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SESSÃO DE 6 DE MAIO DE 1890

Presidência do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos. Srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sousa

SUMMARIO
Leram-se officios dos ministerios do reino, da fazenda e da marinha sobre remessas, de que se dão conta no expediente.- O sr. presidente communicou á camara que a grande commissão encarregada de apresentar a Sua Majestade a constituição definitiva da camara e apresentaria lista quintuplo, desempenhará a sua missão.- O sr. Germano de Sequeira mandou para a mesa um requerimento de interesse publico.- Os srs. Alfredo Brandão e Almeida e Brito mandaram para mesa renovações de iniciativa, que ficaram para segunda leitura.- O sr. ministro das obras publicas apresenta uma proposta, que foi approvada, para que o sr. deputado Adolpho Ferreira Loureiro possa accumular, querendo as suas funcções de deputado com as de empregado d'aquelle ministerio.
- O sr. Pedro Victor mandou paru a mesa uma representação dos desenhadores do quadro auxiliar do corpo de engenheiros das obras publicas.- Os srs. Pereira Carrilho e Elvino de Brito justificaram as suas faltas.- Prestavam juramento os srs. Luciano Monteiro e Amorim Novaes, que declarou que optava pelo seu logar de deputado.- O sr. José Júlio Rodrigues fez algumas reflexões com relação á necessidade de augmentar os vencimentos do professorado official.- O sr. Pedro Victor referiu-se á adulteração que está soffrendo o azeite, pela mistura de oleos que lhe são estranhos, com prejuizo dos lavradores.- Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas.- Entre os srs. Emygdio Navarro e ministro dos negocios estrangeiros trocaram-se explicações com relação ás negociações havidas entre os governos de Portugal e da Inglaterra, e á publicação d'ellas, ou parte d'ellas.
Na ordem do dia elegeram-se as commissões do orçamento e de administração publica.
Abertura da sessão - As tres horas e meia da tarde.

- Presentes á chamada 69 srs. deputados. São os seguintes:- Adolpho da Cunha Pimentel, Adriano, Emilio de Sousa Cavalheiro, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Albino de Abranches Freire e Figueiredo, Alfredo Cesar Brandão, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Augusto Corrêa da Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Fialho Machado, Antonio Maria Cardoso, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Sergio, da Silva e Castro, Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto da Cunha Pimentel, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Conde do Côvo, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida; Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo de Jesus Teixeira, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Fidelio de Freitas Branco, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Ignacio José Franco, João Alves Bebiano João de Paiva, João Pinto Moreira, João Simões Pedroso de Lima, João de Sousa Machado, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José Bento Ferreira de Almeida, José. Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Domingos Ruivo Godinho, José Estevão de Moraes Sarmento, José Freire Lobo do Amaral, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria Greenfield de Mello, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Monteiro Soares de Albergaria, José Paulo Monteiro Cancella, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Antonio Luna de Moura, Julio Cesar Cau da Costa, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel d'Assumpção, Manuel Pinheiro Chagas, Manuel Thomas Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Matheus Teixeira; de Azevedo e Pedro Augusto de Carvalho.

Entraram durante a sessão os srs.:- Adriano Augusto da Silva Monteiro, Alexandre Maria, Ortigão de Carvalho, Alfredo Mendes da Silva, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Maria Jalles, Carlos Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Emygdio Julio Navarro, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, João Cesario de Lacerda, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim Simões, Ferreira, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Elias Garcia, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria dos Santos, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Manuel de Arriaga, Manuel Francisco Vargas, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro Victor da Costa Sequeira e Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

Não compareceram á sessão os srs.:- Adolpho Ferreira Loureiro, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Arroyo, Antonio José Ennes, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe Augusto José Pereira Leite, Augusto Maria Fuschini, Augusto Ribeiro, Elvino José de Sousa e Brito, Feliciano Gabriel de Freitas, Francisco de Castro Mattozo da Silva Corte Real, Frederico Ressano Garcia, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Jayme Arthur da posta. Pinto, João de Barros Mimoso, João Ferreira - Franco .Pinto Castello Branco, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Marcellino Arroyo, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Alfredo da Silva Ribeiro, Jorge Augusto de Mello (D.), José Antonio de Almeida, José de Azevedo Castello Branco, José Frederico Laranjo, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Latino Coelho, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Lourenço Augusto Pereira; Malheiro, Luciano Cordeiro, Luiz Antonio Moraes e Sousa, Manuel Affonso Espregueira, Marianno Cyrillo de Carvalho e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Aprovada
EXPEDIENTE
Officios

Do ministerio do reino, participando que foram enviados para a camara dos senhores deputados todos os processos eleitoraes que deram entrada n'aquelle ministerio, e que igualmente será remettido o relatorio relativo á eleição do circulo n.° 65 (Fundão), logo que, ali seja recebido.
Para a commissão de verificação de poderes.

Do mesmo ministerio, remettendo 180 exemplares das contas d'este ministerio, relativas á gerencia do anno economico de 1888-1889 e ao exercicio de 1887-1888.

Para a secretaria.

Do mesmo ministerio remettendo o mappa indicativo

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dos contratos, de valor superior a 500$000 réis, realisados por este ministerio no anno de 1889. Para a commissão de fazenda.
Do ministerio da fazenda, remettendo 160 exemplares do orçamento e proposta, de lei das receitas e despezas ordinarias do estado na metropole para o exercicio de 1890-1891.
Para a secretaria.
Do mesmo ministerio, remettendo 200 exemplares da conta geral da administração financeira do estado na metropole, gerencia do anno economico de 1888-1889, e exercícios findos de 1886-1887 e 1887-1888 o corrente de 1888-1839 até 30 de junho de 1889, e respectivo annexo.
Para a secretaria.
Do ministerio da marinha, remettendo um exemplar da collecção das providencias de natureza legislativa para as províncias ultramarinas que, tendo sido julgadas urgentes, foram expedidas por este ministerio nos mezes de agosto e dezembro de 1889.

Para a commissão do ultramar.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio da justiça, se me dê uma nota ou relação dos julgados municipaes creados por decreto de 26 de julho de 1886, especificando-se quaes os fundamentos que justificaram a sua creação, nos termos prescriptos nos artigos 3.° e 17.° do citado decreto, quer com relação á distancia kilometrica da séde da comarca, quer, com relação a todas as mais indicações legaes. = Joaquim Germano de Sequeira, deputado pelo circulo n.° 74.
Mandou-se expedir.
REPRESENTAÇÃO
De desenhadores do quadro auxiliar do corpo de engenheiros de obras publicas, pedindo que lhes seja elevado o vencimento, e que para tal effeito se lhes conte a diuturnidade do serviço.
Apresentada pelo sr. deputado Pedro Victor e enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda

Segundas leituras Renovações de iniciativa

Renovo a iniciativa dos seguintes projectos de lei:

Construcção de casas economicas e salubres para habitação das classes pobres, apresentado ao parlamento em 16 de maio do 1884;
Regulação do trabalho dos menores na industria, apresentado ao parlamento em 11 de julho de 1885.
Lisboa, 5 de maio de 1890.= Augusto Fuschini.

Lidas na mesa, foram admittidas e enviadas a primeira ás commissões de obras publicas e de fazenda, a segunda ás commissões de commercio e artes, obras publicas e de fazenda.
Estas renovações referem-se aos seguintes projectos de lei:
Projecto de lei
Senhores.- Uma corrente de opinião energica e profunda sulca as sociedades moderna e arrasta os espirites, ainda os mais timidos e indifferentes, para o estudo dos graves assumptos sociaes, que constituem o grande problema economico do pauperismo.
Ardentes e goniaes vão uns buscar em organisações artificiaes da sociedade a panacêa para todos os males; odientos e ignorantes imaginam outros edificar um mundo de venturas com as ruínas das grandezas, quo os offuscam e humilham; positivos e previdentes os modernos homens d'estado afastam a perigosa e inexequível utopia dos primeiros, domam a selvageria dos segundos e, sabendo que a questão do pauperismo é insoluvel e inaccessivel no seu conjuncto, atacam-na nos seus elementos principaes e successivamente lhe suavisam as manifestações mais accentuadas e crueis.
N'este sentido poucos homens d'estado modernos deixam de occupar-se dos problemas sociaes, de attender ao bem estar das fracções populares mais desvalidas, em uma palavra, de fazer bom e util socialismo.
E não se escandalise alguem com esta palavra, a que a ausencia de idéas e a ignorancia dos factos ligaram uma accepção sombria e demolidora. Como a palavra religião envolve todas, desde o ideal e elevado christianismo até ao fetichismo do negro africano; desde a que presta culto a immaculada e doce Virgem até á que adorava Moloch, o deus que se alimentava de carne humana, fumegando no seu esbrazeado ventre; assim a expressão socialismo envolve as mais variadas manifestações da sciencia e da consciencia humanas.
Um philosopho economista do principio d'este seculo, Saint-Simon, definiu n'uma bella phrase a essencia do moderno socialismo e a sua finalidade: «todas as instituições sociaes devem ter por fim o aperfeiçoamento moral, intellectual e physico da classe mais numerosa e mais pobre». Eis o que cada um de nós comprehende, lançando a vista em torno de si e estudando a nossa historia social de ha cincoenta annos.
Abolição dos morgados, desamortisação da mão morta, proporcionalidade dos impostos, desenvolvimento da educação popular, alargamento do suffragio, extincção dos privilegios sociaes e economicos, são os factos que nos comprovam o caracter democratico das sociedades modernas, e da nossa entre todas, o ascenso regular e successivo das ultimas camadas populares para aquelle nivel de igualdade de condições, sem a qual não existe a liberdade.
Este movimento social, esta accentuada tendencia democratica das modernas sociedades, aqui, nos paizes livres, sabiamente dirigido e encaminhado na sua natural evolução; alem, nos paizes subjugados por qualquer despotismo, encadeado e reprimindo, porém, manifestando-se por commoções mais ou menos violentas, é, a nosso ver, a principal caracteristica com que o seculo XIX ha de em breve entrar na historia da humanidade.
Na ordem politica, como na ordem economica se manifesta esta tendencia da nossa epocha para a igualdade; igualdade económica, não a que resulta de um commu-nismo absurdo e insustentável, mas a que provém da independencia das profissões e da iniciativa individual, e sobretudo deriva de uma boa legislação, que impeça a concentração das grandes massas de riqueza por um lado, emquanto por outro facilite a formação dos pequenos capitães.
A traducção social d'esta igualdade é uma das melhores garantias da ordem e do socego publico, tem-o sido e ha de sel-o em todos os tempos.
Ha mais de dois mil annos formulou este pensamento e este aviso salutar o maior philosopho da antiguidade, um dos mais poderosos cerebros que a especie humana tem produzido; Aristoteles escrevia na sua politica: «toda a sociedade, que pretender fundar a estabilidade, deve esforçar-se em chamar o maior numero á propriedade o á abundancia, porque a propriedade media unicamente não se revoluciona jamais».
Ha alguns annos apenas um grande economista, Stuart-Mill, homem de genio como o seu digno predecessor, escrevia na sua economia politica: «que todos possam desenvolver-se em condições perfeitamente identicas, eis o que está em desaccordo com qualquer lei fundada na propriedade individual; mas se todo o trabalho, que se tem tido para aggravar a desigualdade das sortes derivando da acção natural d'este principio, tivesse convergido para a minorar por todas as formas, que não destruissem o proprio prin-

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'cipio, se a tendência da legislação fosse a de favorecer á diffusão e não a concentração da riqueza, do auxiliar a subdivisão das massas consideraveis em vez de procurar conserval-as reunidas; não se teria chegado a encontrai; que o principio da propriedade individual tinha uma connexão, fatal com os males physicos e sociaes, os quaes quasi todos os escriptores socialistas affirmam ser ínberentes a este principio.
O grande philosopho inglez do século XIX responde á indicação do philosopho hellenico, cujo sabio o previdente, aviso mais de uma vez tem sido esquecido por ignorancia ou por egoismo das classes sociaes preponderantes.
As luctas mais sangrentas e crueis, que têem agitado a humanidade em todos, os seculos, originam-se n'este esquecimento; desde as terriveis luctas agrarias e às sublevações dos escravos, que agitaram tantas vezes e por vezes amcaçaram o poder da grande republica romana, até á lucta recente e terrivel que ia quasi destruindo uma das miais bellas metropoles do mundo civilisado.
Q nosso seculo tomou em mão este grave assumpto e se não resolveu o problema do pauperismo, tem-no estudado maduramente com um espirito imparcial, e positivo.
E força era que o fizesse, a essencia democratica das sociedades modernas, a igualação dos direitos politicos e sociaes entre os cidadãos havia necessaria e forçosamente por em relevo as desigualdades das suas condições. Que entre o nobre do antigo regimen e villão, quasi servo de gleba, á differença de condi- ções, fosse enorme, eis o que não destoava de uma incommensuravel desigualdade social o politica, nem mesmo irritava o pobre filho do povo, a quem apenas a religião segredava a igualdade n'uma vida futura e eterna; mas que o homem d'este seculo, emancipado social e politicamente, chamado á igualdade e á liberdade por um poderoso movimento scientifico e philosophico, não sinta a desigualdade das condições ou com a intelligencia que busca resolver o problema, ou com a paixão que procure vingar-se de um mal que o atormenta, eis o que era impossivel acontecer.
Demais: ar massa outr'ora obscura, que formava a parto ignorante das sociedades, constitue hoje o nervo da civilisação; do seio do povo irrompem as melhores intelligencias e as supremas capacidades; é d'elle que se elevam, geralmente, os philosophos, os sabios, os estadistas, emfim, os copductores do movimento social.
As classes modernas recrutam os seus elementos na massa popular: as antigas constituiam verdadeiras castas, e entre classe e classe as, relações eram tão pequenas, tão adversas, que no mesmo paiz se sobrepunham, como se fossem raças ou nações diversas.
São os homens que se levantam da massa do proletariado, que serena e scientificamente têem posto e discutido o problema do pauperismo; são elles que conhecem as duras necessidades da pobreza, que venceram com vontade de ferro; são elles, que por sympathia dirigem essa cruzada incruenta, que a todos nos torna solidarios em nome da humanidade.
A questão do pauperismo é complexa e difficil, repitamos ainda, naturalmente não terá jamais uma resolução completa, mas appliquemos á esse estudo a nossa capacidade, empreguemos em seu beneficio a nossa energia, e quem sabe onde poderemos chegar
Quem diria ao servo da gleba da idade media, ao villão do antigo regimen, que em algumas gerações apenas, os seus descendentes seriam homens livres e iguaes aos dos seus senhores?
Da rapida evolução social moderna, resultante, de um prodigioso movimento scientifico e philosophico, ha motivos para esperar muito, pelo muito que já tem produzido.
Trabalhemos; este mundo, dizia Gambetta, é dos que têem enthusiasmo e convicções; fora assim que elle se fizera um doa primeiros homens da França;
O sr. conde de Paris, em um trabalho valioso acercada Situação dos operarios em Inglaterra, corrobora estas nossas affirmações: um remedio unico, diz, o illustre publicista, para todos os soffrimentos da classe operaria (nós • escreveriamos das classes pobres), será a pedra philosophal. A igualação absoluta do trabalho, como a sua suppressão, constituem a quadratura do circulo na economia politica; só não ha uma panacêa, porém, ha muitos remedios mais ou menos efficazes; se não existe uma resolução geral, ha muitas soluções parciaes. Innegavelmente esta sensata opinião é digna de ser abraçada pelos homens amantes da ordem e do socego social, que provém de um justo equilibrio de condições e do bem estar, dos cidadãos.
São estas soluções parciaes, algumas importantissimas, que convem achar, ou que já applicadas n'outros paizes, urge transportar sabiamente para o nosso; são estas soluções, que sem serem lesivas para os justos interesses de alguém, constituem um grande beneficio para muitos, e a diminuição, se não a extincção, do pauperismo.
Estes remedios, estas soluções, são de differente ordem, tendem umas a melhorar as condições hygienicas da habitação das classes desvalidas, a dar ao proletario o suave e salutar goso de uma casa arejada e limpa, onde possa albergar a familia; dirigem-se outras a proteger o desenvolvimento physico e moral das mulheres e das creanças, por vezes enfraquecidas physicamente, e moralmente depravadas na officina; miram outras a associar o salario ao capital, harmonisando-os pela participação de beneficios, ou identificando-os na cooperativa de producção; querem outras, as cooperativas de consumo, dar as substancias necessarias á vida pelo preço da producção, evitando o grande numero de intermediarios, que encarecem o producto, e o tornam de difficil accesso ás pequenas bolsas.
Em uma palavra, illustrar engrandecer, melhorar, arrancar da miseria as classes desvalidas e chamal-as á vida da civilisação, eis o fim d'essas tentativas beneficas, eis a mais bella lucta do nosso grande seculo.
Póde e deve o estado, para obter estes resultados coadjuvar a iniciativa particular, ou acordal-a e infundir-lhe energia o perseverança?
Certamente que sim.
O estado, na sua moderna accepção, como emanação da democracia, isto é, da soberania popular, não póde nem deve assistir impassivel e alheio aos phenomenos da vida social.
Não será porventura em boas condições, productor, commerciante, industrial; a isso se oppõe a sua natureza complexa, a necessaria delegação da sua acção, e sobretudo a ausencia do interesse individual; mas deve manter as relações harmonicas entre as forças vivas e productoras do paiz, e fazer desapparecer, quanto possivel, as irregularidades que se manifestarem no mechanismo social.
É o supremo regulador das funcções sociaes, e pela mesma rasão que sustenta e mantêm o fraco contra o forte, evitando e corrigindo os abusos da força, que protege e garante o tranquillo goso dos direitos dos cidadãos, deve na ordem economica tentar, desfazer as desigualdades flagrantes entre as classes, e fomentar o justo equilibrio das condições, sem o qual a ordem e a paz publica, são apenas superficiaes e sempre sujeitas, a commoções perigosas e violentas.
Taes são as rasões por que apresentâmos este projecto de lei, e instamos pelo da regulação do trabalho das mulheres e dos menores na industria; taes foram as rasões que moveram certamente o governo a nomear uma commissão para estudar entre nós as questões importantes, que deixamos enumeradas.
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Ninguem ignora os modernos processos da economia politica, completamente bascada na estatistica e na investigação, dos phenomenos economicos. A commissão nomeada pelo ministro das obras

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Dizer o muito que, em quasi todos os paizes, se tem feito em relação ao problema das habitações economicas e salubres para as classes pobres, seria avolumar consideravelmente este relatorio, quando aliás ninguem contesta a utilidade do emprehendimento; não nos furtaremos, porém, a expor-vos alguns factos, que certamente contribuirão para esclarecer o assumpto.
A Inglaterra foi o paiz que primeiro se occupou da questão das habitações economicas. A enorme agglomeração de população, que constitue a cidade de Londres, indicou esta necessidade como uma medida de ordem publica e como um preceito de salubridade, porque nos bairros infectos e insalubres da grande capital a mortalidade era consideravel.
No anno de 1878 existiam em Londres 37 entidades, sociedades, individuos e administradores de legados, que tinham levantado novas construcções, ou melhorado-as antigas, na importancia de cerca de 6.707:000$000 réis. As novas habitações, nas melhores circumstancias de salubridade e barateza, albergavam 7:722 familias, compostas de 36:410 individuos de todas as idades e sexos.
Para que se possam avaliar os recursos das grandes companhias constructoras de Londres mencionaremos uma das mais importantes a Metropolitan Association. O mappa seguinte, que se refere á sua administração durante o anno de 1876, envolve todos os elementos necessarios para apreciarmos os seus grandes recursos, e presta-nos alguns dados muito interessantes e uteis :

publicas poderá lançar entre nós as bases da estatistica do trabalho, e fornecer excellentes e positivos elementos para o estudo das questões sociaes. É sabido o que o principe de Bismarck, na sua ultima evolução socialista, tem tentado a este respeito; mas é sempre util repetil-o.
O chanceller começou em 1879 a pensar nas suas leis sociaes e em 1880 fez criar um conselho economico, primeiro só para a Prussia, depois abrangendo nas suas funcções todo o imperio.
A este conselho foi apresentada a primeira lei sobre os seguros obrigatorios contra os accidentes do trabalho. Este assumpto tem preoccupado consideravelmente um grande numero de homens de estado, porque effectivamente a poderosa industria moderna tem sido um sorvedouro de vidas. Comprehende-se que esta questão seja importantissima nos paizes de desenvolvida industria, como a Inglaterra, a França e a Allemanha. De facto, na Allemanha, por exemplo, o inquerito feito cm 1882, salvo erro, durante a discussão da lei sobre seguros, provou que, em 93:554 fabricas occupando 1.615:253 homens e 342:295 mulheres, se tinham dado em quatro mezes 29:574 accidentes, dos quaes 742 fataes ou causando incapacidade absoluta de trabalhar.
Por estas rasões, e tambem por um plano de unificação politica dos membros um pouco desconnexos e antinomicos do imperio, o principe de Bismarck em 1881 apresentou ao conselho economico o seu primeiro projecto de lei sobre os seguros obrigatorios contra os accidentes do trabalho.
Segundo este projecto todos estes operarios da industria, cujo salario fosse menor de 450$000 réis por anno, eram obrigados a segurar-se para no caso de accidente serem tratados e pensionados durante a doença, e sobrevindo a morte deixarem uma pensão á viuva e aos filhos.
Os assalariados n'estas condições eram divididos em duas categorias:'
3.º Os que tivessem salario inferior a 168$000 réis; n'este caso a quota era paga metade pelo patrão e metade pela assistencia publica.
2.° Os que tivessem salario superior a 168$000 réis; ir este caso a quota era paga dois terços pelo patrão e um terço pelo operario.
Como garantia d'esta vasta tentativa creava-se um seguro imperial, que podia tambem ser segurador de vida e contra accidentes para os assalariados, que excediam o limite do seguro obrigatorio.
O conselho economico transformou um pouco este projecto, concentrando-o mais na mão do estado e creando em vez de duas tres categorias.
1.ª Salarios inferiores a 168$000 réis; quota paga dois terços pelo patrão e um terço pelo estado.
2.° Salarios entre 168$000 e 225£000 réis; quota paga dois terços pelo patrão e um terço pelo operario.
3.º Salarios entre 225$000 e 450$000 réis; quota paga metade pelo patrão e metade pelo operario.
Este projecto, submettido ao Reichstag, depois de longa o tempestuosa discussão foi rejeitado ou adiado.
Mas como o chanceller de ferro não é homem para abandonar uma idéa maduramente estudada, principalmente quando tambem encerra um meio de solidificar a sua grande obra politica, em 1882 foi apresentado ao Reichstag novo projecto de lei sobre o mesmo assumpto.
Este segundo projecto desenvolve e melhora as condições do primeiro, entre outras cousas creando uma repartição especial de estatistica do trabalho, que deve investigar e compendiar, dados valiosos sobre as condições sociaes e materiaes, variação d'estas condições, suas causas, e alimentação nas classes trabalhadoras.
O principe de Bismarck propõe-se acordar a iniciativa individual em beneficio das classes pobres, creando excellentes elementos acerca do trabalho, para a elaboração scientifica e positiva das suas leis sociaes, cuja execução será fiscalisada por meio de inspectores especiaes.
Este plano do grande chanceller tem uma grande importancia economica, com quanto reconheçamos o que n'elle ha de politico e conservador.
Uma outra lei sobre seguros obrigatorios contra as doenças, tambem da iniciativa do chanceller, deve começar a vigorar no presente anno.
Se o operario é obrigado a segurar a saude, mediante um premio que vae de 1,5 por cento a 2 por cento do salario e varia com os sexos e com as idades, são tambem as communas, nos pontos onde não existem sociedades de soccorros mutuos, forçados a crear caixas de soccorros, sustentadas pelos fundos communaes.
Eis em brevissima resenha os planos do principe de Bismarck, interessantissimos na sua essencia e dignas de um profundo estudo, que certamente lhe dedicará a commissão nomeada pelo ministro das obras publicas

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[Ver tabela na imagem]


Na Hollanda, em 1877, existam 31 sociedades com identico fim, que tinham construido ou melhorado 2:172 habitações; no mappa que se segue vão compendiados alguns elementos muito interessantes com referencia a algumas d´essas sociedades contructoras.

[Ver tabela na imagem]

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Na capital da Dinamarca, em Copenhague, iguaes, esforços se fazem no mesmo sentido, dando-se habitações baratas a 1:554 familias, compostas de 7:523 individuos
[ver tabela na imagem]
Sociedades Typos das casas Numeros das habitações Uma e cozinha Duas casas e cozinha Total Numero de familias Rendas annuaes Habitação maior Habitação menor Numero de pessoas Preço de uma habitação
Na Belgica as commissões de beneficencia começaram em 1860 o seu bello trabalho em favor das classes desvalidas. O bairro Stuivenberg, proximo de Antuerpia (Anvers), tinha, em 1868, 167 casas em magnificas condições (numero mais tarde elevado a 297) na sua quasi totalidade independentes e com jardim, que custaram cêrca de réis 216:000$000.
Em 1852, dos 10.000:000 de francos,(1:800:000$000 réis) applicados pela França para beneficiar as classes operarias, 360.000$000 réis foram empregados na construcção de 17 casas para operarios no boulevard Mazas, e cerca de 384:000$000 réis foram concedidos em subvenções a companhias e a individuos constructores.
No grande centro industrial de Mulhouse formou-se em 1853 uma sociedade constructora de casas economicas para operarios.
As primeiras casas construidas por estas sociedade custaram entre 360$000 réis a 540$000 réis, sommas engrossadas depois pelo augmento de preço de materiaes e de commodidades.
Esta sociedade tem construido mais de 1:000 pequenas casas nas melhores condições technicas e hygienicas, que importaram em 720:000$000 réis e são habitadas por mais de 7:000 pessoas.
Em vista do bom resultado da tentativa o governo francez subsidiou tarde esta sociedade com 54:000$000 réis, que foram empregados em melhoramentos de interesse commum, taes como banhos lavadouros, escolas , etc.
Um grande numero de cidades francezas patrocinou a construcção das casas baratas, já subvencionando directamente as companhias, já tomando a seu cargo as obras das ruas, canalisações, etc., etc.
Seguindo este movimento das nações da Europa, vê-se que nem uma só d´entre as mais civilisadas tem deixado de pesar este problema e de tentar alguns esforços, mais ou menos proficuos, mais ou menos corôados de bons resultados em favor de um principio, que constitue um dos melhores elementos da ordem publica, da salubridade e da riqueza das grandes cidades ou centros de população. A propria iniciativa particular tem-se distinguido, e alguns dos grandes industriaes comprehenderam a vantagem de se cercarem de operarios são e instruidos. Salt, um grande e rico industrial de Bradfort, A Kroid e Crossley, de Halifax, deram em Inglaterra o primeiro impulso á construcção das casas para os operarios das suas fabricas.
Em França, como exemplo do que póde conseguir a iniciativa particular, quando dirigida pelo louvavel empenho de contribuir para o bem estar das classes pobres, citaremos apenas o familisterio de Guise.
Godin, proprietario de grandes officinas de fundição de metaes proximo de Guise, emprehendeu a construcção vastas e commodas habitações para os seus operarios.
As construcções, situadas na margem do rio Oise, compõem-se de tres grandes edificios principaes, rectangulares e de quatro andares.
Na parte central de cada um d´estes edificios um vasto pateo, especie de clausto coberto por grande vidraças, dá luz e ventilação aos differentes andares; servindo ao mesmo tempo de salão e de logar reservado para as creanças brincarem em dias humidos e chuvosos.
Estes tres grandes edificios albergam cerca de 1:200 pessoas, ou de 400 familias, em excellentes condições de salubridade, commodidade, segurança e economia.
As escadas construidas de ferro e beton, perfeitamente incombustiveis, a abundancia de agua, levantada do Oise por grandes machinas, a disposição interior das divisões separadas de espaço a espaço por grossos muros, tudo contribue para a completa segurança dos numeros locatarios de cada um dos edificios.
As substancias alimenticias e indispensaveis para a vida são fornecidas aos inquilinos pelo preço da sua producção; o gaz, a agua são-lhe facultados gratuitamente, bem como os remedios e os cuidados de um medico, que duas vezes por dia visita o familisterio.
Duas especiaes do alojamentos existem para arrendar : os maiores formados por quatro quartos e dois gabinetes, os menores por dois quartos e um gabinete; variando os preços segundo o andar, mas conservando-se sempre muito baixos:

Francos Réis

Aluguer de 1 metro quadrado (mensal)
Subterrancos 0,10 18
Rez do chão 0,26 47
Primeiro andar 0,.29 52
Segundo andar 0,26 47
Sotão 0,10 18
As construcções principaes são acompanhadas por um grande numero de annexos: edificios para banhos frios e quentes, bibliotheca, theatro padaria, talhos, armazens de todas as especies, e, finalmente, tudo quanto se póde imaginar mais perfeito e completo para a creação e desenvolvimento physico e moral das creanças, filhos dos locatorios.
Casas (nourriceries) em que durante o trabalho as mães guardam os filhinhos em excellentes berços, sob a vigilancia de uma inspectora; outra (bambinats) para as creanças de seis mezes a dois annos, e de dois a quatro annos; escola graduadas para creanças de quatro a seis annos; de seis a oito annos, de oito a dez annos e de mais de dez annos.

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Todo este bello conjuncto custou apenas :

Réis
edificações principaes 198:000$000
annexos 54:000$000
e conserva-se sob a vigilancia activa e philantropica do seu intelligente creador o sr. Godin !

Exemplo raro do amor do proximo, lição proveitosa do aproveitamento do principio, da associação que dá a umas centenas de familias, a abundancia, o socego, e mesmo as commodidades, que parecem ser partilha apenas dos ricos e afortunados!
Santa e boa communidade, que faria estremecer de jubilo o grande philosopho do phalansterio, Fourier, se elle podesse ver a esplendida realisação de uma parte da sua generosa idéa, da sua famosa utopia!

Factos d'esta ordem podiam ser citados em diversos paizes, em que as poderosas companhias ou grandes industriaes comprehenderam a conveniencia de facultarem a habitação, o sustento o mesmo a educação aos seus opera-

rios; conveniencia que se traduz por um lado em maior perfeição e utilidade do trabalho e por outro nas ligações benevolas e affectuosas entre patrões e operarios, entre o capital e o salario.
Entre nós alguma cousa se tem feito igualmente; a timidez dos nossos esforços mais se deve attribuir ao pequeno, desenvolvimento das nossas industrias, á exiguidade do nosso capital industrial, do que ao esquecimento das necessidades das classes desvalidas.
A companhia lisbonense de fiação e tecidos desde 1873 que encetou este humanitario assumpto, fazendo construir n'esse anno um pequeno grupo de casas para habitação dos seus operarios.
D'então para cá a companhia tem levantado outros grupos, que actualmente albergam 49 familias, formadas de 186 pessoas.

Esta generosa tentativa, uma das primeiras se não a unica entro nós, merece especial menção e cordial incitamento, por isso reunimos no mappa seguinte alguns elementos, que lhe dizem respeito durante o anno de 1883.

[ver tabela na imagem]
Grupos e anno de construcção Area occupada Em pateos Metros Na construcção Metros Valor Do terreno(a) Da construcção Total Renda bruta Percentagem da renda bruta Encargos Conservação Imposto Total Renda liquida Percentagem da renda liquida Superficie coberta Metro quadrados Preço do metro coberto Numero De familias De individuos

Deve observar-se que a companhia, como é justo, reserva as suas casas para os operarios mais antigos e distinctos, preferindo-as aos inquilinos estranhos, os quaes aliás lhe poderão dar superiores vantagens; assim, as rendas mensaes são mais elevadas para estes, do que para aquelles.
As casas são, em geral, relativamente amplas e commodas, e as rendas, assás economicas, são fixadas mensalmente segundo a tabella seguinte:

1.º grupo: Para operarios Para estranhos
1 - Loja 1$200
4 - Lojas 1$400 3$500
4 - Primeiro andar e sotão 3$200 3$500

2.º, 3.º e 4.º grupo:
12 - Lojas 234002$800

12 - Primeiros andares 2$700 3$000
12 - Segundos andares 13800 2$000

5.º grupo:
l - Rez do chão 3$500 5$000
l - Primeiro andar 3.$600 4$000
1 - Primeiro andar 4$000 4$000
2 - Segundos andares 2$800 3$200
D´aqui se deprehende que a companhia poderia auferir resultados financeiros superiores aos que aufere se não preferisse, muito intelligentemente, alugar as suas casas aos empregados da fabrica; sendo certo, por outro lado que as casas, já pela sua posição, já pela sua relativa barateza, são muito procuradas.

Não deixaremos de consignar n'este ponto o louvor quo merece, a tentativa da companhia, e como representantes do povo, que somos, em nome d'elle dar o justo e merecido valor a tão util emprehendimento, fazendo votos sinceros para que a companhia desenvolva e augmento ainda as suas construcções, creando os annexos indispensaveis para completar a sua bella obra.

Ao governo aconselharemos e recommendaremos, que em tentativas d'esta ordem leve sempre a sua poderosa protecção até onde foi util e conveniente, e pelas formas que julgar mais praticas e exequiveis .

Expostas aquellas generalidades e apresentados estes factos, que pareceram dignos de menção já para esclarecer a essencia do assumpto, já, e principalmente, para demonstrar, como tem sido cuidado nas mais cultas nações; vamos succintamente apreciar os diversos elementos do projecto.

A concessão do n.º 1.º do artigo 1.º, a isenção do imposto predial por vinte annos, é assás importante, como vamos demonstrar.
A nossa legislação sobre contribuição predial exclue do pagamento do respectivo imposto, durante o periodo de cinco annos, as casas de renda inferior a 50$000 réis em Lisboa e Porto; n'estas cidades, portanto, o projecto de lei não concede realmente isenção senão por quinze annos; todavia entendemos que, por varias circumstancias, as companhias ou emprezas deverão escolher para as suas con-

1 N´este ponto devemos agradecer á illustrada direcção da companhia. os elementos, que nos forneceu com a maior franqueza. Oxalá que similhante exemplo de confiança e de intelligencia tenha imitadores, e que todos nos comprehendamos quanto é util contribuir com dados positivos e experimentaes para o estudo das questões de interesses publico, que se debatem no parlamento.

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strucções legares fóra do ambito das cidades, embora nas suas immediações. N'estas condições não lhes aproveitaria actual disposição particular ácerca de Lisboa e Porto.
Estudemos, pois, a questão já em relação a Lisboa, já em relação aos concelhos limitrophes de Belem e Olivaes.

Como todos sabem o imposto predial entre nós é ainda de repartição, isto é, o parlamento vota annualmente o total do imposto, que deve recair sobre o rendimento predial collectavel e divide-o pelos differentes districtos administrativos do continente e ilhas adjacentes.

Ás juntas geraes em cada districto compete depois a divisão do contingente predial do districto pelos varios concelhos, que o constituem : assim para o districto de Lisboa temos, considerando apenas os tres concelhos que nos interessam :

das, soffreu em 1883 em beneficio do fisco uma redacção de 14,582 por cento; por cada 100$000 réis do renda o proprietario pagou 14$582 réis de imposto predial.

A isenção concedida ás companhias ou em prezas constructoras é, pois, assás importante, tanto mais quanto a tendencia das percentagens definitivas é, por varias rasões, para augmentar; entre ellas a do augmento dos addicionaes do districto, que este anno se elevam já a 17 por cento da percentagem primitiva, e que sem duvida se elevarão successivamente até 25 ou 30 por cento, como limite maximo. Deve alem d'isso observar se que o municipio de Lisboa não se utilisou ainda, como mais cedo ou mais tarde se verá forçado a fazer, da auctorisação que as leis lhe conferem de lançar addicionaes sobre os impostos directos, e portanto sobre o predial.

Com referencia aos dois concelhos de Belem e Olivaes, iguaes considerações se podem fazer; em relação ao anno de 1883 teremos:

[ver tabela na imagem]

Comparando em cada concelho o valor total do rendimento collectavel predial, com o respectivo contingente (a que aliás se somma o valor das annullações e se subtrahe o das collectas supplementares do anno transacto) chega-se á percentagem primitiva, isto é, á que se deve applicar a cada rendimento, para que o producto de todos elles preencha o contingente exigido por lei ; como a principal receita dos districtos provém de addicionaes ás contribuições directas, portanto á predial, cobrados conjunctamente com a do estado, junta-se á percentagem primitiva a correspondente aos addicionaes districtaes e determinam se as percentagens de repartição, que têem sido :

[ver tabela na imagem]


Devemos, todavia, considerar n'este caso que tanto a camara de Belem como a dos Olivaes, para a sua receita propria, têem lançado addicionaes sobre os impostos directos, addidonaes que se elevaram :

[ver tabela na imagem]


Como estes addicionaes vão recair sobre a percentagem primitiva, chegaremos áquelle que em ultima analyse feriu o rendimento collectavel n'estes dois concelhos:

[ver tabela na imagem]

Cumprindo advertir, como já observámos, que comprohendem os addicionaes districtaes, que no districto de Lisboa se elevaram :

1879 10,5%
1880 10,5%
1881 13,0%
1882 13,0%
1883 15,0%
1884
Para esclarecer bem este assumpto, tomemos, por exemplo, as percentagens de 1883 e vejâmos como de facto feriram o rendimento collectavel dos concelhos, que nos interessam; temos para Lisboa :

Percentagem primitiva 11,827
15% addicionaes do districto 1,774
Percentagem de repartição 13,601
Sêllo 2% d´esta percentagem 0,272
6% addicionaes sobre a primitiva (lei de 1880) 0,709
Percentagem definitiva 14,582

Isto é, em Lisboa o rendimento collectavel das casas que sendo de arrendamento se composta no valor das ren-
Tomando, pois, como base o anno de 1883, acompanhia ou empreza constructora de casas economicas terá pela isenção do imposto predial seguinte beneficio:

por 100$000 réis de renda
Lisboa, 45$58
Belem, 20 annos 16$480
Olivaes, 20 annos 14$700
devendo estas sommas ser consideradas como um limite minimo, porque não attendemos aos addicionaes parochiaes que para a instrucção publica se podem elevar a 3 por cento da percentagem primitiva e ás congruas, devendo alem d´isso o crescente desenvolvimento das despezas geraes, districtaes e municipaes, necessaria e successivamente engrossar de anno para anno as percentagens definitivas.
O numero 2.º do artigo 1.º, comquanto não dê para as companhias ou emprezas um beneficio tão avultado como o precedente, não deixa todavia de ser muito attendivel;

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effectivamente o imposto de registo offerece actualmente a seguinte percentagem, definitiva:

porcentagem primitiva 8,400
2 por cento de sêllo 0,168
6 por cento addicionaes sobre a primitiva 0,504
percentagem difinitiva 9,072

São, pois, as companhias ou, emprezas beneficiadas com a somma do 9$072 réis, que deixam de pagar por cada l00$000 réis applicados á compra de terrenos.
Esta isenção póde elevar-se a quantias assás importantes, conforme o custo dos terrenos; nós suppomos que este custo por metro, deve variar de 200 réis a 500 réis, se se escolherem terrenos em boas condições para a construcção dos bairros ou grupos de casas, e consideramos boas condições entre outras, o afastamento dos centros e a compra de grandes tratos de terra em vez de pequenas parcellas ; o hectare extra-muros não o avaliâmos em mais de 2:000$000 réis e intra-muros cm mais de 5:000$000 réis nas melhores condições de altitude, igualdade de superficie, exposição, etc.
A companhia que edificou o bairro de Campo de Ourique em terrenos situados optimamente, comprou-os a cerca etc 210 réis o metro quadrado; seja, porém, qual for o custo dos terrenos a isenção do imposto de registo não deixa de ser um importante beneficio.
A concessão de madeiras das matas nacionaes, que se faz no n.° 3.° do artigo 1.°, é tambem importantissima, como vamos provar.
Em primeiro logar devemos dizer que das nossas matas a unica, que póde fornecer boa madeira em volume consideravel, é a de Leiria; a essa, portanto, circumscreveremos os nossos raciocinios e exemplos.
A madeira de Leiria é facil e economicamente transportavel para Lisboa pela via maritima; levada ao porto de S. Martinho pelo actual tramway póde mesmo ser embarcada para o Porto em boas condições; se como nos parece a madeira de Leiria, dever ser preferida á dos pinhaes de Foja e do Urso, o primeiro assás pequeno e o segundo muito novo, que póde ser embarcada na Figueira da Foz.
Segundo os dados officiaes obtidos da repartição correspondente, o pinhal de Leiria poderá fornecer annualmente cerca de 3:000 metros cubicos de madeiras limpas e em tóros ás companhias constructoras. É já um volume assás rasoavel.
Vejâmos agora, se, por nm exemplo, podemos determinar o beneficio resultante da concessão da madeira nas condições do projecto de lei.
Segundo informações officiaes, podemos ter como muito exactos os seguintes dados para l metro cubico do madeira em tóros:
Matagem (compra ao estado; preço da ultima praça) 2$010
Factura, descasques e transporte até ás guardas 1$000
Transporte das guardas até Lisboa 2$180
5$190
Isto é, l metro cubico de madeira de Leiria em tóros limpos e descascados, postos era Lisboa, custa cerca de 5$200 réis, ou, admittindo o abatimento de 25 por cento sobre a malagem concedido no projecto, cerca de 4$700 réis.
Um tóro de diametro de Om,312 na secção media, e 2m,64 de comprimento, cujo volume é de Om3,202, produz cortado por sete fios :

Volumres
4 tábuas [4 (0,055x0,22x2,64)] 0m3,127
4 costaneiras 0,075
0,202

sendo a despeza com a serração de 2m,64X7X2 =370 réis.
Como a relação do volume das tábuas (Om3,127) para o do tóro (Om3,202) é de l para 1,59, teremos que lm3,7 de madeira, se altribuirmos 0,11 para perdas, produzirá:

Volumes
31 tábuas (0,055X0,22X264) l.m3,000
31 costaneiras 0,590
Serração, perdas, etc 0,110
1,700

sendo n'este caso a despeza de serração:

0,202:370:: 1,59:x=2$915 réis

As 31 tábuas, e as 31 costaneiras, da madeira de Leiria custarão, pois, em Lisboa, com a reducção da matagem:
Madeira posta em Lisboa (1,7X4$700) 7$990
Serração 2$915
10$905
No commercio as tábuas de pinho das dimensões apontadas, custam cerca de 4$500 réis a duzia, as costaneiraa 1$800 réis a duzia, isto é, teremos:
lm3 de tábuas, 31 11$625
0,59 de costaneiras, 31 4$650
16$275

Comparando estes dois preços obteremos os seguintes resultados:
Commercio De Leirla Economia
1m3 de tábuas, 31 ll$625 7$790 3$825
de costaneiras, 53 7$880 5$280 2$600
19$505 13$070 6$435

Estes raciocinios, que muitos julgarão elementares e outros porventura indignos de um relatorio parlamentar, mostram a importancia da concessão feita pelo estado; pareceu-nos util apresentar estes elementos para completo esclarecimento de um assumpto por mais de uma face importante, e para accentuar bem que as companhias tirarão d´aqui um beneficio não inferior em media a 3$000 réia por metro cubico de madeira, o que julgâmos, importante.
Para evitar a fraude nas requisições consignâmos no projecto um meio de fiscalisação, que nos pareço producente; de facto as companhias podiam requisitar grandes porções de madeira e com ellas negociar com grande lucro; evita-se isto, porém, obrigando-as, conforme a clausula (b) do n.° 3.º do artigo 1.°, a declarar os typos de casas, que pretendem construir com a madeira requisitada.
Como se sabe de antemão qual é o volume de madeira empregado em cada casa, facilmente se comprehende que as fraudes não poderão ser importantes.
De resto, como é sabido, não convirá empregar o pinho, ainda mesmo o bom pinho de Leiria, em todos os elementos das casas; assim por exemplo é mais economico pela duração construir os vigamentos de pitch-pine, e de flandres (casquinha) as portas e janellas; em todo o caso as companhias vendendo as madeiras de Leiria realisarão beneficios, que lhes compensarão o excesso de preço d'estas duas qualidades de madeira (pitch-pine em vigas, preço medio 13$000 réis o metro cubico, e flandres em vigas, preço medio ll$500 réis o metro cubico.
1 A serração é feita geralmente por empreitada, e regula cada fio de

1 metro corrente {De 20 a 30 centimetros de altura - 20 réis.
{De 30 a 40 - 30 réis
{De 40 a 50 - 50 réis.

11.

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A concessão do artigo 2.º é assás clara, por isso nada acrescentaremos sobre este assumpto, alem de affirmarmos que em muitos paizes a ultima parte d'este simples artigo tem sido sufficiente para attrair os capitães para a construcção de casas economicas.
Estes, beneficios concedidos pelo estado, têem de ser reciprocamente compensados pelas emprezas ou companhias.
Esta compensação não se estabelece directamente, mas indirectamente já nas boas condições das novas casas proporcionadas por alugueres economicos, já pela transformação dos inquilinos em pequenos proprietarios. A não se dar esta reciprocidade de serviços a protecção do estado não se comprehenderia, nem se harmonisaria com a moderna liberdade de industria e de commercio.
O n.° 1.° do artigo 3.°, refere-se ao maximo, da renda; sem a determinação d'este maximo, não só poderiam ser exploradas as classes pobres em nome de um sentimento generoso, genero de hypocrisia mais vulgar do que se imagina, mas o estado ia proteger um concorrente terrivel aos actuaes proprietarios.
O maximo da renda foi calculado pela fórma seguinte:

Taxa do capital 6,000 %
Amortisação 1,226 "
Seguro de fogO 0,l67 "
Conservação 0,609 "
Renda 8,000 "

A amortisação foi calculada em trinta annos, capitalisação semestral e na taxa de 6 por cento; equivale isto a suppor que uma casa dura apenas trinta annos, o que, como é sabido, está muito abaixo da verdade.
O seguro do fogo é exactamente o pedido pela companhia Fidelidade.
N'este ponto devemos observar que uma poderosa companhia constructora e exploradora, póde constituir-se em seguradora dos seus proprios predios, e auferir ainda por este meio beneficios mais ou menos importantes.
Emquanto á conservação deve entender-se que n'esta percentagem apenas comprehendemos a conservação propriamente dita, porque as grandes reparações periodicas ficam attendidas na verba da amortisação; effectivamente tanto faz suppor que no fim de trinta annos a casa está inhabitavel, e que a companhia embolsou a importancia despendida, alem do seu juro annual de 6 por - cento; como admittir que durante os trinta annos, ou no fim d´elles, foi reparada, achando-se em perfeito estado de conservação ao findar aquelle periodo.
Basta considerar os elementos da renda para concluirmos que foi calculada com sufficiente largueza para garantir ás emprezas um juro remunerador do seu capital, devendo notar-se ainda que ha outras origens de receita alem da renda, como adianto mostraremos.
Comprovaremos a nossa asserção com alguns factos, que mais alto fallam do que muitos raciocinios e calculos.
A associação de beneficencia de Antuerpia (Anvers) lançou em 1864 os fundamentos de um novo bairro, o de Stuivenberg, construindo até 1868 167 casas, que importaram em 102:000$000 réis.
Eis como se divide o rendimento d´esta somma.

Rendimento liquido (4,91% do capital 5:043$060
Impostos predial 318$536
Pessoal 668$335 1:059$615
Bombeiros 72%144

Seguros 36%000

Despeza. com a limpeza 90$000
com a gerencia 90$000 234$000
com a fiscalisação 54,$000

Rendimento bruto 6:372$675

O rendimento bruto é, pois, apenas 6,21 por cento do capital empregado.
Os auctores d'onde extrahimos estes dados, fazem notar que n'este rendimento bruto não estão comprehendidas verbas para amortisação e reparação, e acrescentam que para este effeito seria bom reservar l por cento do capital empregado 1.
Segundo o nosso calculo para reparação e amortisação, concedemos até 1,833 por cento, quasi o dobro do que elles propõem.
Admittindo, pois, o nosso maximo de 8 por cento o rendimento liquido, do capital teria sido de 6,7 por cento, suppondo que a verba do imposto, que, em Portugal não pagam as companhias, era applicada para amortisacão e reparacões.
Em Nivelles, proximo de Bruxellas, outra associação de beneficencia construiu algumas casas cada uma das quaes custem 291$920 réis.
A renda foi fixada pela seguinte, fórma:

4 por cento sobre o custo (rendimento liquido) 11$678
Aluguer de 1,5 ares de terreno $405
Seguro contra incendio $5087
Conservação l$350
Renda annual 13$520

N'este caso a renda constituia apenas 4,61 por cento do capital.
A sociedade Silva, Esteves, Lopes & C.ª que construiu o pequeno bairro de Campo de Ourique tinha em 1880 elevado construcções na importancia de 56:577$357 réis obtendo:

Rendimento bruto 3:292$800
Encargos Impostos 425$656
Seguros 71$656
Conservação 139$773 673$075
Rendimento liquido 2:655$715

Assim o rendimento liquido representava 4,694,por cento do capital empregado e ter-se-ía elevado a 5,445 por cento se a sociedade fosse isenta do pagamento do imposto predial.
A actualmente sabemos que o producto bruto das casas construidas pela referida sociedade, hoje dissolvida, é muito superior ao de 1880, e que portanto a taxa da renda liquida se deve ter elevado consideravelmente 2.
A companhia lisbonense tira das suas casas o seguinte resultado:

Rendimento bruto l:508$400
Encargos Conservação 150$840
Impostos 248$890
Seguros 30$395 430$l25
Rendimento liquido l:078$275

O rendimento liquido representa, pois, cerca de 5,2 por cento do capital despendido, 20:630$000 réis.
E n'este ponto devemos observar que a conservação das casas é assás elevada; representando l0 por cento da renda bruta, o que é devido a menos boa construcção de alguns grupos.
Se a companhia fosse isenta de imposto, o rendimento liquido elevar-se-ía a 6, 105 por conto do capital empregado.

l As habitações operarias, por Muller e Cacheux. París, 1879, pag. 73. Obra recommendavel.
2 Os elementos sobre as construções d´esta sociedade foram nos obsequiosamente commicados pelo sr. conductor Nepemuceno da Silva, a quem agradecemos.

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Algumas considerações se podiam fazer também relativamente nos resultados das construcções da Metropolitan association; parece-nos, todavia, que os exemplos citados são sufficientes e corroboram a nossa asserção sobre a largueza do maximo da renda.
Por outro lado as companhias podem tirar vantagens importantes da construcção das casas, que excedem a renda protegida pelo estado, já por conta propria para arrendar, já por conta de particulares. Esta questão é importante se tivermos em vista que uma empreza d'esta ordem, devendo ter montadas e desenvolvidas grandes oficinas, póde alem de tudo constituir uma poderosa companhia constructora.
O excesso de valor proveniente para os terrenos adquiridos não é questão tambem para desprezar. O valor do metro quadrado em resultado da abertura das ruas (aliás construidas e catalisadas pelas camaras) e das construcções póde ascender ao decuplo e ainda mais do seu valor primitivo; basta, pois, que a companhia seja auctorisada a vender até á decima parte dos terrenos adquiridos para cobrir, se não exceder, a quantia total da compra.
Depois deve observar-se que, passado o praso de vinte annos, cada casa ou habitação entra no regimen da liberdade; então a companhia poderá elevar a renda como lh'o permittirem as circunstancias do mercado, quando por outro lado, observe-se, construiu muito mais barato do que o podem fazer os que não estiveram nas suas condições.
Este ponto parece-nos muito digno de ser considerado, muito embora não possa ser esclarecido com exemplos ou dados positivos.
Uma origem muito importante de receita é a que se deriva do n.° 2.° do artigo 2.°; effectivamente supponhamos uma casa, cujo custo comprehendendo o valor dos terrenos se elevou a 360$000 réis, e que o locatario escolhe o periodo de vinte e dois annos (capitalisação trimestral) para se tornar proprietario d'ella; terá elle de pagar:

1.ª Renda (8 % de 360$000 réis 28$800
2.ª Amortisação (2,213 % de 396$000 réis) 8$765
Somma annual 37$565

Isto corresponde a alienar a companhia um valor de réis 360$000 pela seguinte fórma:

Renda do capital (7,221 %) 25$995
Conservação (1,000%) 3$600
Amortisação (2,213 %) 7$970
10,434% 37,$565

Isto é, o resultado da operação é a garantia de uma renda superior a 7%, com amortisacão em oitenta e oito trimestres (vinte e dois annos) suppondo que a conservação custa annualmente 1% do capital, ou cerca de 14 % da renda (7,221) percentagem que se deve ter por muito elevada.
A disposição consignada na clausula (b)d´este numero parece-nos muito justa e rasoavel.
A grande mira, que deve ter o estado em concessões d'esta ordem, é primeiro que tudo em transformar os proletarios, em pequenos proprietarios, proporcionando-lhes ao mesmo tempo habitações salubres, commodas e baratas; incital-o n'este sentido é insufflar-lhe os principios da ordem e da economia, que constituem a melhor garantia do socego e um poderoso elemento de capitalisação da riqueza nacional.
Os contratos de venda a homens de poucos meios não podem deixar de se fazer, por amortisação em largos prasos, d'ahi o receio fundado da perda do capital por qualquer circumstancia fortuita, principalmente pela morte. Tudo, pois, quanto afaste esse receio, constitue, a nosso ver, um incentivo energico para a economia das classes proletarias.
A clausula (b) dá ainda ao contrato de venda o aspecto sympathico e attrahente de um seguro de vida; supponhamos, por exemplo, que um chefe de familia contratou com a empreza a compra de uma casa de 360$000 réis em vinte e dois annos, n'este caso terá de pagar trimestralmente 2$195 réis, se vier a fallecer no fim devinte annos, tendo pago oitenta prestações, nem a familia perde por este facto o seu capital, se hão póde sustentar o seu contrato, nem a empreza deixa de auferir um legitimo interesse; temos effectivamente que no fim de oitenta trimestres a quantia de 2$195 réis produz:

Capitalisada a 6 por cento 335$240
Capitalisada a 3 por cento 239$255
Differença 95$985

A empreza entregando á viuva ou ao legitimo herdeiro do fallecido a somma de 239$255 réis, embolsará a differença das capitalisações funccionando como verdadeira seguradora de vida. Parece-nos esta clausula muito conveniente, portanto, não só em vista dos fins, que o estado se propõe attingir, mas ainda das emprezas, visto que estes contratos de venda lhes são vantajosos. Claro é que o não cumprimento das restantes condições do contrato envolve ou uma certa multa (como, por exemplo, pela demora da renda), ou a perda das annuidades; o que em ambos os casos reverte a favor da empreza.
A condição do n.° 3.° temol-a tambem como muito importante para a empreza e para o locatario; porque, se os pequenos capitães concorrerem - e devem concorrer se a taxa do juro não for muito inferior, á taxa normal - poderá a empreza desenvolver as suas construcções com um capital, mais barato sem duvida do que recorrendo ao credito por emissão de obrigações; são conhecidos os resultados surprehendentes do emprego das grandes massas de capitães, applicados em Inglaterra, provenientes do penny do operario; por outro lado os depositos serão uma garantia dos rendas para a companhia, e para o locatario a possibilidade de a juntar pouco a pouco com a vantagem do seu correspondente juro; principio essencialmente moralisador e util.
A antecipação das rendas e uma necessaria garantia, para as companhias; mas esta a seu turno deverá permittir o seu pagamento em fracções minimas até um mez, quando menos. Aconselhariamos, porém, o pagamento quinzenal e mesmo semanal, feita a cobrança por agentes da companhia.
A difficuldade do pagamento da renda entre as classes maio pobres (não sendo aliás n´essas que a proporção dos devedores é maior), prevém da sua importancia relativa á feria semanal ou quinzenal.
Deduzir no fim de um mez a importancia de 1$500 ou 2$000 réis, de uma feria de 4$000 ou 5$000 réis, é difficil; e se nos disserem que a economia de 500 réis por semana perfaz aquella somma no fim do mez, responderemos que a economia e a previdencia é tacto mais facil, quanto récae sobre necessidades secundarias ou superfluidades; mas que é difficil, quasi impossivel, quando exige uma restricção das necessidades, impreteriveis. O proletario, que no fim da semana divide o salario ganho com os seu fornecedores a credito, poderá considerar o senhorio como um verdadeiro fornecedor e levar-lhe-ha a sua pequena divida, mas se guardar esta somma ao canto da gaveta a primeira necessidade urgente(e tantas são ellas!) forçal-o-ha a quebrar o seu proposito.
É facto observado que os mezes de renda de casa são os de maior miseria e angustia para as classes proletarias; dividir-lhes, pois, a renda em fracções minimas, pagas adiantadamente, é para ellas um bem e uma segurança para as emprezas.
O n.° 5 não carece de explanações; tem por fim evi-

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tar a sophismação dos melhores principios contidos n'este projecto de lei.
O artigo 4.°, constitue um beneficio em favor dos que por meio de annuidades se quizerem tornar proprietarios das casas ou divisões, que habitarem.
Sendo o praso maximo da venda de vinte e dois annos o mais favoravel para contratos d'esta ordem, porque exige ao comprador menor annuidade, é provavel que a maior parte dos contratos se realise na base d'este praso.
A isenção do imposto predial, sendo por vinte annos, não abrangia, aquelle periodo; entendemos, pois, que para este caso deviamos alargar a isenção, concedendo por assim dizer, um folego de tres annos; a casa que não for contratada n'este espaço, provavelmente não o será jamais.
Por esta fórma não se complica a amortisação com um novo elemento, que a tornava mais oucrosa; e tudo que a similhante respeito se fizer está largamente compensado.
Provavelmente no principio da applicação do systema hão de manifestar se indecisões da parte d´aquelles a quem mais interessa; foi um facto observado em Mulhouse como n'outros pontos; o raciocinio virá depois e fará o recto.
Em Muthouse, por exemplo, o systema de venda é um pouco differente do que propomos, porque o comprador precisa entrar antecipadamente com, a somma de 300 ou 400 francos (54$000 réis ou 72$000 réis); nos primeiros tempos os locatarios desconfiavam dos grandes beneficios offerecidos pelas companhias; mas tempo veiu, e breve, em que o fervor de se tornarem proprietarios das habitações levou muitos mancebos a alistarem-se no exercito, e a offerecer aos paes o producto da substituição para comprarem os pequenas casas em que residiam !
Affirma-se que em dois annos se deram vinte casos d'esta natureza!
A disposição do artigo 5.° constitue tambem um pequeno incentivo para os inquilinos se tornarem proprietarios, das casas que habitam; é um justo premio. dos esforços e da previdente economia do homem pobre.
Realmente o estado devia eximil-os durante o periodo do amortisação do pagamento de qualquer imposto; isto, porém, teria o inconveniente de dar igual protecção, ao que cumpre o seu contrato e áquelle que falta a elle, ou de obrigar o estado a rehaver mais tarde, e por processos difficeis, as quantias indevidamente deixadas de pagar Preferiu-se, pois, outro systema.
Em Lisboa e Porto, como terras de primeira ordem, o imposto sobre a renda de casas, pago pelo locatario, incide apenas nas rendas não interiores a 20$000 réis, sendo a sua taxa definitiva actual de 10 por cento approximadamente.
Nas casas de renda de 20$000 a 40$000 réia, que deverão ser em grande numero, os inquilinos terão, pois, de pagar de 2$000 a 4$000 réis annaes.
O premio concedido pelo estado de se se tomarem proprietarios estará entre os limites de:
1$000 capitalizados a 5 por cento em 14 annos 19$600
2$000 capitalisados a 5 por cento cento em 22 annos 77$000

isto é, sem affectar os legitimos interesses do estado, contribuirá para o fim principal que se tem em Vista: transformar o proletario em pequeno proprietario.
Seria talvez possivel ir mais longe; todavia, contentamos com estas concessões, esperando que a iniciativa particular e o bom senso das classes directamente interessadas a ellas correspondam.
O artigo 6.º envolve uma reserva que tem em vista evitar ainda outra sophismação do espirito d'este projecto de lei.
O estado proporciona ás emprezas os meios d'ellas construirem economicamente, para que as rendas sejam baixas e a compra das casas accesivel ás classes menos abastadas; qualquer outro modo de venda, que não seja o indicado no n.º 2 ° do artigo 2,° do projecto, poderia sem duvida produzir grandes beneficios para as emprezas, mas não satisfazia aos fins da protecção concedida pelo estado; ora os interesses particulares das emprezas protegidas são legitimos e respeitaveis, quando constituirem unicamente o meio da realisação das idéas d'este projecto de lei.
Não nos parecem difficeis de apurar as sommas que deverão ser embolsadas pelo estado, na hypothese de venda não consentida por este projecto de lei.
Os artigos 7.° e 8.° não carecem de explanações.
Emquanto ao artigo 9.° julgâmol-o muito importante.
Concedido ás emprezas não só o beneficio de serem consideradas municipaes as obras das ruas dos novos bairros, mas ainda garantida a compra dos terrenos applicados para ruas e logradomos publicos por metade do seu custo effectivo, seria possivel; embora não seja provavel, um grave abuso.
Como é sabido, a abertura de uma rua em boas condições produz immediatamente um augmento de valor, mais ou menos consideravel, nos terrenos marginaes; assim as emprezas poderiam applicar na construcção das casas economicas uma pequena fracção do seu terreno, exigindo, á sombra da lei, os sacrificios dos municipios.
Eis o que se evita com a disposição do artigo 9.°, sem comtudo privar as emprezas de um beneficio importante, como é o de excesso de valor da decima parte do terreno livre, que póde ser escolhido nos pontos melhor situados.
Temos por esta fórma esclarecido o espirito e a letra do projecto de lei; era este trabalho tanto mais necessario quanto é uma questão nova, que vão ser apresentada ao parlamento portuguez, e mal conhecida ainda pelo publico, que é necessario interessar em tentativas d'esta ordem.
Antes, porém, de terminarmos são nos consentido encarar uma ultima face da questão, que se nos antolha importante, porque, estudando-a não só tivemos em vista esclarecer o parlamento, como nosso fim principal, mas ainda colher todos os elementos que possam sobre ella chamar a attenção publica.
Qual será approximadamente o preço por que póde sair o metro quadrado coberto na construcção de casas economicas em Lisboa e suas cercanias?
Comprehende se que este elemento é de grande importancia, porque, tanto menor for o preço do metro quadrado, menor será a importancia da renda e da annuidade de amortisacão no caso da compra da casa.
Como questão previa convem saber qual o systema de construcção do casas que nos parece preferivel, se o das casas da muitos andares se o das casas de um só morador agrupadas.
O primeiro systema, innegavelmente, póde proporcionar construcções muito economicas; deve mesmo ser preferido em certas condições, quando por exemplo, o terreno é mui caro e correm por conta das emprezas a construcção, a conservação e a limpeza das ruas; em geral, porém, difficulta a acquisição das habitações pelos inquilinos, e obriga os a uma vida intima e commum, quasi sempre inconveniente, não consentindo alem d'isso qua cada familia ou locatario tenha o seu pateo, elemento tão importante para a salubridade das habitações pobres e commodidade dos moradores.
Por estas ultimas rasões, que para nós são decisivas o porque nas construcções realisadas pelas emprezas, que se organisarem sob a protecção d'esta lei, se não dão as condições que indicam a conveniencia do systema das casas de muitos andares, somos de opinião que se deve preferir o segundo systema, isto é, o das casas de um só inquilino, dispostas em grupos; por esta fórma se poderão obter construcções se não tão economicas, pelo menos muito pouco mais despendiosas do que pelo primeiro systema.
Isto posto, vejâmos se por alguns dados podemos deter.

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minar com certo rigor o custo provavel do metro coberto nas suas construcções economicas.
A empreza Silva, Esteves, Lopes e Companhia até 1880 construiu assás economicamente, no bairro de Campo de Ourique um certo numero de casas de andares e barracas, muito superiores aliás em commodidades, grandeza e acabamento áquellas que devem ser construidas nas condições d'este projecto de lei:
A despeza correspondente foi 1:789m2 20 de terreno occupado a210 réis 375$732
Construcção das casas e barracas; comprehendendo a administração téchnica 56:20$625 56:577$357
A superficie coberta em differentes pavimentos era de 6:526m,80; portanto o custo medio por metro coberto elevou-se a 8$670 réis em numeros redondos, ou a 8$610 réis para a construcção propriamente dita.
A Companhia Lisbonense de fiação e tecidos, como se deprehende do mappa que anteriormente apresentamos, obteve construcções por um preço ainda mais diminuto:

Despendeu em terrenos 933m2X2$000 réis 1:866$000
Construcção 18:200$000
20:066$000

Sendo a superficie coberta, nos differentes pavimentos, de 2:722 metros quadrados, a despeza com o metro coberto foi apenas de 7$175 réis, ou de 56$685 réis, não entrando em linha de conta, com o valor do terreno. Deve observar-se que a construcção das casas da companhia, principalmente, dos quatro primeiros grupos, deixa alguma cousa a desejar, o que obriga a uma conservação annual despendiosa, e até certo ponto explica a extrema economia da construcção d'aquelles grupos relativamente ao quarto, muito melhor construido
Em vista d'estes factos, que exclusivamente apresentâmos, por serem nacionaes, porque aliás ser-nos-ía facil exemplificar com o preço de construcções d'esta especie em paizes estrangeiros, e considerando os beneficios concedidos, pelo estado ás emprezas, suppomos, sem grave receio de erro, que ellas póderão elevar casas agrupadas em excellentes condições por 7$500 réis a 8$000 réis o metro coberto, comprehendo o valor do terreno.

Se, como não é provavel, a tentativa d'este projecto de lei não produzisse effeito algum, então aconselhariamos a formação de uma empreza constructora á similhança das buildings societies inglezas.
Sem por fórma alguma quereremos entrar n'um desenvolvido estudo, que aliás deverá ser, feito antes de se tentar uma empreza d'esta ordem, daremos uma succinta idéa do que são estas sociedades em Inglaterra onde o seu numero em 1875 execdia 3:000.
A building-suciety, sociedade constructora, é formada por um certo numero de individuos, que semanalmente contribuem com uma pequena somma a fim de se proporcionarem reciprocamente capital barato para a beneficiação ou construcção de casas economicas.
Os resultados d'estas associações em Inglaterra tem sido admiraveis; em 1865, em Birmingham, existiam perto de 9:000 casas levantadas por associações constructoras, formadas por cerca de l10:000 associados, em grande numero operarios, cujas receitas annuaes montavam a 6.750:000$000 réis 1.

Em 1866, n'esta mesma cidade, 6 sociedades tinham 14:973 membros. As suas contas, liquidadas em l de junho, manifestavam 2.272:000$000 réis de quantias recebidas desde a sua fundação, e 2:524:000$000 réis em prestados sobre hypothecas.
Em 1864 caculava-se que em toda a inglaterra as sociedades construtoras teriam cerca de 100:000 associados, subscrevendo annualmente com 7$875:000$000 réis; tendo um capital representado em hypothecas sobre as casas construidas de 27:000:000$000 réis
Em 1867 suppunha-se que tinham um numero dobrado de membros, tendo recebido 49:500$000 réis e possuindo em hypothecas um capital de 36.000:000$000 réis.
Actualmente o numero de associados eleva-se a 750:000, dos quaes um grande numero são proprietarios de pequenas casas, ou estão em vesperas de ser.
D'estes dados podemos concluir a importancia d'estas sociedades constructoras, e o bom exito da maior parte d´ellas. Vejâmos rapidamente como ellas funccionam.
Quando a sociedade, em virtude das quotisações semanaes e das restantes origens de receita, possue um capital sufficiente, compra um terreno espaçoso e em boas condições para a construcção das casas.
As casas, apenas terminadas são immediatamente cedidas aos socios, mediante qualquer dos seguintes processos:
1.° Pelo sorteio.
2.° Successivamente pela inscripção.
3.° Em praça e por licitaçao.
O favorecido pela sorte, porque é estado systema que vae prevalecendo nos buildings-societies, recebe a casa correspondente, que hypotheca pelo seu valor á sociedade como garantia do cumprimento das suas obrigações, pagando um juro, modico por esse capital, alem da quota semanal, que continua a satisfazer até final da sociedade, isto é, a concessão da ultima casa ao ultimo membro não contemplado pela sorte.
Dado este facto, os saldos que existem são igualmento divididos por todos os associados, e a sociedade dissolve se tendo produzido, os seus resultados:
Sem querermos entrar na organisação economica e financeira d'estas sociedades, diremos apenas que as suas receitas provêem de varias origens:
l.ª As quotas semanaes.
2.ª Os juros do capital hypothecado.
3.ª Os depositos (differença da taxá paga a d'aquella porque o capital se reproduz).
4.ª O producto das multas, entradas, etc.
Sendo alem d'isso evidente que similhantes sociedades podem construir com a maior economia.
Poder-se-ia entre nós tentar uma sociedade constructora d'esta espécie? Parece-nos que sim, comquanto saibamos que no nosso paiz as difficuldades são maiores já porque o capital é mais caro, já porque está amortecida entre nós,
ou jamais existiu, a iniciativa individual.
Alem d´isso o nosso operario é por via de regra desconfiado, quando para fazer prosperar uma tentativa d´esta ordem se exige intelligencia e sciencia da parte dos directores ou administradores, confiança e paciencia da parte dos associados.
Ainda assim desejariamos ver tratado este assumpto, se por outra fórma não conseguirmos construir casas economicas; e, se a tentativa fosse seria aconselhariamos a protecção do estado até onde fosse rasoavel e justa.
O principio da associação careca de ser apreciado e comprehendidos para na pratica produzir os esplendidos, e por vezes inacreditaveis, resultados; entre nós este grande instrumento das sociedades modernas ou tem sido empregados com fins demasiados politicos, e a politica no sentido estreito e partidario da palavra deve importar pouco ás classes trabalhadoras e proletarias; ou tem caído em mãos inexperientes e inhabeis.
É certo que o principio da associação constitue um gran-

1 Achâmos estes dados tão importantes que citâmos a obra de onde os extrahimos: Da situação dos operarios em Inglaterra, pelo conde de Paris, edição de 1884, pag. 171.

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de remedio para o pauperismo, mas é certo tambem que depende em grande parte das qualidades e conhecimentos dos associados. O egoismo estreito, a desconfiança sombria, a jactancia insulsa e vasia, outros tantos defeitos que não influem consideravelmente na vida individual, destroem completa e rapidamente a vida associada, impedindo o principio de funccionar regularmente; n'este caso o principio de associado não só é pernicioso para o individuo, mas até certo ponto é perigoso para a ordem publica.
Terminâmos n'este ponto a nossa, porventura, longa exposição, tendo apresentado as idéas e as opiniões que nos suggeriu o estudo d'este importante problema social.
Maduramente o estudámos, e cremos que o apresentamos digno da discussão parlamentar.
Se a tentativa que este projecto de lei representa produzir, como é de esperar, o desejado resultado, o parlamento que o approvar terá certamente feito um grande serviço ao paiz.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a conceder ás emprezas, que se organisarem para a construcção de casas destinadas á habitação das classes laboriosas e menos abastadas, mediante o pagamento de rendas não superiores em Lisboa e Porto e nas suas immediações a 40$000 réis por anno e nos restantes centros do paiz a 25$000 réis por anno:
1.° Isenção da contribuição predial por espaço de vinte annos.
2.° Isenção de contribuição do registo, quanto aos terrenos para esse fim adquiridos.
3.° A faculdade de escolherem nas matas nacionaes as madeiras que lhes convierem e que sem prejuizo para o estado poderem ser cortadas.
a) Para este effeito as emprezas requisitarão até 31 de julho de cada anno os volumes de madeira que desejarem obter; se os volumes podidos forem superiores aos que o ratado póde fornecer far-se-ha um rateio entre os pedidos das differentes companhias:
b) As requisições das emprezas designarão o numero e os typos das casas que pretendem construir com as madeiras requisitadas; reservando-se alem d'isso o governo a faculdade de fiscalisar o emprego das madeiras, que fornecer a cada em preza;
c) As madeiras serão cedidas ás emprezas por um preço de matagem inferior em 25 por cento ao fixado pela ultima praça.
Art. 2.° As camaras municipaes, nos concelhos em que se construam bairros nas condições d'esta lei, reembolsarão as emprezas da metade do custo effectivo dos terrenos, que forem applicados para abertura de ruas, praças e logradouros communs e publicos, cujas obras serão consideradas municipaes.
Art. 3.° Em compensação d'estas vantagens concedidas pelo estado serão as emprezas obrigadas pelos seus estatutos :
1.° A alugar as casas ou divisões por uma renda nunca superior a 8 por cento do seu custo effectivo, comprehendendo n'elle o valor do terreno durante um periodo de vinte annos;
2.° A permittir que os inquilinos, possam por meio de annuidades accumuladas n'uma; taxa jamais inferior a 6 por cento, tornar-se proprietarios das casas ou divisões, que habitarem, pelo seu custo effectivo, comprehendendo o valor dos terrenos, com um premio de construcção em beneficio da empreza nunca superior a 10 por cento d'aquelle custo e valor dos terrenos.
a) Para este effeito as emprezas estabelecerão tabellas de amortisação por trimestre para os periodos de quatorze, dezoito e vinte e dois annos.
b) Na hypothese de morte ou impossibilidade physica não possa sustentae o contrato, ser-lhe-hão entregues as prestações pagas, accumuladas em metade da taxa e nos mesmos periodos, por que a empreza tiver contratado a venda;
3.º A crear caixas economicas, em que possam ser depositadas quaesquer quantias, desde o minimo de 50 réis, com juros contados dia a dia, n´uma taxa nunca inferior a 4 por cento, e capitalisação trimestral;
4.º A permittir o pagamento antecipado das rendas por mez, por trimestre ou por semestre;
5.° A não consentir a sublocação das casas ou divisões, rescindindo immediatamente os contratos de aluguer, aos que praticarem aquelle acto.
Art. 4.° Para as casas ou habitações, cuja renda for contratada nos termos do n.º 2.° do artigo precedente, o periodo da isenção do imposto predial será elevado a vinte cinco annos.
§ unico. A concessão d'este artigo caduca logo que o contrato de venda seja annullado ou rescindido; n'este caso a empreza reembolsará o estado das sommas correspondentes ao imposto predial, que deixarem de ter sido pagas por mais de vinte annos.
Art. 5.° Aos inquilinos, que unicamente pela fórma indicada no n.º 2.° do artigo 2.° se tornarem proprietario, concederá o governo, provada a acquisição das habilitações, 50 por cento do imposto sobre rendas de casas, que annualmente houverem pago, capitalisadas estas sommas annuaes na taxa de 5 por cento e isenção do imposto de registo.
Art. 6.° As vantagens concedidas ás emprezas cessam logo que a venda das casas ou habitações, se realise por processo differente do indicado no artigo 2.°, ou seja feita a outrem que não seja o inquilino residente desde o começo do contrato; devendo n'este caso a empreza embolsar o estado das sommas não pagas em virtude dos n.ºs 1.º, 2.° e 3.° do artigo 1.° accumulados na taxa de 6 por cento, e o novo proprietario ficará sujeito ao pagamento da respectiva contribuição de registo.
Art. 7.° A entrega das casas aos inquilinos, que se tornarem proprietarios d'ellas pelo meio indicado no artigo 2.° n.° 2.° será feita em boas condições de conservação; se sobre este assumpto se levantar contestação entre o novo proprietario e a empreza proceder-se-ha a uma vistoria arbitral de tres peritos, um nomeado pela empreza, outro pelo interessado e o terceiro pelo governo.
O resultado d'esta vistoria será presente ao ministro das obras publicas, que resolverá definitivamente sobre a contestação.
Art. 8.° Os projectos das edificações e planos dos bairros serão submettidos á approvação do governo, devendo satisfazer ás condições de boa exposição, salubridade, perspectiva, solidez, capacidade e hygiene; o governo fiscalisará os trabalhos da construcção, approvará os contratos de venda e as tabellas de fixação das rendas e amortisação, a fim de que as condições d'esta lei sejam rigorosamente attendidas.
§ 1.° Os estatutos das emprezas que se organisarem nos termos d'esta lei serão igualmente submettidos á approvação do governo sem embargo do que dispõe a lei de 22 de junho de 1867.
§ 2.° Os typos das casas serão acompanhados de medições e orçamentos desenvolvidos e completos.
Art. 9.° As emprezas só poderão vender, ou empregar na construcção de casas de renda superior á fixada n'esta lei, até um decimo da superficie dos terrenos, que possuirem, descontada a que for applicada para abertura de ruas, largos e logradouros publicos.
Art. 10.º A approvação pelo governo dos planos dos bairros, das edificações e dos typos das casas, constitue para todos os effeitos legaes declaração de urgencia e de utilidade publica.
Art. 11.° A auctorisação concedida ao governo pela pre

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sente lei vigora por espaço de tres annos, a contar da data da sua promulgação. Art. 12.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, l6 desmaio de 1884. = O deputado, Augusto Fuschiniz.
Foi enviado da commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.

Projecto de lei.

Senhores.- No meiado do seculo passado, em 1765, os successivos aperfeiçoamentos introduzidos por Watt na machina a vapor, permittindo geralisar esta força poderosa e economica, rasgaram novos horrisontes á industria e prepararam esta febril actividade de producção, que caracterisa a nossa epocha.
Em alguns annos apenas, o uso d'este preciso motôr infatigavel operario que o somo e o cansaço não interrompem no seu constante e sereno trabalho, generalisou-se nos grandes centros manufactureiros da Inglaterra e d´ahi, a pouco e pouco irradiou para o mundo inteiro.
Inventada a machina, o productor do movimento, a sua applicação ás differentes industrias foi um problema relativamente facil, que esforço perseverantes em breve resolverem. Os grandes centros fabris de Birmingham, Liverpool, Manchester, Preton, todo esse industrial contado de Laucaster, adoptaram a grande descoberta de Watt e; em dezenas de annos apenas, centuplicaram a sua producção, elevando a a numeros quasi fabulosos
A applicação da machina de vapor ás grandes industrias creadas operou a seu turno um desenvolvimento sempre crescente das industrias por assim dizer subsidiarias, que fornecem o ferro a hulha, as duas materias primas mais valiosas da industria moderna.
A machina a vapor exigira o ferro e a hulha; extracção d´estes mineraes e a transformação do primeiro alargouso o em prego d'essa força prodigiosa, que transformou rapidamente a organisação social do universo 2.
As forças naturaes supplantou-as o vapor pela regularidade da acção, pela facilidade do emprego, que a vontade do homem dirige e determina, e pela faculdade de ser produzido, facil e economicamente, em toda a parte.
A força do vento é incerta, e a quéda de agua, a mais economica de todos as forças naturaes, não se proporciona, ao homem senão em circumstancias excepcionaes; a machina a vapor, que funcciona regular e vigorosamente desenvolvendo uma força prodigiosa, e accommodando-se em qualquer parte do globo a onde abunde o combustivel, em breve venceu supplantou as forças naturaes, cujo emprego, baratissimo aliás, offerecia dificuldades e inconvenientes.
Vencidas as forças naturaes, os animaes nem poderam sustentar a comparação; carissimas na sua applicação, sustentas a interrupções forçadas, á contingencia de milhares de circumstancias fortuitas ou voluntarias, o trabalho do homem, como esforço inconsciente e mechanico e o trabalho do animal, que em muitos casos podiam lactar com o emprego das forças naturaes, foram condemnados irremediavelmente por esse apparelho, em que o vapor a agua, n'um esprço limitado e quasi sem condições de escolha, desenvolve a possança incansavel e ininterrupta do muitos homens e de muitos animaes 3.
O desenvolvimento do emprego da machina a vapor foi, pois, rapidissimo, principalmente na Inglaterra; o paiz por excellencia do ferro e da hulha, em que o emprego do vapor fôra estudado e sucessivamente applicado em misteres secundarios; até que as descobertas de Watt o tornaram proprio para os mais delicados trabalhos industriaes; na Inglaterra, emfim; em que a industria attingira as maiores proporções que, dominadora dos mares abria largos e vastos mercados aos seus artefactos, já dominando as industrias rivaes pela, perfeição e barateza dos seus productos, tornado por esta fórma fendatarias dos seu commercio as nações civilisadas, já com a maior sagacidade mercantil, creando e desenvolvendo o vastas colonias; aonde mais tarde a sua vertiginosa producção fosse encontrar quasi inexgotavel consumo.
Effectivamente, qualquer que seja nossa opinião ácerca d´essa grande nação ingleza, conjuncto de qualidades excepcionaes e de defeitos detestaveis, d´essa ardente cultura do trabalho e da uberdade que ao mesmo tempo despovôa systematicamente e tyranisa a pobre Irlanda, qualquer que seja nossa opinião ácerca d'esse povo excepcional, a historia da industria moderna; das suas mais poderosas conquistas scientifica e dos seus mais sigulares resultados, ha de estudar-se nos seus annaes e por muito tempo ainda; emquanto a hulha e o ferro abundaram nas entranhas da ilha privilegiada e a actividade não esmorecer n'aquella raça excepcional, a deslocação da sua soberania commercial e industrial será uma tentativa vã e infructifera 4.
O apparecimento, por assim dizer brusco, e o emprego rapidissimo de um poderoso elemento de producção no regimen industrial do seculo passado deviam necessariamente produzir, e produziram, alterações profundas n´esse regimen e condições differentes, não sóno trabalho, mas nas relações intimas entre o patrão o operario, entre o capital e o salario.
A principal consequencia do emprego do vapor foi a extincção do trabalho isolado e particular. A producção morosa, embora por vezes mais perfeita, do operario isolado não lhe permitta entrar em concorrencia com a producção rapida dos novos processos, a que um artificio engenhoso, a divisão do trabalho, vinha ainda augmentar a rapidez e a economia. A liberdade e o bem estar da familia operaria fugiam espavoridos ante o silvo do grande motor; a casa alegre e florida foi abandonada pelo centro fabril, aonde o operario foi procurar um salario reduzido e por vezes ganho cruelmente. Os grandes centros fabris modernos, as officinas, vastos pandemonios em que milhares de operarios se agglomeram em trabalho commum, esta organisação enorme; que estonteia quando vista, que admira quando estudada, não existiu no regimen passado da industria, foi o grande motor que principalmente a exigiu e a indicou como necessaria.
Na antiga industria existiram, sem duvida os centros industriaes, mas a sua organisação era differente; o operario e o patrão incarnavam-se geralmente no mesmo homem e, quando a fabrica tinha mais alguns operarios, havia relações tão intimas entre aquelle e estes, tão proximas eram as suas necessidades e as suas opiniões, que o trabalho corria sereno da intimidade de interesses quasi communs. Na maioria das vezes, os centros industriaes eram formados pelas condições de uma zona, ou de uma região, e as officinas, mais ou menos proximas, contavam-se quasi pelo numero das casas e dos lares, que habitavam as familias operarias.
Quando, porém, se travou a grande lucta da producção,

1 Em 1879 os mineraes extrahidos em inglaterra foram avaliados em 66:000:000 de libras, isto é, 297.000:000$000, réis N´esta prodigiosa somma a hulha representou um valor de 211.000:000$000 réis e os metaes, principalmente o ferro, de 76:000:000$000 réis, A exportação da hulha elevou-se a cerca de 130:000:000 de toneladas, e do ferro a 3:000:000 de toneladas. No passado anno de 1884 a exportação da hulha attingiu 160:000:000 de toneladas.

1 Liverpool, o principal porto de esportação dos productos fabris ao condado de Lancaster, em 1879 exportou 2.595:000 de jardas de algodões, ou seja 2.362:863 de metros.
2 Glasgow, que nos principios d´este seculo pouco ou nada exportava em ferro e bulha, exporta actualmente (anno de 1878) 600:000 toneladas de bulha e 279:000 de ferro
3 Calcula-se que as machinas a vapor actualmente existentes em Inglaterra fazem um trabalho correspondente a 30:000:000 ou 40.000:000 de homens.

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e o consumo enorme e crescente não conseguiu sempre vencer a estagnação dos productos industriaes; quando foi preciso crear os grandes estabelecimentos e montar os poderosos machinismos, em que dia e noite o trabalho se succedia offegante e pressuroso, a fim de produzir muito e barato; quando a materia prima teve de ser procurada em regiões longinquas e os algodões da India, da Australia e da America tiveram de vir transformar-se na Europa para vestirem n'quelles mesmos, que os tinham cultivado; quando o producto teve de ir a todos os pontos do globo procurar o consumidor, então o pequeno peculio da familia operaria não poude multiplicar-se milagrosamente, e um a um os misteres particulares foram fechando as suas portas para entrar nas fabricas e nas officinas collossaes, que exigiam um grande capital; então surgiram ás primeiras desconfianças entre ; patrões e operarios, entre o capital e o salario, e no horisonte desenharam-se os primeiros lineamentos dos mais graves e delicados problemas sociaes.
As grandes ambições humanas convergiram rapidamente para essa nova região de enormes riquezas, descoberta pela sciencia, e a poderosa industria e o grande commercio modernos constituiram um vasto campo de exploração, em que se lançavam ávidos aquelles a quem animava a sêde de oiro.
Uma classe social bem definida elevou-se sobre esta poderosa organisação industrial e commercial, classe distincta pelo seu amor ao trabalho e á economia, mas que, a par d'estas qualidades, manifesta muitas vezes um espirito despido d'aquelles sentimentos delicados, que a religião denominou caridade, e dominado por um egoismo frio e despiedado.
Mais de um aspecto n'este phenomeno social moderno faz tristemente recordar a ambiciosa sêde de oiro, que rios seculos XV, XVI e XVII arremessou os descobridores de mundos novos para as regiões desconhecidas, em que sonhos e lendas fabulosas amontoavam riquezas phantasticas nas regiões do Eldorado, ou nas minas de Ophir; e a audacia dos Pizarros e dos Cortez, que arrancavam aos Incas e aos Montezumas, pela violência e pelo martyrio, os segredos dos seus thesouros, talavam os campos e queimavam os Indios para lhes salvar as almas e empolgar-lhes os bens, cobrindo e cohonestando tantos horrores com a santa palavra da religião, não excederam certamente a violencia, o egoismo e a ambição com que os principios da industria e do commercio, enriquecidos rapidamente, exploraram essa grande massa do proletariado, que a força das circumstancias lhe lançara inerme e faminta nas fabricas, nas minas, nas officinas; em toda a parte, emfim, em que um reduzido salario podia dar-lhe quanto bastasse para sustentar a miseranda vida.
Como outr´ora os outros, trabalhavam cm favor da santa religião, e o oiro ensanguentado, das conquistas ambiciosas entrava nas arcas de S. Pedro, convertendo-se nos holocaustos incruentos das conquistas da fé, estes palliavam também o seu egoismo, as suas ambições illegitimas, que tantas lagrimas custavam e tantas miserias, com a solemne affirmação dos grandes interesses nacionaes e com a necessidade do sustentar a posição soberana na lucta industrial e commercial, travada entre as nações civilisadas.
D'este terrivel estado de cousas nasceram e formaram-se em breve essas reacções surdas e terriveis, que, sob mil nomes variados, aqui scientificas e philosophicas, alem sentimentaes e religiosas, n'outro ponto anarchieas e violentas, e em toda a parte ganhando enorme terreno, trazem suspensa e vacillante a sociedade actual nos seus fundamentos mais profundos e importantes, na sua organisação economica.
Nós não temos a pretensão de traçar o quadro das miserias profundas das classes, trabalhadoras, nem de esboçar sequer as que tem soffrido e continúa ainda a soffrer o trabalho assalariado; foi, todavia, no estudo e na contemplação d'estas desgraças, que se elevaram as primeiras vozes philanthropicas, que em nome da humanidade protestaram contra esta nova especie do escravatura; foi na rude experiencia d´estes soffrimentos, que se formaram as primeiras associações de lucta e de reacção e, a pouco e pouco, foram ganhando força e pela força as concessões, que por direito e por humanidade lhes não tinham sido feitas.
O que em nome da liberdade da industria se fez, principalmente no começo d'este seculo, o que ainda hoje se pratica, embora em menor escala, não poderia ser enumerado e descripto nos limites de um relatorio parlamentar ; e a lucta pela redacção das horas de trabalhos; a lucta contra a imposição do consumo obrigatorio nos estabelecimentos do proprio patrão; a lucta continua e porfiada contra o abaixamento do salario, que attingia, muitas vezes o minimo do que exige a sustentação do individuo, quando os dividendos e os proventos do capital industrial se conservaram, os mesmos, senão mais elevados; o emprego da mulher e da creança em serviços penosos, que lhes extinguiam a saude e lhes faziam perigar a vida; a carestia das substancias, a falta de hygiene nas habitações, a ausencia de ensino profissional; todas casas misérias, emfim, que são as vastas fontes do onde brotam variados e graves problemas sociaes, tudo era consentido, ou defendido, em nome da liberdade da industria, em nome da liberdade dos contratos, em nome das conveniencias geraes da nação!
Liberdade dos contratos entre o capital e o salario! Como se a primeira condição da liberdade dos contratos não fosse a igualdade de circumstancias, a independencia e autonomia individual; liberdade dos contratos, quando de um lado existe o capital procurado o do outro o trabalho que se offerece, quando para uns havia a possibilidade de acceitar ou rejeitar, salvo perdas momentaneas mais ou menos importantes, e para outros apenas a necessidade de acceitar, porque o salario, ao contrario do capital não tem uma existencia propria; aonde o trabalho cessa, o salario desapparece e com elle a existencia do assalariado!
A questão restricta, de que vamos occupar-nos, será, todavia, assás importante para corroborar os principios geraes expostos, e para nos mostrar as difficuldades e o tempo, que uma idéa justa e humanitaria tem de vencer para entrar no dominio das applicações sociaes.
A nova organisação da industria, não exigindo, como a de outr'ora, o emprego de forças consideraveis, que actualmente lhe eram economica e quasi indefinidamente proporcionadas pelo vapor; tendo, alem d'isso, de empregar maior numero do braços, foi procurar entre as mulheres e creanças operarios assás intelligentes para desempenhar o seu mister, e bastante fracos e numerosos para que o salario descesse a valor insignificantissimo.
A miseria das familias operarias, a necessidade de elevar o salario paterno, que mal alimentava a familia, a falta da educação moral dos paes, essa singular opinião, que se manifesta muitas vezes nas classes pobres, de que o filho é uma especie de importuno intruso, cujo dever é o de trabalhar bem cedo em beneficio da familia, proporcionaram e facilitaram aos ávidos industriaes o emprego na industria das mulheres e das creanças.
E como nada limitava esse emprego, cujas vantagens revertiam cm beneficio do industrial, estes seres fraquissimos e desprotegidos eram esmagados por trabalho superior ás suas forças, sem descanço, sem esperança e quasi sem compensação.
A um ou outro philantropo, mesmo das classes interessadas, que eleva a voz humanitaria em favor d'aquella escravatura infame e pedia commiseração e caridade, respondia-se-lhe com as grandes conveniencias das industrias na-cionaes, com a necessidade de conservar a hegemonia industrial, e do entrar bem armado e forte na lucta da concorrencia.
Se algum pensador mais ousado emprehendia a cruzada n'um campo mais vasto, e procurava levantar perante os

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parlamentos a opinião do paiz, então os interesses, concitados cobriam-se pudicamente de indignação, e levantavam-se violentamente em nomes das liberdades publicas e particulares contra a ousadia de regalar, o trabalho
Os interesses da industria, a riqueza da nação, os direitos e as liberdades, a propria conveniencia das familias operarias, as theorias da limitação da acção do estado, toda essa bateria de artificios e de grandes periodos, que o egoismo do interesse tem sempre assestada para esmagar o audacioso e para aturdir a opinião publica; retumbava vigorosa e eloquentemente.
Na discussão da lei sobre o trabalho dos menores na Camara dos Pares em França; Gay-Lussac, o sabio physico, levantas-se indignado e solta a seguinte phrase: "Eis um começo de saint simonismo e de phalansterianismo! O fabricante é senhor em sua Casa. Quem lhe garantirá as perdas se,pela nova lei, as vier a soffrer. Devemos deitar tudo ao seu livre arbitrio".
Outro par, atacando a lei em nome dos direitos e da conveniencia da família operaria, dizia: "Para serdes logicos estabelecei tambem a taxa dos pobres, a fim de poderdes, indemnisar o tempo perdido pela creança".
Os exemplos e as citações podiam accumular-se; sempre que uma lei desprotecção para uma classe social se apresentou n'um parlamento, os interesses contrarios, afivelando a mascara dos interesses e conveniencias geraes e nacionaes, empregaram este systema ou outro similhante, esquecendo-se de que primeiro interesse nacional e que a harmonia das classes sociaes seja completa, e o seu bem-estar relativa e proporcionalmente o mesmo; porque se alguns milhares de cidadãos soffrem, ou se depauperam as gerações futuras, a riqueza do uma nação, principalmente constituída pela paz interna e por cidadãos robustos e sadios, pôde pôr-se, em duvida, ou perigar na sua conservação.
Em Inglaterra, aonde foi iniciado o systema de protecção, para os menores, a lucta foi vigorosa e accentuada.
Em trinta annos, apenas, a acção da moderna organisação da industria fizera-se sentir profundamente. Os grandes centros manufactureiros do condado de Lancaster foram exactamente aquelles em que, por terem já uma industria consideravel, primeiro se manifestaram a acção do grande agente transformador e os tristes inconvenientes do novo regimen industrial.
Em 1802, um riquissimo industrial de Bury, quasi subúrbio de Manchester, que teve a gloria de ser pae de Robert Peel, o celebre ministro, que libertou o povo inglez das leis proteccionistas sobre os cereaes, levantava perante o parlamento inglez a grave questão do trabalho dos menores.
Testemunha ocular das miserias, soffridas pelas pobres creanças, o philanthropo millionario era a voz poderosa,, que seio da representação ingleza repetia o que os medicos, os homens illustrados e desinteressados, e principalmente os ministros anglicanos, propagavam com aquella resistente persistencia, tão, propria e característica do genio inglez.
A lei de Robert Peel não abrangia senão as fabricas e officinas, em que se manipulava a lã, e o algodão; o desenvolvimento d'estas industrias não creára ainda essas enormes industrias subsidiarias; como lhes chamâmos, que mais tarde exigiram também no mesmo sentido a vigilância do estado.
Do resto, como é sabido, o espirito da legislação, ingleza não é o da extrema generalisação; o legislador inglez, espirito seguro e pratico, legisla para a necessidade evidente c para os factos, que lhes são bem conhecidos, longe de procurar abranger, em poucas regras geraes pnenomenos desconhecidos e por vezes pouco harmonicos.
O caracter restricto da lei, provavelmente a auctoridade do seu proponente e, digamos ainda, a imperfeição dos seus meios de applicação e a largueza dos seus princípios, contribuiram bastante para que fosse approvada e depois sanccionada em 21 de junho de 1802.
A simples analyse d'esta lei vae esclarecer-nos e fazer-nos conhecer, ainda que indirectamente, quão pesado, era o trabalho das creanças nas fabricas de tecidos, de lã algodão do Lancashire.
A lei, em primeiro logar, refere-se apenas a aprendizes existentes nas fabricas de tecidos de lã e algodão, e nas officinas em que se empregassem mais de vinte operários maiores ou de tres menores; d'aqui se póde inferir immeditamente p caracter restricto da protecção. Restringe a doze horas por dia o trabalho dos menores, qualquer que seja a sua idade inferior a dezeseis annos!.E não determina o minimo da idade para a admissão officina e no trabalho.
Imagine-se, quando a protecção philanthropica fixava estes largos limites, apenas temperados porque n'este espaço o aprendiz devia receber alguma educação, imagine-se, qual seria realmente o periodo de trabalho das pobres creanças!
A execução ca fiscalisação da lei foram entregues no respectivo districto ao juiz de paz e a um ministro anglicano; mas estas funcções eram gratuitas. N'estas bases a lei não levantou grandes difficuldades, porque não foi cumprida. Como á aprendizagem em Inglaterra era caracterisada por contratos, que duravam sete annos, o industrial inglez illudiu immediatamente a lei, não contratando d'ahi em diante menores senão por periodo inferior e, afinal, recebendo-os a jornal.
O legislador inglez, que não admitte senão a interpretação rigorosa do texto da lei, viu assim annullar-se toda a protecção, que pretendera conceder ás pobres creanças.
Do resto, como os juizes de paz eram geralmente industriaes, e os pobres inistros anglicanos dependiam directamente d'esses poderosos capitalistas, a execução e a fiscalisação da lei, as visitas aos estabelecimentos e a inspecção das officinas, que só por si ainda poderiam dar resultados beneficos, foram perfeita letra morta.
A experiência, porém, tem demonstrado que uma idéa generosa é boa, lançada na corrente da opinião publica, não deixa nunca de produzir, mais cedo ou mais tarde, fructos apreciáveis. Este principio não fez n'este caso, felizmente, excepção á regra. A propaganda, que tinha indicado a necessidade da primeira lei, continuou activa e energica; os resultado favoravel da primeira tentativa animava para segunda empreza; novos factos, colhidos por toda a parte accentuavam ainda mais a conveniencia de uma lei, que desse garantias; o desenvolvimento da industria, engrossando o mal, dava origem a uma corrente de opinião de dia para dia mais energia, e profunda.
O velho proponente da lei de 1802 apparece novamente na scena politica em 1815, luctando em defeza do seu elevado principio e propondo um novo projecto de lei, em que eram preenchidas algumas das mais importantes lacunas da lei anterior. A experincia; embora incompleta, da lei precedente tinha porém, posto álerta os interesses, e a lucta presentemente ía ser vigorosa visto que tambem por outro lado uma profunda, corrente desfavoravel propaganda se estabelecera em favor do principio proteccionista.
Á primeira tentativa foi de protelar a medida; para isso a Camara dos Communs deliberou entregar o estudo do projecto de lei a uma commissão de inquerito parlamentar. Tres annos se passaram estudando o grave problema, e durante elles apuraram-se factos importantes.
Os debates parlamentares começaram finalmente era 1818; se as difficuldades levantadas pelos interesses adversos tinham sido vigorosas, e incapazes de suffocar os protestos humanitarios durante, quatro annos, as resistencias parlamentares foram enormes e as discussões acaloradas.
Os argumentos, que expozemos a puco, foram violentamente lançados contra o projecto.

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Exigiu-se a liberdade do mercado do trabalho (market of labour) tal como a de qualquer outro mercado commercial; protestou-se em nome da industria nacional, em nome dos interesses publicos, e não esqueceu o proprio interesse das familias operarias.
A esta ultima asserção a resposta foi concludente: milhares de Operarios dirigiram-se ao parlamento, peticionando que fosse approvado o principio de protecção não só para as creanças, mas ainda para as mulheres e para os velhos operarios, aos; quaes o egoismo sordido de alguns industriaes lançava á margem e atirava á miseria, quando as forças lhes falleciam, precocemente gastas por trabalho immoderado.
Por outro lado, a iniciativa particular e philanthropica faria engrossar em todo o paiz a corrente proteccionista e favoravel ao projecto de lei.
No parlamento eloquentes vozes defendiam o bello principio; entre ellas a do grande philanthropo Wilberforce, cuja palavra enthusiastica e incisiva arrancara ao parlamento a celebre lei da abolição da escravatura. O auctor da primeira proposta para a extincção da escravatura não podia deixar de pôr ao serviço da protecção dos menores a sua grande auctoridado e o seu profundo enthusiasmo religioso. Era ainda uma variedade do infame tranco humano, que procurava destruir!
A lucta correu longa e porfiada, e provavelmente a victoria foi devida em grande parte á poderosa influencia de Robert Peel, o filho do proponente da lei, já n´essa epocha predominante na camara popular pela sua eloquencia, pela sua auctoridade politica e pela sua enorme riqueza.
Na Gamara dos Lords o bispo de Chester, cuja diocese n'aquelle tempo comprehendia, quasi a totalidade das industrias do fiação e de tecidos, a que a lei principalmente se referia, secundava os esforços dos philanthropos, e com a sua, grande auctoridade episcopal o com a sua palavra severa o eloquente, como testemunha presencial das miserias das officinas, dizia á camara: «o meu dever de prelado e de ecclesiastico era o de visitar pessoalmente as numerosas manufacturas da minha diocese, nas quaes tantos seres fracos segundo uns nada soffrem, e segundo outros muito padecem na sua saude e na sua moral, em resultado de trabalho que, excessivamente prolongado, os embrutece e os esmaga. Cumpri o meu dever; tudo vi com os meus proprios olhos, e declaro que o excesso de trabalho é tal que não prejudica sómente as forças e as faculdades dos menores, mas lies faz perigar a propria vida.
O grande philanthropo socialista Robert Owen, o creador das vastas officinas de New-Lanarck, secundava entre o publico esta poderosa acção parlamentar com a sua palavra activa, e com os exemplos admiráveis do que elle conseguira pela moralisação e boa direcção do operario: fôra mesmo o periodo do trabalho, fixado por Owen nos estabelecimentos do New-Lanarck, que servira de norma ao projecto de Robert Peel.
Apesar de tudo a lei de 1819, que resultou do longo inquerito e da discussão de 1818, poucos ou nenhuns resultados praticos deu: ganhára-se apenas abranger não só os aprendizes, mas todos os menores; de resto o numero de horas de trabalho, que era de dez no projecto, conservou-se de doze, como na precedente lei, para os menores de nove a dezeseis annos. O mais grave, porém, foi, não serem modificados os meios de fiscalisação e de execução da lei, que continuaram a constituir funcções gratuitas.
A nova lei manifestou-se bem depressa tão imponente, como a precedente o tinha sido, para evitar os abusos dos industriaes no trabalho dos menores.
Em 1825 novas queixas se elevaram ao parlamento, mas foram quasi infructiferas, porque encontraram a opposição systematica de Robert Peel filho, então ministro do reino; apenas aos menores de idade inferior a dezeseis annos foi reduzido a nove horas o trabalho ao sabbado.
O principio, porém, tinha lançado profundas raizes na opinião, e força era que tivesse resolução mais perfeita e completa.
Em 1832 a questão do trabalho dos menores foi novamente levantada no parlamento por lord Shaftesbury.
O nome de Ashley-Cooper ó conhecido na historia da protecção do trabalho dos menores. Annos o annos este generoso philantropo, representante da illustre familia doa condes de Shaftesbury, que tinha dado á Inglaterra estadistas celebres e homens de grande valor, luctou pelo melhoramento das condições dos menores empregados na industria, sustentando pertinazmente o seu celebre bill das dez horas de trabalho, que só logrou ver transformado em lei do estado no anno de 1847.
A iniciativa de lord Ashley, todavia, se não produziu n'aquella occasião resultados completos e decisivos, motivou um longo e bem dirigido inquerito parlamentar, que precedeu e preparou a lei de 29 do agosto do 1833.
Esta lei, apesar de não abranger senão as manufacturas de tecidos em que só empregavam machinas a vapor e hydraulicas, foi uma batalha decisiva ganha pelos protectores das creanças.
Os menores foram classificados em duas categorias: uma comprehendendo os de nove a treze annos. (chidren} outra os de treze a dezoito annos (young persons). Para a primeira o trabalho não podia exceder nove horas diarias, ou quarenta e oito semanaes, porque o trabalho do sabbado era menos longo; para a segunda o trabalho era de doze horas por dia, ou de sessenta e nove por semana. O limite para a admissão nos trabalhos das industrias, a que a lei attendia, foi lixado aos nove annos. O trabalho nocturno, que a lei considera ser o realisado desde as oito horas da tarde até ás cinco, da manhã, fui absolutamente vedado aos menores de dezoito annos, e para os menores de treze ficou sendo obrigatória a frequencia da escola primaria por duas horas diarias, pelo menos. A lei impõe ao patrão o encargo de conceder, annualmente, dois dias completos e oito meios dias de licença a todos os operarios menores de dezoito annos.
Todos estes preceitos eram indiscutivelmente muito superiores aos da legislação anterior, a parto mais importante, porém, da lei de 1836 é a que se refere ti sua execução e á fiscalisação do trabalho dos menores nos estabelecimentos industriaes e nas officinas; para este effeito, foram creados quatro inspectores e um grande numero de sub-inspectores (quarenta, salvo erro) com largas attribuições policiaes e todos bem remunerados. Assim se preencheu a peor lacuna da legislação anterior, que todos reconheciam. Os factos vieram comprovar esta opinião.
Tres annos apenas de pratica da nova lei, energicamente executada, e fiscalisada, produziram 2:000 processos do contravenção das suas disposições!
As idéas do generoso e humanitario Wilberforce tinham, finalmente, vingado! O bom velho e é grande patriota, cuja vida se passara a sustentar os mais bellos principios, a luctar por elles com a sua pertinaz actividade e com a sua incansavel e incisiva eloquência, entrava na eternidade, deixando na posse da humanidade duas leis grandiosas, uma que abolia a escravatura nos vastos dominios inglezes, outra que amparava milhares de seres fracos, tambem explorados por um mercantilismo abjecto e egoista 1!
Os principies fundamentaes da lei de 1833 foram a base da legislação ingleza posterior, e directamente têem influenciado a legislação de todos os paizes civilisados, que se occuparam d'esta questão social. Em volta d'ella vieram successivamente grupar-se differentes leis, que generalisa-

1 A lei de emancipação doa escravos nas colonias inglezas foi sanccionada em 28 de agosto de 1833 na vespera da sancção da lei sobre o trabalho dos menores. Admiravel coincidencia! A primeira conceclla a liberdade a cerca de 800:000 homens, quantas miserias e quantas vidas não resgatou a segunda!

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ram a todas as industrias a protecção dos menores prepararam a preparação de 1878.
Assim a lei de junho de 1844 reduziu o trabalho dos menores, (children) de move a seis horas e meia diarias, descendo, por uma transigencia com os industriaes, o minimo da idade, de admissão de nove a oito annos. Esta mesma lei envolve um principio importantissimo, que actualmente se conserva, na legislação ingleza, igualou o trabalho das mulheres aos dos adolescentes (young persons), dando-lhe. o maximo de doze horas por dia. Ao mesmo tempo alongava tres horas a frequencia dos menores (children)ás escolas primarias.
As leis de 1847 e l850 o dia de trabalho a dez horas e meia para, os adolescentes; a de 1861 estendeu o regimen de protecção ás fabricas de rendas e de filó; de 1865 abrangeu as industrias perigosas e muito penosas;
a de 1867, alargou a esphera da protecção levando a as até officinas impressão sobre estofas, tinturarias, fabricas de conserva, etc; finamente, a lei de 1874 considerou outras necessidades industriaes, elevou o minimo de admissão; dos menores, a dez annos, encurtou o periodo da a adolescencia fazendo começar, aos quatorze annos 1.
Esta simples exposição demonstra, que principios geras e fundamentas da lei de 1833 tinham sido bem lixados o que, principalmente, a execução, da lei dera bons resultados; porque, nas leis que estamos ainda mesmo, na de 1878, foram conservados os processos de fiscalisação lei de 1833
Desviando agora a nossa attenção para a França, vejamos tambem qual, foi o movimento da opinião publica, que produziu, as leis de protecção dos menores, historiando perfunctoriamente os factos mais importantes, a que deram origem. Industrialmente muito menos adiantada do que a Inglaterra, a França que desde 1802 até 1833 tinha visto sucederem se tres systemas do governo, empobrecida pelas guerras de Napoleão e pela invasão do 1815, rasgada interiormente pelas profundas dissensões politicas, que enchem o periodo da restauração bourbonica até á rapida, e sanguinolenta revolução de julho, a França, dizemos nós, não, só encontrara em circumstancias favoraveis para apreciar e resolver a altas questões sociaes.
O periodo de paz o de prosperidades, que acompanhou os primeiros annos da monarchia de Luiz Filippe, e muito naturalmente á discussão parlamentar e o grande movimento da opinião publica ingleza, que produziu a discussão da dei de 1833, deveram sem duvida alguma fazer convergir a attenção popular sobre a interessante e sympathica que estão do trabalho dos, menores.
É certo que sobre este assumpto uma ou outra voz auctorisada se tinha elevado, e mais de um philosopho de um philanthropo haviam condemnado o trabalho excessivo das creanças mas essas vozes isoladas não tinham encontrado echo na opinião concentrada questões politicas, por via de regra mais attrahentes, ainda que bem menos proficuas, do a que as economicas e sociaes.
Em 1827, apenas, começou a accentuar-se a propaganda, que sempre antecede as grandes reformas sociaes.
Como o em Inglaterra foi de Mulhouse, um doe primeiros centros da industria manufactureira da França; que partiu o impulso nacional; fui tambem um grande, fabrica industrial, de tecidos, Broucart, que apontou, como Roberto Peel, as miserias dos pequenos operarios.
A associação de Mulheres em dez annos de activa propaganda, dirigindo-se aos poderes publicos, publicando manifestos, organisando inqueritos, conseguiu fazer escutar. Em 1837 o governo presidido por Mole mandava abrir um

No annexo n.º 4 fazemos uma resenha das principaes leis ingleza inquerito sobre as condições dos menores na industria, e dirigia-se a todas, as corporações, que pelas suas luzes e experiencia podiam elucidar, e esclarecer o assumpto.
Ao mesmo tempo, a academia das sciencias moraes politicas, impressionada por um discurso, pronunciado por um dos seus membros Villermé sobre a extrema duração dos trabalhos dos menores, encarregava este illustre medico de proceder, a uma inquerito sobre as condições do trabalho dos menores na industria.
Os trabalhos officiaes e os particulares, harmonisaram-se e, os resultados excederam a expectativa; em algumas fabricas, em Roubaix; creanças de seis annos eram obrigadas a um trabalho de treze a quatorze horas e «pallidas, anemicas com movimentos morosos e olhar tranquillo apresentavam um exterior de miseria, de soffrimento e de abatimento, que contrastava com a cutis rosada com a gordura, com a vivacidade, com todos os signaes de uma magnifica saude, que se observam nas outras creanças da mesma ideias».
«Para melhor apreciarmos continua o auctor, quanto é longo o dia de trabalho das creanças nas officinas, lembramo-nos que o dia de trabalho dos forçados, é apenas de doze horas, reduzidas a dez pelo tempo de descanso!»
Em Elbeuf o dia de trabalho, eleva se a quinze, deseseis e desasete horas!
Citavam se ahi como exemplo de philanthropia as fabricas de Cunin Gridaine, o futuro ministro do commercio, em que o trabalho dos menores durava apenas quatorze horas!
Em Lyão nas fabricas de chales o trabalho dos menores attingia dezoito horas!
O resultado d'estes excessos era o empobrecimento rapidissimo das populações industriaes, directamente, accusado pelas estatísticas demographicas e pelas inspecções militares. Sobre a moral das creanças os effeitos do trabalho nas officinas foram tambem claramente demonstrados.
Em vista dos resultados obtidos pelos inqueritos manifestava se, pois, a necessidade legislar; restava saber se havia força para conseguir alguma medida pratica o util.
Finalmente o parlamento occupou-se do assumpto, e tanto na Camara dos Pares, como na dos Deputados elevaram-se vozes auctorisadas, pedindo a intervenção do estado do no trabalho dos menores, para corrigir os, demonstrados e provados abusos do egoismo industrial
O industrial Cunin Gridaine, então ministro do commercio, viu-se, pois, compellido a apresentar o projecto de lei, quase exigido pelas duas camaras, sobre o trabalho, dos menores na industria. Tal é a origem da primeira medida legislativa, apresentada pelo governo do marechal Soult á Camara dos Pares em 11 de fevereiro de l840.
Quem não desconhece a essencia politica da monarchia de julho, que principalmente, se afirmava na casse media apurando do entro esta os seus mais fervorosos apostoslos e defensores na burguezia mais rica, no commercio e na grande industria; quem não ignora a versatilidade politica do chefe do gabinete bonapartista com Bonaparte, realista e Par de França com a Restauração, ferrenho orlearista com Luiz Filippe, que sobre elle exercia a mais poderosa influencia, e attender finalmente, a que iniciativa partia de um grande industria philartropo, que unicamente obrigava os menores trabalho diario de quatoze horas, não sevilludirá por um momento sobre a importancia d'esta medida legislativa.
Apesar de tudo o projecto de lei foi, recebido com applauso de uns e com, violentos, ataques de outros, o que ao mesmo tempo, indicava a profunda e urgente necessidade social, a que elle correspondia. Identicos. Interesses, aos que tinham: agitado a Inglaterra, combinaram as suas for

1 Tabele de l´etal physique et moral des ouvriers, Villermé, e tado por Jay, traval des enfants et des mineurs dans l´industre.

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ças para directa ou indirectamente, clara ou subrepticiamente, atacar projecto de lei, não como offerecendo serias consequencias na sua applicacão, visto que as suas disposições eram quasi innocentes, mas para evitar introdução de um justo principio na legislação nacional, que o tempo e a experiencia fariam frustificar.

No projecto ministerial compunha-se de seis artigos!

No primeiro estatuas e que os menores de dezeseis annos não se fixando limite para a admissão, não podiam ser admittidos na industria, sem que regulamentos especiaes, feitos pelo governo, determinassem, a redução do trabalho, e corrigissem os abusos do emprego dos menores n´aquelles misteres, que obstassem ao seu desenvolvimento physico, intellectual moral. No segundo o terceiro determinava-se a fórma d'estes regulamentos, que, podendo geraes ou locaes, seriam organizados pelos prefeitos, depois de consultas de algumas corporações corporaçães, especiaes e definitivamente approvados pelo ministro da agricultura e do comercio. O quarto e o quinto impunham multas aos, industriaes e aos paes dos menores, quando não cumprissem as determinações dos regulamentos. O sexto, finalmente, cem cedia ao governo a auctorisação facultativa de nomear inspectores, mas sem faltar em remuneração alguma:

Francamente, depois das longas discussões do parlamento inglez e da experiencia das leis protectoras, que aquelle povo havia feito desde 1802 até 1833, não pode, ninguem tomar a serio, não dizemos só a letra do projecto de lei, mas até a honestidade politica dos apresentantes. De resto, o relatorio do proprio ministro fôra moldado por fórma, que não concitasse contra o governo as iras dos industriaes, indicando-lhe positiva e claramente a inutilidade dos seus preceitos.

A legislação, escreveu o ministro no seu relatorio, deve sem duvida oppôr-se ao mau uso, que paes ávidos (não faltava industriaes) podem fazer da sua auctoridade em detrimento dos seus filhos; mas isto deve ser com extrema reserva e unicamente para o caso em que o mal é certo e o remedio efficaz. Se o mal é local, não é permittido applicar forçadamente senão ahi o remedio e na justa proporção das necessidades. D'aqui um grande numero de opiniões, que não admittem senão regulamentos locaes e particulares; a n´este caso deveria apenas reconhecer o principio e auctorisar a sua applicação; entregando-a, porém, á prudencia do governo. Esta ultima disposição pareceu a unica conveniente e o projecto de lei foi elaborado em conformidade com ella.

Aconteceu, porém, que a comunicação nomeada pela Camara dos Pares para estudar o projecto não achou verdadeiras as subtis e melifluas palavras do ministro, e alterou radicalmente as suas idéas; por felicidade o relatorio de Villermé, apresentado á academia em fins de 1839, viera demonstrar a falsidade do optimismo de Cunin-Gridaine, e pôr cm evidencia o martyrio obscuro das pequeninas victimas.

O contra-projecto da commissão feito sob a influencia da lei ingleza de 1833 applica-se ás industrias de fiação, fabricação e impressão de tecidos; o minimo da idade para a admissão na industria foi fixado aos oito annos ; como na lei ingleza os menores foram divididos em duas classes, os de oito a doze annos com um dia de trabalho de oito horas, ou de doze a dezeseis annos com um dia de trabalho de doze horas, sendo o dia de trabalho em ambos os casos dividido por um descanso.

A fiscalisação dos preceitos da lei foi confiada ao prefeito, ao sub-prefeito e ao maire (administrador da communa), que nas visitas ás officinas podiam
fazer-se acompanhar por um medico.

Pois este projecto, que, apesar de muito superior ao primitivo, não offerecia probabilidade alguma de bom exito pratica, levantou contra si violentas tempestades!

Que era um começo do saint-simomismo e de phalansterianismo, exclamava Gay-Lussac. Que era o empobrecimento das classes operarias, lei talvez indispensavel em Inglaterra, onde os administradores das parochias, mercadejavam até com o idiotismo dos menores, mas inconveniente em França, paiz livre e, parlamentar, em que a liberdade individual era a base do direito, publico.

O grande economista Rossi insurgiu-se contra a lei em nome da liberdade do trabalho e, cousa singular! combatia a instrucção obrigatória!

É d'elle o seguinte dialogo entre um menor e um industrial: "- Dae-me trabalho.- Não tens trabalho por que não vaes á escola.- Meu pae tambem perdeu o seu salario. - Pouco me importa, visto que não vaes a escola?
Mas morrerei de fome!- Ainda uma vez, não é a lei; tu não frequentas escolas". "É a lei, dizeis vós, respondia-lhe eloquentemente o relator, mas então haveis sequer lido. Vós attribuis-lhe um cruel absolutismo, que fundaes sobre um primeiro paragrapho; paraes os como para pôr o ferro em braza da humanidade sobre o hombro dos profanadores e não vos dignaes de ler o segundo paragrapho, que diz immediatamente depois: far se-ha excepção quando estabelecimento permitir a frequencia menores á escola primaria.

O meu collega ha de permittir que lhe diga, que pelo sou dialogo impressivo encontrou a eloquencia, mas, faze-mol-o a elle proprio juiz (sic) encontraria tambem a verdade?"

Apontada nos seus geraes lineamentos unicamente, sob pena do escrevermos volumes, tal foi a natureza da discussão, que, tanto na Camara dos Pares como na dos Deputados, soffreu o projecto da comissão.

Discussão scientifica e elevada realmente, aonde a paixão por vezes transluzia sob a filagrana da argumentação contraria, e em que se distinguiu o relator commissão, o barão Carlos Dupin; magnifico combate parlamentar, cujos resultados foram a insignificante lei de 23 de março do 1841!

Não é preciso discutir profundamente a lei de 1841, para immediatamente descobrir a origem da sua fraqueza.

Limitada a sua acção ás fabricas e officinas, que tivessem mais de vinte operarios, não abrangendo nas suas disposições os aprendizes, a protecção legal desamparava complectamente 40 por cento dos menores, que em franca e n'aquella epocha se suppunham empregados na industria, como simples trabalhadores, ou como aprendizes. Imperfeita como era, menos avançada do que a lei ingleza de 1833, que aliás imita, a lei franceza trazia ainda um grande vicio de origem, a falta de boa fiscalisação remunerada e independente.

Realmente, não se comprehende mesmo, como a experiencia da legislação ingleza não suggerisse esta observação, aos que mais defendiam o principio da protecção; porque emquanto aos adversarios o seu silencia n'este ponto explica-se pela plena certeza da improficuidade doa preceitos legas, exactamente o que desejavam.

As rasões d'este abandono de uma parte importante do projecto de lei não são faceis de attingir; mas se os motivos são difficeis de destrinçar, as suas consequencias, essas, são palpaveis e indiscutiveis.

A lei de 1841 produziu resultados insignificantissimos.

Apenas cinco departamentos, dos oitenta e seis em que então se dividia a França, os Conselhos Geraes cuidaram na execução da lei, nomeando inspectores remunerados; nos restantes, entregue a commissões locaes não

____________________________

Em um dos inqueritos inglezes aporou-se que um administrador parochial (overser) contratará com um industrial do Lancashire fornecimento de menores, se este se obrigasse a tomar um idiota vinte creanças intelligentes.

2 Menores empregados na industria ....trabalhadores... 125:000
aprendizes....25:000

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remuneradas e a empregados especiaes, como aos inspectores da instrucção publica, dos pesos e medidas, engenheiros etc., a lei não foi executada e n'alguns nem mesmo conhecida.

Em 15 do fevereiro de 1847 mesmo ministro Cunin-Gridaine apresentou novamente á Camara dos pares uma modificação da lei 1841.

N'este projecto generalisavam-se a disposição da lei de 1844 a todas as industrias e fixava se o mínimo da idade da admissão aos dez annos; todavia, o dia de trabalho dos dezeseis annos era igual e de doze horas.

Comparando os preceitos d'este projecto de lei com os da lei de 1841, não se comprehende bem claramente seu fim o seu fim e o seu proposito menos que se supponha como tendo em vista esconder, sob a concessão sympathica de elevar o minimo administração interesse de augmentar em mais quatro hora o dia de trabalho dos menores de dez a doze annos, que a lei de 1841 fixava em oito horas apenas. Tanto esta hypothese é a mais admissivel, quanto, sendo muito mais consideravel na industria o numero dos menores de dez a doze annos do que o de oito a dez, final a modificação reverteria em beneficio dos industriaes.
Contra o projecto se levantou, immediatamente a voz auctorisada de Jules Simon, declarando que elle constituia a postergação de todos os bons principio.

A commissão da Camara dos Pares, porém, ainda d´esta vez ludibriou os designios do ministro. O barão Dupin, o mesmo que relatára a lei de 1841, na sessão de 20 do junho de 1848 apresentou á camara um contra-projeto de leis em que as idéias ministeriaes foram totalmente desprezadas. D'este relatorio, modelo de trabalhos parlamentares d'esta ordem, se deprehendia a pena desesperança do mais ardente apostolo da protecção do trabalho dos menores em França.

Um extracto d´este relatorio vae esclarecer-nos sobro o espirito da lei do 1841 e sobre os seus resultados directos n'um periodo de seis annos.

"As camaras estão (em 1840 e 1841) entendiam que o successo da legislação favoravel aos pequenos operarios não podia, conseguir-se senão pelo concurso do legislador e do poder executivo. Ao legislador cumpria fixar as bases geraes, os limites extremos e os menos favoraveis que se podessem conceder deixando á administração publica os adoçamento graduaes, que, a experiencia, attentamente consultada, indicasse como uteis e praticos.

"Tinhamos nós porventura, admittido muito novos os menores de oito a doze annos no trabalho das manufacturas em geral? Concediamos aos regulamentos da administração publica a faculdade de elevar o limite inferior d'essa idade para todas as industrias, nas quaes o trabalho dos menores excedesse a sua força e fizesse perigar a sua saude.

"Existem especies de fabricação, nas quaes os trabalhos attribuidos á infancia e á adolescencia sejam muito rudes e muito difficeis para durar respectivamente oito a doze horas? Os regulamentos de administração publica envolviam, igualmente, a faculdade de reduzir esta duração a limites convenientes.

"Ainda mais certos ramos de industria são presentemente, ou tornar-se-hão um dia, muito pesados e muito perigosos para ser consentido o emprego dos menores?

"À lei concedia aos regulamentos da administração publica o direito absoluta de prohibir seu emprego.

"Este processo, como vedes, tinha todas as vantagens e nem um só inconveniente. Deixava ao poder, executivo a parte agradavel das futuras medidas em valor dos menores. Não se adiantava, esperava a experiencia. Dentro dos preceitos geraes minimo possivel da protecção, abria a porta ás protecções especiaes, que a administração gradualmente reconhecesse como justas e caritativas para os differentes elementos da industria nacional.

"Lamentâmos que o ministro tenha querido fazer uso do nobre papel, que lhe reservou a confiança do legislador. Mais de seis annos são passados depois da promulgação da lei, que concedia esta generosa protecção, e durante elles a administração não achou que fosse perígosa uma só industria, que alguma fosse mais particularmente penosa para os menores!

"N'este momento lapso de tempo, grandes industriaes, de elevada intelligencia, admittiram no seu estabelecimentos varias restricções, e o seu exemplo não foi seguido pela auctoridade para indicar identicas regras aos estabelecimentos da mesma natureza no resto do reino!

"0 governo tinha a faculdade de alargar, tanto quanto julgalsse conveniente, circulo das manufacturas, das fabricas das officinas submettidas á lei, e d'ella não fez uso algum!"

Estes eloquentes periodos, que são ao mesmo tempo a condemnação da política egoista do ministerio e a prova da insufficiencia da lei completa-se com a idéa que presidiu com contra projecto com a ideia de 1849. O novo projecto da commissão generalisa a protecção todas as industrias, logo que occupem dez pessoas entre maiores e menores, ou cinco apenas se forem creanças (oito a doze annos) adolescentes (doze a dezeseis annos)e mulheres. N'esta dispposição manifesta-se claramente a influencia da lei ingleza de 1844.

As disposição da lei, de 1841 relativámente ao limito de admissão e á duração do dia do trabalho, são conservadas; equiparando, porém, o trabalho das raparigas e das mulheres ao dos adolescentes. Aonde, porém, o projecto da commissão accentuava o seu espirito decidido e pouco transigente, bem differente da lei de 1841 era na organisação da fiscalisação. Creava 4 inspectores geraes, cada um dos quaes teria ás suas ordens, pelo menos, l inspector de divisão. Os logares de inspectores geraes e de divisão eram remunerados incompativeis com quaesquer funcções publicas. Uma rotação regular fal-os-ia successivamente fiscalisar as quatro grandes divisões da França manufactureia.

Commissões especiaes, nomeadas pelo governo, e presididas pelos inspectores geraes, ou do divisão, tinham, a seu cargo as inspecções locaes. A cada inspector geraes a obrigação de relatar annualmete o resultado da sua inspecção, devendo os relatorios ser publicados, e apresentados á camara dos deputados.
A comissão, se nos é permitida a phrase, rompêra, finalmente com o ministro, fazendo agora obra viavel, porque o systema de inspecção ora o adoptado pelo legislador inglez, e que já n'aquella epocha bons resultados produzira.
A revolução de fevereiro de 1848, transformando regimen constitucional da

França, veiu inutilisar esta tentativa, que pena o não ter vingado.

E cousa singular! a constituinte de 1848, tão compenetrada de espirito socialista, encontrando na tela da discussão um assumpto humanitario e sympathico á opinião, abandonou-o completamente, lançando-se no caminho mais perigoso da reducção das horas de trabalho para o operario em geral.

As conveniencias políticas, ainda uma vez, sacrificaram as melhores medidas economicas e moraes. Alei de 9 de setembro de 1848, reduzindo a doze horas o dia do trabalho para os acultos, foi certamente um meio do atrahir as boas graças da enorme massa do operarios, do Paris, de cercar, de sympathias o governo; mas o grande principio da protecção dos menores fôra esquecido e a justiça das pobres creanças não conseguiu irromper atravez

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- 1 Le travaíl des enfants, qu´emploient les ateliers, les usines et manufactures, consideré dans les intéréts mnutels de la sociétédrs milles et de l´industrie, seconde partie par le baron Charles Dupin, Paris, 1847 pag. 27.

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dos grandes interesses politicos, que sobretudo se preoccuparam em conquistar o apoio das massas socialistas.

A lei de 22 de fevereiro de 1802, sobre os contratos de aprendizagem, voiu por ultimo transformar algumas das disposições da lei de 1841 e abranger na protecção legal não só os aprendizes, que esta lei não comprehendia, mas ainda sujeitar a inspecção as officinas e as industrias, que haviam sido exceptuadas. Em virtude das suas disposições os menores foram classificados em duas categorias: os aprendizes menores de quatorze annos, para os quaes o dia do trabalho não podia exceder dez horas; os de quatorze a dezeseis annos, não podendo trabalhar mais de doze horas; o trabalho nocturno e dominical para os menores distas duas categorias foi absolutamente prohibido, e imposta aos patrões a responsabilidade de os obrigar á frequencia das escolas publicas.

Esta lei, completando a de 1841, teria sido um largo passo para a resolução do delicado problema da protecção dos menores em França, se a lei de 1841 comprehendesse, ou se esta preceituasse, um bom systema de fiscalisação, a que nem uma nem outra tinham attendido.

Temos por esta fórma esboçado a historia da legislação sobre o trabalho dos menores nos dois paizes; que pelas suas condições industriaes foram primeiro obrigados a estudar desenvolvidamente esta importante questão social. Foi o nosso intento demonstrar, pela lição de dois grandes povos, como tem sido lenta e cheia de peripecias a evolução de uma das idéas mais nobres e santas, que têem brotado da intelligencia humana, guiada pelos mais subidos principios de amor do proximo, de respeito pela fraqueza e de piedade christã.

Hoje que o sublime principio, graça á lucta habil e valentemente sustentada -pela caridade e pela philantropia contra, o cgoismo das suas ambições sordidas, faz parte do grande capital de verdades, que constituo o progresso geral da humanidade, custa quasi a comprehender as difficuldades que se elevaram contra a sua realisação social!

Sirva-nos isto de exemplo: a pertinacia das grandes e serenas convicções acaba sempre por vencer e esmagar os conluios de interesses, ainda quando estes se incarnam nos poderosos e nos grandes da terra.

Outra conclusão tiraremos tambem das paginas historicas que compulsámos: as leis de protecção social suo sempre improficuas e inuteis, quando, ao lado dos seus preceitos salutares, o legislador não cria e desenvolve um bom systema do execução e de activa fiscalisação das suas disposições.

Tendo em vista estes dois princípios, demonstrados pela experiencia da vida, é justo que todos os homens de boas intenções liguem os seus esforços para a protecção da maior e da mais santa franqueza - a das creanças.

II

Legislação actual sobre o trabalho dos menores

Desde 1869, observa-se nos paizes europeus grande actividade no sentido da protecção dos menores. Quer por meio de leis especiaes; quer descrevendo preceitos em leis geraes sobre a industria, as principaes nações da Europa têem cuidado d'este momentoso assumpto.

Em 1869 a Austria n'uma lei geral sobre a industria; em 1873 a Hespanha e a Dinamarca em leis especiaes; em 1874, a Franca, a Hollanda e a Russia em leis especiaes; em 1877 a Suissa em lei especial; finalmente, em 1878 a Inglaterra n'uma lei especial, codificação da legislação anterior, e a Allemanha n'uma lei geral sobre a industria. Se a estas nações acrescentarmos a Suecia, que se occupou da questão em 1846 n'uma lei geral sobre a industria, concluiremos que actualmente das nações da Europa apenas cinco dag mais importantes não possuem legislação sobre o trabalho dos menores: a Italia, a Belgica, Portugal, a Turquia e a Grecia, não entrando em linha de conta com os pequenos estados danubianos.

Das grandes nações dos outros continentes, a maior sem duvida e a mais adiantada, os Estados Unidos da America, possue uma extensa legislação sobre o assumpto; visto que cada estado se tem occupado da protecção dos menores em leis, successivamente remodeladas conforme a experiencia e a necessidade de novos preceitos, por exemplo: o Massachusetts, que em 1880 modificou a sua legislação sobre o trabalho nas manufacturas e o de New-York em 1881.

Este grande movimento de legislação parece-nos prova evidente do profundo interesse, que este problema social está merecendo, em todos os pontos do globo, aonde a industria tem, ou tende a tomar, grande desenvolvimento.

Entre as nações da Europa duas ha, nas quaes deverá causar estranheza a ausencia da legislação sobre o trabalho dos menores: a Belgica e a Italia, principalmente a primeira como paiz essencialmente industrial e commercial.

Não acontece isto certamente, porque não haja na Belgica um movimento favoravel proteccionista; em 1875 foi apresentada á Camara dos Deputados pelo sr. Vanhouten uma petição, assignada por 32:000 operarios, em que se pedia a legislação sobre o trabalho dos menores.

As causas d'esta falta na legislação belga são conhecidas «ha quinze annos que a Belgica deveria ter uma lei d'esta natureza, mas não se fará, porque o poder reside nas mãos de uma burguezia industrial, que apenas procura enriquecer-se», exclamava o deputado francez Laurent, quando se discutia a lei franceza de 1874.

A segunda causa é a extrema hostilidade dos partidos, que divido os belgas em duas fracções irreconciliaveis.

«As forças d'estes partidos igualando-se quasi, cada um receia armar o outro contra si, alargando as attribuições do estado. Consentir aos inspectores do governo e ás commissões locaes, por elle nomeados, entrar a qualquer hora nas officinas e exigir a apresentação dos livros seria, segundo pensam? entregar aos adversarios o segredo da fabrica e do estado dos seus negocios. Seria permittir aos adversarios lançar n'uma situação desastrosa os fabricantes do outro partido, exigindo d'elles uma estricta observancia da lei e consentindo a sua violação aos fabricantes amigos, para lhes assegurar, com o trabalho das creanças, o beneficio de uma mão de obra barata.1»

Estas monstruosidades, que provém da pessima organisação economica e politica do paiz, engrandecida nos seus perniciosos resultados pela elevação do censo eleitoral, que só permitte representação a classes interessadas e egoístas, dão-nos a facil explicação de um facto, que longe de condemnar o principio da protecção do trabalho dos menores, pelo contrario demonstra e prova a sua necessidade.

Emquanto á Italia, a sua recentissima unidade, que data da occupação de Roma em 1870, explica a falta da legislação protectora, que em breve, é de crer, será preenchida: O parlamento italiano, actualmente dos mais distinctos pela superioridade dos homens que o constituem, e pelo modo brilhante o ao mesmo tempo profundo, por que n'elle são tratados as mais arduas questões da administração publica, não deixará de enriquecer a legislação patria com uma lei, cujo alcance social, moral e economico é hoje incontestavel.

De resto, na camara italiana já em 1875 foi apresentado, a renovado em 1879, um projecto do lei sobre o trabalho loa menores; finalmente, em 1879 outro projecto, firmado poios dois ministros Miceli e Depretis, começou a ser estudado, sem que até agora conste ácerca d'elle nenhuma resolução definitiva.

1 Bullelin de la société de législation comparée, mars. 1880.
Mimoire de Hubert Valleroux, pag. 203.

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Entre nós nada se, tinha feito, salvo algumas indicações isoladas e perdidas entre a indifferença geral das classes sociaes preponderantes, quando em 1880, um homem de grande, valor intelectual do que, haveria a esperar, um estadista, se a morte tão cedo o não arrebatasse, Saraiva; de Carvalho, então ministro, das obras publicas da situação progressista, levantou, a questão do trabalho, dos menores; Uma das clausulas do programma do partido em que militava, impoz lhe evidentemente esta iniciativa, que, por incompleta que seja e sem resultado, não deixa de ligar honrosa memória ao nome do proponente.
O projecto Saraiva de Carvalho, traduzia quasi unicamente a lei franceza de 1874 e, fraquejava, a nosso ver, no ponto referente a execução e fiscalisação da lei, aonde se manifestava pareimonia do ministro. Em 14 de fevereiro de 1880,o seu autor sujeitava á competencia da sociedade das sciencias, medicas de Lisboa. Não conhecemos a discussão, que no seio d'aquella douta associação motivou á proposta; em 3 de julho, do 1880, porém, respondia ella ao ministro com as seguintes conclusões:
1.° Nas industrias portuguezas nenhum menor de qualquer sexo deve ser admittido antes dos doze annos, a não ser nas profissões, que um inquerito industrial indicar, como não sendo nocivas, ás creanças, entre dez e doze annos. Provisoriamente poderão admittir-se nas diversas, industrias a menores de, entre essas duas idades, que certidões de dois facultativos, dos quaes um, pelo, menos, commissionado pelo governo affirmarem que podem, pelo seu desenvolvimento especial, entrar na excepção indicada;
2.° O inquerito, a que se refere a primeira conclusão, deve estudar e indicar quaes as profissões defezas á mulher, antes, dos quinze annos, tendo em attenção a sua funcção especial.
3.° na letra do artigo 4.º da proposta em questão, deve mudar-se, para dez o máximo das horas do trabalho;
4.° Todos os artigos da mesma lei onde se estabeleça o maximo de doze horas de trabalho, devem ser modificados segundo a preecedente conclusão.
5.º No artigo 18º deve limitar-se a cinco horas a duração do trabalho diário; 6.° O trabalho dos ventiladores deve prohibir-se aos menores, acrescendo este novo paragrapho aos do artigo 19.º;
7.° Deve instituir-se na lei um serviço de inspecção e vigilancia sanitarias para a admissão de menores e para a sua permanencia nos estabelecimentos industriaes;
8.° Esse serviço de inspecção, e vigilancia deve ser feito pelo facultativo munincipal com remunerações consoante o serviço prestado, on por outro facultativo nomeado pelo municipio;
9.° Ás commissões districtaes devem, incumbir os serviços attribuidos aos inspectores, na secção VI;
10.º N'essas commissões; compostas de tres membros, deve haver sempre um medico; os outros dois deverão ser um engenheiro e um industrial com longa pratica;
11.° Devem ser eliminadas do artigo 65.° as palavras "com funcções gratuitas" e additadas estas: "D'esses cinco membros dois serão medicos, outro engenheiro; outro industrial e outro escolhido por arbítrio do governo".
Estas, indicações da associação medica, que todas são justas e acceitaveis, levaram o ministro a determinar um inquérito industrial baseado sobre os seguintes quesitos especiaes.
l.° Idade, em que os menores são admittidos na industria, indicando quaes as profissões, que não, são nocivas, ás creanças de dez a doze annos.
2.° Quaes as profissões industriaes, que devem ser defezas a mulher antes dos quinze annos;
3.º Se as horas do trabalho estão reguladas de modo que não extenuem as forças dos que o prestam;
4.º Se os empregados fabris, se preoccupam da instrucção e da morigerações dos menores.
Estas indicações seriam, sufficientes, para que se podesse
fazer, um trabalho positivo, e pratico sobro a protecção dos menores, se porventura o inquérito tivesse sido organisado por outra forma; ainda aqui o principio da economia excessiva inutilisou as melhores; intenções.
A remmissão de inquerito 4 nomeada em 12 de julho de 1880 composta por dois medicos distinctos, por, dois deputados homens de superior talento, e por um industrial, dos mais illustrados e talentosos d'esta, cidade, fora bem escolhida; mas não era assas numerosa, nem, os seus illustres membros dispunham; do tempo, material, para colleccionar todos os elementos indispensaveis, relativos, ao problema social que se ventilava.
Nem mesmo lhes seria facil cumprir a sua, missão, embora, podessem applicar ao trabalho todo o seu tempo util e, não cortado pelas obrigações da sua vida particular; n'um paiz não preparado para os inqueritos industriaes, contra os quaes por um lado reage o espirito acanhado, e desconfiado dos cidadãos, e por outro çontraria o descuido e o abandono do estudo, da estatistica e a preparação dos meios seguros de a obter; visto que nos contentâmos, geralmente, em organisar repartições de estatistica, que sem recursos nada podem fazer (suppondo mesmo que a sua organisação é boa) e em publicar uns volumes de tardias estatisticas officiaes, as quaes antecipadamente declarâmos, imperfeitas e incorrectas.
A comissão de inquerito dividiu os seus trabalhos, encarregando um dos seus membros, o sr. dr. Mota, de responder ao primeiro dos quesitos, outro, o sr. dr. Fialho gomes, de responder ao segundo e, finalmente, o sr. Ennes e Anjos de responderem ao terceiro e quarto; e nomeou relator geral o sr. 01iveira Valle. São resultados d'estes trabalhos, que Vamos succintamente relatar.
Em relação ao primeiro quesito apresentou, o sr. dr. Mota; ,alguns dados, que nós compendiâmos, dando-lhes a fórma do mappa por ser esta a que melhor se presta a rapida.
comparação (annexo n.º 1). Os primeiros nove estabelecimentos foram directamente visitados pela commissão; a estes acrescem onze para que quaes as observações foram fornecidas pelo sr. dr. Ferraz de Macedo.
As seguintes conclusões do illustre medico são dignas; do maior reparo.
Não admitte o emprego dos, menores, na industria antes dos doze annos.
Entende que a lei deve apenas conter, os princípios geraes, que differentes regulamentos, e elaborados, pelos agentes directos; da inspecção, devem traduzir e aplicar as especialidades numerosas e só então bem conhecidas, da nossa economia industrial.
0 sr. dr. Fialho Gomes diz em relação ao segundo quesito:

1 Os sr. Eduardo Augusto Mota, presidente, e João Fialho Gomes, medicos, Joaquim José Maria de Oliveira e Antonio José Ennes, deputados, e Polyearpo Pecquet Ferreira dos Anjos, commerciante e industrial.

1 Artigo 4.°De doze a dezeseis annos; os menores não poderão trabalhar em vinte e quatro horas mais de doze, devididas por dois descansos iguaes, ao dos adultos, e a mesma hora, não sendo cada descanso inferior a uma (Proposta Saraiva,artigo 3º da lei franceza.)
2 Artigo 18.º Estes trabalhos (os subterraneos) não poderão ser accumulados com outros e não durarão mais de oito horas no espaço de vinte e quatro, com o descanso de uma pelo menos (Proposta Saraiva regulamento Francez sobre minas de 12 de maio de 1875, artigo 1.º)
3 Artigo 65.º junto do ministerio das obras publicas haverá uma comissão de cinco membros com funções gratuitas, e será encarregada de vigiar pelo cumprimento d'esta lei centralisar as propostas e relatorios das comissões distritaes e dos inspectores consultar sobre as providencias que o governo tomar ou propozer ao poder legislativo com relação a este assunto propor ao governo em lista tripla os inspectores do distrito (Proposta Saraiva, artigo 23.º da lei franceza.)

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que não conhece profissão alguma, que deva ser defeza á mulher antes dos quinze annos, mas sobre este assumpto julga indispensavel chamar a attenção de homens versados e entendidos em questões de hygiene industrial, e termina aconselhando que se não restrinja muito o campo á actividade feminina.

O relatorio, dos srs. Ennes e Anjos envolve também considerações da maior importancia. É um documento madura, fortemente pensado e escripto em bom estylo. Juntâmol-o a este relatorio (annexo n.° 2) como um dos raros subsidios, que encontram entre nós os que desejam formar uma opinião positiva sobre a necessidade de regular o trabalho dos menores na industria.

As conclusões do trabalho dos srs. Anjos e Ennes podem assim resumir-se:
1.° Das creanças empregadas na industria e condemnadas a prematuro trabalho, uma parte são victimas da ambição, do desleixo e da incuria dos pães, que se eximem aos grandes deveres impostos pela paternidade, outra da miseria real das familias operarias. "Pelo desamor dos paes, ou pela miseria real; todas merecem e precisam, pois, de que a legislação actual as tutele e proteja, e as contemplações, que se houvesse de ter pela necessidade de umas, não deveriam aproveitar á especulação, que sacrifica as outras".

2.° O salario dos menores é geralmente muito pequeno.

"Em Lisboa regula de 80 a 100 réis, raras vexes chega a 120 réis, e nas provincias ainda costuma ser mais escasso."

3.° Poucas creanças sáem habilitadas das fabricas, poucas conseguem fazer-se bons operarios. "Mas cada um d´estes afortunados, que o foram quasi sempre por mercê de especial habilidade, ou por encontrarem alguma protecção, viu passar pelo estabelecimento, onde tem vivido os largos annos das suas promoções, milhares e milhares de creanças, que entraram e sairam, saindo tão pouco habilitadas para proverem á sua sustentação como tinham entrado; porem geralmente mais eivadas de enfermidades e mais desgostosas do trabalho, que só conhecem ingrato".

4.° A cultura intellectual e moral dos menores emregados na industria é inteiramente nulla. "Geralmente, os industriaes não mostram a menor solicitude, o minimo interesse pela instrucção ou moralisação das creanças, que empregam, e não estabelecem com ellas outra ordem de relações que não sejam as de patrão e operario".

5.° Devem, á imitação da lei hespanhola, os estabelecimentos industriaes, que empregam um certo numero de creanças (fixa este numero em 50, pelo menos) ser compellidos a sustentar uma escola de instrucção primaria "Talvez se objecte que o estado não tem direito de impor similhante encargo, embora leve, de transferir para particulares o dever de ministrar gratuitamente a instrucção primaria; esta objecção, porém, afigura-se-nos tão pouco fundada, como a que se oppozesse, em nome da liberdade individual, aos preceitos legaes, que exigem nas oficinas asseio e outras condições hygienicas".

6.° Aconselha a creação de creches nos estabelecimentos industriaes."Creches, onde seja numerosa a população operaria feminina, escolas, onde trabalhem muitos menores, é o menos que o interesse social e o sentimento humano podem pedir ás industrias para os seus obreiros mais infelizes".

Taes são as principaes conclusões do excellente relatórios dos srs. Ennes e Anjos. A importância d'estas opiniões deriva não só da observação directa dos signatario do documento, mas cresce ainda pelo facto de ser industrial um d'elles. Não são juizos suspeitos de homens adversos, ou desconhecedores dos interesses industriaes, que desenrolam, movidos por um sentimento generoso, um quadro da miseria dos mesmos empregados na industria, é um industrial, que ousada e honradamente expõe as verdades e os factos colhidos pela própria experiência.

O resultado do todos estes trabalhou foi o projecto de lei regulando o trabalho dos menores na industria, apresentado á camara dos deputados na sessão do 8 de janeiro de 1881. Nas suas disposições geraes este projecto de lei copiava um pouco servilmente, seja dito em boa verdade, a legislação franceza; sem, todavia, aproveitar tudo quanto ella tem de proveitoso e applicavel; não era isto, porém, o que mais prejudicava a proposta.

Entre nós, attendendo á carencia de dados estatisticos seguros e á falta de conhecimento, quanto possivel exacto, da nossa organisação industrial, uma primeira lei d'esta ordem não póde deixar de ser uma imitação da legislação actual estrangeira, principalmente da França, paiz que mais de nós se approxima pelos caracteres de raça e de organisação social; o peior defeito da proposta Saraiva de Carvalho consistia no systema adoptado para fiscalisação do trabalho dos menores.

Uma Junta Central composta de cinco membros, de nomeação regia, constituia uma especie de corporação consultiva do ministerio das obras publicas. As atribuições d'esta junta eram insignificantissimas, como a gratificação de 300$000 réis concedida a cada vogal era diminuta. N'estas condições a junta, se se houvesse formado, seria composta por cinco nullidades, das que em volta dos governos enxameiam, procurando engrossar os ordenados, que por via de regra não merecem.

Uma commissão, delegada da Junta Geral, sem remuneração fixada na proposta de lei, que apenas concede ás juntas geraes a faculdade de pagarem aos seus membros, se assim o tivessem por conveniente, desempenhava as funcções fiscaes no districto, e sobretudo vigiava o serviço dos inspectores.

Nos inspectores residia o principio de toda a fiscalisação; estes, porém, em numero de cinco, para o continente e para as ilhas, não poderiam, por maior que fosse a sua actividade, desempenhar as suas numerosas e difficeis funcções. A remuneração d'estes agentes elevava-se a l:000$000 réis, sendo 500$000 réis por vencimento de categoria, 200$000 réis pela primeira visita a todos os estabelecimentos industriaes do seu respectivo circulo, 200$000 reis pela segunda visita, e 100$000 réis pela apresentação do relatorio annual, alem de 2$000 réis de ajuda de custo por saída a mais de 10 kilometros da sua residencia.

Esta organisação, que, alem d'estes defeitos, tinha o do ser mal remunerada, ainda sofreu n'este sentido profunda alteração na commissão de fazenda da camará dos deputados. Aos membros da Junta Central, que, segundo a proposta ministerial, seriam gratificados com 300$000 reis por anno, reduziu-se a gratificação a 250$000 reis, obtendo-se por esta forma uma economia total de 250$000 réis annuaes!

Os inspectores deviam ser escolhidos d'entre os engenheiros, ou officiaes habilitados, do ministério das obras publicas, visto que este pessoal, no dizer do relator o sr. Marianno de Carvalho, excedia as necessidades do serviço.
A proposta ministerial, estudada pelas commissões do fazenda e de commercio e artes, e transformada em projecto de lei, foi apresentada á camara em 9 do março de 1881. A quéda do ministério progressista, occorrida alguns dias depois, inutilisou esta tentativa, que, apesar de incompleta, teria dado alguns resultados beneficos; sobretudo a vantagem de iniciar entre nós um periodo de sensatas reformas sociaes.

Triste é confessal-o! Os ministerios succedem-se no nosso paiz sem idéas de administração, com partidos sem programmas politicos, com estadistas, cujo principal talento é governar com expedientes e segundo os interesses de pequenas facções, com a opinião publica perfeitamente desorganisada, ou pelo scepticismo e pela desconfiança, que gera a immoralidade dos governantes, ou pela indifferença que produz nos cidadãos a ignorância dos direitos o dos deveres sociaes; os governos em Portugal sobre-

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põem-se sem theoria alguma de governação publica, sem unidade de administração, sem estudo, sem convicções e, por vezes, sem moral politica.
A proposta Saraiva do Carvalho caiu, pois, no olvido dos archivos parlamentares, até que em 1883 foi renovada a iniciativa pelo deputado dr. Santos Viegas. Esta nobre tentativa, devia ainda ser infructifera, como o são geralmente no nosso parlamento os temas d'esta ordem, a apresentação de projectos de lei a que não seja apposta a chancella ministerial.

Finalmente, em principios do corrente anno, o sr. Antonio Augusto de Aguiar, então ministro das obras publicas, renovou novamente a proposta Saraiva de Carvalho; a alta posição do proponente dava esperanças de que, emfim, o nosso paiz daria mais um passo avançado na senda do progresso moral, quando uma crise inesperada, inesperada, levando aquella passa, outro estadista, afastou, ainda por algum tempo, á realisação do humanitario principio da protecção legal concedida do estado aos menores empregados na industria.

III

Da necessidade entre nós da legislação protectora dos menores

Em regra a legislação, d'esta natureza deve ser preventiva e não repressiva. A protecção dos menores não constitue apenas dever de caridade e de philantropia; mas, ainda, sob o ponto de vista social, uma necessidade hygienica e um meio indispensável de conservação e robustecimento das classes populares.

Não ha de ser quando as ultimas camadas sociaes, de geração era geração extenuadas pelo excesso do trabalho, e pela pobreza, não hão de ser quando o rachitismo e a tysica lavrem funda e extensamente nas famílias, e o numero dos incapazes e dos idiotas venha engrossar esse triste exercito da miseria, que envergonha as sociedades modernas, não ha de ser então que o legislador tardiamente regule aquella protecção, pela qual teria evitado a tempo a situação desastrosa, que exigirá agora cuidados vigilantes e dezenas de annos para obter, difficil remedio.

Por isso, nós asseverâmos que as leis d'esta natureza são antes preventivas das causas desorganisadoras, do que repressivas dos abusos de que são geralmente victimas as classes populares mais pobres.

Estes raciocinios servirão de resposta áquelles que porventura nos, digam que Portugal não é, infelizmente, um paiz industrial; por pequena e insignificante que seja a nossa população operaria infantil, deve ella merecer-nos os cuidados que a justiça, e não o numero, nos impõe, e nos determina o amor do proximo.

De resto, o excesso do trabalho prematuro, constitue uma das causas mais importantes de depauperamento physico e intellectual da raça humana; atacar directamente, essa origem de empobrecimento nacional e, pois, um dever sagrado, que nos exigem a religião, a philosophia e os grandes interesses da patria.

Alem d´isso a nossa industria tende a desenvolver-se; nem será mesmo difficil de demonstrar, ha trinta annos a esta parte, um crescimento importante em alguns
dos seus ramos, por exemplo: a fiação e tecidos, a estamparia, para não citar senão estes. Este desenvolvimento, principalmente accentuado em industrias que mais empregam menores e mulheres, deve nos rasoavelmente fazer esperar um futuro largo e prospero; assim, pois, se o presente nos indica desde já a necessidade, e a conveniência de uma lei reguladora do trabalho, o futuro aconselha-nos a prevenir os males do enfraquecimento da nossa, raça, do empobrecimento das classes populares, aonde a nossa industria, cada voz mais poderosa, irá procurar os seus exércitos de operários. Que a experiencia dos outros nos sirva também de ensinamento, poupando-nos os sofrimento as e as luctas que sempre a acompanha, e sem as quaes, diga-se em verdade, parece muitas vezes ser improficua a sua lição!

Se estas generalidades, que acabâmos de expor não fossem por si sufficientes para aconselhar uma medida legislativa, exigida pela caridade em nome da religião, pela philantropia em nome da humanidade, e pelas conveniencias sociaes em nome da não, o estudo do nosso meio actual motivaria desde já uma tentativa seria desenvolvida d'esta ordem.

Em geral a nossa estatistica tem andado descurada; não fallámos só da estatistica official, isto é, d'aquella que colecciona os factos, que diariamente se produzem nos diferentes órgãos do grande machimismo governativo, mas ainda, e principalmente, d'aquelle ramo importantissimo, que reune e agrupa os phenomenos, manifestados pelas variadas forças economicas e sociaes, que constituem a nação.

N'esse ponto, principalmente, a nossa incuria tem sido completa, e absoluta é a ausencia de elementos estatisticos, serios e positivos, em que o economista, o financeiro e o legislador possam fundar as suas theorias e, sobretudo, estudar a applicacão util dos seus preceitos.

Alem da insignificante publicação de elementos estatisticos officiaes, quasi sempre demorada por tal fórma que os pequenos subsidios, que poderiam prestar ao estudioso, são quasi completamente annullados pelo atrazo da sua referencia, os grandes phenomenos economicos, os factos da nossa organisação social, na sua mais lata accepção são apenas presentidos.

Investigação directa e constante d'esses phenomenos, reunião methodica e ordenada d'esses factos, cousas são de que poucos curam, não sendo raro que uma grave medida, financeira seja levada ao parlamento e transformada em lei, fundando-se o seu proponente n'úns raciocinios mais ou menos subtis, corroborados por alguns algarismos com que a moda das discussões positivas constella, de quando em quanto os largos discursos de pura feição metaphysica e casuistica 1.

Não era de esperar que esta grave lacuna deixasse de existir no estudo dos phenomenos, do trabalho nacional; só a propriedade e o capital não têem merecido aos governos, do paiz um aturado estudo, não é para estranhar que o seu irmão bastardo, o salario, tenha sido absolutamente descurado.

Tudo quanto forma o que actualmente se chama a estatistica do trabalho, que outra cousa mais não é do que o conhecimento das condições economicas particulares e sociaes das classes assalariadas e proletarias, é absolutamente desconhecido entre nós. A nossa emigração annual é enorme? Pois bem, o unico trabalho aliás incompletissimo, que a, similhante respeito possuimos foi organisado por um inquerito parlamentar e tem a data de 1872! Organisou-se em 1881 um inquerito industrial? Pois bem, as mais serias questões positivas do salário, da constituição das classes operarias das subsistencias, nem sequer foram esboçadas e as nossas condições economicas industriaes ficaram pouco menos obscuras, do que o eram precedentemente.
Suppõe alguem haver exagero n'esta affirmação?
Uma prova concludente, temos, a nosso ver, no relatorio apresentado pela repartição de estatistica do ministerio das obras publicas, documento mandado organisar pelo ministro Hintze Ribeiro (annexo n.° 3.°)
Qual é o numero de menores, que trabalha nas differentes industrias? A esta pergunta tão simples, que pri-

______________________

1 As leia relativas ao imposto do consumo, do sal são entre nós a demonstração da verdade da nossa asserção. Lançou-se sobre o paiz e sobre as classes pobres, principalmente um imposto vexatorio, desconhecendo-se absolutamente o regimen economico particular das industrias, que íam ser feridas!

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meiro occorre, respondem os cinco enormes volumes do inquerito industrial com superficialidade pouco digna de trabalhos, d´esta ordem.
Inutil, pois, será procurar nas nossas estatísticas nacionaes elementos positivos e sufficientes para estudar proficientemente um assumpto d'esta importancia; o mais a que podemos, aspirar será a demonstrar por meio d'ellas a necessidade de uma lei protectora; d'aqui se concluo tambem a necessidade impreterivel, de que esta mesma lei contenha em si os elementos indispensaveis para a organisação da estatistica ao trabalho.
Vejâmos, pois, o que nos dizem os poucos elementos, que podemos colligir acerca do trabalho doa menores na nossa industria. Damos, n'este ponto a palavra ao chefe da repartição da estatística, o sr. Costa Terenas:
«Resulta d'essas declarações, e é por assim dizer nota predominante cm todas ellas, que a industria nacional detinha e se atrophia por falta de instrucção geral e especial, e só póde desenvolver-se e prosperar melhorando-se as condições physicas do operário pela hygiene, e as condições intellectuaes pelo ensino. Nas fabricas de vidro; por exemplo, e sob o regimen actual, ou antes com a actual falta de regimen, difficilmente podem os menores chegar a adultos com a necessaria robustez. «Orçados n'estas condições, diz o chefe de um estabelecimento d'esta natureza, de mil haverá um, que chegue a adquirir a robustez precisa!
«Raro e o industrial que se não queixa da ignorancia dos operarios, filiando-a na falta de escolas profissionaes, e na de contratos de aprendizagem. Alguns, com grande lucidez e elevado criterio, attribuem grande parte dos males de que soffre a industria não só a essas causas, mas á falta de lei reguladora do trabalho dos menores.
«E até ha quem, na espectativa de uma proposta de lei n'este sentido, recuse admittir menores e aprendizes nas suas officinas, emquanto essa proposta não for convertida em lei. No relatorio da visita ás fabricas do districto do Porto, fallando dos operarios das officinas de serralharia e ferraria de Gaia, diz a sub-commissão: «aturdidos pelo
«malhar da forja desde a primeira infanda, rotos, anemi-
«cos, immundos, essa gente é condemnada pela sorte á con-
«dição de parias. Fiscalisar o regimen ao trabalho n´estas «
e n´outras officinas, legislando as condições de idade, de
«ensino, de hygiene, é um dever urgente.»
Este pequeno mas eloquente quadro refere-se a uma população já importante de operarios menores. Segundo os calculos do illustre estatistico, o numero de menores empregado na grande, o na pequena industria nacional póde avaliar-se em 70:000, isto é, em perto de 8 por cento do numero total dos menores de seis a quinze annos, accusado no recenseamento da população!
Ninguem por certo affirmará que tal numero de menores não constitue já um elemento apreciavel de população, uma quantidade de força viva digna da attenção do legislador.
As condições especiaes d´esta, população operaria não são muito prosperas.
A idade de admissão começa, aos cinco e seis annos; este facto é attestado pelo inquerito industrial e reconhecem-n'o os srs. Ennes e Anjos no seu relatorio. Os resultados do inquerito industrial, compilados no annexo n.° 3, não accusam tão diminuta idade, mas ainda assim provam que o trabalho dos menores começa muito cedo; 10 por cento dos menores do sexo masculino, 5 por cento, dos femininos, têem a idade de seis a dez annos.
Se a idade da admissão é curta, ao contrario é longo o periodo diario do trabalho. Em gerado menor trabalha dez horas por dia, muitas vezes trabalha doze, poucas vezes nove horas; este trabalho diurno não exclue, todavia, o nocturno, ou os serões (annexo n.° 3).
O annexo n.º l fornece-nos, porém, mais valiosos esclarecimentos; n'alguns estabelecimentos o dia de trabalho chega a ser de quartorze horas, com um só intervallo de meia hora para descanço e refeição! Sete horas de trabalho seguido e continuo, pelo menos!
Emquanto ao salario, a compensação do trabalho das creanças, esse é diminuto: 70 a 130 réis por dia de trabalho de quatorze horas, 60 a 240 réis por dia de trabalho de sol a sol, com meia hora de intervallo, quer deverão, quer de inverno! (Annexo n.º l.)
E todavia, este salario é relativamente remunerador; segundo o inquerito industrial o salario dos menores começa em 20 réis diários (annexo n.° 3)
«Em Lisboa regula por 80 a 100 reis, raras vezes chega a 120 réis, e nas provincias costuma ser mais excasso» (annexo n.° 2).
Se ao menos a creança recebessem instrucção primaria, que aliás é obrigatoria entro nós?!
«Emquanto á instrucção, apenas se apurou das informações dos industriaes que a maior parte dos menores são analphabetos, e quanto aos meios de a adquirir verá v. exa. (o ministro) que se acha em branco a columna das escolas das fabricas, e que a das escolas externas apenas menciona 52 menores, que as frequentam.
«A fabrica Lealdade do Porto ê a unica que, de entre as horas uteis do trabalho, concede dias aos menores para frequentarem a escola» (annexo n.° 3).
Geralmente, dizem os srs. Ennes e Anjos, os industriaes não mostram a menor solicitude, o minimo interesse pela instrucção ou moralisação das creanças, que empregam, e não estabelecem com ellas outra ordem de relações, que não sejam as do patrão e operario (annexo n.° 2).
As observações dos srs. drs. Mota e Ferraz de Macedo não contrariam estas indicações; de 301 menores, entre seis a dezeseis annos, apenas 52 sabem ler e escrever o 103 frequentam a escola (annexo n.° 1).
Eis o quadro que nos pintam sem discrepancia os tres documentos, que temos á vista; é curto mas edificante.
Ora, em todas as questões d´esta ordem ha o que se vê e o que se não vê.
Veja-se o que escrevemos, attenda-se ao que comparâmos, o sobretudo leia-se o documento mais importante que existe sobro este assumpto, o relatorio dos srs. Ennes e Anjos, e conclua-se pelo que se vê, o que realmente será o trabalho dos menores na industria!
Ser egoista e pouco caridoso são, infelizmente, vicios vulgares na especie humana; mas quem os tem, tal é a força da virtude, procura escondel-os aos olhos dos outros.
ara chegar a irromper o que sabemos acerca do trabalho dos menores, quantos havemos ainda de ignorar!
Quantas brutalidades, desprezes, abandonos o indifferenças se accumularão sobro as pequeninas cabeças, atrophian-do-lhes o physico e pervertendo-lhes o moral?
Porque é bem certo que a felicidade predispõe para a bondade, que a alegria e o bem estar dão á alma humana a suavidade, de onde brotam sentimentos generosos é espontâneos; emquanto o infortunio e o trabalho brutal e sem esperanças infiltram, a pouco e pouco, no individuo a desconfiança, o odio a surda reacção, as vezes inconsciente, que desenvolvem os grandes culpados e originam os maiores crimes.
E só alguem podesse duvidar dos martyrios, que as creanças soffrem, do trabalho prolongado, em que o excesso se combina com a brutalidade dos homens para ás esmagar, bastaria ver esses, pequenos sotas; que ale altas horas da noite conduzem os americanos e os riperts. Escolhidos entre os mais pequenos, para que o seu peso não estrague o animal, dominados pelo somno, profundo e natural da sua idade, o ainda augmentado pelo trabalho do muitas horas, cabeceando, frios e encharcados, sobre as mulas manhosas o bravas, expostos aos tratamentos grosseiros dos que outr'ora como elles experimentaram iguaes miserias, sem que a memoria embrutecida lhes aponte agora o humanidade, aquellas creanças são a manifestação clara de quanto a fraqueza infantil soffre e padece.

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E os que sentem pulsar o coração, os que se recordam de que n'aquelle momento os seus filhos, creanças como aquellas, dormem, conchegados e fartos, affligem-se com as monstruosas desigualdades, que a natureza espontaneamente semeia entre os homens e o abandono social desenvolve e accentua, reconhecendo a necessidade de que o Estado, o supremo regulador das funcções sociaes, intervenha; para que a audacia e o egoismo dos interesses não esmaguem os direitos dos fracos, e dos pequenos.
Descendo mais ainda na escala da miseria é do abandono, encontraremos esses pequeninos martyres, que, alugados e mal tratados, esmolam durante a noite a caridade dos transeuntes; e essas pobres creanças que bem cedo começam a triste aprendizagem dos miseraveis segredos da devassidão, praga secreta, profunda doença moral que afflige e enfraquece a civilisação moderna.

IV

Exposição dos principios geraes do projecto de lei

Como dissemos precedentemente; uma lei reguladora do trabalho dos menores em Portugal não poderá deixar de seguir os preceitos geraes da legislação estrangeira sobre o assumpto. Não só a natureza do problema é a mesma para todos os povos modernos; mas nós, especialmente, não estamos ainda preparados com os indispensaveis elementos positivos, para que os legisladores nacionaes possam organisar, o seu trabalho, tendo apenas em vista a natureza da nossa industria; a sua organisação e o numero de menores empregados nos seus differentes ramos.
Como julgâmos ter demonstrado no capitulo anterior, a necessidade de legislar ácerca da protecção dos menores parece-nos instante; não podendo, pois, por emquanto legislar com o pleno conhecimento do modo de ser actual da nossa industrial, fomos procurar na legislação dos povos mais cultos, e entre estes n'aquelles em que o interessante problema tem sido mais estudado, os preceitos geraes, que á todas ás nações convem, e os especiaes que a critica nos indicou como applicaveis utilmente ao nosso paiz. Era certamente este o caminho mais sensato; que deveriamos seguir.
O projecto de lei não adopta exclusivamente, portanto, o plano e as disposições de qualquer lei estrangeira; mas de pareceu, reunindo, tudo n'um quadro geral. É claro que a França e depois a Inglaterra nos forneceram principalmente os elementos do nosso trabalho; como paizes que mais directa e profundamente têem estudado a questão, que nos interessa, natural era que ahi fossemos respigar os mais valiosos subsidios.
Pelo que respeita ao plano geral do projecto seguimos o unico caminho, que a pobreza dos nossos conhecimentos especiaes nos impunha; não envolve elle mais do que os principios geraes applicaveis a todas as industrias.
O estudo directo da nossa esphera industrial, para o qual no proprio projecto propomos um poderoso e producente meio, completará successivamente a generalidade da futura lei, especialisando os seus preceitos, regulando-os ás differentes necessidades dos varios ramos do trabalho nacional.
Este modo de legislar não só é indicado pelas circumstancias, mas tem ainda sido aconselhado por auctoridades importantes; relembraremos n'este ponto a opinião expendida pelo illustre professor o sr. dr. Mota, que transcrevemos n'outra secção d'este relatorio.
Como se vê, folheando o projecto, dividimol-o em duas partes, uma contendo a exposição das doutrinas e os principios fundamentaes e geraes, que, sendo approvados, constituirão a lei propriamente dita, outra comprehendendo as tabellas, em que as industrias se especialisam com as respectivas condições de trabalho para os menores, definidas sempre no campo limitado pelos preceitos geraes desenvolvidos no projecto; esta segunda parte successiva e continuamente variará, conforme o estudo directo dos nossos differentes ramos industriaes mostrar esta necessidade.
Por esta fórma julgâmos ter conseguido harmonisar a conveniencia da fixação por lei dos principios geraes da protecção dos menores, com as successivas transformações e modificações, de fórma e não de essencia, que esses principios devem experimentar nos multiplices e variados ramos industriaes, cujas condições de organisação interna nos são, em alguns, completamente desconhecidos.
Os principios geraes da lei só outra lei os poderá alterar; mas a applicação especial d'esses principios será consentida, quando a experiencia e o estudo positivo indicarem a natureza d'essa nova applicação; tal é a doutrina fundamental do projecto de lei.
Do que acabâmos de expor, sei concluo que as tabellas annexas ao projecto de lei são de subida importancia; para as organisar convenientemente tornam-se indispensaveis largos estudos, grande conhecimento e directa observação dos phenomenos industriaes; não temos nós, pois, a pretensão de apresentar trabalho completo, nas que acompanham o projecto de lei; mas, unicamente, desejâmos não só crear desde já uma base de operações e de trabalho, como ainda exemplificar clara e expressamente a nossa idéa.
As tabellas, que apresentâmos, tendo sido organisadas segundo preceitos da legislação franceza, é provavel que envolvam disposições para nós perfeitamente inuteis; ou manifestem lacunas importantes. Só o estudo directo e minucioso dos phenomenos industriaes poderá de futuro eliminar as primeiras e preencher as segundas.
Leis d'esta ordem não estão jamais completas, ou perfeitas, porque não só o estudo vae desvendando successivamente novos factos, mas ainda porque as condições industriaes podem soffrer de um momento para outro profundas alterações; o legislador, n'um e n'outro caso, é forçado a acompanhar este engrandecimento e esta variabilidade de phenomenos, senão para alterar os princípios geraes da sua lei, ao menos para os adequar e ajustar ás novas exigencias 1.
Expostas estas generalidades acerca do projecto, passemos, ao desenvolvimento de algumas das suas doutrinas mais importantes.
Admissão, duração e regulação do trabalho por idades.- A primeira questão séria e grave pelo seu alcance moral e economico, que n'este ponto merece a nossa attenção, é a do limite mínimo da idade, em que póde começar o trabalho da creança.
Este ponto devo ser discutido principalmente sob o ponto de vista da hygiene o da conservação da creança, muito embora sejam tambem elementos apreciaveis para qualquer resolução as necessidades do trabalho nacional e da economia das famílias pobres.
Consultada sobre este assumpto, a sociedade das sciencias medicas de Lisboa respondeu como póde ver-se n'outro ponto d'este relatorio, que o minimo da idade de admissão não devia ser inferior a doze annos, salvo para industrias muito especiaes em que poderia excepcionalmente descer a dez annos. O sr. dr. Eduardo Mota que assigna como presidente o parecer d'esta corporação,' mais tarde em documento da sua unica responsabilidade define clara e expressamente, a sua opinião: quanto á segunda parte, isto é, a determinar quaes as profissões não nocivas de dez a a doze annos, permitia v. ex.ª(escreve o illustre professor dirigindo-se ao dr. Oliveira Valle, relator) que me afaste um pouco da opinião da sociedade das sciencias medicas,

1 Em França, por exemplo, depois da lei de 23 de junho de 1874, publicaram-se ácerca do trabalho doa menores mais de cincoenta actos officiaes, mais importantes, sendo 16 decretos, 23 circulares ministeriaes, e 12 circulares de perfeitura!
Em Inglaterra a lei de 1878 foi precedida de numerosos actos legislativos, factories-acts (vide annexo n.° 4).

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entendendo que não devem ser, admittidos menores nas fabricas, antes dos doze annos, seja qual for a industria. É esta hoje a opinião mais geralmente seguida. O congresso internacional de hygiene reunido em Turim(1880) depois de ouvir o dr. Napias ácerca do sou Estudo critico das medidas legislativas com o fim de dar protecção as creanças, que trabalham nas industrias, e em seguida a judiciosas, observações apresentadas pelos srs. Perrin e Manzini, relativamente á idade das creanças, e pelo sr. Hoechlin Schwartz sobre a duração do trabalho, foi de parecer que em todos os paizes a idade da admissão nas industrias não deve, em caso algum, ser inferior a doze annos e a dezeseis annos para os trabalhos nocturnos".
Em regra a praticadas, nações tem sido a aconselhada pelos hygienistas. O minimo da idade de admissão é geralmente de doze annos, fazendo da Europa apenas, excepção a Inglaterra, a Hespanha e a Dinamarca, que baixaram esse minimo a dez annos, e a Suissa que o elevou a, quatorze annos.
Na Inglaterra, todavia, esta fixação mais baixa do minimo e até certo ponto compensada pela classificação dos menores em dois grupos, children e young persons, que são considerados pela lei em differentes condições de trabalho, e pela exigencia dos certificados do aptidão physica, passados aos menores por medicos commissionados.
Na organisação do projecto de lei seguimos todos estes preceitos;
Os menores serão classificados era tres grandes grupos.
1.° Menores de idade inferior a dez annos. Excluidos de qualquer trabalho.
2.º Menores do dez e doze annos. Admittidos a certos e determinados trabalhos.
3.º Menores de doze a dezeseis annos. Subdivididos ainda em duas categorias, uma comprehendendo os de doze a quatorze annos e outra os de quatorze a dezeseis annos.
N'este ultimo grupo pareceu-nos conveniente ainda a differença de condições do trabalho, quer em duração quer em esforço, para os menores de doze a quatorze annos e de quatorze á dezeseis annos.
Os menores comprehendidos nos dois ultimos grupos são admittidos no trabalho industrial mediante estas condições geraes:
l.º O conhecimento das disciplinas da instrucção primaria obrigatoria, ou pelo menos a frequencia regular á escola;
2.º A aptidão physica para os misteres, que vão desempenhar, certificada pelos medicos commissionados ;
3.º Limite das cargas ou esforços physicos.
Parece-nos, por esta fórma, ter regulado sobre bases geraes, justas e rasoaveis, o trabalho dos menores na industria .
Como excepção a esta regra, entendemos que o trabalho nocturno , e em dia santificado, ou de descanso, não deve ser consentido, salvo em casos muito excepcionaes, quer aos menores de menos de dezeseis annos, quer ás mulheres de idade inferior, a vinte e um annos.

leitura do projecto de lei dispensar-nos-ha de explicações muito circumstanciadas sobre estas, doutrinas, que são aliás as seguidas em França e em Inglaterra.
Um segundo ponto importantíssimo convem discutir igualmente n'uma lei de protecção dos menores: a protecção, concedida ao menor do sexo feminino deverá ser igual á do sexo masculino e offerecer a mesma duração?
Nos respondemos affouta e conscienciosamente com a negativa.
As differenças essenciaes dos dois sexos manifestam-se e accentuam-se com a idade; que a protecção seja igual para ambos os sexos comprehende-se nos verdes annos da juventude; mas não se justifica, a nosso ver, quando a idade originou condições differentes nos menores, que por isso exactamente exigem cuidados e cautelas de outra especie.
Á medida que as creanças se approximam da puberdade as qualidades sexuaes definem se, e todos os elementos physicos e animicos do individuo harmonisam-se e completam-se para o grande fim, que a natureza impoz, a todas as especies vivas superiores.
A partir d'essa epocha as condições dos indivíduos dos dois sexos são mui differentes e adequadas ao papel, que devem representar nas funcções genesiacas: differenças profundas que se manifestam e caracterisam principalmente nos phenomenos de origem physica.
Igualar nas condições de protecção o rapaz de dez annos com a rapariga da mesma idade, eis o que não envolve absurdo; mas sujeitar ao mesmo regimen de trabalho o homem o a mulher do dezoito annos parece-nos a maior das desigualdades. A especie de trabalho, que as leis protectoras têem principalmente em vista, exigindo como elementos principaes a força physica e a energia moral, os dois sexos, pelo menos, sob este ponto de vista, acham-se em condições bem desiguaes e differentes.
Não se tem attendido a isto na legislação dos povos cultos, como porventura seria de justiça e de conveniencia; esta falta, porém, deve mais attribuir-se aos interesses economicos geraes e individuaes, de que ao desconhecimento d'essa justiça e d'essa conveniencia.
Como o trabalho da creança não póde ser igual ao do adulto, o trabalho, da mulher não deve ser igual ao do homem; as condições physicas e moraes, os fins sexuaes e mesmo sociaes de um e outro exigem e determinam a differença. O legislador inglez de ha muito, comprehendeu esta necessidade e traduziu-a na sua legislação.
Nas officinas, que empregam ao mesmo tempo creanças e adolescentes, a mulher é equiparada para todos os effeitos a estes ultimos; quando as officinas, porém, não empregam menores o trabalho feminino e regulado especialmente 1.
Procurando applicar entre nós este justo e salutar principio, não nos atrevemos a propol-o com a latitude da legislação ingleza: transigindo com as necessidades creadas e existentes, apenas estendemos a protecção á mulher de dezeseis aos vinte e um annos, que não poderá trabalhar mais de dez horas por dia.
Emquanto, pois, a lei ingleza limita o trabalho da mulher de qualquer idade superior a dezoito annos, a sessenta e uma horas por semana; nós, segundo o projecto, limitaremos o trabalho semanal a sessenta horas para as mulheres ato vinte, e um annos.
Fiscalisação e execução da lei. - Como precedentemente nos parece ter demonstrado pela lição da historia, as leis protectoras carecem do um systema completo e activo de fiscalisação, a fim de produzirem os seus beneficos resultados.
Este principio não carecia até de uma larga demonstração; bastar-nos-ia tão somente observar, que a protecção do Estado tem sempre por alvo uma classe popular fraca e pobre, geralmente esmagada pelos interesses, ou abandonada pela indifferença, das classes poderosas e ricas.

1 Lei do 17 de maio de 1878, artigo 15.º Nas officinas em que forem empregadas mulheres (pessoas do sexo feminino de mais de dezoito annos. solteiras ou casadas) conjunctamente com creanças (menores de quatorze annos de qualquer sexo) e adolescentes (mais de quatorze e menos de dezoito annos) a duração e as condições do trabalho serão para ellas iguaes ás dos adolescentes. Nas officinas em que não forem empregados adolescentes ou creanças, as mulheres poderão trabalhar desde as seis horas da manhã até as nove horas da noite, e nos sabbados até ás quatro horas da tarde; e terão. tanto para refeição, como para sair da officina, pelo menos quatro horas e meia cada dia e no sabbado duas horas e meia. Nenhuma officina será considerada como não admittindo mulheres ou adolescentes senão depois de communicação feita pelo proprietario ao inspector do seu proposito de adoptar este regimen.

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N'um ou n'outro caso, para vencer as reacções vigorosas, ou para preencher a falta de caridade e philantropia, o Estado é obrigado a desenvolver uma actividade continua e vigilante, que não poderá conseguir senão por meio de orgãos especiaes e numerosos.
A natureza da questão exige, a nosso ver, a creação de vasto e poderoso organismo social, por meio do qual a acção uniforme e rigorosa das leis se propague rapidamente, levando a todos os pontos do paiz e a todos os cidadãos interessados beneficios, que essas leis procuram traduzir na sociedade; e que inversamente; permitta-se-nos, a expressão, mergulhando as suas ultimas ramificações nas massas proletarias e assalariadas, possa d'ellas tirar os factos singulares; phenomenos obscuros e os dados positivos cuja reunião constitue moderna estatistica do trabalho.
As vantagens d'este novo machinismo social não as enumeraremos detidamente. Seria quasi desnecessario observar que sem elle continuarão passando, quasi desapercebidos e mal interpretados, phenomenos e factos, que se realisam entre a população assalariada, exactamente a que mais precisa de ser vigiada em nome da ordem social e em nome do auxilio, que se devem prestar reciprocamente as differentes classes da nação.
Nem as sciencias sociaes, quer sejam de administração civil, politica ou financeira, poderão esperar uma pratica segura e justa, emquanto para as classes predominantes e para os homens d'estado houver no paiz, que dirigem e governam, um povo inteiro, cujas condições moraes, physicas e economicas, conhecem peior do que a vida elegante e faustosa das grandes capitaes do mundo civilisado.
Ora, exactamente succede que este povo, quasi desconhecido, é a grande maioria da nação; a que vive do trabalho assalariado, ou a que exerce as pequenas industrias.
Hoje que a sciencia do governo deixou de ser um compendio de principios geraes e abstractos, para se subordinar tambem ao methodo positivo da observação e da experiencia, o conhecimento completo das condições sociaes da maioria da nação constitue uma necessidade para o legislador e para o estadista.
O systema de fiscalisação, que o projecto do lei desenvolve, tem, pois, como fim principal crear e organisar entre nós a estatistica do trabalho, proporcionando ao mesmo tempo a execução rigorosa de todas as leis protectoras das classes pobres, ou, segundo a expressão moderna, de todas as leis sociaes.
A necessidade de uma instituição d'esta ordem faz-se geralmente sentir nas sociedades modernas, em que a par do espirito de liberdade os principios da igualdade e do bem-estar relativos das classes sociaes se enraizam, e ganham em influencia e em proselytos.
Em l880 o príncipe de Bismarck creou um conselho economico, com o fim de preparar e colligir elementos para os seus trabalhos sociaes. Mais tarde este illustre politico, cujas tendencias pronunciadamente conservadoras são conhecidas, n'um. projecto de lei sobre seguros contra os accidentes na industria, propoz á organisação de uma repartição especial para estudar as graves e complexas questões da estatistica do trabalho.
Entre nós o sr. deputado Consiglieri Pedroso apresentou ao parlamento, na sessão de 17 de março passado, um projecto de lei sobre, o mesmo assumpto1.

Projecto de lei n.°26-B

Artigo.1.º É creado um serviço especial e permanente, denominado "inspecção de estatistica, do trabalho nacional":
Art. 2.° Tem por fim este serviço:

.º Colligir todos os actos que possam esclarecer o estado das industrias do paiz, especialmente nas suas relações com a população operaria n'ellas empregada;
2.° Systematisar todas as informações relativas á condição moral, intellectual, economica e hygienica das classes trabalhadoras, tanto
Expostas estas doutrinas, em que não insistiremos, porque a sua verdade e as vantagens sociaes da sua applicação são de sobra conhecidas, vejamos em rapidos traços em que consiste a organisação proposta.
O centro de todo o systema está no Conselho Geral da Estatistica do Trabalho, composto de sete membros sob a presidencia do ministro das obras publicas. A importancia d'este elemento no mechanismo da organisação é por si evidente; d'elle partirá a acção central energica e harmonica, para elle convergirão os resultados obtidos pela inspecção directa e activa das Commissões de Districto e dos Inspectores.
N'estas condições a lei deve garantir aos vogaes d'este conselho a maior, independencia; sobretudo afastal-os cuidadosamente da acção da politica quer, na sua origem, quer durante o jogo das suas importantíssimas funcções. Ora, para conseguir o trabalho de homens honrados, activos e honestos a primeiras condição necessaria é pagar-lhes bem; certamente que nem sempre um bom salario produz bom trabalho, porque muitas vezes a escolha do assalariado foi mal feita ; mas certo é tambem que jamais com diminuto salario se poderá conseguir resultado util, porque não está na regra geral da natureza humana a abnegação e o trabalho desinteressado, o que funda o seu interesse simplesmente no dever e na satisfação animica de o cumprir.
Por outro lado, não basta tão sómente a independencia nas funcções, mas é ainda indispensavel a de origem; por isso o projecto prefere a eleição de algumas corporações scientificas, por ahi encontrar as maiores probabilidades de boa escolha, á nomeação do governo; n'este ponto de vista dos sete vogaes, que constituem o conselho geral, cinco são eleitos e apenas dois nomeados pelo poder executivo.
A creação do conselho geral de estatistica do trabalho ficaria, porém, incompleta, e imperfeita a execução, da lei, se a acção central não podesse rapidamente divergir para todos os pontos do paiz por meio de um organismo simples, de uma rede de funccionarios promptos a transmittil-a, e

dos campos como das cidades, estudando ao mesmo tempo os meios mais efficazes do melhorar, taes condições;
3.º Reunir todos os elementos, que possam contribuir para a solução racional das questões que mais interessam as classes trabalhadoras, como: a cooperação, a participação nos lucros, o dia normal de trabalho, o trabalho dos menores e das mulheres, as caixas de credito, os seguros contra as doenças, velhice, falta de trabalho e accidentes nas fabricas, minas, caminhos de ferro, etc; o aprendizado, as indemnisações aos estropiados ou ás familias dos mortos por desastre, e em geral todos os problemas que resultam do desenvolvimento progressivo da grande industria e das relações do capital com o trabalho,
4.° Indicar as modificações ou os principios novos a introduzir na legislação vigente, no sentido, de lançar as bases de um justo e equitativo codigo de trabalho;
5.º Velar pela execução effectivo cumprimento das leis protectoras do trabalho nacional.
Art. 3.° O serviço de inspecção, e estatistica do trabalho nacional compôr-se ha de uma secção central, que funccionará junto do ministerio das obras publicas; e de secções districtaes com sede na capital de cada um dos districtos administrativos do continente e ilhas adjacentes.
Art. 4.º Tanto na constituição da commissão central como na das commissões districtaes o elemento operario estará representado.
§ unico. Uma lei especial estatuirá tudo o que diz respeito á organisação da commissão central e das commissões districtaes, sua composição, dotação funccionamento e os meios de investigação e de inspecção.
Art. 5.º A commissão central será obrigada a apresentar annualmente ao parlamento e dentro do primeiro mez de cada sessão um relatorio geral; acompanhado das propostas que forem julgadas mais urgentes para melhorar as condições, tanto physicas como moraes e economicas das classes operarias, ou para conjurar os effeitos de alguma crise subitamente manifestada, como o encarecimento das subsistencias, a cessação repentina de procura n'um certo ramo do trabalho nacional, etc.
Art. 6.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara 17 de março de 1885. = Z. Consiglieri Pedroso.

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110 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

aptos para estudarem e colligirem os dados positivos e as observações directas da vida social das classes pobres.
Este organismo, constituindo por assim dizer as raizes, as radiculas e os espongiolos que vão profundar nas ultimas camadas sociaes, é formado pelos inspectores, pelas commissões districtaes e pelos medicos commissionados.
O continente e as ilhas adjacentes formarão, pois, quatro grandes circumscripções, cada uma presidida por um inspector. As funcções dos inspectores são importantissimas, já consideradas em relação á grande area das circumscripções, já, e principalmente, apreciadas na sua intima essencia e natureza. Do zêlo, da actividade e da illustração d'estes agentes depende, em grande parte, o resultado completo e util da nova instituição; por isso a sua escolha deverá ser cautelosa e larga a sua remuneração.
Não nos faremos cargo n'este ponto de demonstrar a importancia dos inspectores; do que temos dito n'outros pontos d'este relatorio se infere esta importancia. Exemplificaremos apenas com o que se passa em Inglaterra, paiz que, no assumpto que nos occupa, merece a maior consideração. A Inglaterra acha-se actualmente dividida em duas grandes inspecções, tendo á sua testa dois inspectores geraes. Estes inspectores têem ás suas ordens 51 sub-inspectores, cujos vencimentos variam de 1:350$000 a 2:160$000 réis annuaes, conforme o tempo de serviço.
Uma testemunha ocular, o sr. conde de Paris, diz-nos o seguinte ácerca dos trabalhos d'estes inspectores: "estes relatorios (os dos inspectores) proporcionam os documentos mais interessantes para o estudo da situação dos operarios; e quando os inspectores que a lei do sr. Joubert (transformada na lei de 1873) propõe crear cm França não prestassem outro serviço senão o de publicar resumos tão justos, escrupulosos e tão imparciaes como os dos seus collegas inglezes, o parlamento não terá de lamentar a creação d'estes novos funccionarios 1".
Estas phrases, que nossas fazemos, manifestam a importancia dos trabalhos dos inspectores; esperemos que em Portugal estes funccionarios correspondam ao seu elevado e digno fim.
Como é manifesto, quatro inspectores, por maiores que sejam o seu zêlo e a sua actividade, não poderão desempenhar as suas extensas e complexas funcções. Tínhamos, pois, a seguir dois caminhos: ou augmentar o seu numero ou crear outras entidades que compartiesem com elles o trabalho da fiscalisação e de estudo. Seguimos este ultimo alvitre, porque nos pareceu mais economico para o thesouro, mais producente e mais em harmonia com a nossa organisação administrativa.
Effectivamente as commissões do districto, que derivam das juntas geraes, podem muito regularmente ser pagas pelos cofres districtaes, ou pelas derramas sobre as camaras municipaes do respectivo districto; por outro lado certo é que, constituídas por cidadãos pertencentes ao districto, deve animal-as um bom desejo de o servir, quando é certo tambem que possuirão largo e profundo conhecimento das necessidades locaes. De resto a coexistencia n'uma instituição fiscal de elementos de origem differente constitue sempre, a nosso ver, motivo de emulação e de reciproca fiscalisação.
Por ultimo, teremos em cada conselho administrativo um ou mais medicos commissionados pelas commissões districtaes para inspeccionar os menores, que desejem empregar-se na industria. É grande a importancia d'este elemento de fiscalisação, quando aliás a despeza para o estado é nulla.
Tal é, succinta e perfunctoriamente descripta, a organisação, que propomos no projecto, para que a lei futura seja rigorosa e fielmente cumprida.
Deve alem d'isso observar-se que o novo quadro do pessoal não tem por fim exclusivo fiscalisar o trabalho dos menores, mas ainda, como dissemos, crear os elementos necessarios para a organisação da estatistica do trabalho nacional.
A despeza, respectiva está, como vamos provar, longe do ser exagerada. Emquanto a nós seria um erro querer baixar os ordenados dos agentes, que a lei deve crear. É possivel que ainda assim se não encontrem individuos habeis e trabalhadores, mas é certo que se não encontrarão para serviço assás difficil bons agentes mal remunerados.
Calculemos agora o total da despeza com a creação do novo serviço:

[ver tabela na imagem]
Conselho geral de estatistica do trabalho:
7 vogaes, a 1:600$000 réis 11:200$000
Expediente, etc., etc 3:800$000
15:000$000

Inspecções:
4 inspectores, a 1:200$000 réis 4:800$000
4 (180 dias, a 2$000 réis, para saídas) 1:440$00
Premio de 200$000 réis para o melhor relatorio dos inspectores 200$000
4 premios de 100$000 réis para o melhor relatorio das commissões de districto (l por circumscripção) 400$000
6:840$000
Commissões districtaes:
Lisboa e Porto (commissões de 5 vogaes).
10 vogaes, a 300$000 réis 3:000$000
10 (120 dias, a 1$500 réis, para saídas) 1:800$000
Restantes districtos (commissões de 3 vogaesem 10 districtos e de 2 em 9).
48 vogaes, a 300$000 réis 14:400$000
48 (120 dias, a l$500 réis, para saídas) 8:640$000
27:840$000

A despeza total ascende, pois, a 49:680$000 réis, dos quaes 21:840$000 réis terão de ser satisfeitos pelo thesouro, e 27:840$000 réis pelos cofres districtaes. Ninguem por certo affirmará que a verba total é exagerada, tanto mais se se tiver em vista a importancia innegavel é indiscutivel do novo serviço social.
A verba districtal, por exemplo, que nos termos do projecto de lei terá para origem de receita as derramas sobre as camaras municipaes, representará apenas a media de 106$000 réis por concelho, visto que os concelhos continentaes e insulanos se elevam a 263.
São exactamente as despezas d'esta ordem as mais reproductivas. Um augmento de saude publica, ou, o que é o mesmo, o crescimento da vida media corresponde a um capital creado, mais ou menos importante. Para aquelles que não vêem em medidas d'esta ordem uma obrigação social, uma origem da harmonia entre as differentes classes nacionaes, sirva-lhes ao menos de incentivo a riqueza publica.
Um só facto citaremos, mais para tornar clara e positiva a nossa affirmação, do que pelo valor estatistico que realmente lhe ligâmos: em 1860 começou a vigorar no districto de Leeks, no condado de Stafford, em Inglaterra, uma lei de protecção dos menores e das mulheres na industria. N'este districto, onde principalmente existem as industrias da seda, havia uma população de 10:540 habitantes, dos quaes 1:232 empregados na industria.
Desde 1850 a 1860, no decennio que precedeu a execução da lei, a vida media era:

Para os homens 23 annos e 6 mezes
Para as mulheres 25 annos e 11 mezes

A execução da lei durante 7 annos modificou completa-

1 De la situalion des owriers en Angleterre, pag. 232.

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mente essas medias; effectivamente de 1860 a 1867 a vida media foi:

Para os homens 29 annos e l mez
Para as mulheres 35 annos e 3 mezes

"Póde concluir-se, acrescenta o auctor d'onde extractámos estes, dados que a influencia salutar da lei, durante 7 annos, salvou 14:l91 annos de vida, isto é, 347 vidas medias completas!
"Notar-se-ha tambem que o crescimento é maior nas mulheres do que nos homens; deve attribuir-se esta differença á condição acima, indicada que privados rapazes de 11 annos do beneficio da half time. Estes algarismos bastam para mostrar, quanto as prescripções da lei, estrictamente applicadas, podem beneficiar a população operaria. Dois annos mais tarde podiam apreciar-se ainda novos progressos no districto."
Devemos confessar, francamente, que no exemplo citado nos impressiona um pouco a exiguidade da vida media no primeiro periodo; todavia, o publicista, que o cita, pela sua alta posição teve certamente os melhores elementos de informação, e por outro lado as estatisticas inglezas, principalmente nas questões de saude publica, não são descuradas como as nossas.
Seja porém, como for, é certo que a execução rigorosa de leis da natureza do projecto, que temos a honra de submetter ao parlamento, terá como necessaria e logica consequencia o crescimento da vida media; ora como o capital nacional não é mais do que a somma total dos capitaes individuaes e estes o producto da economia do cidadão, economia maior ou menor segundo o espaço de tempo de trabalho de cada um, é claro que o augmento da vida media se traduzirá em crescimento de trabalho, de economia individual e portanto do capital nacional.
Se as estradas, as vias ferreas, os portos de mar, são grandes factores da riqueza publica, porque simplificam e embaratecem as transacções, desenvolvem a vida e as relações commerciaes, e facilitam a formação de grandes centros de producção, proporcionando-lhes largos e longiquos mercados de consumo, isto é, n'uma só phrase, porque indirectamente criam trabalho; as leis sociaes criam-n'o directamente, arrancando á podridão da sepultura annos da vida humana. Eis o que perante a sciencia moderna é incontestavel.
Terminâmos pois, pedindo ardentemente á camara dos deputados que se digne discutir um dos mais sympathicos problemas da moderna sociologia.

Projecto de lei sobre a regulação do trabalho dos menores na industria

TITULO I

Admissão, duração e regulação do trabalho

CAPITULO I

Principios geraes

Artigo 1.° A regulação do trabalho dos menores, nos termos d'esta lei, abrange ambos os sexos.
§ 1.° Para o sexo masculino a idade de protecção decorre, dos dez aos dezeseis annos.
§ 2.º Para o sexo feminino a idade de protecção decorre dos dez aos vinte e um annos.
§ 3.° N'esta lei á expressão "menor" comprehenderá sempre ambos os sexos, qualquer que seja a sua nacionalidade, salvo as excepções expressamente definidas.
§ 4.° Sempre que n'esta lei se empregar a expressão "agentes aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei", deverão comprehender-se: os vogaes das commissões districtaes, os inspectores e os vogaes do conselho superior da estatistica do trabalho.
Art. 2.º Os menores de idade inferior a dez annos completos não poderão, em circumstancia alguma ser, admittidos a trabalhar em fabricas, officinas, minas, pedreiras ou em estabelecimentos industriaes de qualquer natureza.
Art. 3.° Os menores de idade inferior a dezeseis annos não poderão ser empregados em trabalhos comprehendidos nas seguintes classes.
l.ª Manipulação ou fabricação de materias explosivas detonantes, ou de quaesquer substancias explosindo pelo choque, ou pelo contacto de corpo inflammado;
2.ª Preparação, distillação ou manipulação de substancias corrosivas venenosas, ou que desenvolvam gazes deleterios, corrosivos ou explosivos;
3.ª Qualquer manipulação a secco de objectos ou substancias, que produzam poeiras venenosas ou nocivas ;
4.a Manipulação de substancia que, pela aspiração ou absorção cutanea, podem introduzir no organismo causas desorganisadoras;
5.ª Trabalhos que exigem esforços violentos, constantes ou contrafeitos, ou se fazem em condições perigosas para o pequeno operario;
6.ª Trabalhos de lubrificação, untura, limpeza, inspecção ou reparação de machinas, ou machinismos em actividade;
7.ª Trabalhos nas officinas em que houver em actividade machinas a vapor, hydraulicas, ou de qualquer natureza, cujos elementos perigosos, como peças salientes moveis, engrenagens, volantes, rodas, correias sem fim, etc., etc., não sejam revestidas por anteparos, ou quaesquer meios protectores;
8.ª Trabalhos que, embora não possam ser considerados como industriaes, contrariam o desenvolvimento normal da creança ou a expõe a perigos.
§ unico. Em conformidade com o espirito d'este artigo, os menores de doze annos a dezeseis annos completos não poderão ser admittidos nos trabalhos especificados na tabella A.
Art. 4.° Os menores de idade inferior a dezeseis annos não poderão, em espectaculo publico, fazer exercicios, gymnasticos ou acrobaticos, em que perigue a sua existencia ou se contrafaça o seu desenvolvimento physico.
§ unico. As auctoridades policiaes, que presidirem aos espectaculos publicos, farão immediatamente suspender os exercicios, que julgarem comprehendidos nas disposições d'este artigo; e não os permittirão depois sem que o contrario seja decidido pela respectiva commissão de districto, pelo inspector, ou pela opinião escripta e fundamentada de dois medicos, consultados pela mesma auctoridade.
Art. 5.° As mulheres, de dezeseis a vinte e um annos completos, não poderão trabalhar nos estabelecimentos industriaes e nas officinas senão das seis horas da manhã até as oito horas da noite, tendo porém, durante esse tempo, quatro horas, pelo menos, para refeição, descanço e saida.
Art. 6.° O governo, por proposta fundamentada do conselho geral da estatística do trabalho, poderá introduzir nas tabellas, que ficam fazendo parte integrante d'esta lei, as. alterações e os desenvolvimentos que, de accordo com o espirito da mesma lei, sejam indicados pela experiencia e pelo estudo das industrias nacionaes.

CAPITULO II

Trabalho dos menores do dez a doze annos

Art. 7.° Os menores de dez annos completos até doze annos, só poderão ser admittidos nos trabalhos industriaes, designados na tabella B; satisfazendo, porém, ás seguintes condições geraes: • .
l.ª Se souberem as disciplinas, que constituem a instruc-
1 O sr. conde de Paris, obra citada.

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1 O sr. conde de Paris, obra citada.112 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

cão primaria elementar e obrigatoria, ou, por certificado authentico, provarem assidua frequencia á escola;
2.ª Se apresentarem compleição physica robusta e tiverem boa saude;
3.ª Se forem empregados em misteres, que não exijam o emprego de esforços physicos.
§ 1.ª Ainda nas condições expressas n'este artigo o trabalho, dos menores de dez a doze annos não poderá ser superior a seis horas por dia, divididas por um descanso pelo menos de uma hora; não devendo nenhum menor trabalhar seguidamente mais de quatro horas.
§ 2.° O periodo de trabalho dos menores de dez a doze annos não poderá começar antes do nascer do sol, nem terminar depois do pôr do sol.
Art. 7.° Os menores até doze annos completos não poderão ser empregados como sotas, ou conductores a cavallo de quaesquer vehiculos, sejam estes de serviço publico ou do particular.

CAPITULO III

Trabalho dos menores do doze a dezeseis annos

Art. 9.º Os menores de doze annos completos até dezeseis annos só poderão ser admittidos nos trabalhos industriaes, satisfazendo ás seguintes condições geraes:
1.ª Se souberem as disciplinas, que constituem a instrucção primaria e obrigatoria, ou, por certificado authentico, provarem assidua frequencia á escola;
2.ª Se forem sufficientemente robustos para o trabalho que vão desempenhar;
3.ª Se não tiverem de praticar esforços physicos que excedam:
a) Para os de doze a quatorze annos, 10 kilogrammas de carga á cabeça, ou ás costas, e 80 kilogrammas de carga, comprehendendo o vehiculo, sobre terreno horisontal;
b) Para os de quatorze a dezeseis annos: l5 kilogrammas de carga á cabeça, ou ás costas, e 100 kilogrammas de carga, comprehendendo o vehiculo, sobre terreno horisontal.
§ 1.° Ainda nas condições expressas n'este artigo o trabalho dos menores de doze a quatorze annos não poderá ser superior a oito horas e os de quatorze a dezeseis annos a dez horas por dia, divididas era ambos os casos por dois intervallos de descanço pelo menos de uma hora; não devendo nenhum menor trabalhar seguidamente mais de quatro horas.
§ 2.° O periodo de trabalho dos menores, salvo as excepções expressas n'esta lei, não poderá começar antes do nascer do sol nem terminar depois do pôr do sol.
§ 3.º A tabella C conterá os estabelecimentos, operações e misteres, em que o trabalho dos menores é permittido, mediante certas condições e limitações.

TITULO II

Trabalhos especiaes

CAPITULO IV

Trabalhos nocturnos

Art. 10.° Os menores até dezeseis annos completos não poderão ser empregados em trabalhos nocturnos, excepto nos casos e nas condições mencionadas n'esta lei.
§ 1.° Considerar-se-ha trabalho nocturno, o que for realisado no espaço, que decorre desde uma hora depois do sol posto até uma hora antes do nascimento do sol.
§ 2.º A exclusão do trabalho nocturno nas officinas e fabricas abrangerá os menores do sexo feminino de doze seis a vinte e um annos completos; excepto se houver durante o trabalho, realisado nos termos dos §§ 1.°, 2.° e 3.° do artigo seguinte, perfeita separação de sexos, e as entradas e saídas se operarem em horas do dia.
Art. 11.° O trabalho nocturno só poderá ser consentido aos menores pela commissão de districto, ou pelo inspector da circumscripção:

1.º Depois de uma interrupção accidental, ou forçada, de trabalho;
2.° Por qualquer circumstancia imprevista e de força maior.
§ 1.º Em circumstancia alguma a somma do trabalho nocturno e diurno será superior a dez horas, não podendo o nocturno exceder seis horas, divididas por um descanso de uma hora pelo menos.
§ 2.º Se o menor tiver só trabalho nocturno não poderá este exceder sete horas, divididas por um descanso de uma hora pelo menos.
§ 3.° Nenhum menor será occupado duas noites seguidas em trabalhos nocturnos.
Art. 12.° Os menores de doze annos completos até dezeseis annos poderão ser empregados em trabalhos nocturnos nas industrias de fogo continuo, mencionadas na tabella D e nas condições n'esta prescriptas.
§ l.º Para esta classe de trabalhos vigoram ás disposições dos §§ 1.°, 2.° e 3.° do artigo antecedente, salvo as excepções expressas no seguinte paragrapho.
§ 2.° Quando o trabalho nocturno, nas officinas de fogo continuo for dividido por turnos, revezando-se successivamente, os menores de cada turno poderão trabalhar até doze noites por quinzena, logo que em duas noites consecutivas um turno não trabalhe durante o mesmo periodo.

CAPITULO V

Trabalhos nos dias santificados

Art. 13.° Os menores do sexo masculino até dezeseis annos completos, e do sexo feminino até vinte e um annos completos não poderão ser empregados pelos patrões em trabalho algum nos domingos e dias santificados, ainda mesmo na limpeza das officinas.
§ unico. Exceptuara-se os menores empregados nos trabalhos de fogo continuo; todavia, n'este caso ainda, a distribuição do trabalho deve ser feita por modo que permitia n'esses dias um largo intervallo, pelo menos de seis horas, para descanso, passeio e satisfação dos deveres religiosos.

CAPITULO VI

Trabalhos subterraneos

Art. 14.º Os menores até aos doze annos completos não poderão ser empregados nos trabalhos subterraneos.
§ 1.º É prohibida a admissão n'estes trabalhos dos menores do sexo feminino ate vinte e um annos.
§ 2.° O trabalho subterraneo dos menores de doze a dezeseis annos será regulado pelas disposições do artigo 9.° d'esta lei.
Art. 15.° Os menores nos trabalhos subterraneos não poderão ser empregados nos trabalhos de mineiro, propriamente dito, taes como córtes, broqueamentos, escoramentos e escavações.
Art. 16.º Poderão, apenas, os menores ser utilisados na escolha e carregamento do mineral, na manobra e na tracção dos vagonetes, na guarda e na manobra das portas de ventilação e dos ventiladores e n'outros trabalhos accessorios, não excedendo as suas forças e sob as condições geraes expressas n'esta lei.
§ unico. No trabalho de rotação dos ventiladores não poderão os menores trabalhar mais de quatro horas, divididas por um descanso de meia hora, pelo menos.

TITULO III

Hygiene, segurança e instrucção

CAPITULO VII

Hygiene

Art. 17.° Nas officinas e estabelecimentos industriaes seguir-se-hão os melhores principies da hygiene. Os agentes,

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aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei, valerão cuidadosamente sobre este assumpto, embora se empreguem apenas operarios maiores.
Art. 18.º Nenhum menor de vinte e um annos poderá ser admittido em officina, ou estabelecimento industrial, sem ser vaccinado.
§. unico. Os menores deverão ser revaccinados em periodos não excedentes a dez annos.
Art. 19.º Qualquer menor, que se desconfie atacado de doença epidemica, endemica ou contagiosa, será immediatamente tratado e cuidadosamente separado dos outros menores, ou operarios.
Art. 20.° Todas as paredes interiores, portas, tectos e cobertura das salas, casos, corredores e escadas dos estabelecimentos industriaes ou officinas, serão pintados a oleo de sete em sete annos, pelo menos, ou caiados annualmente.
§ unico. Sendo pintados a oleo, ou envernizados, serão, pelo menos, lavados uma vez por anno.

CAPITULO VIII

Segurança

Art. 21.° As rodas as correias sem fim, as engrenagens, as peças moveis salientes dos motores mechanicos e todos os apparelhos, em que haja causa de perigo, serão resguardados, ou separados dos operarios, por fórma que d'elles não seja possivel a approximação descuidada, ou involuntaria.
§. Unico. Os poços, alçapões, aberturas para descida do material, as escadas, ou quaesquer vasios perigosos, serão resguardados por anteparos, ou indicados por modo visivel.
Art. 22.º Quando algum dos agentes, aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei, verificar, em qualquer officina, ou estabelecimento industrial, a existencia de um foco de infecção, origem de insalubridade, ou a pratica de factos ou omissões contrarias á saude publica o particular, avisará immediatamente e por escripto a auctoridade competente, a fim de que esta faça desapparecer taes inconvenientes e abusos, se para isso a lei não lhe der faculdade expressa e propria.
§ unico. Para cumprimento dos preceitos d'este artigo, o agente em visita a qualquer officina, ou estabelecimento industrial, poderá fazer-se acompanhar pelo respectivo delegado, ou sub-delegado de saude, por qualquer outro agente da saude publica, ou por medico, commissionado ou não.
Art. 23.° Quando, algum dos agentes, aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei julgar que algum mechanismo, apparelho, peça, ou orgão de machina, cuba, cadinho, ou bacia contendo liquido; metal em fusão, etc., etc., ou similhantes, por falta de defeza ou conveniente resguardo, póde ser origem de perigo para os operarios, menores, ou maiores, intimará por escripto o responsavel do estabelecimento industrial, ou da officina, para que este faça realisar dentro de certo praso as indicações, que lhe deverão ser feitas na mesma intimação.
§ 1.° No praso de dez dias da data da intimação, poderá o intimado requerer ao agente que o assumpto seja submettido a juizo arbitral; sendo, n'este caso, nomeados dois peritos especialistas,, um pelo intimado, outro pelo agente, os quaes no praso de quinze dias da data da nomeação proferirão o seu julgamento arbitral, ou declararão o seu desaccordo.
§ 2.º Se entre os peritos não houver accordo, será nomeado, nas mesmas condições e no praso de dez dias da communicação d'este facto, um terceiro perito pelo juiz de direito da comarca, em que for situado o estabelecimento industrial, ou officina; os tres peritos proferirão o seu julgamento arbitral no praso de quinze dias da data da nomeação do ultimo.
§ 3.° Sendo a decisão arbitral favoravel ao intimado,
será considerada como nulla a intimação do agente, e todas as despezas serão satisfeitas por conta da administração publica.
§ 4.° Se não requerer o juizo arbitral em tempo competente, ou a decisão arbitral lhe for adversa, o intimado cumprirá a intimação do agente, ou a sentença arbitral, se esta tiver modificado a intimação; n'este caso todas as despezas serão pagas pelo proprietario, individual ou collectivo, do estabelecimento industrial.
§ 5.° Para os effeitos d'este artigo considerar-se-hão apparelhos: os andaimes, bailéus e similhantes.
Art. 24.° Os responsaveis dos estabelecimentos industriaes e officinas são obrigados a communicar immediatamente a algum dos agentes, aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei, qualquer accidente causado por machinas, apparelhos, ou similhantes, que produza incapacidade de trabalhar por mais de quarenta e oito horas.
Art. 25.° Quando occorrer caso de morte, ou de ferimento, por culpa, ou desleixo do responsavel de um estabelecimento industrial ou officina, ao proprietario, individual ou collectivo, do estabelecimento industrial ou officina será comminada a multa de 450$000 réis no maximo, sendo o seu producto, no todo ou em parte concedido como indemnisação á pessoa ferida, ou no caso de morto á pessoa de familia, que elle amparasse.
§ 1.° Se o indivíduo fallecido não tiver pessoa a que legitimamente possa ser concedida a indemnisação, será a importancia applicada nos termos do artigo 79.°d'esta lei.
§ 2.° Para todos os effeitos, d'este titulo são os mestres de obras ou encarregados da direcção de trabalho responsaveis pelos operarios, que trabalham sob, a sua fiscalisação, devendo-lhes, no caso de sinistro, ser imposta a multa, que este artigo determina, ou, no caso de falta, de recursos, a prisão de um a tres mezes.

CAPITULO IX

Creches

Art. 26.° Nas fabricas, em que trabalhem mulheres, haverá creches, com as accommodações e condições hygienicas indicadas pela sciencia.
Art. 27.° A mulher não será admittida no trabalho nas officinas, ou fabricas, senão quinze dias, pelo menos, depois do parto.
Art. 28.º A mãe poderá ir á creche amamentar o filho as horas e pela fórma indicada nos regulamentos especiaes, publicados pelas instancias competentes.

CAPITULO X

Instrucção

Art. 29.° As emprezas agricolas, ou industriaes, os donos de fabricas, ou officinas, que tiverem ao seu serviço, nos termos d'esta lei, doze menores de dez a dezeseis annos, que não saibam as materias, que constituem a instrucção primaria elementar, serão obrigados a sustentar uma aula, cuja duração será, pelo menos, de duas horas por dia util.
§ 1.° Se o numero de menores n'estas condições for inferior a doze a sustentação da escola não é obrigatoria; mas será consentida a esses menores a frequencia da escola publica, pelo menos, por duas horas por dia, util.
§ 2.°É permittido ás camaras municipaes subsidiar as escolas, de que trata este artigo, quando lhes forem favoraveis as informações da commissão do districto e do respectivo inspector.
§ 3.° As escolas, de que trata este artigo, ficam para todos os effeitos sujeitas, á inspecção das auctoridades escolares e ao mesmo regimen das publicas;
Art. 30.° Os professores das escolas publicas, ou particulares, lançarão nas cadernetas dos menores, de que trata o artigo 31.° d'esta lei, a data da sua matricula, e men-

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salmente notarão a sua frequencia, rubricando-a de modo que não possa haver falsificação.

§ 1.° O director em chefe do estabelecimento tomará nota da frequencia no livro de registo, de que trata o artigo 40.º d'esta lei.
§ 2.º A frequencia dos menores será, tanto nas escolas publicas como particulares, durante o tempo livre de trabalho e fóra das horas de descanso.

TIITULO IV

Execução e fiscalisação

CAPITULO XI

Vigilancia dos menores

Art. 31.º Aos paes, ou tutores, dos menores, que, nos termos d'esta lei, tenham de ser empregados na industria, entregarão os administradores do concelho, aonde residirem, uma caderneta numerada, contendo o nome e o appellido do menor, a data, o logar do seu nascimento e o seu domicilio.

§ 1.° Nenhum menor poderá ser recebido em qualquer trabalho industrial sem apresentar a caderneta, de que trata este artigo.

§ 2.° A caderneta apenas será concedida ao menor, que apresentar certidão de idade, do registo parochial, ou civil, e certidão de ter sido vaccinado.
Art. 32.° Todos, os mezes o administrador do concelho enviará, para a commissão de districto respectivo uma relação dos nomes e das idades dos menores, a que forem concedidas cadernetas, e quanto possível das profissões, officios, ou trabalhos industriaes, a que se tencionavam dedicar.

Art. 33.° Os patrões, chefes, ou directores de officinas, ou estabelecimentos industriaes notarão na caderneta de cada menor a data da admissão e da saída dos respectivos estabelecimentos, bem como a natureza industrial d'estes.
Art. 34.° Os responsaveis dos estabelecimentos industriaes, ou officinas, quando empregarem qualquer menor, enviarão á commissão de districto um aviso contendo o nome do respectivo estabelecimento, ou officina, o do menor que empregaram, o genero de trabalho, a hora a que este começa e acaba e o tempo de descanso.
§ 1.° Nenhuma alteração nas condições da entrada do menor se poderá realisar sem novo aviso.

§ 2.° Exceptuam-se das disposições d'este artigo os casos, em que for urgente substituir em determinados trabalhos um operario impedido.
Art. 35.° Os menores de idade inferior a dezeseis annos, ainda nas condições d'esta lei, não poderão ser empregados nas officinas e estabelecimentos industriaes por mais de um mez, se os responsaveis os mesmos estabelecimentos e officinas não apresentarem um certificado, em fórma, de um medico, no qual se affirme sob juramento ter o menor as condições physicas para desempenhar o trabalho de que está incumbido.

§ unico. Haverá em cada concelho administrativo, para os effeitos d'este artigo, um ou mais medicos encarregados pelas commissões de districto de inspeccionar os menores e de passar estes certificados, mediante uma remuneração perfixada.
Art. 36.° O mesmo certificado do medico commissionado poderá abranger todos os menores de um mesmo estabelecimento, industrial, ou officina, ou ainda os menores de todos os estabelecimentos industriaes e de todas as officinas do mesmo proprietario, se existirem no mesmo concelho.

§ 1.°. Os certificados deverão por todas as fórmas demonstrar a identidade do menor, a que se referem, e conter a sua idade, conforme a certidão do baptismo, ou do registo civil, sob pena de serem annullados por decisão n'elles escripta por algum dos agentes, aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei.

§ 2.° Os responsaveis dos estabelecimentos industriaes e das officinas serão sempre obrigados a apresentar aos agentes, aos quaes compete a execução d'esta lei, os certificados de aptidão physica, quando lhes forem pedidos.
Art. 37.° Os certificados de aptidão physica não poderão ser passados senão depois de exame directo e pessoal do menor, á que se referem.

§ 1.° Os medicos commissionados não inspeccionarão os menores senão nos estabelecimentos industriaes e nas officinas, em que devem ser empregados; exceptuando o caso de auctorisação escripta e motivada dos agentes ou se o estabelecimento industrial, ou officina, empregar menos de seis menores.

§ 2.º O medico commissionado, que se negar a passar um certificado de aptidão physica, deverá dizer por escripto, se isto lhe for exigido, as rasões da sua recusa.

Art. 38.° Os agentes, aos quaes compete a execução d'esta lei, poderão fazer suspender o trabalho de um menor, sempre que julgarem não ter elle as condições physicas necessarias para o desempenhar. Dentro do praso de dez dias da suspensão, sob pena d'ella cessar, o menor será novamente inspeccionado pelo medico commissionado, ou por outro escolhido pelo respectivo inspector.

Art. 39.° O conselho geral da estatistica do trabalho, tendo em vista as informações fornecidas pelas commissões de districto e pelos inspectores, fixará as tabellas dos honorarios dos serviços dos medicos commissionados.

§ 1.° Em todos os concursos, a que possam concorrer os medicos commissionados, em igualdade de circumstancias o desempenho zeloso, attestado pelo respectivo inspector sobre informação da commissão districtal, do serviço, pelo menos durante dois annos, que lhes é attribuido n'esta lei, constituirá rasão de preferencia.

§ 2.° Para a conta dos annos indispensaveis para a reforma, jubilação ou aposentação o desempenho zeloso, attestado pelos respectivos inspectores sobre informações das commissões de districto, do serviço, que lhes é attribuido n'esta lei, durante cada periodo de dez annos será levado em conta por um anno.

Art. 40.° Nas officinas, ou estabelecimentos industriaes, que empregarem, ou tenham empregado durante o anno, mais de quinze operarios por dia, tanto maiores como menores, haverá um livro de registo, aonde, serão lançados pelos agentes, aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei, as observações e os preceitos, que tiverem por uteis e necessarios.

§ unico. Nos trabalhos nocturnos, subterraneos, insalubres, ou perigosos, será sempre obrigatoria a disposição d'este artigo, sem limitação do numero de operarios.

Art. 41.° Os patrões; chefes, ou directores de officinas, ou estabelecimentos industriaes, em que forem empregados menores, farão affixar em logar bem visível a tabella dos nomes dos menores com a indicação dos dias de trabalho, das horas a que este começa e acaba e do tempo de descanso.

§ 1.° No mesmo logar estarão bem patentes ou, se affixarão:

1.° Esta lei e os seus respectivos regulamentos;

2.° Os nomes e as moradas dos membros da commissão do districto e do inspector, a cuja fiscalisação está sujeito o estabelecimento industrial, ou officina;

3.° O nome e a morada do medico do estabelecimento;

4.° Tudo quanto dever ser affixado por determinação, e por indicação dos agentes, a quem compete a fiscalisação; d'esta lei.

§ 2.° A tabella, de que trata este artigo, será rubricada pelo menos, por um membro da commissão do districto, ou pelo inspector.

Art. 42.° Aquelles que se tornarem proprietarios de estabelecimentos industriaes, ou officinas, depois da promulgação d'esta lei, no praso de um mez, deverão communicar por escripto para a respectiva commissão de districto o

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nome e a firma social do estabelecimento, ou officina, a especie do trabalho, a natureza e a força do motor empregado.

Art. 43.° Os responsaveis dos estabelecimentos industriaes e das officinas farão manter os bons costumes, e a observancia da decencia publica nas salas, do trabalho.

Art. 44.° Todos os estabelecimentos industriaes ou officinas serão considerados como admittindo menores, excepto aquelles cujos responsaveis tenham expressamente declarado por escripto á commissão do districto a resolução de os não admittir.

§ unico. Em caso algum a declaração subtrahirá os estabelecimentos industriaes, ou officinas á inspecção dos agentes, aos quaes compete a execução d'esta lei.

CAPITULO XII

Commissões de districto

Art. 45.° Em cada districto administrativo haverá uma commissão especial, encarregada, de fiscalisar o rigoroso cumprimento das prescripções d'esta lei e de fornecer todos os elementos estatísticos e observações, que sobre este ramo de serviço possam colher-se pela inspecção directa.

§ 1.° As commissões de districto serão, em regra, compostas de tres vogaes; podendo, porém, este numero ser elevado a cinco nos districtos; em que a industria offereça, ou venha a ter, um grande desenvolvimento; ou baixado a dois nos de menor importancia industrial.

§ 2.° A nomeação, d'estas commissões é da competencia do governo, ouvido o conselho, geral da estatistica do trabalho e sobre, proposta em lista triplice das juntas geraes, e recairá, quando possivel, em um medico, em um engenheiro e em um industrial, residentes no districto.

§ 3.° Cada commissionado perceberá uma gratificação de 300$000 réis annuaes, uma ajuda de custo de l$500 réis por dia de saída, em inspecção, até ao maximo de cento e vinte dias por anno, e transportes em caminhos de ferro e navios do estado.

§ 4.° Aos commissionados insulanos serão alem d'isso abonadas as despezas de viagens, que não possam ser realisadas nos navios do estado.

§ 5.° Estes vencimentos, ajudas de custo e despezas de viagens serão pagos pelos cofres das juntas geraes; a receita para este effeito provirá das derramas sobre as camaras municipaes do respectivo districto.

§ 6.° O exercicio das funcções d'esta commissão é compativel com qualquer outro cargo publico.

rt. 46.° As commissões, districtaes serão nomeadas de dois em dois annos, podendo ser reconduzidas, quando lhes forem favoraveis as informações dos respectivos inspectores.

Art. 47.° Compete a estas commissões:

1.° Visitar todos, os estabelecimentos industriaes, e officinas do seu districto, pelo menos duas vezes no anno, lavrando d'esta visita um termo, que será assignado por algum dos directores, proprietarios, ou chefes de serviço de cada estabelecimento inspeccionado.

2.° Levantar em duplicado autos de contravenção d'esta lei enviando um immediatamente ao ministerio publico outro ao respectivo inspector.

3.º Exarar no livro, a que se refere o artigo 40.°, as observações que a sua visita lhes suggerir, indicando as providencias a adoptar, nos estabelecimentos para melhor hygiene e segurança dos operarios maiores e menores.

4.° Rubricar as tabellas de serviço e descanso dos menores, de que enviarão copia aos respectivos inspectores.

5.° Verificar se houve, ou não, força maior sempre que tenha occorrido a interrupção de trabalho, a que se refere o n.º 1.º do artigo 11.º

6.º Syndicar immediata e rigorosamente das causas de sinistro, que se derem nos estabelecimentos industriaes, apurando a responsabilidade legal e moral dos que dirigem os trabalhos, e participando o occorrido ao respectivo inspector e ao ministerio publico, se para isso houver motivo.

7.°. Exercer vigilancia sanitaria sobre a permanencia dos menores nos estabelecimentos industriaes.

8.º Elaborar relatorios semestraes, que serão enviados ao respectivo inspector, sob penando suspensão até 28 de fevereiro e 31 de agosto de cada anno, contendo pelo menos:

a) Numero de visitas a todos os estabelecimentos industriaes existentes no districto, comprovados pelos autos de que trata o n.° l.° d'este artigo ;

b) Classificação dos estabelecimentos industriaes por industrias e forças motrizes;

c) Numero dos assalariados maiores por categorias, idades, sexos e salarios respectivos.

d) Numero dos assalariados, menores em exercicio, nos mesmos estabelecimentos e sua distribuição por profissões, sexos, idades e salarios;

e) Media dos salarios correspondente ás profissões, sexos, e idades;

f) Numero das participações mandadas para juizo e, das reclamações dos patrões, e menores, ou pessoas que os representem;

g) Descripção dos sinistros, succedidos, das suas causas e das medidas tomadas;

h)Dados estatisticos e considerações geraes sobre, o preço das subsistencias e da alimentação dos operarios nos centros industriaes, e medidas que forem, julgadas conducentes para melhorar o seu bem estar.

i) Dados estatísticos, sobre a emigração das classes pobres, observações geraes sobre a direcção e valor das correntes de emigração, suas causas, origens e meios conducentes para as derivar, ou diminuir.

§ unico. As visitas aos estabelecimentos industriaes e ás officinas poderão ser feitas por um unico membro das commissões; todavia, nenhum estabelecimento industrial, ou officina, deverá ser duas vezes consecutivas inspeccionada pelo mesmo vogal da commissão.

Art. 48.° Em serviço de inspecção poderá qualquer membro da commissão tomar as providencias, extraordinarias exigidas pelo bem do serviço dando immediatamente contra das resoluções ao respectivo inspector.
Art. 49.º O governo e o conselho geral da estatistica do trabalho poderão incumbir estas commissões de qualquer trabalho, que especialmente tenha em vista estudar, ou melhorar as condições sociaes e industriaes das classes pobres e assalariadas.

CAPITULO - XIII

Inspectores

Art. 50.º O continente do reino será dividido em tres zonas, e constituirão os archipelagos dos Açores e da Madeira uma só circumscripção, para os effeitos d'esta lei.

§ unico. A zona do norte será constituida pelos seguintes districtos: Aveiro, Braga, Bragança, Guarda, Porto, Viana, Villa Real e Vizeu, tendo a sede na cidade do Porto; a zona do centro será constituida pelos seguintes districtos:
Castello Branco, Coimbra, Leiria, Lisboa e Santarem. Tendo a sede em Lisboa; a zona do sul será constituida pelos seguintes districtos: Portalegre, Evora, Beja, e Faro, tendo a séde em Beja; a circumscripção insulana terá a séde em ponta Delgada.

Art.51.º Em cada uma das zonas continentaes e na circumscripção insulana haverá um inspector nomeado pelo governo, ouvido o conselho geral da estatistica do trabalho.

§ 1.º Os logares de inspector são de commissão; o exercicio das suas funcções é incompativel com o de qualquer outro emprego publico, ou particular.

2.° No fim de cada triennio serão transferidos os inspectores de umas para outras circumscripções; podendo, todavia, soffrer excepção esta regra para
algum, ou para.

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todos os inspectores por, proposta fundamentada do conselho geral da estatistica do trabalho, approvada pelo ministro.

§ 3.° A permanencia em cada zona, ou circumscripção, não poderá em caso algum exceder seis annos.

§ 4.° Ultimados os trabalhos de cada anno, poderá o governo, sob consulta favoravel do conselho geral da estatistica do trabalho e por conveniencia do serviço transferir os inspectores de umas para outras circumscripções.
Art. 52.° O governo nomeará os inspectores de entre os engenheiros civis e militares em serviço no ministerio das obras publicas.

§ 1.° Os vencimentos de cada inspector civil será de réis l:200$000 annuaes e o do inspector militar o soldo da patente e uma gratificação, que elevo o total do vencimento aquella quantia. Alem d'este vencimento, das ajudas de custo e gratificações, expressamente determinadas n'esta lei, os inspectores não poderão receber remuneração alguma a titulo de qualquer serviço extraordinario.

§ 2.° Não poderá ser nomeado inspector o indivíduo, que tiver mais de quarenta e cinco annos de idade.

§ 3.° Os inspectores, em visita aos estabelecimentos industriaes, ou em inspecção ás commissões districtaes, perceberão uma ajuda de custo de 2$000 réis diarios, até ao limite do cento e oitenta dias por anno, e transporte em caminhos de ferro e navios do estado.

§ 4.° Ao inspector insulano serão alem d'isso abonadas as despezas de viagens, que não possam ser realisadas em navios do estado.

§ 5.° As viagens a Lisboa por ordem do ministro não serão comprehendidas no numero de saídas designado no § 3.°; mas contar-se-hão á parte e nas condições do mesmo paragrapho.

Art. 53.° A residencia official do inspector será sempre na séde da sua zona, ou circumscripção.

Art. 54.° Compete aos inspectores:

1.º Visitar annualmente todos os estabelecimentos industriaes da sua zona, uma vez pelo menos, lavrando d'esta visita um termo, que será assignado por algum dos directores, proprietarios, ou chefes de serviço do estabelecimento inspeccionado.

2.° Inspeccionar os trabalhos das commissões districtaes.

3.° Resolver as duvidas apresentadas e as consultas, que lhes forem dirigidas pelas commissões districtaes.

4.° Vigiar pela uniformidade na applicação d'esta lei, tomando conhecimento dos aggravos feitos aos industriaes pelas commissões districtaes, e resolvendo-os como for de justiça e lei.

5.° Visitar extraordinariamente os estabelecimentos industriaes, quando haja conflicto entre as commissões districtaes é os industriaes, ou quando o governo assim o determinar.

6.° Relatar circumstanciadamente ao governo tudo que se refere ao serviço de inspecção dos menores, tomando para base os relatorios das commissões districtaes, as observações e dados estatisticos directamente colhidos nas suas visitas e excursões. Estes relatorios, abrangendo um anno economico, deverão dar entrada no ministerio das obras publicas até 30 de outubro, de cada anno, sob pena de suspensão.

7.° Organisar a estatistica industrial da sua zona ou circumscripção.
8.° Apreciar e graduar os relatorios das commissões districtaes propondo ao governo:

I. Um premio pecuniario de 100$000 réis para o relatorio mais graduado;

II. Uma portaria de louvor para o segundo em merito.
Os relatorios assim considerados serão publicados na folha official.
9.° Prestar ao governo e ao conselho geral da estatística do trabalho as informares sobre os trabalhos das commissões districtaes, aptidão dos commmissionados, e em geral as que lhes forem exigidas sobre os assumptos das suas funcções.

Art. 55.° Em serviço de inspecção poderá qualquer inspector tomar as providencias extraordinarias exigidas pelo bem do serviço, informando immediatamente o conselho geral de estatística do trabalho e o ministro das obras publicas.

Art. 56.° O governo e o conselho geral da estatística do trabalho poderão incumbir os inspectores de qualquer trabalho, que especialmente tenha em vista estudar ou melhorar as condições sociaes e industriaes, das classes pobres, e assalariadas.

APITULO XIV

Conselho geral da estatística do trabalho

Art. 57.º Junto do ministerio das obras publicas constituir-se-ha um conselho geral da estatistica do trabalho, cujas attribuições serão as seguintes:

1.° Estudar as condições, sociaes e particulares, das classes operarias e desvalidas.

2.° Investigar as transformações favoraveis, que n'aquellas condições se poderão operar o os meios conducentes a este fim.

3.° Organisar a estatistica de todos os factos e a serie de todas as observações, que interessem a existência collectiva e individual dos operarios e cidadãos pobres.

4.° Propôr ao governo as medidas sociaes dignas de ser apresentadas á approvação parlamentar.

5.° Desenvolver e animar a iniciativa publica e particular, esclarecendo os assumptos e os problemas sociaes, e propagando acerca d'elles idéas justas, verdadeiras e scientificas.

6.° Consultar sobre todas as questões, que lhe forem sujeitas pelo governo.

7.° Preparar e pôr em pratica, depois da auctorisação do governo, inquéritos industriaes geraes ou especiaes.

8.° Classificar as artes e as industrias nacionaes e fixar a sua technologia.

9.° Fiscalisar, nos termos, das leis especiaes, o cumprimento rigoroso e justo de toda a legislação social e organisar os respectivos regulamentos.

§ unico. São leis sociaes, aquellas que tiverem por fim a protecção e o auxilio directos, qualquer que seja a sua natureza, prestados pelo estado a uma classe social, ou grupo de cidadãos ligados por interesses identicos ou similhantes.
Art. 58.° O conselho superior da estatística do trabalho será composto de sete membros, cinco eleitos pela fórma indicada nos seguintes paragraphos e dois nomeados pelo governo.

§ 1.° Os lentes, quer proprietarios, quer substitutos da universidade de Coimbra, os professores do respectivo lyceu, e os estudantes, premiados ou distinctos de qualquer faculdade ou anno, elegerão um membro do conselho.

§ 2.° Os professores, quer proprietarios, quer substitutos das escolas superiores e do lyceu de Lisboa, e os estudantes, premiados ou distinctos de qualquer escola ou anno, elegerão um membro do conselho.

§ 3.° Os professores, quer proprietarios, quer substitutos das escolas superiores e do lyceu do Porto e os estudantes, premiados ou distinctos do qualquer escola ou anno, elegerão um membro do conselho.

§ 4.° A academia real das sciencias elegerá um membro do conselho.

§ 5.° As associações commerciaes do Lisboa e Porto elegerão um membro do conselho.

§ 6.° Os vogaes, eleitos pelas differentes corporações mencionadas nos paragraphos anteriores poderão ser escolhidos nas proprias corporações, exceptuando os estu-

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dantes, que não poderão ser eleitos, ou fóra d'ellas, jogo que não sejam pares do reino ou deputados.

§ 7.º Os vogaes do conselho geral da estatistica do trabalho, serão ineligiveis para os corpos legislativos e não poderão ser nomeados pares do reino.

§ 8.º O governo, quando houver de se proceder á eleição geral, ou a qualquer supplementar, indicará a fórma porque ella deve ser realisada.

Art.59.° As funcções de vogal do conselho superior da estatistica do trabalho serão incompativeis com as de outro qualquer cargo publico e a todas preferem.

§ 1.° O vencimento de cada vogal será de 1:600$000 réis por anno.

§ 2.º A duração das suas funcções será, de seis annos, findos os quaes se renovarão, todos os vogaes do conselho; podendo ser reeleitos ou reconduzidos, conforme a sua classe.

Art. 60.° A constituição interna do conselho, a duração dos trabalhos e a fixação dos dias e da duração das sessões serão da sua inteira competencia.

§ 1.° O conselho terá, pelo menos, duas sessões publicas por semana.

§ 2.° O conselho poderá despender no expediente e secretaria até á somma de 3:800$000 réis annuaes.

§ 3.°. O conselho poderá resolver, com approvação do ministro, que algum dos seus vogaes seja enviado a qualquer ponto do continente do reino ou das ilhas adjacentes em missão de serviço temporario ; n'este; caso ser-lhe-ha abobada a ajuda de custo diaria de 3$000 réis e o transporte em navio ou caminho de ferro. As despezas d'esta ordem não serão levadas á conta da auctorisação do paragrapho anterior.

Art. 61.° O conselho geral da estatistica de trabalho publicará trimestralmente o boletim dos seus trabalhos, compendiando n'elle os dados estatisticos e experimentaes que tiver colligida, os estudos que tiver realisado e quaesquer artigos e publicações originaes ou traduzidas, que se refiram a assumptos da sua competencia.

§ unico. A impressão do boletim será feita a expensas do thesouro na imprensa nacional.

Art. 62.° Os vogaes do conselho geral da estatistica do trabalho poderão, ser substituídos, por nova eleição, ou por nomeação, conforme a classe a que pertencerem, antes da terminação do praso fixado no artigo 50.°.§ 2.°:
1.° Quando, se inutilisarem por motivo de doença;
2.° Quando abandonarem as suas funcções;
3.° Quando incorrerem na pena comminada nos artigos 65.° e 66.° d'esta lei.

Art. 63.º O presidente do conselho geral da estatistica do trabalho será o ministro das obras publicas; o conselho elegerá vice-presidente e secretario.
§ unico. O presidente e o vice-presidente, no caso de empate, terão voto de qualidade;

Art. 64.° Alem da competencia geral definida no artigo 57.°, o conselho geral da estatística do trabalho, terá para os effeitos da presente lei, as seguintes attribuições especiaes:

1.ª Apreciar e classificar os relatorios dos inspectores propondo ao governo:
a) Um premio pecuniario de 200$000 réis para o melhor relatorio;
b) Uma portaria de louvor pára o segundo em merito;

2.ª Elaborar as syntheses dos relatorios dos inspectores, os quadros synopticos de todos os dados estatisticos, condensando n'um só relatorio todos os factos e observações, dos quaes possam inferir-se os princípios geraes ou leis experimentaes.

O relatorio do conselho, que deverá ser apresentado ao ministro até 31 de janeiro de cada anno, será publicado em separado e acompanhado dos relatorios dos inspectores .

3.ª Formular as propostas e as consultas, a que, se refere esta lei, e os regulamentos para a sua execução;
4.ª Propor ao ministro a serie de medidas, que julgar necessarias, para a applicação uniforme e vigilante da lei, ou para a sua transformação, tendo em vista estudo dos phenomenos sociaes e da industria nacional;
5.ª Indicar aos inspectores os processos geraes, por que devem proceder na elaboração das estatisticas, as normas dos seus relatorios e todos os preceitos, que dêem unidade, rapidez e perfeição aos serviços de que são incumbidos;
6.ª. Resolver as difficuldades e responder ás consultas, que lhe apresentarem os inspectores.

TITULO V

Penalidadas

Art. 65.° Os agentes, aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei, não divulgarão os segredos industriaes ,que, porventura, venham a conhecer no exercício das suas funcções, soberana de demissão e de responderem criminalmente nos termos do artigo 462.° do codigo penal, e civilmente por perdas e damnos.
Art. 66.° Os agentes; aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei, que, abusando da sua auctoridade e influencia, por qualquer fórma, directa ou indirectamente, usarem d'ellas para angariarem votos para eleições, provado que seja este delicto, serão immediatamente demittidos, sendo-lhes applicaveis as penas comminadas no § 1.° do artigo 40.° da lei eleitoral de 21 de maio de 1884.

Art. 67.° O director, patrão ou seu representante, que admittir na sua industria menores fóra das condições d'esta lei, será punido com a multa de 5$000 a 20$000 réis por cada menor, que tenha admittido.

Art. 68.° O director, patrão ou, seu representante, que infringir as outras disposições d'esta lei, ou dos seus regulamentos, será punido com a multa de 2$000 a 10$000 réis por cada contravenção.

§ 1.º Das disposições d'este artigo exceptuam-se as contravenções dos artigos 23.°, 41.°, 42.° e 44.° d'esta lei, ás quaes serão respectivamente comminadas as multas de réis 20$000, 30$000, 18$000 e 100$000.

§ 2.° No caso do reincidencia as multas serão, do valor duplo do determinado n'este artigo.

§ 3.° As multas e custas judiciaes serão cobradas executivamente, servindo o estabelecimento de garantia.

Art. 69. Os directores, patrões ou seus representantes, serão admittidos a provar judicialmente que a infracção resultou do erro nos attestados ou nas cadernetas, por conterem falsas indicações. N'este caso serão isentos da pena; mas os falsarios e os cumplices serão punidos nos termos da lei penal.
Art. 70.° Os directores, patrões ou seus representantes, que não franquearam á inspecção, os seus estabelecimentos, ou se oppozerem ao disposto nos artigos antecedentes, serão processados como, desobedientes, aos mandados da justiça.
Art.71.° No caso de terceira reincidencia o juiz aggravará a pena ordenando que seja publicada á custa do reincidente a sentença condemnatoria, nos jornaes mais lidos, e que seja tambem affixada no estabelecimento e em logar bem publico.

Art. 72.º Os professores que não cumprirem o disposto no artigo 30.° serão punidos com a multa ,de 1$000 réis, ou com a deducção correspondente nos seus ordenados.

Art. 73.° Se o menor não apresentar com regularidade a sua caderneta, ou d'ella constar que faltou muitas vezes á escola, sem motivo justificado, o patrão pagará por elle até l$000 réis, que lho descontará no salario. N'este caso, o patrão, ou o menor, poderão dar prova em contrario.

Art. 74.° Aos que não sendo cegos nas ruas e praças publicas mendigarem, acompanhados por creanças, de que

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não sejam paes, proximos parentes, ou unicos protectores, será comminada a multa de 500 a 2$000 réis ou a pena de prisão de oito a quinze dias.

Art. 75.° Á mulher matriculada que tenha em sua companhia menor do sexo feminino, que não seja sua filha, será comminada a multa de 5$000 2$000 réis, ou a pena de prisão do quinze dias á um mez.

Art. 76.º A fórma do processo para as contravenções d'esta lei será a seguida nas contravenções de posturas municipaes.
§ unico. As contravenções prescrevem passado um anno,
exceptuando as reincidencias que só prescrevem passados dois.

TITULF VI

Disposições geraes

Art. 77.° As, disposições d'esta lei comprehendem os menores admittidos como aprendizes, na parte que lhes for applicavel.
Art. 78.° Os menores encontrados nos estabelecimentos industriaes serão considerados como empregados n'elles, salvo prova em contrario.

Art. 79.° O producto das multas comminadas n'esta lei será recebido pelo estado, a fim de constituir uma das receitas da caixa nacional dos seguros contra os accidentes na industria.

§ unico. Emquanto estes seguros nacionaes não estiverem legalmente organisados, o producto das multas entrará na caixa geral de depositos, vencendo o juro de 5 por cento ao anno com capitalisação trimestral.
Art. 80.° O governo, sob proposta, ou consultado o conselho geral de estatistica do trabalho, publicará os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.

Art. 81.° Os menores existentes nos estabelecimentos industriaes, ao tempo da publicação d'esta lei, n'elles poderão continuar, qualquer que seja a sua idade, comtanto que se observem as outras disposições, na parte que lhes forem applicaveis.

Art. 82.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 11 de julho de 1885. = Augusto Fuschini, deputado pelo circulo n.° 81 (Santiago do Cacem e Grandola.)

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TABELLA A

(Artigo 3.º §. unico da referida lei)

[Ver a tabela na imagem]

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[Ver tabela na imagem]

Tabellas da lei sobre a regulação do trabalho dos menores na industria

TABELLA B

(Artigo 7.º da referida lei)

[Ver tabela na imagem]

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TABELLA C

(Artigo 9.º § 3.º da referida lei)

[Ver tabela na imagem]

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[Ver tabela na imagem]

TABELLA D

(Artigo 12.º da referida lei)

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ANNEXO N.º 1

Resultado do inquerito industrial a que procedeu a commissão nomeada pela portaria de 12 de julho de 1880 (os nove primeiros estabelecimentos) e dos esclarecimentos colhidos pelo dr. Ferraz de Macedo em 1876 (os onze ultimos estabelecimentos)

[Ver tabela na imagem]

(1) Menores quasi acima de 11 annos, apenas 4 ou 5 d'esta idade. Trabalham principalmente, como em todas as fabricas d'este genero, nos bancos fiação. Horas de trabalho as mesmas para adultos e menores.
(2) Não se admittem menores antes dos 10 annos. Hora de trabalho as mesmas para adultos e menores.
(3) Idem, Idem.
(4) Admittem-se menores aos 7 e 8 annos para o serviço leve (dar tinta aos estampadores, etc.). Não os ha de sexo feminino.
(5) Não se admittem, em geral, menores antes dos 12 annos, nem dos 14, e só, do sexo masculino. Os aprendizes trabalham tanto como os operarios.
(6) Não se admittem, em geral, menores antes dos 11 annos. Ha só 2 e de 8 annos.
(7) Menores quasi todos do sexo feminino e admittem-se dos 10 ao s 14 annos. Só havia menores do sexo masculino dos 11 aos 13 annos, empregados em conduzir taboleiros ás empreiteiras, fazer cigarros, escolher tabaco e varrer.
(8) Os menores mais novos tinham 11 annos.
(9) Admittem-se menores aos 10 annos.
(10) Tinham algum conhecimento da instrucção primaria os 19 classificados como sabendo ler e escrever.
(11) Tinha a escola nocturna paga pela companhia.
(12) São quasi todos analphabetos, diz a informação.
(13) Os menores eram considerados aprendizes, por um contrato com paes ou tutores, e têem de permanecer na officina por espaço de 7 annos. Todos eram obrigados a frequentar as escolas do estabelecimento e as do instituto industrial do Porto.

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ANNEXO N.º 2

Illmo e exmo. sr. - Na divisão do trabalho que a portaria do 12 de julho de 1880 incumbiu á commissão de que v. exa. é digno relator coube-nos, a nós, informar especialmente acerca dos factos e das circumstancias economicas relativas aos serviços dos menores na, industria, e bem assim das condições intellectuaes e moraes da população infantil das fabricas e officinas. Não podemos desempenhar-nos como desejavamos da nossa tão importante quanto sympathica missão.

Encontrámos falta de informações officiaes, de dados estatisticos, dos subsidios de diversas naturezas necessarios ou uteis para elucidação do assumpto que nos cumpria aprofundar, e a estreiteza do tempo, ainda mais cerceado pelas nossas occupações publicas ou particulares, não nos permittiu remediar essa falta por meio da investigação pessoal e directa, tão vasta e tão detida quanto era mister que fosse para se tornar inteiramente proveitosa e fecunda. Ainda assim, o nosso zeloso desejo de corresponder á confiança do exmo. ministro das obras publicas obrigou-nos a estudos á exames, que nos parecem sufficientes para fundamentar as considerações, que vamos ter a honra de expor a v. exa.

Não nos compete, de certo, fornecer esclarecimentos ou emittir opinião ácerca da influencia, que poderão exercer sobre as condições de producção das industrias portuguezas quaesquer leis, que, diminuindo as horas de trabalho dos menores que n'ellas se empregam, hajam de constituir para elevar o custeio d'essas industrias ou affrouxar-lhe a productividade. Este problema é muitissimo complexo, e só poderia ser esclarecido em todas as suas partes mediante um vasto e minucioso inquerito industrial, que indubitavelmente o nobre ministro das obras publicas não pensou em incumbir-nos e naturalmente dispensa, pois que o seu proposito de regular o trabalho dos pequenos operarios de modo que lhes não arruine o corpo nem atrophie o espirito, nasce de considerações de ordem superior a quaesquer objecções derivadas de interesses economicos, ou sejam collectivos ou individuaes. A parte economica do nosso estado deve, pois, limitar-se, a nosso ver, a dois pontos principaes, e são elles: 1.°, a maior ou menor necessidade que os trabalhadores infantis têem dos salarios que vencem, para proverem a sua alimentação; 2.º, até que ponto esses salarios se podem considerar justamente remuneradores do serviço a que correspondem e sufficientes para o custeio da vida de quem os recebe.

O primeiro d'estes dois pontos podia ser thema para largas dissertações, para volumes de considerações, em que haveriam de figurar os defeitos organicos da nossa sociedade, que tão escassos meios fornece ainda aos herdeiros da miseria para se libertarem das condemnações da herança. Não entraremos, porém, n'um campo onde só poderiamos ir reconhecer as impotencias dos legisladores, e apenas diremos, como observação geral, que os factos por nós verificados, não só justificam, senão que reclamam a intervenção do estado, intervenção severamente paternal, para cohibir os abusos, os verdadeiros crimes, com que o desamor e egoismo vicioso, a ignorancia imprevidente dos paes e tutores tantas vezes victimam as creanças. Especialmente em Lisboa, não é sempre, e talvez não seja na maioria dos casos, a miseria, a absoluta necessidade, que conduz as creanças ás fabricas, afastando-as da escola, fechando-lhes em apertado circulo os horisontes do futuro, estragando-lhes a saude, encurtando-lhes a vida; conduzem-n'as os paes viciosos ou preguiçosos, ou simplesmente ávidos de tirarem proveito dos filhos, como de capitães que não querem ver empatados. Mais de uma vez ouvimos os pequenos operarios, por nós interrogados acerca da situação da sua familia, dizerem que os paes não queriam trabalhar, ou accusarem-n'os ingenuamente dos desmandos e desregramentos em que roubavam o pão dos filhos. Nos centros fabris, o mandar as creanças para as fabricas logo que têem algum prestimo, torna-se um uso corrente, que é acceito sem a menor instigação de pobreza, porque tem a vantagem de dispensar os paes do pensarem na carreira que hão de dar aos filhos, e até porque os livra dos incommodos que cansam as travessuras da infancia. Não se julgue que esta ultima rasão, por ser futil, contribua pouco para povoar os estabelecimentos fabris. É notorio que entre o povo muitos paes mandam os filhos á escola só para ficarem descansados em casa; ora a fabrica presta o mesmo serviço, acrescido com o provento da feria, e dos damnos que causa não cura a ignorancia. Filhos unicos de officiaes de serviço, que ganham em Lisboa salarios elevados, encontramos nós a estiolarem-se em attmospheras insalubres, emparelhados com as machinas na continuidade e inintelligencia do trabalho; e ninguem dirá que os tivesse ali sacrificados a miseria da familia.

Não pretendemos, porém, negar que grande parte das creanças que trabalham não hajam sido condemnadas pela fome a anteciparem os deveres da virilidade. As fabricas são depositos e museus das miserias sociaes. O moralista que nos acompanhasse havia de notar com pavor quanto avultam nas suas populações os filhos illegitimos, abandonados pelos paes e lançados por elles a cargo de pobres mulheres, cujo trabalho mais rude escassamente produz para o seu proprio sustento. E a par d'estas victimas da desgraça, outras e outras muitas se encontram, cuja curta e lastimosa historia faz reflectir em quanto faltam ainda entre nós, em quanto seria obra philanthropica o promover a fundação ou o desenvolvimento de instituições que amparassem da fome os pobres amargurados na sua pobreza pela doença e invalidez, que facilitassem aos operarios assegurarem alguns subsidios ás suas viuvas, que ajudassem as mães desprotegidas a poderem com os encargos materiaes da maternidade. E a fabrica, força é confessal-o, que tem de supprir a falta ou a deficiencia d'estas instituições, e então é como um asylo, e o trabalho que proporciona parece uma caridade. Mas é sempre uma caridade relativa, que oxalá se podesse dispensar; um beneficio que só deixa de ser uma desgraça quando comparada com outra mais pungitiva; e ainda quando o trabalho do menor tem o caracter de uma, necessidade real, digamol-o tambem, essa necessidade póde ser satisfeita em condições mais suaves do que ò está sendo geralmente nos estabelecimentos industriaes do nosso paiz, onde é muitas vezes explorada com verdadeira crueza.

Creanças condemnadas ao trabalho prematuro pelo desamor dos paes ou pela miseria real, todas merecem e precisam, pois, de que a legislação as tutele e proteja, e as contemplações que se houvesse de ter pela necessidade de umas não deveriam aproveitar á especulação que sacrifica as outras. E, por outra parte, essas contemplações não podem exceder a linha alem da qual passariam a ser abandono, não podem permittir que se despendam saude e vida, que se embruteça o espirito, que se paralysem as faculdades em troca de um salario minguado, ainda que esse salario represente o pão quotidiano. O pequeno operario não poderá viver com menos ; mas a industria poderá de certo pagar mais, ou pagar tanto por menor trabalho. E se não podér, ceda logar a outra mais justamente remuneradora.

O salario das creanças é, em regra, muito diminuto. Em Lisboa regula por 80 a 100 réis, raras vezes chega a 120 réis, e nas provincias ainda costuma ser mais escasso. Dêmos que esta taxa de salarios represente, o maximo que as industrias podem pagar, e confessemos que, em todo o caso, tem a especie de legitimidade que resulta do livre jogo das leis de procura e offerta, sendo para notar-se que no nosso caso a offerta é superior á procura, a ponto dos, donos de fabrica considerarem favor e caridade a admissão de menores; esta taxa de salarios, dizemos, ainda quando seja perfeitamente equitativa, nem por isso deixa de ser insufficiente para é custeio minimo da vida, mesmo de uma creança. De facto, a alimentação dos pequenos operarios é pouco reparadora e sadia, tanto mais que as nossas populações fabris ainda se não acostumaram e como que resistem a arranchar-se. Trabalham de mais e sustentam-se mal. Os seus ganhos, os seus sacrificios, nem sequer os collocam em condições regulares de existência physica. Chegam-lhes apenas para os preservar da fome, e o beneficio que podem produzir na economia das familias a que elles pertencem deve ser quasi insensivel onde não haja a mais extremada penuria. Falta totalmente a proporcionalidade entre o que perdem em robustez; em instrucção, em futuro, e o que lucram com o trabalho precoce. Algumas occupações há, embora raras, que proporcionam aos menores que as exercem certo bem estar relativo, porventura certos commodos e regalos que são tal ou qual compensação dos sacrificios e prejuízos a que os sujeitam; os sotas da companhia carris de ferro de Lisboa, por exemplo; vencem honorarios que muitos homens feitos invejarão e que o trabalho puramente material nem sempre alcança. A regra, porém, não é esta, e os serviços fabris que maior numero de creanças empregam, são retribuidos de forma que nem quasi deixam perceber a quem recebe as retribuições a vantagem de trabalhar.

E não se diga que os menores ganham tambem as habilitações que adquirem. Em regra geral não adquirem nenhumas. Empregam-se em serviços rudimentares que não desenvolvem nenhuma aptidão progressiva, e que quasi sempre só podem exercer emquanto lhes dura a infancia. Finda ella, já não servem, para o que servem e não aprenderam a servir para outra cousa. Sáem então das fabricas, e vão procurar outras carreiras; vão começar vida nova depois de já serem quasi veteranos da milicia do trabalho. Esta é, repetimos, a regra geral, comquanto tambem seja certo que, especialmente em determinadas industrias, das creanças admittidas para misteres faceis e mal pagos algumas vão, com o tempo, passando a exercer outros de mais estimação, e conseguem ás vezes chegar aos mais elevados graus da hierarchia operaria. Mas cada um d'estes afortunados, que o foram quasi sempre por mercê de especial habilidade ou por encontrarem alguma protecção, viu passar pelo estabelecimento onde tem vivido os largos annos das suas promoções, milhares e milhares de creanças, que entraram e sairam, saindo tão pouco habilitadas para proverem á sua sustentação como tinham entrado, porém geralmente mais eivadas de enfermidades e mais desgostosas do trabalho, que só conheceram ingrato.

Não nos parece, pois, que as vantagens que os menores auferem do trabalho industrial sejam taes e tantas que o legislador haja de abster-se de regulamentar esse trabalho, por modo de que resulte da regulamentação o fecharem-se as fabricas e officinas aos pequenos operarios que as procuram. Esse resultado não é de esperar desde que a lei saiba conter a sua acção tutelar dentro dos limites do direito e da justiça; quando, porém, se verificasse, o prejuizo que soffreriam alguns necessitados seria, por certo, sob o ponto de vista social, compensado em grande parte pelo enorme beneficio de se evitarem muitos sacrificios uteis e estereis.

Se as condições economicas dos menores empregados na industria são precarias, a sua cultura intellectual é inteiramente nulla. Pelo escasso salario que recebem, vendem estes infelizes e vendem para toda a vida, a instrucção que o estado lhes offerece gratuitamente, e

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com ella a possibilidade de medrarem no campo das concorrencias sociaes: A fabrica, nos logares onde existe, é o mais terrível inimigo da escola. As creanças não só deixam de ir, A escola para irem á fabrica; saem dá escola para entrarem na fabrica, e desaprendem na fabrica o que na escola aprenderam. Com rarissimas excepções, toda a população infantil dos estabelecimentos industriaes é analphabeta. Alguns directores e gerentes d'esses estabelecimentos confessaram-nos que, precisando ás vezes applicar a serviços elementares de escripta alguns dos seus pequenos operarios, nem um só encontravam, entre centenares, com habilitações para: taes serviços. Isto observa-se tanto em Lisboa como nas provincias, e com singular uniformidade em toda a parte. Só uma variedade se encontra. Em certas localidades, em Santo Amaro, por exemplo, muitas e muitos creanças, talvez a maioria frequentam a escola; todos confessam, porém, que, ou não chegaram a aprender, porque passaram para a fabrica, ou que se esquereceram n'ella do pouco que sabiam. N'outros sitios, e assim succede em Xabregas, é rara a que alguma vez foi leccionada. É claro que estes dois casos diversos correspondem á existencia ou não existencia nas proxzimidades, de escolas publicas. E nos especialisâmol-os muito de proposito para fazer sentir que, infelizmente, até na nossa capital e nos seus suburbios mais contiguos, em locaes densamente populosos, ainda rareiam as casas de instrucção.

Quando, porém, ellas fossem mais numerosos e bem distribuídas, pouco aproveitariam ás creanças destinadas ao trabalho industrial, emquanto elle existisse nas condições actuaes. O menor que lida dez horas por dia, com pequenas interrupções preenchidas pelas comidas, não póde de certo ir á escola, não póde sequer exercitar-se em leitura ou escripta para aperfeiçoar ou conservar o que aprendeu. Só tem a noite livre, e a noite é insufficiente para a descanso. Todavia, as aulas nocturnas estabelecidas nos centros fabris talvez dessem algum resultado; mas, infelizmente, são rarissimas. E esta nossa esperança não é de todo infundada; resulta da observação. Nas fabricas, quasi todas de estamparia, situadas em Alcantara, quasi não há uma creança que aprendesse ou aprenda a ler, a não ser algumas que, residindo no sitio dos Terremotos, freqüentam uma escola nocturna que funcciona em Campo de Ourique. Alegou-nos e enterneceu-nos o como heroismo d'aquelles rapazinhos que, depois de um largo dia de canceiras e de terem percorrido enormes distancias, ainda tiravam tempo ao repouso para irem mortificar o espirito com o estudo! Mas estes casos são verdadeiras excepções. A regra é a ignorancia e a indifferença pela instrucção, aggravadas pela escassez de escolas estabelecidas em condições de poderem de algum modo ser concorridas pelos operarios das fabricas.

E já que temos em mãos este interessante assumpto, não será descabido registar aqui, para conhecimento dos poderes publicos, um abuso, uma ridicula costumeira, que encontrámos a constituir mais um estorvo á diffusão da instrucção primaria. Há muitos professores officiaes que não admittem nas aulas creanças descalsas. Entendem estes descaridosos sscerdotes do ensino que devem excluir da sua communhão a pobreza, que não póde conformar-se no seu trajar com o figurino que elles decretam; exigem aos seus alumnos uma especie de titulo de capacidade passado pelo sapateiro, e com esta exigencia absurdamente aristocratica afastam da escola precisamente os tristes que mais precisam preparar n'ella um futuro melhor do que o seu desvalido presente.

O exmo. ministro das obras publicas, na portaria que nomeou esta commissão encarregou-a também de examinar se nos estabelecimentos industriaes existem quaesquer instituições destinadas a promover a educação moral e intellectual dos operarios menores. Somos forçados a dizer, com muita magua, que não tivemos noticia de nenhuma instituição d'essas em estabelecimento particular dos que visitámos; apenas no arsenal do exercito existe uma escola com dois gráus de ensino, para os aprendizes das diversas officiaes da fabrica de armas e da fundição de canhões, escola que, no momento em que a visitámos, era freqüentada por cerca de oitenta alumnos; tem dado optimos fructos, e é um modelo muito para inculcar-se á industria particular, que da sua imitação tiraria incontestaveis proveitos. Na fabrica da companhia de fabrico de algodões de Xabregas, houve outr'ora uma especie de hospicio, onde, por accordo com a auctoridade administrativa do districto de Lisboa, se recolhiam os menoresde ambos os sexos que a policia encontrava ao desamparo ou prendia por vagabundos; esses menores trabalhavam nas officinas, abonando-se-lhes salario, e recebiam instrucção elementar em aulas especiaes á cuja frequencia ficavam obrigados. A instituição era indubitavelmente benefica e moralisadora; teve, porém, curta existencia, porque lhe poz termo um incendio, antes que a administração do estabelecimento se cansasse da empreza pouco fructuosa de disciplinar rebeldias, de corrigir vicios inveterados, de acostumar ao trabalho e ao viver honesto caracteres formados pela liberdade ociosa e desregrada. Fechou-se, pois, o hospicio, e abortou uma generosa tentativa, que o estado ou o municipio talvez devessem ter feito sua, pois que são tutores natos das creanças abandonadas ao acaso da vadiagem e dos pequenos criminosos, e estão mal dotados de instituições em que a sua tutella se exerça efficazmente.

Geralmente, os industriaes não mostram a menor solicitude, o minimo interesse pela instrucção ou moralisação das creanças que não sejam as de patrão e operario. Recebem um determinado serviço, pagam o salario ajustado, e se dispensam o serviço ou não estão satisfeitos com elle despedem quem lh'o prestava. Por isso também, na grande maioria dos casos, não há para as creanças castigos especiaes; o castigo é a reprehensão ou a despedida, a que todos os operarios estão sujeitos. De maus tratos, de correcções physicas, não achâmos vestigios.

O legislador que quizer providenciar para que as numerosas creanºas destinadas
desde tenra idade á labutação das industrias não fiquem privadas de toda a luz da instrucção terá de recorrer ao expediente já vulgar em paizes estrangeiros, e também recommendados por motivos de ordem physica; á diminuição das horas de trabalho. Devemos observar,m porém, que ainda que o trabalho deixe tempo disponivel para a escola, esse tempo não poderá ser aproveitado se a escola se não facultar muito aos pequenos operarios. Por outra parte, se a lei exigir d'elles, como deve, para lher permittir o trabalho, que adquiram ou tenham adquirido certa cultura intellectual, contrahirá, por esse facto, a obrigação de lhes facilitar essa cultura para que a sua exigencia se não torne prohibitiva. Ora, no momento actual, oe stado não está habilitado para se desempenhar d'essa obrigação, que só se deve considerar cumprida quando haja uma escola na vizinhança de cada fabrica importante ou de cada grupo de fabricas proximas, pois que é de todo o ponto impossivel forçar creanças a percorrerem grandes distancias para irem e voltarem da fabrica á aula quando na maioria dos casos acrescerá ainda a essas distancias o trajecto da fabrica ao local da residencia.
Afigura-se-nos por issoq eu seria util imitar entre nós a lei hespanhola na parte em que ordena que cada estabelecimento fabril, que empregue certo numero de menores, tenha uma escola custeada pela sua administração. Poder-se-ia estatuir também que onde houvesse mais de uma fabrica comprehendida dentro de um circulo de 1 kilometro de diametro, 4essas fabricas sustentassem uma escola a expensas communs, quando o numero de menores empregados em todas ellas excedesse o minimo estabelecido pela lei. Estas escolas seriam organisadas em harmonia com os preceitos superiormente determinados, e ficariam sujeitas á discalisação permanente do estado. As creanças frequental-as-iam obrigatoriamente durante as horas e nos dias prescriptos pelos regulamentos. E tendo a instrucção e o trabalho dentro do mesmo edificio ou no mesmo local, economisariam tempo que aproveitaria tanto á escola como á fabrica, e forrar-se-iam a incommodos e distracções nocivas.

E será penosa para os estabelecimentos industriaes a obrigação de manter e sustentar uma aula de primeiras letras? Esta obrigação só recairia inteira sobre aquelles que empregassem certo numero de creanças, que não deveria ser inferior a cincoenta; só recairia, portanto, sobre estabelecimentos importantes. Ora, qual será a industria desenvolvida, que dê trabalho a numeroso pessoal, que não possa supportar, sem os sentir, o encargo annual do ordenado de um professor primario e o desembolso do capital correspondente ao custo da mobilia de uma aula? Talvez se objecte que o estado não tem direito de impor similhante encargo, embora leve; de transferir para particulares o seu dever de ministrar gratuitamente a instrucção primaria; esta objecção, porém, afigura-se-nos tão pouco fundada como a que se oppozesse, em nome da liberdade individual, aos preceitos legaes, que exigem nas officinas asseio e outras condições hygienicas. Demais, a obrigação de sustentar a escola ficaria sendo simplesmente relativa a um acto voluntario, o de empregar na industria menores ainda não habilitados com certos conhecimentos, que o estado julga indispensaveis a todas os cidadãos. A industria a que convem o trabalho d'esses menores, e que para o aproveitar os desvia das aulas publicas, torna possivel a conciliação da sua conveniencia com o preceito social. Parece-nos isto perfeitamente equitativo e igualmente respeitoso para com todos os direitos: o dos industriaes, que é admittirem nas suas fabricas e officinas os individuos cujos serviços lhes convem; e dos menores, que é não serem privados da faculdade de trabalhar, limitada pela lei; o do estado que consiste em exigir que todos os mebros da sociedade recebam a cultura intellectual julgada necessaria para o desempenho dos seus deveres.
Somos, pois, de parecer que a commissão de que temos a honra de ser membros deverá recommendar ao ex.mo ministro das obras publicas que promova a creação de aulas nos estabelecimentos fabris de certa catogoria. Se, porém, este alvitre parecer menos acceitavel, a lei regulamentar do trabalho dos menores deverá ser acompanhada de uma serie de providencias governativas, destinadas a multiplicar as escolas publicas e a avizinhal-as dos centros fabris ou dos grandes estabelecimentos industriaes. Aliás, a obrigação de se instruirem imposta aos pequenos operarios tornar-se-lhes-há inezequivel.

Não terminaremos esta exposição sem chamar a attenção de v. exa. para um assumpto, que, embora não rigorosamente comprehendido nos limites da nossa missão official tem com ella intimas relações. O trabalho industrial não exerce influencia unicamente sobre as creanças que se lhes sujeitam aos rigores; também pesa sobre a existencia d'aquellas, cujas mães as abandonam, na idade em que a natureza ainda as não despegou dos seios maternos, para irem lidar nas fabricas. Quem vê, como nas grandes fabricas de tabaco, officinas e officinas apinhadas de mulheres em idade nubil, pensa forçosamente, se tem coração, nos infantes que muitas d'aquellas mulheres deixaram... deixaram, quem sabe onde? Porque se não
estenderá a estes infelizes a providencia da lei?

Em uma fabrica de Lisboa, a da companhia de fabrico de algodão de Xabregas, a iniciativa generosa da direcção fundou uma cré-

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che para os filhos das operarias do estabelecimento. Proporcionou-nos esta créche o unico prazer do coração que nos suavisou a tarefa dolorosa de percorrer tantas e tantas oficinas, que mais parecem enfermarias de rachitismo no pessoal, e enxovias de criminosos no material; foi o unico raio de sol que nos alegrou a vista! No fundo de um jardim assoalhado, uma casinha alegre, bem arejada, sadia, cheia de berços adornados pelo mais escrupuloso asseio; dormindo nos berços ou buliçando em torno d'elles, dezoito ou vinte creancinhas, de saudavel aspecto, risonhas, contentes, vigiadas carinhosamente por duas boas mulheres, antigas operarias, escolhidas para esta santa missão pelo seu caracter amoravel: é a créche. Este ninho de passarinhos está a dois passos da fabrica; as mães retemperam as energias da alma ouvindo, por entre o estrepito ensurdecedor das machinas, os risos sonoros dos seus anjos, e se as creanças choram ou precisam alimentos, ellas largam o trabalho e vão levar-lhes o seu leite e as suas caricias. A pequenina créche é, pois, uma caridade verdadeiramente maternal para as creancinhas, um beneficio e uma economia para as operarias, que se dispensam de pagar a quem lhes tome couta dos filhos emquanto se ausentam; para os proprietarios da fabrica é um motivo de bençãos e de intimos regosijos, e todo este bem custa um sacrificio pecuniario que nem vale a pena mencionar-se. E dizemol-o sem deprimir o merecimento dos fundadores d'esta instituição; pequeno que seja esse sacrificio, só elles tiveram o pensamento,' ou antes o sentimento, de o acceitarem, e um generoso sentimento emobrece mais a alma que o nutre, do que um punhado de oiro a mão que o dá.

Porque não haverá créches corno esta em todas as fabricas, mormente n'aquellas que, como as de tabacos, têem de portas a dentro uma numerosa população feminina? Repetimos, a despeza é minima, o beneficio é enorme. Bem sabemos que algumas associações caridosas andam ahi lidando na empreza de multiplicar as creches, estabelecendo-as principalmente nos bairros operarios. São utilissimas essas creches externas; mais uteis serão, porém, as que se fundarem dentro das fabricas, ao alconce das mães, porque dispensarão as creanças de recorrerem a seios estranhos e mercenarios. Sendo geralmente o trabalho fabril ajustado de empreitada, os industriaes nada perdem com o tempo que as operarias applicam á amamentação dos filhos, e lucram, por certo, em tel-as com o espirito socegado e o coração satisfeito. Não póde, pois, similhante providencia, quando ordenada por lei, ser considerada um vexame para as industrias; e já que a inspiração da iniciativa particular a não tem adoptado espontaneamente, imponha-a, o estado, que raras vezes uma imposição sua poderá ser mais consoante a missão humanitaria em que se deve empenhar.

Créches onde seja numerosa a população operaria feminina, escolas, onde trabalhem muitos menores, é o menos que o interesse social e o sentimento humano podem pedir ás industrias para os seus obreiros mais infelizes. E se estas instituições modestissimas parecerem intoleraveis encargos a quem só curar de lucros materiaes, diminua-se nos salarios o que ellas possam custar; ainda que as creanças paguem a escola e as mães a créche, lucrarão em ter perto de si a instrucção ou os filhos.

Eis aqui rapida e deficientemente expostas as principaes considerações que nos snggeriu o exame perfunctorio, que nos foi licito fazer, das condições economicas, intellectuaes e moraes dos menores empregados na industria. São ellas, por certo, muito desproporcionadas com a importancia do assumpto e com o alcance dos nossos desejos; todavia, v. exa. ha de saber amplial-as e corrigil-as para que correspondam aos nobres intuitos do sr. ministro das obras publicas.

Deus guarde a v. exa. Lisboa, 31 de dezembro de 1880. - Illmo. e ex.mo sr. relator geral da commissão de inquerito ás condições de trabalho dos menores nas industrias. = Polycarpo Pecquet Ferreira do Anjos = Antonio Ennes.

ANNEXO N.° 3

Illmo. e exmo. sr. - Percorrendo os cinco volumes do Inquerito industrial de 1881, e extraindo das respostas dos industriaes o que estes disseram acerca dos menores e aprendizes admittidos nas fabricas, apurou a repartição de estatistica os numeros constantes do mappa junto.

Não são estes numeros a exacta expressão da verdade, não só porque muitos industriaes não responderam aos quesitos, que sobre o assumpto lhes foram dirigidos, mas porque outros o fizeram deficientemente, incluindo os menores em o numero dos adultos, dando em globo o numero de mulheres e menores de ambos os sexos, e confundindo alguns o salario d'estes com o dos demais operarios.
Estes defeitos, que em parte derivaram da pouca attenção e algumas vezes da má vontade dos industriaes, tambem em parte resultaram do facto de se não terem cingindo ao questionario algumas das sub-commissões districtaes, encarregadas do inquerito ás fabricas.

Ainda assim, e com os necessrios coefficientcs de correcção, podem estes numeros servir de valioso subsidio ao estudo e solução de varias questões economicas; sobretudo, se juntamente com elles, forem tomados em consideração os esclarecimentos dados pelos industriaes e as reclamações que alguns, aproveitando o ensejo, julgarem opportuno fazer.

Resulta d'essas declarações, e é por assim dizer nota predominante em todas ellas, que a industria nacional definha e se atrophia por falta de instrucção geral e especial, e só póde desenvolver-se e prosperar melhorando-se as condições physicas do operario pela hegiene, e as condições intellectuaes pelo ensino. Nas fabricas de vidro, por exemplo, e sob o regimen actual, ou antes, com a actual falta de regimen, difficilmente podem os menores chegar a adultos com a necessaria robustez. "Creados n'estas condições, diz o chefe de um estabelecimento d'esta natureza, de mil haverá um que chegue a adquirir a robustez precisa!"

Raro é o industrial que se não queixe da ignorancia dos operarios, filiando-a na falta de escolas profissionaes, e na de contratos de aprendizagem. Alguns com grande lucidez e elevado criterio attribuem uma grande parto dos males de que soffre a industria, não só a essas causas, mas á falta de uma lei regularadora do trabalho dos menores.

E até ha quem, na espectativa de uma proposta de lei n'este sentido, recuse admittir menores e aprendizes nas suas officinas emquanto essa proposta não for convertida em lei. No relatorio da visita ás fabricas do districto do Porto, fallando dos operarios das officinas de serralharia e ferraria de Gaia, diz a sub-commissão:

"Aturdidos pelo malhar da forja desde a primeira infancia, rotos, anemicos, immundos, essa gente é condemnada pela sorte á condição de parias. Fiscalisar a regimen ao trabalho n'estas e n'outras officinas, legislando as condições de idade, de ensino, de hygiene, é um dever urgente."

Mais eloquentes, porém, e mais instructivas do que quaesquer considerações ou commentarios dos industriaes ou dos illustrados membros das commissões de inquerito, são os numeros, embora deficientes, que v. exa. encontrará no mappa junto. Por este mappa se vê, que o inquerito, em numeros categoricos, accusa apenas a existencia de 4:857 menores nas fabricas e officinas do paiz, pertencendo 3:155 ás industrias de algodão e lanificios, e os restantes 1:702 a todas as demais industrias. A exiguidade d'estes numeros é devida ás causas que já apontei. Exemplificando temos a industria de lanificios da Covilhã, onde segundo o inquerito, não ha numero determinado de menores, por terem sido confundidos e englobados em o numero das mulheres.

Em numeros estimativos accusa o inquerito do Porto 4:666 menores existentes nas fabricas do districto, depois de deduzidos l:426 já incluidos em os numeros categoricos. Ainda em numeros estimativos accusa o mesmo inquerito a existencia de 2:000 menores empregados na pequena industria da cidade, e a de 6:000 empregados na pequena industria dos concelhos ruraes do districto. D'este modo o numero de menores empregados nas fabricas do districto do Porto é o seguinte:

Incluidos em o numero total dos menores empregados nas fabricas de todo o paiz .... 1:426
Estimativa em relação ás fabricas do districto do Porto .... 4:666
Idem em relação á pequena industria na cidade .... 2:000
Idem em relação á pequena industria dos concelhos ruraes .... 6:000
Total .... 14:092
A somma total dos numeros esmos, deduzindo aquelles .... 1:426

é de .... 2:666

Se admittirmos, que na pequena industria dos restantes districtos do reino, incluindo as omissões relativas á grande industria, ha um numero de menores igual a uma quinta parte dos que existem empregados nas industrias do districto do Porto; e, se acrescentarmos a este numero o dos menores já mencionados no Inquerito, poderemos, em numeros redondos, estimar em 70:000, o numero de menores empregados nas industrias de todo o paiz, isto é, em 8 por cento do numero total de menores de seias a quinze annos existentes em todo o reino.

O salario começa em 20 réis diarios, chega nas grandes fabricas a 200 réis, sobe em algumas officinas em 360 réis, e só n'uma a 600 réis. A idade de admissão começa aos 5 e 6 annos! Encontra-se este facto registado a pag.77 do livro III do Inquerito. A aprendizagem nas poucas officinas onde existe, dura 6 e 8 annos. As horas de trabalho em geral são 10, em poucas fabricas 9 e em muitas 12, alem dos serões. Emquanto a instrucção apenas se apurou das informações dos industriaes que a maior parte dos menores são analphabetos, e quanto aos meios de a adquirir verá v. exa. que se acha em branco a columna das escolas das fabricas, e que a das escolas externas apenas menciona 52 menores, que as frequentam.

A fabrica fealdade do Porto é a unica que, de entre as horas uteis de trabalho, concede duas aos menores para frequentarem a escola.

Não se abriu no mappa a que mo estou referindo uma columna para os menores que sabem ler, e outra para os que não sabem, porque os industriaes nas suas respostas ao quesito respectivo deram em globo o numero de operarios que sabem ler, e não distinguiram entre menores e adultos.

Taes são em resumo os factos principaes, que se acham consignados nos cinco volumes do inquerito industrial, com relação aos menores admittidos nas fabricas e officinas.

Repartição de estatistica, 30 de janeiro de 1883. = O chefe interino da repartição, João da Costa Terenas,

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Mappa demonstrativo do numero de menores, salarios; idade de admissão, tempo de aprendizagem, horas de trabalho frequencia escolar nas fabricas e officinas.

[Ver tabela na imagem]

ANNEXO N.º 4

Leis inglezas sobre a protecção dos menores e das mulheres na industria (factories acts)

22 de junho de 1802.- An act for the preservation of the health and morales of apprentices and others employed ind cotton and wootten mille and woollen factories.-Limita o trabalho dos aprendizes, prohibindo o nocturno desde as nove da noite até ás seis da madrugada; o trabalho diario de mais de 12 horas. Em cada dia de trabalho haverá tempo sufficiente para a instrucção primaria e cada domingo uma hora pelo menos para as praticas religiosas.

1819.-Extensão da protecção substituindo-se a palavra "aprendizes" pela "creanças" (children).
1825. - Reducção do dia de trabalho para os menores de idade inferior a 16 annos do 12 a 9 horas.
1831. - Prohibição do trabalho nocturno á todos os menores de idade inferior a 21 annos.

29 de agosto de 1833. - Restringe a 18 annos a Prohibição para o trabalho nocturno. Generalisa a protecção a todas as manufacturas de tecidos. Classifica os menores em duas categorias: children, creanças de 9 a 13 annos; young persons, de 13 a 18 annos; para a primeira o dia de trabalho é de 9 horas, exceptuando aos sabbados que é apenas de 3 horas; para á segunda de 12 horas, exceptuando nos sabbados que é apenas de 9 horas. O limite da idade para a admissão no trabalho industrial é fixado aos 9 annos. Aos menores de idade inferior a 13 annos é obrigatoria a frequencia a escola duas horas por dia Organisa as inspecções especiaes.

10 de agosto de 1842.- Regulando o trabalho subterraneo e das minas para as mulheres e para ás creanças.
6 de junho de 1844. - Remodelando e aperfeiçoando o serviço da inspecção; determinando varios preceitos para a segurança, dos menores nas fabricas, taes como, defeza das peças perigosas das machinas e varias medidas de hygiene. A idade de admissão é baixada; a 8 annos, mas o dia de trabalho é também reduzido a 6 1/2 horas ou 7; trabalhando em dias alternados, o dia de trabalho póde ser de 10 horas. Aos sabbados o dia de trabalho deve terminar ás 4 1/2 horas da tarde. Iguala o trabalho das mulheres ao dos adolescentes (young persons)

30 de junho de 1844. - Iguala as condições das mulheres e das creanças trabalhando nas typographias aos que trabalham nas manufacturas e sujeita-as á protecção legal.

30 de junho de 1847. Ten hours bill.- Sustentado brilhante e pertinazmente por lord Shaftesbury. Determina que a partir de l de maio de 1848 as mulheres e as creanças de idade inferior a 18 annos não poderão trabalhar senão 10 horas por dia ou 58 horas por semana. Esta lei teve poderosa influencia sobre o trabalho das manufacturas em geral.

5 de agosto de 1850. - Modifica as horas de trabalho, que deve considerar-se nocturno, passando, a ser das 6 horas, da manhã ás 6 horas da tarde. O trabalho de sabbado termina ás 2 1/2 da tarde.

20 de agosto de 1853.:-Emendando a precedente n'um erro de redacção em virtude na qual as suas disposições, eram applicaveis apenas aos adolescentes e não ás creanças.

6 de agosto de 1860.- A projecção legal é estendida ás mulheres e menores trabalhando nas tinturarias.

11 de agosto de 1861. - O mesmo para as fabricas de rendas.

11 de abril de 1862. - O mesmo para tia officinas de branqueamento.

20 de junho de 1863. - O mesmo para as officinas de acabamento mechanico de pannos, etc.

31 de julho de 1863. -Prohibe aos menores de idade inferior a 18 annos que trabalhem nas padarias entre as 9 horas da tarde e as 5 horas da manhã.

30 de junho de 1864 - Prohibe aos menores de idade inferior a 18 annos de trabalhar nos chamines.

25 de julho de 1865. - Estende à protecção legal ás mulheres e aos menores que trabalham no empacotamento de pannos, cazimiras, etc.

25 de julho de 1865. Factories extension act. - Abrange na protecção legal o trabalho dos menores e das, mulheres que trabalham nas manufacturas de capsulas,cartuchos,papeis pintados, phosphoros, etc. Prohibe que tomem refeições em certos estabelecimentos aonde se desenvolvem poeiras perigosas.
1807. Factories extension act. Abrange na protecção legal a fundição de metaes, as fabricas de objectos metallicos, de cautchue, de papel, de vidro, de tabacos,etc. Determina que todos os estabelecimentos, quasquer que seja a sua industria, logo que n'uma ou mais officinas empreguem 5 operarios fiquem sujeitos a inspencção e proteção legal.

21 de agosto de 1867. Workshop regulation act.- Define officina (workshop) todos os estabelecimentos em que se empregam menores de idade inferior a 18 annos e mulheres trabalhando por conta patrão; estende áquelles a inspencção e a protecção legal.

9 de agosto de 1870. factories and workshop act. - permitte que em certas industrias que em certas industrias que empregam mulheres e menores judeus se possa trabalhar ao domingo logo que n'esse dia se não venda: que os inspectores sejam admitidos como n'outro qualquer dia; que o descanso do domingo se transfira para o sabbado e a meia licença do sabbado para o domingo.

21 de agosto de 1871. - Passando para os inspectores a inspecção dos workshops, que a lei de 18667 deixara n'um regimen especial e transitorio.
30 de julho de 1874. - Melhora o regimen de trabalho em varios

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estabelecimentos, fixa em 10 annos o limite de admissão dos menores nos trabalhos industriaes e eleva a 14 annos, em vez de 13, o começo da adolescencia.

27 de maio de 1878. An act to consolidate and amend the Law relating to factories and workshops. - Constitue a codificação e harmomsação de toda a legislação anterior.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa da minha proposta apresentada na sessão de 26 de janeiro de 1889, acerca do ultimo contrato elaborado pelo governo com a companhia das aguas de Lisboa.
5 de maio de 1890. - Augusto Fuschini.

Lida na mesa, foi admittida, devendo ser enviada ás commissões de legislação civil e de obras publicas, quando eleitas.
Esta renovação refere-se á seguinte:

Proposta

Proponho que seja nomeada uma commissão especial para dar, com a maxima urgencia, o seu parecer sobre se o contrato de 29 de outubro de 1888, realisado entre o governo e a companhia das aguas, carece de sancção parlamentar. = O deputado, Augusto Fuschini.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Tenho a honra de participar a v. exa. e a camara, que os srs. deputados Antonio Maria Pereira Carrilho e Elvino de Sousa e Brito, não têem comparecido ás sessões da camara por motivo de doença. = Agostinho Lucio.
Para a secretaria.
O sr. Presidente: - Tenho a honra de communicar á camara que a deputação encarregada de participar a El-Rei a constituição da camara e apresentar ao mesmo tempo a lista quintupla para a escolha dos supplentes á presidencia é vice-presidencia, foi recebida por Sua Magestade com a costumada affabilidade.
Vão dar-se conta da correspondencia.
Consta-me que estão nos corredores da camara os srs. deputados Amorim Novaes e Luciano Monteiro.

Convido os srs. vice-secretarios a que os introduzam na sala a fim de prestarem juramento.

Prestaram juramento, optando o sr. Amorim Novaes pelo logar de deputado.
O sr. Germano de Sequeira: - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte proposta.
(Leu.)

Sr. presidente, faço este requerimento para mo instruir e poder entrar em certas liquidações, visto que já hontem se entrou aqui n'esse campo.
Os julgados municipaes conhecidos vulgarmente por julgadorios, são uma instituição nefasta para a magistratura judicial e collocaram a magistratura do ministerio publico nas circumstancias as mais desagradaveis.
O decreto que creou os julgados municipaes, acarretou a forno e a miseria tanto para uma como para a outra magistratura.

N'estas circumstancias estes julgados a que tenho ouvido chamar a algumas pessoas muito affectas á situação transacta, a plhylloxera da magistratura judicial, se é que devem existir como instituição rachitica e mesquinha, existam mas liquidem-se as responsabilidades de todos para se saber quem tem direito de tirar os proventos necessarios a uma classe, e como é que elles se lhe tiram.
É necessario que se chegue a uma conclusão e se saiba quem é responsavel pela ruina e miseria a que está reduzida uma classe que está considerada pela carta constitucional como um dos seus elementos, pois que o elemento judicial é um elemento constitutivo dos poderes publicos.

O sr. Agostinho Lucio: - Mando para a mesa a participação de que os srs. deputados Pereira Carrilho e Elvino do Brito não têem comparecido a algumas sessões por falta de saudo.

O sr. Alfredo Brandão: - Mando para a mesa as seguintes notas de renovação, de iniciativa que passo a ler.
(Leu.)
Ficaram para segunda leitura.

O sr. José Julio Rodrigues: - Sr. presidente, pedi a palavra inesperadamente, não tencionando solicitar tão cedo a attenção da camara. Não queria nem devia fazel-o, antes de haver aprendido com os mais experientes nas lides parlamentares os processos, usados n'estes complicados debates.
Não seria voluntariamente de certo que me arriscaria ouvir de mais novos na idade, mas muitos antigos no parlamento, lições que a minha velhice receberia vergonhosa e contristada.

Não impede todavia a minha juventude parlamentar que uma dissolução me não acolhesse já, apenas recemnascido...
Dissolvido, porém, logo recrystallisei, por ventura á mercê de novo e mais efficaz dissolvente...

Nem ha que estranhar, n'este periodo estranho da nossa chimica constitucional.

Tudo é provavel, onde o improvavel faz lei.
Entro porém no assumpto, que não desejo fatigar a camara.
Não me impelle n'este momento, como me não impellirá jamais, a ambição da palavra. Usarei d'ella aqui e sempre com toda a moderação e lisura, sem abusos nem exuberancias de gymnastica oratoria, cada vez mais inutil e mais repudiada.
Commovi-me todavia, ha pouco, ao entrar n'esta casa, com a leitura da representação que, aos srs. deputados da nação portugueza, dirigem os professores primarios do do Porto, deplorando as condições economicas em que actualmente vivem e requerendo melhoria para os seus magros proventos officiaes. Coherente com os sentimentos que explicam e justificam perante a minha consciencia a minha existencia n'esta camara, aparte a minha agremiação politica, não pude deixar de associar-me, no seu empenho do justa retribuição, a essa classe benemerita, elemento fundamental do professorado, a que me honro de pertencer.

O documento a que alludo é a expressão do desconforto em que vive o benemerito professorado primario official d'esta nação portugueza, e é este documento que me obriga a quebrar o silencio que a mim mesmo me promettêra.
Trata-se, senhores, do nosso professorado primario, corporação digna das maiores sympathias, e sobre o trabalho da qual descansa toda a educação do Portugal de amanhã.

Não posso, é certo, visto ter tido apenas e de corrida os documentos a que alludo, dizer se em toda a sua extensão e exequivel o que n'elle se pede. Entretanto, merece-me tal attenção o estado precario d'esta classe tão digna como infeliz, que, sem hesitação, rogo á ex.ma presidencia d'esta camara dê o mais rapido andamento possivel á representação, a que alludo, nos termos do nosso regimento para que com a maxima brevidade, compativel com os trabalhos desta camara, se resolva por forma favoravel, se não no todo ao menos em parte do que se pede e deseja. E desde já me proponho advogar, e com todas as minhas forças, na occasião propria, os interesses do professorado primario do nosso paiz, professorado que me parece viver ainda em circumstancias muito angustiosas, salvo raras excepções, a despeito das vantagens e regalias, que lhe têem sido concedidas, mais ou menos largamente n'estes ultimos annos.
E já que estou com a palavra, direi que este assumpto é de tão alta ponderação, que creio que todos mo hão de acompanhar n'esta santa cruzada, que não é de Indole partidaria, mas é, e tão somente, uma questão nacional. Que eu não levo o meu facciosismo partidario até ao ponto de

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esconder dentro do partido, a que me honro de pertencer, os altos interesses nacionaes que a todos cumpre acatar e promover. Creio que será opinião e vontade de todos dar ao ensino, não só debaixo do ponto de vista moral, como tambem debaixo do ponto de vista material, todas as regalias, privilegios e faculdades a que elle tem direito e que tão necessarios lhe são.
Tratando-se, senhores, da fortificação material do paiz, parece-me que não será illogico tratar-se tambem da sua fortificação intellectual; e o governo creando ha pouco, por um acto de dictadura o ministerio da instrucção publica,
comprometteu-se por esse facto a advogar mais que nunca os interesses da instrucção, da educação e do ensino.
Como a dictadura, antes de ter força de lei, tem a lei da força, e esta, é a que, prepondera, como ha pouco se resolveu em outro debate, e como a lei da força é para, todos; uma lei excessivamente respeitavel, pela fórma por que raciocina e por que convence, é o duplamente para mim, agora, por importar, para todos nos no campo do ensinamento nacional uma promessa generosa e benefica.
Ninguem a exigia n'este ponto. E por isso maior a responsabilidade do governo. Conviria até que s. exa. o sr. ministro da instrucção publica podesse espôr-nos, logo que lhe fosse possivel, accedendo á impaciencia com que a camara deseja apreciar os seus planos de governo educativo, as suas projectadas reformas e melhoramentos do nosso actual ensino publico; desejaria que s exa., quanto antes, nos collocasse a todos em circumstancias de tratarmos d'este assumpto, com á attenção, que elle merece, por isso que me parece que no momento actual toda, a questão portugueza, abstrahindo os assumptos internaciones e outros que lhes dizem respeito, se deve basear principalmente na industria e na educação e conseguintemente no ensino publico, official ou particular. (Apoiados.)
É com a industria e com a educação que levantaremos o nivel intellectual, moral e economico do paiz, e por isso, a meu ver, a esse ministerio, recentemente creado, cabem obrigações de, tal peso e responsabilidades de tão subido quilate, que me parece que entro os primeiros deveres do ministro d'essa pasta, deve de certo incluir se o de se fazer ouvir sobre as profundas reformas, que não podem deixar de ser profundas, porque tem de passar o professorado e o ensino, de modo a attender-se ás justas aspirações de um paiz que por ser pequeno não póde continuar a ser ignorante, sobretudo quando d'essa ignorancia resulta a sua actual pobreza e a quasi impossibilidade absoluta do se libertar tão cedo, como os meios de que dispõe, da anemia que d'ella lhe resulta.
Eis o motivo, sr. presidente, porque pedi a palavra; que a camara me releve o tempo que lhe fiz perder.
N'esta camara porém, advogarei fervorosamente quanto respeite aos melhoramentos da industria e do ensino publico; n'isso empenharei todo o meu amor por este paiz, toda a convicção que me faz ver, n'estes dois factores da riqueza nacional; a futura prosperidade da nossa patria commum. Por isso ao receber a representação dos benemeritos professores primarios, do Porto, logo me declarei padrinho, embora humillissimo, de um gremio, como este, tão respeitavel, fazendo votos porque esta representação tenha o seguimento que deve ter, com a maxima urgencia e com o melhor empenho de todos nós, membros d'esta camara.
Tenho dito. (Apoiados.}
O sr. Ministro das Obras Publicas (Arouca): - Mando para a mesa uma proposta para que um sr. deputado empregado no ministerio das obras publicas possa accumular, querendo, as suas funcções com as de deputado da nação.
Já que estou com a palavra apresso-me a declarar ao illustre deputado que me precedeu, que transmitirei as considerações de s. exa. ao meu collega da instrucção publica e s. exa. de certo se apressará a satisfazer aos desejos manifestados pelo illustre deputado.
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Na conformidade do artigo 3.° do acto addicional tenho a honra de pedir á camara dos senhores deputados da nação que permitta possa accumular, querendo as funcções legislativas com as do serviço publico que exerce no ministerio das obras publicas, commercio e industria o sr. deputado Adolpho Ferreira Loureiro.Secretaria d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, em 6 de maio de 1890. = Fredede Gusmão Corrêa Arouca.
Foi approvada.
O sr. Almeida e Brito: - Mando para a mesa uma proposta renovando, a iniciativa do projecto de lei apresentado na sessão de 1888 creando uma assembléa eleitoral na freguezia de Mamarrosa concelho do Oliveira do Bairro, circulo n.°39.
Ficou para segunda, leitura.
O sr. Pedro Victor: - Mando para a mesa uma representação feita por uma commissão de desenhadores do ministerio das obras publicas, que pedem o augmento dos seus ordenados.
Acho perfeitamente justa e fundamentada essa representação dos differentes funccionarios. Dizem, que os seus collegas em serviço da camara municipal de Lisboa, e em serviço da direcção geral do ministerio da guerra recebem vencimentos superiores aos seus; elles têem o vencimento maximo de 30$000 réis e 25$000 réis para os de l.ª e de 2.ª classe; emquanto que na camara municipal têem 400$000 e 500$000 réis annuaes e no ministerio da guerra 45$000 réis por mez.
Estes funccionarios desempenham serviços importantissimos, são companheiros dos engenheiros e os seus grandes auxiliares em todos os trabalhos que têem de desempenhar, por isso parece-me de toda a justiça que se tome em consideração este pedido.
Já que estou com a palavra, vou referir-me a outro assumpto que n'este momento preoccupa bastante a attenção dos lavradores do nosso paiz; e já que está aqui o sr. conselheiro Arouca e não o sr. ministro da fazenda a quem estas, observações são dirigidas, peço a s. exa. que as communique ao seu collega com o fim de chamar a sua attenção para este ponto.
Os azeites do nosso paiz têem soffrido grande perturbação no mercado, devido a oleos de diversas qualidades, que se misturam com o azeite para que barateie sobremodo o seu, preço! Os jornaes referem-se a isso.
Tem-se procurado fazer a mistura do nosso azeito com o oleo de gergelim, que é importado, em condições muito favoraveis para se poder fazer esta mistura.
Já em relação ao oleo de algodão se fizeram diversas alterações na pauta, elevando os direitos, para que este oleo não fosse prejudicar o commercio do azeite nacional; mas não está tomada nenhuma providencia com relação áquelle oleo, e hoje, segundo consta das, indicações dos jornaes, nos grandes armazens mistura-se aquelle oleo com o azeite para baratear sobremodo, o seu preço e tornar a collocação d'este producto em muito más circumstancias para os lavradores do nosso paiz.
Peço ao sr. Ministro das obras publicas, que chame a attenção do sr. ministro da fazenda sobre este assumpto , para que pense n'elle, por isso que é de summa importancia para todos os proprietarios ruraes do paiz. (Apoiados.)
O sr. Ministro das Obras Publicas (Arouca): - Ouvi com toda a attenção as indicações, feitas pelo ,sr. deputado Pedro Victor, e posso asseverar a s. exa. que as transmittirei ao sr, ministro da fazenda. s. exa. se occupará do assumpto com todo o cuidado e urgencia.
Como s. exa. sabe, e muito bem, o azeite portuguez tem

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sido muitas vezes adulterado, tendo-se adoptado providencias na pauta para se evitar essa adulteração. Agora trata-se de nova adulteração, naturalmente com algumas substancias não resguardadas na pauta.
Esta questão é extremamente grave, porque o illustre deputado sabe tambem como eu as difficuldades com que os lavradores portuguezes têem luctado com a cultura do azeite.
Este anno o preço tem sido remunerado, e se justamente quando isto se dá se descobre a maneira de o adulterar e baratear o seu preço, as circumstancias para os lavradores tornara-se então muitissimo graves e precarias, sendo indispensavel tomar medidas e medidas energicas.
Transmittirei ao meu collega da fazenda as observações feitas pelo illustre deputado.
O sr. Emygdio Navarro: - Na sessão de hontem o meu illustre amigo o sr. Carlos Lobo d'Avila dirigiu umas perguntas ao sr. presidente do conselho, perguntas que se referiam á questão com Inglaterra. O sr. presidente do conselho respondeu declarando que, o governo se reservava o julgamento da opportunidade da publicação dos documentos relativos a este assumpto. Nada tenho que dizer contra esta resposta de s. exa. Mas em assumptos diplomaticos a regra geral é que o governo reserve sempre para si o julgamento da opportunidade de fazer conhecido o estado das negociações, e essa regra geral deve ser mais escrupulosamente mantida em conflicto tão grave como este que pende entre nós e a Inglaterra.
Por consequencia, se o governo se mantem na reserva absoluta, fundado n'esta circumstancia, nada digo contra esta reserva, deixando, todavia, para mais tarde tomar-lhe a responsabilidade n'aquillo em que ella seja ou deixe de ser contraria aos interesses publicos. (Apoiados.}
Se porém, eu não insisto, nem por fórma alguma pretendo insistir em que o governo me diga desde já minuciosamente qual o estado das negociações, nem que publique todos os documentos relativos a este conflicto, não posso deixar de pedir ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, que tenho a fortuna de ver presente, que informe a camara da orientação geral da questão. Supponho não haver inconveniente nenhum em se dizer isso, e antes creio que ha vantagem para todos nós, governo e opposição que são do paiz, em informar a camara do estado geral em que estão as negociações.
A camara sabe que no dia 11 de janeiro foi pelo governo inglez dirigido um ultimatum ao governo portuguez, ultimatum que impunha a obrigação do abandono de expedições e explorações em que estavamos empenhados. O governo inglez acceitou quaesquer negociações sobre a base da revogação d'esse ultimatum, ou considerou-o como um facto consumado?
Supponho que o governo não póde ter duvida alguma em responder a esta pergunta. Não pergunto se ha substituições na substancia do ultimatum, não pergunto qual é a substancia d'essas substituições, nem exigo que o governo declare em que termos se fariam essas modificações, quaes os tramites que ellas seguem. Pergunto só, como norma geral, se o governo inglez acceitou discussão sobre o ultimatum, ou se o considerou como facto consumado?
Esta pergunta em nada absolutamente prejudica as negociações diplomaticas; póde ser dada perfeitamente á camara e em nada incommoda a situação do governo.
Desejo saber em que termos seguem as negociações com a Inglaterra, se a Inglaterra considerou como facto consumado o ultimatum, se não admittiu discussão, ou se a Inglaterra acceitou discussão sobre esse ultimatum, e por consequencia se as negociações têem uma feição que nos deixem esperar qualquer resolução favoravel.
Sobre este ponto ainda desejaria que o sr. ministro dos negocios estrangeiros me dissesse se nas negociações pendentes com a Inglaterra ha da parte do governo portuguez algum compromisso com o governo inglez para a livre navegação nos rios Zambeze e Chire.
Vejo em alguns jornaes, principalmente em jornaes inglezes, que o governo inglez contratou a construcção de algumas canhoneiras proprias para a navegação n'aquelles rios, por consequencia esses navios, hão de navegar por aguas nossas.
Evidentemente isto é um facto grave cujo alcance me abstenho de apreciar. Pergunto somente se o governo inglez formulou alguma exigencia, ou se o governo portuguez fez alguma concessão que importe a livre navegação no Zambeze e no Chire.
Vejo tambem nos jornaes inglezes que ha negociações entre o Vaticano e o governo inglez para a criação de dioceses em Africa, em territorios, que podemos agora chamar contestados, o que importa, tanto por parte da Inglaterra como do Vaticano, se considere esse territorio como seu, e que nada ha a resolver com a nação portugueza.
Eu desejava que o sr. ministro dos negocios estrangeiros informasse se entre o governo inglez e o Vaticano existem negociações para o estabelecimento de dioceses.
Esta terceira pergunta em parte está comprehendida na primeira.
Não desejo, repito, nem insisto em que o governo de explicações minuciosas sobre o assumpto; o sr. presidente do conselho sendo hontem interrogado pelo sr. Carlos Lobo d'Avila declarou que as negociações estavam pendentes, e que se reservava para dar explicações opportunamente.
Estas perguntas não sacrificam nenhuma das reservas que o governo póde ter, e estão nas circumstancias de poderem ser attendidas pelo gabinete.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - A minha presença hoje n'esta camara prova que tenho deferencia para com o parlamento, e como desejo cumprir os deveres do meu cargo, e de ter para com os representantes do paiz todas as attenções.
Eu soube que hontem o sr. Carlos Lobo d'Avila tinha solicitado a publicação de documentos relativos ás nossas negociações com a Inglaterra.
O sr. presidente do conselho respondeu já a s. exa. nos termos em que podia responder; que era que o governo publicaria os documentos necessarios para a apreciação, que o paiz lia de fazer da questão, reservando-se, como sempre o governo se reserva, em negociações diplomaticas, o direito da escolha da opportunidade para a publicação.
Hoje venho responder ás perguntas feitas pelo illustre deputado o sr. Emygdio Navarro, e creio que respondendo a s. exa. respondo igualmente ao sr. Carlos Lobo d'Avila sobre o que hontem desejou saber.
S. ex.ªs pedem a publicação de documentos. Eu vou dizer francamente á camara quaes os documentos que posso publicar e quaes os documentos que entendo, por emquanto, não dever publicar.
A camara vê assim que não pretendo absolutamente illudir a expectativa do paiz, nem negar o justo direito que possam ter os representantes da nação de interrogar-me sobre factos que digam respeito á gerencia da pasta a meu cargo.
Estão já na imprensa, e brevemente serão distribuidos nas duas casas do parlamento todos os documentos concernentes ás negociações com a Inglaterra durante a gerencia do ministerio passado; todos os documentos diplomaticos que podem e devem publicar-se. A camara terá assim ensejo de apreciar os factos occorridos, as rasões que os determinaram e os resultados que elles produziram.
Por esta fórma eu facilitarei ao meu antecessor o cumprimento de um dever seu que é ao mesmo tempo um direito, qual é o de discutir em face de documentos a sua attitude, na questão com a Inglaterra, a respeito dos seus actos e os motivos que os determinaram. Facilitando por esta fórma, por um lado a justificação do meu antecessor,

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e satisfazendo por outro lado a anciedade do paiz, cumpro um dever.
Não posso, porém publicar desde já os documentos relativos ás negociações havidas desde então por diante com a Inglaterra, e não posso publicar, porque devo dizer á camara que entre Portugal e a Inglaterra estão pendentes negociações precisamente sobre o assumpto da nossa questão territorial na Africa. Estando pendentes as negociações, entendo que à discussão sobre esse assumpto seria n'este momento prejudicial e tomo sobre mim inteira e completa a responsabilidade da minha declaração para o effeito de não se discutir, deixando á camara inteira e completa a responsabilidade de qual quer, discussão que, sem embargo dá minha declaração, queira encetar.
Ha um compromisso que tomo desde já com a camara e é seguinte. A rasão por que reputo a discussão prejudicial, é porque tenho fundadas esperanças de que dentro em breve chegaremos, na nossa questão com a Inglaterra, á um resultado honroso e satisfactorio (Vozes: - Muito bem.) o não desejo afrouxar essa esperança que me assiste.
O compromisso que eu tomo é que se essa esperança se malograr virei immediatamente perante o parlamento dar conta dos meus actos e trazer todos os documentos para a camara os poder apreciar no seu minimo alcance. (Vozes:- Muito bem.)
O illustre deputado perguntou especialmente se as negociações com a Inglaterra tinham por base negociações produzidas pelo ultimatum de 11, de janeiro. Creio ser esta a pergunta.
Respondo a s. exa. que é claro que para deixar ficar as cousas precisamente no estado em que o ultimatum de 11 de janeiro as deixou seriam dispensaveis as negociações. (Apoiados.) As negociações são exactamente necessarias para que essa questão possa ter um resultado que ao mesmo tempo seja decoroso para o paiz e proficuo para os seus interesses. São, por conseguinte, sob a base da nossa questão territorial, a fim de que possamos chegar a uma solução em que os interesses dos dois paizes sejam devidamente attendidos, e, por consequencia, os nossos direitos sejam, quanto possivel, respeitados.
Creio que a minha resposta é clara em relação á pergunta do illustre deputado. (Apoiados.)
S. exa. pergunta-me mais se nas negociações havidas eu fiz alguma concessão, no que toca á navegação do Zambeze, concessão, em que se possa fundamentar a noticia publicada, de ter o governo inglez mandado construir umas canhoneiras expressamente para a navegação do Zambeze e do Chire.
S. exa. comprehende que desde que eu declaro que as negociações estão pendentes, não posso entrar em pormenores. Mas s. exa. não ignora que por um lado Portugal reclamou sempre o seu direito á regulamentação da navegação do Zambeze e que esse direito tem sido contestado pela Inglaterra. Isto consta dos documentos publicados pelo Livro branco. Por outro lado tambem s. exa. não ignora que por parte do meu antecessor se considerou que a navegação do Zambeze entrava como elemento de negociações a haver com a Inglaterra precisamente no que respeitava á nossa questão de Africa. É claro, por conseguinte, que qualquer decisão tomada sobre este assumpto tem de se relacionar e prender precisamente com as negociações havidas entre os dois paizes. O que posso, porém, dizer ao illustre deputado é que evidentemente eu não posso pedir explicações á Inglaterra sobre se n'um estaleiro qualquer mandou construir umas canhoneiras com a intenção de envial-as para Africa ou qualquer outro ponto. Mas que esse facto seja resultante de qualquer concessão feita pela minha parte, prejudicando o bom resultado das negociações, digo absolutamente que não (Apoiados.) É o que posso dizer a s. exa. n'esta parte.
Perguntou-me ainda, e por ultimo, o illustre deputado se era do meu conhecimento existirem negociações entre o governo inglez e o Vaticano ácerca do estabelecimento de dioceses nos territorios contestados.
Respondo ao illustre deputado que não tenho absoluto conhecimento de similhantes negociações; e ainda mais, desde que as negociações estão pendentes, eu tenho sempre reclamado, como a Inglaterra pela sua parte tem reclamado tambem, a manutenção do statu quo a fim de não prejudicar o bom exito das negociações.
Por consequencia, tenho sempre procurado pela minha parte, como a Inglaterra pela sua, obstar a qualquer facto que, entrando como elemento novo no estado das cousas, possa prejudicar o resultado a que possamos chegar de uma solução honrosa e satisfactoria para as duas nações.
Creio ter respondido ás perguntas do illustre deputado, tanto quanto o posso fazer.
Repito, a questão está pendente. As negociações estão abertas, como aberta está a questão.
Publicarei todos os documentos relativos á gerencia passada, porque constituem a historia dos factos.
Não posso publicar documentos relativos ás negociações actuaes, emquanto ellas não chegarem a um ponto em que isto não prejudique os interesses do paiz.
O illustre deputado póde muito bem comprehender uma cousa: e é que eu que tenho a consciencia de ter entrado n'uma quadra difficil, sujeito a dissabores que ninguem de certo ignora, (Apoiados.) por vezes accusado a meu ver bem injustamente, (Apoiados.) assacando-me responsabilidades, que eu entendo não merecer, o illustre deputado póde bem comprehender que nada me seria mais agradavel do que poder perante o parlamento, linha a linha, palavra a palavra, mostrar o que tenho feito desde que tomei conta da pasta dos estrangeiros.'
Mas ha duas cousas que o illustre deputado não verá de mim: uma é sacrificar os interesses do meu paiz ao prurido de combater um adversario.
Quando eu apresentar os documentos da gerencia passada podem discutil-os que da minha boca não se ouvirá uma só palavra que possa ser de menoscabo, ou de somenos apreciação para factos occorridos, porque me hei de lembrar sempre de que, se eu quizesse combater ura adversario, combatendo-o combatia um paiz, porque não era um adversario que tinha diante de mim, era a Inglaterra, e eu preciso mostrar que Portugal procedeu sempre correctamente, porque tinha por si a rasão e o direito. (Apoiados.)
A segunda cousa que o illustre deputado não verá é que eu sacrifique os interesses do paiz sequer á necessidade da minha propria defeza, porque, ainda quando vigorosamente atacado no parlamento eu, que me prezo de ser parlamentar, esquecer-me-ia de quaesquer aggravos para só me lembrar de quanto é necessario para o paiz sair decorosamente da situação difficil em que estamos. (Apoiados.) Creio que tenho respondido ao illustre deputado.
O sr. Emygdio Navarro: - Pareceram-me um pouco descabidas as apreciações feitas pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, no final do seu discurso e a que eu não dei o minimo motivo; por isso que não fizera a critica dos seus actos, nem malsinára as suas intenções. S. exa. entreteve-se a desfazer apprehensões, ás quaes eu não lhe dei direito, e a dirigia censuras que me não cabem. Parece-me ter sido o mais correcto, o mais reservado e o mais escrupulosamente respeitador dos melindres do governo e da questão que podia ser na fórma por que o fiz. (Apoiados.) Dirigi umas perguntas que julguei não envolverem em nada quebra das reservas que o governo deve respeitar, e tanto assim que o sr. ministro julgou poder responder a essas perguntas, sem quebra das reservas que entendeu dever manter. Não é, pois, a mim que o illustre ministro póde dirigir essas censuras e essas criticas, que só attribuo ao effeito da rethorica parlamentar.

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132 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Não julgo a resposta de s. exa. tão clara como eu desejaria; mas tão grande é o meu desejo de não perturbar na minima cousa as esperanças fagueiras que s. exa. alimenta, que não insisto nas perguntas que fiz, nem nos pontos escuros que podia haver na resposta de s. exa.
S. exa. tomou inteira a responsabilidade das reservas que julgou dever manter. A seu tempo a camara tornará conta d'essas reservas. Por agora não digo mais uma palavra a este respeito.

a apenas um ponto que não posso deixar passar sem reparo.
O sr. ministro disse que não mandava para a camara nenhuns documentos de negociações pendentes que fossem da sua responsabilidade, mas mandava os documentos da responsabilidade do seu antecessor. Pois s. exa. não devia fazer isto. (Apoiados.) Estes documentos fazem parte de uma questão que é integra, não póde ser dividida nem separada. S. exa. julgou inconveniente a discussão d'este assumpto. Se o illustre ministro declara que por cousa nenhuma virá apreciar os actos do seu antecessor, não póde mandar a esta camara documentos que se podem prestar a essa discussão. (Apoiados.)
Pois como é que s. exa. não quer a discussão para si e a quer para o seu antecessor? É porventura ministro dos negocios estrangeiros o sr. Barros Gomes? Que theoria parlamentar é esta de mandar para aqui documentos para apreciar os actos do ministro decaido? (Apoiados.)
O sr. Barros Gomes não repudia as suas responsabilidades, nem os seus correligionarios; apuremol-as todos, mas no seu devido logar, quando se apreciar toda a questão; isto é, quando vierem todos os documentos. (Apoiados.)
De fórma que o sr. Hintze Ribeiro manda publicar os documentos pertencentes ao sr. Barros Gomes, e faz um silencio absoluto a respeito dos que lhe pertencera.
O sr. Barros Gomes não foge ás suas responsabilidade, nem os seus amigos as engeitam; mas o sr. Barros Gomes não é actualmente ministro, e por isso não se póde permittir que se invertam as posições, entregando-se ao exame, e, portanto, á discussão parlamentar, actos de um ministro, que foi, ao passo que se declaram reservados os actos do ministro que está no poder.
Ora, este procedimento parece-me menos correcto sob o ponto de vista politico e parlamentar. E de mais, se o governo entende que é inconveniente a discussão sobre a questão, essa inconveniencia abrange os dois termos d'ella; e o governo é n'isto contradictorio.
As responsabilidades do sr. Barros Gomes estão em segundo logar, no terreno parlamentar, desde que elle saiu do poder, e, portanto, não póde admittir-se que um ministro se escuse com quaesquer rasões, embora legitimas, a dar conta dos seus actos, ao mesmo tempo que promove a discussão de actos solidariamente connexos, que são da responsabilidade do outrem.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Permitta-me o illustre deputado, o sr. Navarro, que lhe diga que foi perfeitamente injusto nas apreciações que fez.
Não foi por certo o desejo de collocar em qualquer má situação o meu antecessor, que me levou a declarar que publicaria todos os documentos respeitantes á sua gerencia; muito pelo contrario, foi para lhe fornecer inteiro ensejo de, á face de todo o paiz, poder justificar com os documentos na mão os actos que elle praticou e que são da sua responsabilidade, que entendi não dever demorar essa publicação.
E, francamente, demoral-a, para quê? Pois se esses documentos estão publicados no Livro azul inglez, o que lucrariamos nós em os esconder no Livro branco portuguez?
Pelo contrario, julgo que a publicação, longe de ser um aggravo, que está completamente fora da minha intenção, ao meu antecessor, não é senão um testemunho de consideração prestado a s. exa., facilitando-lhe todos os elementos com os quaes elle se possa justificar de qualquer responsabilidade que porventura lhe queiram, attribuir, que não eu.
S. exa. não deseja que a discussão se possa levantar tão só sobre o campo da historia, antes pelo contrario, entende mais correcto que venham todos os documentos juntos, ou não venha nenhum.
Os documentos que se vão publicar agora são os documentos relativos a factos Decorridos, e mais ainda, a factos publicados n'um collecção diplomatica estrangeira.
Escondel-os para que?
Nem ha necessidade, nem este póde ser o desejo de ninguem. Nem o é de s. exa., nem o meu, nem o do sr. Barros Gomes; faço esta justiça ao seu caracter.
Os documentos que não posso mandar são os relativos a negociações pendentes, e só em relação a esses é que póde ser justificada, a sua não publicação n'este momento.
Em relação a documentos relativos a factos já passados, não vejo inconveniente em se publicarem cá, como tambem a Inglaterra não viu em se publicarem lá.
O sr. deputado disse que no Livro azul vem já publicados documentos da minha responsabilidade.
O illustre presidente do conselho disse hontem que em relação a esses documentos não havia duvida em serem publicados, e por uma rasão, porque os documentos que ali se encontram são anteriores ás negociações encetadas. Se bem recordo, no Livro azul estão publicados dois documentos emanados da chancellaria ingleza, precisamente sobre esta questão, e esses dois documentos não podem figurar no Iivro branco e por uma rasão, porque não me foram communicados, e não me foram communicados, pela rasão de que eram destinados ao ministro inglez em Portugal, para o caso de eu abrir negociações aqui, mas como eu não as abri, pelo que me applaudo, é claro que o ministro inglez não tinha necessidade de m'os communicar, e não os tendo recebido não os posso publicar.
Se porventura eu podesse suppor que no facto da publicação dos documentos do sr. Barros Gomes, ia qualquer desfavor para s. exa., ou qualquer deslealdade, creia o illustre deputado que eu não publicaria nenhum, mas muito pelo contrario, vão ser publicados do accordo com o sr. Barros Gomos, os que forem necessarios' para a defeza d'aquelle distincto homem de estado.
Eu costumo avaliar por aquillo que me seria agradavel a mim o que póde ser agradavel aos outros, e declaro formalmente a s. exa. que se eu tivesse sido ministro dos negocios estrangeiros até 11 de janeiro, eu seria o primeiro a reclamar na camara, como foi hoje o primeiro a reclamar o sr. Barros Gomes na camara dos pares, a publicação de todos os documentos relativos á minha gerencia, porque queria que se fizesse inteira e completa luz sobre os meus actos. Por consequencia, já vê s. exa. que longe de ser um motivo de censura a publicação d'esses documentos, o sr. Barros Gomes não teria mais que, não direi agradecer-me, mas reconhecer que da minha parte houve o cumprimento estricto de um dos deveres do meu cargo.
(s. exa. não reviu as notas tachygraphicns das respostas que deu ao sr. deputado Emygdio Navarro n'esta sessão.)
O sr. Emygdio Navarro:-Eu não tenho procuração do sr. Barros Gomes para fallar em seu nome. O sr. Barros Gomes póde querer discutir uma questão que é sua, mas este lado da camara é que não acceita a discussão.
O sr. Barros Gomes póde querer que se discuta a responsabilidade dos seus actos, mas este lado da camara é que não póde discutir a questão senão no seu conjuncto.
O sr. ministro dos negocios estrangeiros declarou que não publicava já todos os documentos, e só sim os que diziam respeito ao ministerio passado, e que procedia assim por solicitação do sr. Barros Gomes.
Essa condescendencia da parte do sr. ministro era um dever O sr. Barros Gomes póde querer por excesso de

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melindre que os seus actos sejam devidamente conhecidos; pode provocar uma discussão sobre os seus actos, mas nós representantes do partido progressista, é que não podemos acceitar a discussão senão no total.
O sr. ministro póde apreciar o seu procedimento como quizer, nós procederemos dá mesma, fórma e quando se tratar da questão entraremos n'ella; antes d'isso nem uma palavra.
(O sr. deputado não, reviu, as notas tachygraphicas reflexões que fez n'esta sessão.)
O sr. Ministro dos Negocios, Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Explicada a rasão por que eu publico os documentos da gerencia passada, tenho mostrado que obedeço a um sentimento que é muito differente d'aquelle que o illustre deputado julgou. É o cumprimento de um dever.
Quanto á discussão não sou, eu que a vou levantar. Eu publico, os documentos, e só acceito a discussão nos termos em que a posso, acceitar, que é no interesse do paiz.
Quando se publicarem ,os documentos, se, a camara quizer apreciar a primeira parte, da questão, aprecia-a; se quizer esperar por todos os documentos, espera e eu acceitarei nos termos que já declarei a discussão, quando ella se apresentar.
O sr. Presidente : - Como a hora está adiantada, vae entrar-se na

ORDEM DO DIA

Eleição de commissões.

Passou-se á eleição da commissão do orçamento.
Feita a chamada verificou-se terem entrado na urna 59 listas, saindo eleitos por igual numero de votos os srs.:
Adolpho Pimentel.
Adriano de Sousa Cavalheiro.
Alberto de Almeida Pimentel.
Antonio Maria Cardoso.
Antonio Pessoa de Barros e Sá.
Antonio Sergio da Silva e Castro.
Antonio Maria Pereira Carrilho.
Augusto Maria Fuschini.
João Pereira Teixeira de Vasconcellos.
José Estevão de Moraes Sarmento.
Luciano Monteiro.
Manuel Pinheiro Chagas.
Sebastião Dantas Baracho.

O sr. Presidente :, - Vae proceder-se á eleição da commissão de administração publica.
Entraram na urna 60 listas e saíram votados com igual numero de votos os srs.:

Adolpho Pimentel.
Amandio Mota Veiga.
Antonio Azevedo. Castello Branco.
Antonio Augusto Santos Viegas.
Arthur Hintze Ribeiro.
Augusto Pereira Leite.
Jayme da Costa Pinto.
Joaquim Germano de Sequeira.
José Maria Pestana de Vasconcellos.
Manuel Thomás Pimenta de Castro.
Manuel Vieira de Andrade.
Marcellino de Mesquita.
Luciano Monteiro.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada, e mais a eleição da commissão especial que ha de dar parecer sobre a proposta do bill de indemnidade.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.

O redator = Rodrigues Cordeiro.

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