEIRO DE 1886 61
O decreto em discussão (artigo 6.°) deu graduações militares ao corpo da guarda fiscal, e todos conhecem os clamores que este facto levantou na imprensa, e como o exercito procurou salvaguardar 03 brios e a honra militar, offendidos por este decreto.
E o que aconteceu?
Aconteceu que as reclamações do exercito foram attendidas e o sr. ministro da fazenda não teve então os escrupulos e a coragem que agora ostenta! (Apoiados.)
O decreto, explicando a reforma do sr. ministro, de cuja data me não recordo agora, e que appareceu em seguida às vivas reclamações do exercito, foi uma transigencia diante da força, embora seja eu o primeiro a reconhecer que as reclamações eram justas e bem fundamentadas.
Ninguém se illudiu com esse decreto. Elle não póde ter duas interpretações.
O exercito tinha por si a rasão; mas tinha tambem por si a força. E portanto venceu.
Como é, pois, que o sr. ministro se ostenta hoje de aspecto tão intransigente? (Apoiados.)
Tinha-me tambem esquecido alludir ao modo verdadeiramente notável e extraordinário, por que s. exa. se referiu á collocação dada ao sr. Bento de Freitas Soares, em resposta ao meu collega e amigo, o sr. Carlos Lobo d'Avila.
O sr. ministro confessa que commetteu uma illegalidade, e disso se orgulha; e ao mesmo tempo não póde consentir que o decreto n.° 4 se suspenda emquanto o parlamento resolve e delibera sobre os pontos a que se referem as petições chegadas já ao parlamento!
E tudo isto por escrúpulos de legalidade. (Apoiados.)
Comprehendia-se que o sr. ministro, confessando a illegalidade, procurasse ao menos cohonestal-a com quaesquer conveniências do serviço publico, e, mais humilde de que arrogante, pedisse ao parlamento que o relevasse de tamanha responsabilidade. Nada d'isso. O sr. ministro fallou do caso, como se tivesse praticado um facto heroico. (Apoiados.)
E nada mais direi sobre esta questão, pois que faz ella parte de uma interpellação annunciada ao sr. ministro pelo meu collega, o sr. Lobo d'Avila.
Restringindo-me á parte do decreto n.° 4, que diz respeito aos guardas fiscaes e seu alistamento no corpo fiscal, vou apresentar os motivos que me convencem de quanto são justas as suas reclamações, e portanto naturalmente chegarei á conclusão, de que são elles victimas de uma perseguição atroz e systematica.
De passagem direi, que espero annunciar ao sr. ministro da fazenda uma interpellação sobre os decretos n.° 4 e n.º 5, das reformas das alfandegas, onde espero tratar amplamente dos assumptos que os mesmos encerram. Hoje, como já disse, devo restringir-me aos fundamentos, que por parte dos guardas se invocam para se dirigirem a este parlamento, os quaes, no meu entender, são de todo justificados e procedentes.
A lei de 31 de março de 1885, que auctorisou a reorganisação dos serviços alfandegarios e aduaneiros, diz no artigo 1.° n.º l.°, que esta reorganisação respeitará os direitos adquiridos.
Parece-me, pois, evidente, que os guardas fiscaes, se não tivessem direitos adquiridos peio titulo da sua nomeação, a lei citada os reconhece expressamente. Repugna ao bom senso que a lei se lembrasse só dos funccionarios graduados na hierarchia fiscal, e quizesse excluir os que occupam o logar mais humilde na hierarchia official. Não o diz a lei, que se exprime de um modo genérico, e não o podia dizer sem exprimir uma grande iniquidade.
Se para os altos funccionarios ha todas as regalias e contemplações de facto e direito, não se regateie aos mais humildes a applicação de um preceito legal, que não faz excepções. E repugnará aos dictames de toda a consciencia, que a
lei falle só dos empregados superiores e mais graduados do serviço aduaneiro. Esta hypothese rejeito-a, sem mais largo exame, e por isso os guardas estão ao abrigo da disposição generica da lei que auctorisou o serviço aduaneiro. A estes direitos adquiridos corresponde a obrigação legal, por parte dos poderes publicos, para os attender e respeitar. Os guardas, ao alistarem-se pela primeira vez no serviço, contrahiram deveres e obrigações, mas seria absurdo dizer-se que não adquiriram direitos e regalias. Basta reflectir que adquiriram o direito á sua aposentação, dadas certas circunstancias legaes.
Não posso, pois, comprehender como o sr. ministro, esquecendo todos os principios de justiça, e a propria lei que o auctorisou a reorganisar o serviço aduaneiro, pôde legislar o artigo 34.° do decreto n.º 4. Por este artigo não foram reconhecidos os direitos adquiridos dos guardas, e apenas se lhes permitte o alistamento, sob pena de demissão. Isto não póde ser. (Apoiados.)
O estado póde dar aos serviços publicos nova forma, impor novas condições, fazer novas exigencias, e assim o estado podia dar ao serviço fiscal e aduaneiro uma fórma inteiramente militar. Desde o momento, porém, que era forçoso salvar os direitos adquiridos, tinha de reflectir sobre a formula a seguir durante o regimen transitorio. E essa formula não era tão difficil de encontrar, como a tanta gente se affigura. O sr. ministro, pois, faltou á boa fé da contratos, que o estado é mais interessado a manter, violou os principios de justiça, devida a todos os funccionarios, e violou a sua propria lei, isto é, a lei que o auctorisou a reorganizar o serviço aduaneiro. (Apoiados.)
O sr. ministro não podia, alterar as condições do serviço, que foram, condicção de admissão a este, quando os guardas, confiados na lealdade dos poderes publicos, pela primeira vez se alistaram. (Apoiados.)
Desde o momento, que o sr. ministro collocou os empregados aduaneiros n'uma situação mais gravosa, de que tinham anteriormente á lei que o auctorisou a reorganisar o serviço resalvando direitos adquiridos, é evidente que offendeu os principios de justiça, como já disse, e repito, mas tambem se não respeitou a si mesmo porque violou a lei que fez votar no parlamento (Apoiados.) Mas o sr. ministro foi, digamol-o assim, luxuosamente cruel para com os guardas fiscaes, que já estavam no quadro.
Parece que os seus longos serviços ao paiz, os seus direitos adquiridos, foram para o sr. ministro motivo de desamor, causa de perseguição. (Apoiados.)
Não atino, em verdade, com a condição de inferioridade, em que o sr. ministro collocou os antigos funccionarios fiscaes, a respeito d'aquelles que novamente se alistam.
O artigo 27.° do decreto n.° 4 dá o premio de 9$000 réis aos guardas que pela primeira vez se alistam, e o artigo 34.° § 2.° diz: «Não é applicavel aos empregados, a que se refere este artigo (isto é, aos actuaes empregados fiscaes, que quizerem continuar no serviço) o disposto no artigo 27.°»
Não se comprehende, chega a parecer fabuloso. (Apoiados.) Parece que o sr. ministro só teve em vista perseguir os antigos empregados fiscaes. (Apoiados.)
Em que principio de justiça, em que ordem de considerações se justifica esta monstruosa desigualdade? O sr. ministro teve em vista accumular pretextos para desgostar os antigos empregados fiscaes? (Apoiados.) Se foi esse o seu intuito, posso asseverar-lhe que o conseguiu. (Apoiados.)
O sr. ministro deve saber, porque deve saber as condições do meio social, para que legisla, que o serviço militar repugna sobremodo ás classes mais modestas da sociedade, aos funccionarios que não podem, infelizmente, nutrir a ambição de subir postos. Devia, pois, lembrar-se que a sua reforma n'esta parte devia levantar grandes resistencias, e a melhor maneira de as vencer era não aggravar a situação dos antigos empregados fiscaes. Foi, pois, o sr.