62 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
ministro, alem de injusto, muito imprudente n'esta parte da sua reforma. (Apoiados.)
A prova do que affirmo tem-na o sr. ministro diante de si, e não careço de fazer muitas considerações para o demonstrar. Não nego ao governo o direito de transferir os guardas fiscaes; é evidente que tal direito existe na lei. Não nego tambem o direito de os demittir. Mas é certo que este direito não póde ser exercido arbitrariamente, por mero capricho, e ainda menos por vingança. Ora a verdade por todos sabida, que não carece de demonstrar-se, é que coincidem, com as asperezas da reforma as transferências aos montes, e muitas demissões ; e portanto é natural a suspeita, que ellas foram feitas por virtude das legitimas resistências dos empregados fiscaes á reforma, que offende os seus direitos, e como meio de intimidação. (Apoiados.) Não se póde tolerar esta situação. (Apoiados.)
O sr. ministro demitte agora numero crescido de funccionarios fiscaes, transfere-os em barda; e portanto é licita a imputação, de que essas transferências não as dicta o serviço publico, mas uma verdadeira vingança ministerial. (Apoiados.)
Ora com estas perseguições systematicas, com um deficit de 10.000:000$000 réis, com uma divida fluctuante de 12.000:000$000 réis e com 5:000 votos republicanos na capital, não ha duvida que está salvo o prestigio das instituições. Podem todos dormir descansados: o throno e o altar. (Apoiados.) Caminhem assim, e aguardem os resultados. (Apoiados.}
Bem sei que ha animos valorosos, que se não apavoram com estes factos, verdadeiras bagatellas, e talvez julguem exagerada a minha affirmação; mas eu vou procurar ao seio do partido regenerador, aos marechaes do proprio partido regenerador, os argumentos que fortalecem a minha convicção. (Apoiados.)
O sr. António de Serpa no Jornal do commercio brada ao paiz, que se acautele; indica-lhe que está imminente uma grande desgraça, e que é preciso evital-a. (Apoiados.)
Tudo isto, porém, desperta o riso nos lucidos espiritos, que dirigem a situação. O sr. ministro da fazenda, cujo talento eu reconheço e todos reconhecem, é que sabe como se eleva o prestigio das instituições, e se ha de evitar a desgraça de que nos falla o sr. Antonio do Serpa. (Riso.)
Um dos meios para evitar essa desgraça é promover a anarchia financeira, e ao lado d'esta a anarchia administrativa, dando o exemplo nunca visto de populações inteiras quererem mudar de domicilio politico, porque o governo lhes não soube, pelos seus delegados, garantir a liberdade pessoal, e o exercicio dos seus direitos politicos. (Apoiados.) Não posso tratar agora de outros assumptos, e por isso termino aqui as minhas considerações.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Não discuto n'esta occasião se a minha gerencia financeira tem sido feliz ou infeliz.
Quando a camara tratar d'esse assumpto, dirá sobre a questão o que em sua consciencia entender.
Por agora limito-me a responder a algumas observações que o illustre deputado, como distincto jurisconsulto, que é, veio aqui apresentar em referencia aos direitos adquiridos dos guardas fiscaes.
Antes d'isso, levantarei, porem, algumas phrases que, devo crer, escaparam ao illustre deputado sem ter medido bem o seu alcance.
Em primeiro logar eu não fiz contrato algum com os guardas da alfândega. Dos registos públicos não consta similhante documento. (Apoiados.)
Em segundo logar, eu não exautorei o funccionalismo superior; pelo menos tenho o direito de assim o dizer em quanto s. exa. não me provar o contrario. (Apoiados.)
Em terceiro logar o illustre deputado chegou a dizer que o exercito se tinha levantado contra a reforma que eu tinha feito, declarando que a não queria.
O exercito?!
Pois o exercito, que é o mantenedor da ordem publica; o exercito, que tem por base essencial da tua constituição a disciplina; o exercito, que só tem a lei diante de si e o cumprimento dos seus deveres na sua própria consciência, o exercito é que havia de dizer a um poder constituído que não queria?! (Apoiados.)
Por bem de nós todos, por bem da nossa pátria e das instituições que nos regem, devo crer que nenhum militar poderá acceitar esta phrase do illustre deputado sem um protesto. (Muitos apoiados.)
Agora quanto aos direitos adquiridos, discutamos.
A lei diz effectivamente, e é bom que isto se esclareça, porque ninguém maio do que eu deseja a discussão; tenho muito mais a ganhar do que a perder com ella; tal e a torça da minha consciencia e a firmeza da minha convicção; a lei, digo, que auctorisou a reforma das alfândegas, estabelece effectivamente que ella será feita, respeitando-se os direitos adquiridos; mas para que estes sejam respeitados, é preciso que elles existam.
Ora vejamos se elles effectivamente existem.
O que diz a lei nas bases em que se desenvolveu o pensamento do governo? Diz o seguinte: «Os corpos da fiscalisação terrestre e marítima serão constituídos á similhança dos corpos militares, ficando dependentes do ministerio da fazenda, quanto aos serviços fiscaes e aos ministérios da guerra e da marinha, quanto á manutenção da disciplina».
A base d'esta reforma era pois uma organisação moldada sobre os preceito militares.
Já na lei de 1879 só estatue que a fiscalisação externa deve ter uma constituição militar, que era a aspiração não só do partido, que eu represento, mas traduzida em reclamações constantes por parte do parlamento no sentido de se dar ao corpo da fiscalisação externa uma organisação militar.
Foi tambem esta a condição que principalmente me impunham, quando vim discutir esta reforma aqui e na outra casa do parlamento.
Era isto indispensável para a disciplina, boa ordem e nexo do serviço, e a lei que auctorisou a reforma das alfândegas assim o prescreveu, querendo que os corpos fiscaes tivessem uma organisação militar; e organisação militar sem alistamento não comprehendo eu.
Qual é o exercito onde não ha o alistamento?
A camara sabe que alguns illustres deputados têem até apregoado a necessidade do serviço obrigatório. (Apoiados.)
Pois então, proclama-se que não póde haver exercito sem serviço obrigatório para todos, e quando lhe venho fallar em alistamento para os corpos fiscaes que fazem parto do exercito, os illustres deputados repellem essa idéa?
Mas ha mais. Diz a lei da auctorisação: «Os guardas e empregados menores até chefes de posto serão considerados como praças do pret alistando-se por oito annos, mas podendo conservar-se por mais tempo e tendo direito á reforma».
Determinou-se portanto o alistamento por oito annos, sem excepção alguma, considerando a necessidade que havia de estabelecer uma boa organisação dos corpos fiscaes, em que ha chefes de districto, chefes de postos, e guardas que são praças de pret.
E, pergunto eu, póde convir ao serviço que uma parte dos corpos fiscaes seja composta de guardas alistados, e por consequência sujeitos á disciplina militar, e que outra parte seja composta de guardas não alistados, não ficando por isso sujeitos a essa disciplina, tendo a faculdade do sair do serviço quando quizerem?
Isso não era organisação, era confusão; seria deitar a perder o serviço fiscal.
Mas vamos ainda aos direitos adquiridos. Onde é que esses direitos adquiridos estão marcados e prescriptos? Comecemos pela reforma de 1864.