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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

10.ªSESSÃO

EM 1 DE MAIO DE 1905

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta dá-se conta do expediente que consta de quatro officios, e de um projecto de lei, em segunda leitura, acêrca dos vencimentos dos secretarios e amanuenses das camaras e administrações de concelho. Foi admittido. - São introduzidos na sala e prestam juramento os Srs. Adriano Anthero de Sousa Pinto, Julio Ernesto de Lima Duque, Visconde da Ribeira Brava e José Alberto da Costa Fortuna Rosado. - O Sr. Ministro da Justiça (José Maria de Alpoim) lê e manda para a mesa uma proposta de lei sobre responsabilidade ministerial. - O Sr. Ministro da Marinha (Moreira Junior) lê um telegramma de Angola, participando uma victoria das nossas armas o faz o elogio do governador do Benguella, Paes Brandão. Associam-se a esta manifestação, por parte da minoria, o Sr. Pereira dos Santos, pela maioria o Sr. Arthur Montenegro, o ainda o Sr. João Franco. - O Sr. Manoel Fratel pede ao Governo que attenda a representação da camara de Sabrosa, sobre o pagamento em prestações trimestraes das contribuições em atraso; trata da construcção do caminho de ferro de Mossamedes e dos ataques em Quissanga a algumas caravanas, referindo-se tambem as instrucções dadas á policia acêrca de apprehensões de jornaes. Responde o Sr. Ministro da Marinha. - O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles) manda para a mesa duas propostas de lei relativas á fixação do contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal, bem como á força do exercito em pé de paz. Apresenta tambem uma proposta, que é approvada, para que o Sr. Deputado Mathias Nunes accumule as funcções legislativas com as da commissão que exerce. - O Sr. Ministro do Reino (Eduardo José Coelho) declara-se habilitado a responder á interpellação annunciada pelo Sr. Pereira dos Santos, e diz haver assignado a resposta á requisição do Sr. Fratel. - O Sr. Conde da Ribeira Grande participa a constituição da commissão de agricultura, havendo sido escolhido para presidente o Sr. Anselmo de Andrade e o participante para secretario. - Mandam para a mesa pareceres os Srs. Rodrigues Nogueira e Sertorio Monte Pereira. - Apresentam a renovação de iniciativa de projectos de lei o Sr. José Cabral acêrca da pensão ao arraes Gabriel Ançã, da villa de Ilhavo; o Sr. Sousa Tavares sobre a pensão a conceder a D. Casimira Arede Soveral; o Sr. Lourenço Cayolla acêrca da permanencia no Collegio Militar dos alumnos até á idade de dezanove annos. - Annunciam avisos previos aos Srs. Ministros da Fazenda e do Reino os Srs. Alberto Charula e Emygdio da Silva. - O Sr. D. Thomaz de Vilhena pede que se lhe faculte na Direcção Geral de Instrucção Publica um processo de aposentação. - É concedida a palavra ao Sr. Martins de Carvalho, que a havia pedido para um negocio urgente: aclaração de uma clausula do contrato dos tabacos. Respondo-lhe o Sr. Ministro da Fazenda (Manoel Affonso de Espregueira). - Enviam requerimentos para a mesa os Srs. Cabral Moncada, Alfredo Brandão, Oliveira Simões e Emygdio da Silva. - Apresenta uma justificação de faltas o Sr. Queiroz Ribeiro.

Na ordem do dia entra em discussão o projecto n.° 2, resposta ao Discurso da Coroa, usando, da palavra os Srs. Pereira dos Santos Presidente do Conselho (José Luciano de Castro), João Franco e Antonio Cabral.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Vicente Rodrigues Monteiro

Secretarios - os Exmos. Srs.
Conde de Agueda
Gaspar de Abreu de Lima

Primeira chamada - Ás 2 horas da tarde.

Presentes - 8 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 1/2 horas.

Presentes - 61 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Alfredo Cesar Brandão, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Homem de Gouveia, Antonio Maria de Carvalho de Almeida Serra, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Maziotti, Antonio de Sousa Athayde Pavão, Antonio Tavares Festas, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio Corte Real, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Carcavellos, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Conde da Ribeira Grande (D. Vicente), Diogo Domingues Peres, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Francisco Xavier Correia Mendes, Francisco Xavier da Silva Telles, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Serras Conceição, João de Sousa Tavares, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Pedro Martins, Jorge Guedes Gavicho, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Jonior, José Augusto Moreira de Almeida, José Cabral Correia do Amaral, José da Cruz Caldeira, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria de Oliveira Simões, José Osorio da Gama e Castro, José Paulo Monteiro Cancella, José Simões de Oliveira Martins, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Eugenio Leitão, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz José Dias, Luiz Maria de Sousa Horta e Costa, Luiz Pizarro da Cunha Porto Carrero (D.), Manoel Joaquim Fratel, Manoel Telles de Vasconcelios, Miguel Antonio da Silveira, Miguel Pereira Coutinho (D.), Paulo de Barros Pinto Osorio, Pedro Doria Nazareth, Thomaz de Almeida Manoel de Vilhena (D.), Vicente Rodrigues Monteiro, Visconde do Ameal, Visconde de Guilhomil e Visconde de Pedralva.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Proença de
Almeida Garrett, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Pereira, Antonio Alves Pereira de Mattos, Antonio Augusto Pires de Lima, Antonio Cassiano Pereira de Sousa Neves, Antonio Centeno, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Peixoto Correia, Antonio Rodrigues da Costa Silveira, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio de Sousa Horta Sarmento Osorio, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Faustino dos Santos Crespo, Bernardo de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Agueda, Conde de Penha Garcia, Eduardo Burnay, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Emygdio Lino da Silva, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Gaspar de Abreu Lima, João Baptista Ribeiro Coelho, João Monteiro Vieira de Castro, João de Sonsa Bandeira, José Affonso Baeta Neves, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Coelho da Motta Prego, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Pereira de Lima, José Maria Queiroz Velloso, José Mathias Nunes, José Vieira da Silva Guimarães, Julio Ernesto de Lima Duque, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Vaz de Carvalho Crespo, Manoel Antonio Moreira Junior, Marianno José da Silva Prezado, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Rodrigo Affonso Pequito, Sertorio do Monte Pereira, Visconde da Ribeira Brava e Zeferino Candido Falcão Pacheco.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Albino Augusto Pacheco, Alvaro da Silva Simões, Anselmo de Assis Andrade, Antonio Faustino dos Santos Crespo, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Gomes Lima, Antonio de Mattos Magalhães, Antonio Simões dos Reis, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Guilherme Botelho de Sousa, Conde do Alto Mearim, Conde de Sucena, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Eduardo Fernandes de Oliveira, Eusebio David Nunes da Silva, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Joaquim Fernandes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gil de Mont'Alverne de Sequeira, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João da Costa Santiago de Carvalho e Sousa, João Maria Cerqueira Machado, Joaquim José Cerqueira, José Augusto de Lemos Peixoto, José Ferreira de Sousa Junior, José Vicente Madeira, Julio Dantas, Manoel Francisco de Vargas, Marianno Cyrillo de Carvalho, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Teixeira de Azevedo, Raul Correia de Bettencourt Furtado, Visconde das Arcas e Visconde da Torre.

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SESSÃO N.° 10 DE 1 DE MAIO DE 1905 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta. - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Fazenda, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Alfredo Cesar Brandão, enviando copia do officio em que a Direcção Geral da Thesouraria declara não ter sido trocada correspondencia alguma com os Governos Estrangeiros acêrca do pagamento da conversão das obrigações dos tabacos e questões correlativas.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Fazenda, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, enviando copia do officio da Direcção Geral da Thesouraria acompanhada da nota do fundo interno vendido pela mesma Direcção Geral desde 20 de outubro de 1904 até 24 do mez corrente.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Marinha e Ultramar, satisfazendo ao requerimento do Sr. Deputado Pereira de Lima, enviando um exemplar do ultimo relatorio da Companhia de Moçambique.

Para a secretaria.

De D. Maria Clara da Silva Galvão, agradecendo o voto de sentimento da camara pelo fallecimento do Deputado Dr. José de Almeida Ferreira Galvão.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente: - Convido os Srs. Deputados Oliveira Mattos e Villegas do Casal a introduzirem na sala o Sr. Adriano Anthero de Sousa Pinto, que pretende prestar juramento.

Foi introduzido, prestou juramento e tomou assento.

O Sr. Presidente: - Achando-se tambem nos corredores o Sr. Julio Ernesto de Lima Duque, convido os Srs. Fialho Gomes e Egas Moniz a introduzi-lo na sala.

Foi introduzido e prestou juramento.

Por ultimo foi introduzido na sala pelos Srs. Catanho de Menezes e Paulo Cancella, prestando juramento, o Sr. José Alberto da Costa Fortuna Rosado.

O Sr. Ministro da Justiça (José Maria de Alpoim): - Vou ler e mandar para a mesa uma proposta de lei tornando os Ministros de Estado individualmente responsaveis pelos actos do poder executivo e do poder moderador, que assignarem ou referendarem, e pelas omissões voluntarias de actos que deviam ser praticados pelos Ministros em observancia da lei.

Será enviada á commissão de legislação criminal, depois de publicada no "Diario do Governo".

Vae publicada no fim da sessão a pag. 18.

O Sr. Ministro da Marinha (Manoel Moreira Junior): - Sr. Presidente: pedi a palavra para transmittir a V. Exa. e á Camara um telegramma ha pouco recebido de Angola.

A noticia que nelle se contém é deveras grata; e por isso, apresso-me a tornar d'ella conhecedora não só a Camara, mas o paiz.

São estes os termos do

Telegramma

Loanda 1 maio 1905. - Para consolidar tranquilidade Libollo e assegurar communicações Bailundo ordenei estabelecimento posto militar Quiballa, cujo soba auxiliou rebellião Quisala Guengue, que roubava comitivas.

Soba recebeu bem autoridade, que depois tentou repelir; Paes Brandão á frente 120 soldados tomou assalto embala pondo em debandada mais de 3:000 gentios; tivemos 16 feridos sem gravidade; região socegada e transito livre. = Governador.

Quiz transmittir esta noticia á Camara por todos os titulos, e, principalmente, porque, uma vez mais, se evidencia, de uma forma verdadeiramente reluzente, qual é o enorme valor do nosso exercito, a extraordinaria valentia dos nossos soldados, a coragem e dedicação dos nossos officiaes, e, ainda, a heroicidade, uma vez mais demonstrada, porque muitas ha sido já patenteada, de Paes Brandão, actual governador do districto de Benguella. (Muitos apoiados).

Por ser esta noticia extremamente grata ao meu coração, e, sem duvida, o será tambem á camara e ao paiz, não quiz demorar mais o conhecimento d'este telegramma que envio para a mesa.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Fratel.

O Sr. Fratel: - Eu cedo a palavra ao Sr. Pereira dos Santos, que acaba de a pedir.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pereira dos Santos pediu a palavra para tratar do assumpto que acaba de ser annunciado pelo Sr. Ministro da Marinha. O Sr. Fratel cedeu o seu direito de usar da palavra a favor d'aquelle Sr. Deputado. Vou consultar a Camara sobre se consente que o Sr. Pereira dos Santos use d'ella.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Pereira dos Santos: - Como não foi bem percebido d'este lado da Camara o telegramma que o Sr. Ministro da Marinha leu, peço a V. Exa., Sr. Presidente, se digne mandar lê-lo novamente.

O Sr. Presidente: - Vou enviá-lo ao illustre Deputado, que o devolverá á mesa, a fim de ser inserto na acta.

(Pausa).

O Orador: - Sr. Presidente: é com a maior satisfação que tomo conhecimento da noticia contida no telegramma mandado para a mesa pelo Sr. Ministro da Marinha.

Todas as vezes que a esta casa do Parlamento se dá uma noticia que realce o brilho do nome portuguez, é sempre com a mais completa satisfação que, d'este lado da Camara, ella é recebida.

Folgo com a noticia que acaba de ser recebida (Muitos apoiados da esquerda), assim como transmitto, nesta occasião, o meu desejo e a opinião de toda a minoria de que o Sr. Ministro da Marinha, solicito, como deve ser, em levantar o nome portuguez e o brio das armas portuguezas, se esforce, quanto possivel, para que rapidamente,

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como é mister, se tome, no sul da Africa, o desforço do lamentavel desastre que ali succedeu ao exercito portuguez.

Mas, independentemente de quaesquer considerações que eu possa fazer nesta occasião sobre o assumpto, e a que mais particular e detidamente se referirá esta parte da Camara, torno a repetir que a tudo quanto seja enaltecer o brilho do exercito portuguez, a quem a patria tão relevantes serviços deve, esta minoria se associa. (Muitos apoiados da esquerda).

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Marinha (Manoel Moreira Junior): - Sr. Presidente, pedi a palavra para agradecer ao illustre leader da minoria regeneradora as palavras justas que acabou de pronunciar a proposito do nosso exercito, e para affirmar a S. Exa. que o actual Governo sempre ha, de ter em vista, como até agora, manter intemerato o prestigio das nossas armas. (Apoiados).

Mais ainda: soube ao sair da ultima sessão d'esta Camara que me havia sido enviada uma nota de interpellação acêrca da questão do Cunene. Se o soubera, emquanto me mantinha nesta Gamara, teria dito immediatamente a V. Exa. que estava prompto a entrar na discussão, podendo V. Exa. dá-la immediatamente para ordem do dia. Não estava presente, e por isso aproveito o ensejo para referir isto, porque nessa occasião, em tudo quanto se possa dizer, relativamente á questão do Cunene, verá V. Exa., e a Camara ha de apreciar, quanto o actual Governo ha tido sempre em vista manter o prestigio do exercito, por maneira a que nenhum incidente doloroso venha empanar o brilho das nossas armas. (Apoiados). Nessa occasião, quando a interpellação se realizar, e largamente se discutirem todos os larguissimos pormenores que em relação a esse facto são attinentes, V. Exa. e a camara apreciarão qual tem sido a attitude do Governo, qual tem sido o seu procedimento, apesar de todas as sugestões que em torno d'elle tem havido, e a que tem sabido ser superior, para attender sempre aos mais altos, aos mais sagrados interesses da nossa patria, não procurando jamais arriscar o nosso exercito, mas saber bem como é indispensavel manter o seu prestigio, e como é absolutamente mister dar o castigo áquelles que, em determinado momento, deram motivo para que as nossas armas tivessem um incidente menos agradavel.

Affirmo isto de uma forma bem nitida e V. Exa. e a camara poderão apreciar, quando essa interpellação largamente se realizar, qual tem sido, repito, o procedimento do Governo, que, em meu sentir, tem sido o mais elevado e o mais patriotico. (Muitos apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. Arthur Montenegro: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - E sobre este incidente que V. Exa. pede a palavra?

O Sr. Arthur Montenegro: - Sim, senhor. O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

0 Sr. Arthur Montenegro: - Sr. Presidente: direi apenas duas palavras porque não desejo tomar muito tempo. Congratulo-me com a maioria d'esta Camara pela boa noticia que aqui nos trouxe o Sr. Ministro da Marinha. (Apoiados).

Felicito S. Exa. pela acertada maneira por que tem gerido a sua pasta e como tem procedido com relação á nossa situação na Africa do sul, de modo a assegurar ao nome portuguez a situação gloriosa a que elle tem direito. (Muitos apoiados).

Estimamos todos muito a auspiciosa noticia que o Sr. Conselheiro Moreira Junior trouxe á camara e, por isso, eu não podia faltar ao dever de pedir a palavra para me congratular por este facto, sobretudo depois da gentileza do illustre Deputado o Sr. Pereira dos Santos, em ter pedido a palavra para, em nome da minoria, felicitar o Sr. Ministro da Marinha pela boa noticia que acaba de dar-nos. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. João Franco: - Sr. Presidente: escusado é dizer que eu e os meus amigos ouvimos ler, com justificada satisfação, o telegramma trazido á camara pelo Sr. Ministro da Marinha. Não teria pedido a palavra se não tivesse em vista o systema seguido ha muitos annos nesta Camara, dos differentes agrupamentos politicos declararem que se associam a factos d'esta natureza, e tambem para não attribuirem aos meus amigos politicos qualquer intenção que não teem e que, se se conservassem em silencio, lhes poderia ser attribuida.
Registando, pois, a natural satisfação pelo facto trazido ao conhecimento da Camara pelo Sr. Ministro da Marinha, não me occupo dos actos do Governo com relação á maneira como tem entendido proceder quanto ás consequencias de factos recentes, não só para o prestigio do nome portuguez em todo o mundo, mas para o exercicio pleno da nossa soberania na costa Occidental da Africa.

Não me refiro agora á maneira como o Governo tem procedido, porque os factos são da mais alta importancia e hão se prestam de forma alguma a especulações de qualquer caracter politico ou partidario. É necessario encará-los sob um aspecto sincera e verdadeiramente patriotico, tendo apenas em vista que, alem do prestigio do nome portuguez, sangue portuguez já correu, e que é indispensavel que um desforço legitimo e necessario seja tomado contra aquelles que offenderam a nossa soberania e trucidaram alguns dos nossos compatriotas.

E porque é este o meu modo de pensar e de sentir julgo interpretar os sentimentos da Camara dizendo que todos, áparte os dissentimentos de occasião, determinados pelo modo de pensar das fracções politicas a que cada um pertence, se congratulam com a noticia trazida pelo Sr. Ministro da Marinha, afastando da tela do debate quaesquer outras considerações que pudessem fazer empallidecer a satisfação que todos sentem neste momento e que não seriam proprias para uma discussão antes da ordem do dia.

É este, sem censura para ninguem, o meu modo de pensar sobre o assumpto.

(O orador não reviu).

O Sr. Manoel Joaquim Fratel: - Sr. Presidente: em nome da minoria regeneradora já o Sr. Pereira dos Santos se congratulou pela agradavel noticia transmittida á camara pelo Sr. Ministro da Marinha; nada direi por isso a esse respeito; mas seja-me permittido apresentar as minhas mais ardentes felicitações ao Sr. Ministro da Justiça pelo enthusiasmo com que a maioria recebeu a proposta que S. Exa. leu e mandou para a mesa, enthusiasmo que não despertaram as propostas do Sr. Ministro da Fazenda, nem a presença do Sr. Presidente do Conselho. (Muitos apoiados da esquerda).

Não sei eu se esse enthusiasmo foi devido á doutrina da proposta ou á sympathia pelo Ministro; mas fosse pelo que fosse, as minhas mais calorosas felicitações, repito, a S. Exa.

Não foi, porém, para isto que eu pedi a palavra; o meu fim era dirigir-me ao Sr. Ministro da Fazenda, e como S. Exa. não está presente, espero que qualquer dos seus collegas se dignará transmittir-lhe as minhas considerações.

Sr. Presidente: a camara Municipal de Sabrosa dirigiu em tempo ao Governo uma representação, na qual

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pedia que lhe fosse permittido pagar em prestações trimestraes, durante tres annos, as contribuições em atraso e que, ao mesmo tempo, como já se tem feito, não se lhe conte os juros nem as custas dos processos respectivos, exigindo-lhe apenas as contribuições em divida.

Este pedido é motivado pela enorme crise que o concelho atravessa, proveniente de graves difficuldades agricolas; e, como a maior parte d'aquelles habitantes vivem exclusivamente das suas culturas, que teem sido escassas, são manifestos os embaraços em que se encontram os contribuintes para satisfazerem os seus compromissos. (Apoiados da esquerda).

Nestas condições espero que o Sr. Ministro da Fazenda attenda ao pedido, que é da mais alta justiça.

Já que está presente o Sr. Ministro da Marinha aproveito a occasião para pedir uns esclarecimentos.

S. Exa. apresentou no meado do mez passado uma proposta á Camara, acêrca da construcção de um caminho de ferro do porto de Mossamedes para o planalto de Chella, autorizando o Governo a contrahir um emprestimo de 1.500:000$000 réis destinado a essa construcção.

O que eu desejava saber era se o Sr. Ministro da Marinha está resolvido a lançar mão do Acto Addicional para publicar essa proposta ou se, pelo contrario, espera por uma nova sessão, isto suppondo que o Governo chegue lá, o que absolutamente não é provavel (Apoiados da esquerda), porque, Sr. Presidente, ninguem se convence de que o Governo, tal como está, possa continuar assim. (Muitos e repetidos apoiados da esquerda).

Ha um outro assumpto, connexo com este e que tambem corre pela pasta da Marinha, a que igualmente desejo referir-me.

Como é sabido, na sessão passada a maioria, que então era regeneradora, auctorizou o Governo - que era o actual - a levantar os meios sufficientes para despesas extraordinarias no ultramar a fim de desaffontar as armas portuguezas do revés que havia soffrido em Africa.

Ora, Sr. Presidente, nessa época apresentava-se o Governo com ideias definidas sobre os differentes assumptos. Rejubilava com a proposta dos phosphoros, queria a conversão separada do exclusivo dos tabacos, advogava a ideia do concurso, sustentava que era preciso firmar a nossa soberania ao sul de Angola; hoje, porém, os tempos mudaram, e o que hontem era principio assente toma agora orientação differente. (Apoiados da esquerda). Mas o que é que tem decorrido de então até hoje?! Não me referirei á questão do Cunene, porque sobre ella já está annunciada uma inlerpellação, esperando eu que V. Exa. a dê em breve para discussão, porque veremos então que enorme responsabilidade o Governo contrahiu em adiar sem motivo justificado essa expedição! (Apoiados da esquerda).

Sr. Presidente: o que eu desejo saber é: se o Governo - e isto mesmo para tranquillizar muitas familias que ha na metropole, e que são empenhadas no assumpto - se o Governo tem meios de resistencia para oppôr a qual quer ataque muito provavel agora, que as aguas do Cunene vão decrescendo, ataque já intentado pelos rebeldes de alem Cunene.

Se são verdadeiros esses boatos, que constantemente nos chegam de Angola, é muito provavel uma revolta. Segundo corre, algumas caravanas haviam já sido atacadas no Quissanga e trucidados alguns carregadores. É sobre isto que desejo ouvir o Sr. Ministro da Marinha.

Ao Sr. Ministro do Reino direi que, já na sessão passada, eu enviei para a mesa uma nota pedindo noticia das instrucções dadas á policia acêrca da apprehensão de jornaes depois do decreto do Sr. Ministro da Justiça sobre a prohibição da circulação de jornaes. Porque emfim, Sr. Presidente, depois das affirmações que o Digno Par Sr. Eduardo José Coelho, hoje Ministro do Reino, fez sobre o assumpto, e depois do que está praticando, desejava muito saber em que lei vivemos e ouvir a opinião de S. Exa. a este respeito. (Apoiados da esquerda).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Consta-me que se encontra nos corredores da Camara o Sr. Deputado Visconde da Ribeira Brava.

Convido os Srs. Deputados Ovidio Alpoim e Lourenço Cayolla a introduzirem-o na sala a prestar juramento.

Prestou juramento e tomou assento.

O Sr. Martins de Carvalho : - Lembro a V. Exa. que pedi a palavra para um negocio urgente e quando estiverem presentes o Sr. Ministro da Fazenda, ou o Sr. Presidente do Conselho.

Recordo este facto a V. Exa., porque vejo ambos presentes.

O Sr. Ministro da Marinha (Moreira Junior): - Ouvi com muito prazer a palavra sempre eloquente do illustre Deputado que ha pouco acabou de usar d'ella, e dirse-hia até, pela maneira inflammada como S. Exa. iniciava as suas asserções, que iamos entrar immediatamente na interpellação a respeito da questão do Cunene, annunciada pelo Sr. Pereira dos Santos e a respeito da qual eu me declarei habilitado a responder, pedindo até ao Sr. Presidente que a designasse para ordem do dia.

E justamente porque se dá a circumstancia de estar habilitado a responder a essa interpellação, tenho eu a felicidade, neste momento, de trazer commigo documentos que vão immediatamente, e pelo menos em parte, socegar o espirito do illustre Deputado, particularmente no tocante á agitação que S. Exa. suppõe existir no concelho do Humbe.

Tenho por isso muito prazer em poder assegurar ao illustre Deputado e á Camara que a tranquillidade nesta região é completa, como consta do telegramma que tenho aqui presente, datado de 13 de abril, resposta a um outro que dirigi ao governador de Angola. Esse telegramma é concebido nos termos seguintes:

"Loanda, 12 abril 1905. - Ha tranquillidade toda provincia. Chefe Humbe diz attitude gentio concelho pacifica, região tranquilla. Capitão mor Ganguellas Ambuellas pediu diminuir guarnição, no que não foi attendido, responsabilizando-se pela segurança região. = Governador".

Quer dizer: a situação é por tal maneira differente do que se tem procurado accentuar, no intuito de perverter a opinião publica, que a auctoridade local até pediu para diminuir a guarnição, affirmando que se responsabilizava pela ordem. (Muitos apoiados)

Este telegramma é harmonico com outros que de vez em quando recebo a respeito da ordem publica, e que ainda provam ao illustre Deputado como a minha attenção está absorvida nos differentes incidentes que se possam dar.

Mas se a minha attenção assim está para o que se passa em Africa, comprehende tambem o illustre Deputado que ella não pode estar menos attenta ao nosso procedimento, sobre o qual o Governo mantém completamente e em absoluto as ideias que tinha ao tomar conta do poder a actual situação, isto é: manter o prestigio das nossas armas e dar o castigo devido, mas por forma e preparadas as cousas de modo que nós tenhamos a segurança absoluta da victoria. (Muitos apoiados).

O illustre Deputado sabe muito bem que nas guerras coloniaes ha tres periodos: o periodo de preparação, o de combate e o de occupação.

Não nos precipitemos.

O Governo entende hoje, como então, que o seu dever

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é desaffrontar ás nossas forças do revés ultimamente soffrido, e assegurar de uma maneira solida a nossa soberania. (Muitos apoiados).

O que é indispensavel é que quem tem a responsabilidade completa do que vae fazer, e das consequencias que podem advir, se não deixe orientar pelos ataques e pelas intrigas que em volta d'esta questão se teem levantado; antes pelo contrario, quaesquer que sejam esses ataques e essas intrigas, o Governo deve proceder com a calma e a serenidade precisas para só se fazer o que é mister aos interesses do paiz. (Apoiados).

O periodo de preparação precisa ser convenientemente feito e organizado, a fim de que o resultado venha coroar as amarguras que ali se curtiram. (Apoiados).

O Governo mantem absoluta e categoricamente as ideias que a este proposito tinha, ideias que se consubstanciavam e definiam em quê? Em que a ordem fosse mantida e o prestigio das nossas armas fosse ali conservado. O Governo mantem essas ideias, e oxalá que o resultado da victoria seja coroado dos melhores esforços. (Apoiados).

Trata-se de uma questão nacional, não se trata de uma questão partidaria, e S. Exa. pode estar certo de que o Governo saberá manter-se á altura da sua missão.

Tive o cuidado de, logo no principio da sessão, precedendo todas as propostas acêrca do fomento para o ultramar, apresentar em primeiro logar a do caminho de ferro de Benguella.

A respeito d'essa proposta a opinião do Governo é tão definida e tão clara, que espera que a sua discussão se ha de realizar brevemente.

Agradeço ao illustre Deputado o ter-me dado ensejo para definir, de um modo claro e preciso, as minhas impressões relativamente a esta questão, impressões que são de todo o Governo e na qual é absolutamente indispensavel que não entre a paixão partidaria, porque acima de tudo está o interesse da nossa patria. (Apoiados).

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Manoel Fratel: - Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que eu use da palavra para responder ao Sr. Ministro da Marinha.

(Consultada a Camara resolveu negativamente).

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que pediram a palavra e tiverem papeis a mandar para a mesa, podem fazê-lo.

O Sr. Cabral Moncada: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeira que, pelo Ministerio das Obras Publicas, me seja fornecida certidão da importancia gasta, e em que obras, no corrente anno economico, na estrada n.° 88, do districto de Viseu, lanço de Povolide á Encoberta, da dotação de 1:000$000 réis, que lhe foi concedida. = Francisco Cabral Moncada.

Mandou-se expedir.

O Sr. Alfredo Brandão: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Roqueiro que, pelo Ministerio do Reino, me sejam remettidos, com a possivel brevidade, os seguintes documentos:

Nota dos vencimentos dos lentes jubilados da Universidade de Coimbra e tempo necessario para a sua jubilação;

Nota dos vencimentos dos professores de instrucção secundaria e tempo para a sua aposentação. = Alfredo Cesar Brandão.

Requeiro que, pelo da Justiça, me seja remettido com possivel brevidade o seguinte documento:

Nota dos vencimentos dos juizes de l.ª e 2.ª instancias dos conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça aposentados - e tempo necessario para aposentação d'estes magistrados. = Alfredo Cesar Brandão.

Mandaram-se expedir.

O. Sr. Oliveira Simões: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministerio da Guerra, me seja enviada a lista dos officiaes, alferes ou tenentes de artilharia sem o curso d'esta arma, que fazem serviço no ultramar, nos termos do decreto de 19 de novembro de 1901, ou regressaram do ultramar com o posto vencido, tendo entrado ou devendo entrar no corpo de almoxarifes. = João Maria de Oliveira Simões.

Requeiro que, pelo Ministerio da Guerra, me sejam enviados os seguintes esclarecimentos:

1.º Qual o numero de alumnos que concluiram os cursos das suas armas na Escola do Exercito em cada um dos ultimos 15 annos, e que entraram nos quadros da arma de artilharia.

2.º Outro tanto relativamente á arma de cavallaria.

3.° Outro tanto relativamente á de engenharia. = José de Oliveira Simões.

Mandaram-se expedir.

O Sr. Emygdio da Silva: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me sejam enviados todos os documentos relativos ás demissões dos dois seguintes funccionarios:

Director-professor da Escola Normal de Angra do Heroismo;

Chefe da policia repressiva de emigração clandestina no mesmo districto. = Emygdio Lino da Silva.

Mandou-se expedir.

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Mando para a mesa duas

Propostas de lei

l.ª Fixando o contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal, no anno de 1905, em 16:900 recrutas, sendo 15:150 destinados ao serviço activo do exercito, 850 á armada, 500 ás guardas municipaes e 400 á guarda fiscal.

2.ª Fixando a força do exercito em pé de paz, no anno economico de 1905-1906, em 30:000 praças de pret de todas as armas.

Mando tambem para a mesa a seguinte

Proposta de acumulação

Senhores Deputados: Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo pede á Camara dos Senhores Deputados permissão para que o Sr. Deputado José Mathias Nunes, coronel do estado maior de artilharia, director da Fundição de Canhões, accumule, querendo, o exercicio das funcções legislativas com o da sua commissão.

Secretaria de Estado dos Ngocios da Guerra, 1 de maio de 1905. = Sebastião Custodio de Sousa Telles.

As propostas de lei vão publicadas na integra no fim da sessão, a pag. 22.

A proposta de accumulação foi approvada.

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O Sr. Ministro do Reino (Eduardo José Coelho):- Sr. Presidente: Pedi a palavra para communicar que estou habilitado a responder á interpellação annunciada pelo Sr. Pereira dos Santos. Participo tambem a V. Exa. que assignei hoje a resposta á requisição feita pelo Sr. Fratel acêrca das instrucções dadas á policia.

O Sr. Conde da Ribeira Grande: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo que se acha constituida a commissão de agricultura, sendo d'ella presidente o Exmo. Sr. Anselmo de Andrade e o secretario, o Sr. Conde da Ribeira (D. Vicente). = Conde da Ribeira Grande (D. Vicente}.

Para a secretaria.

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Mando para a mesa o parecer da commissão do ultramar, pelo qual é autorizado o Governo a contrahir com um estabelecimento bancario portuguez um emprestimo até a quantia de réis 1.500:000$000, para ser exclusivamente applicado á construcção de um caminho de ferro com via de 0m,60 desde o porto de Mossamedes ao planalto da Chella, na provincia de Angola.

Mandou-se imprimir.

O Sr. Sertorio do Monte Pereira: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda para que o centeio estrangeiro que for importado pelas alfandegas do continente do reino pague somente o direito de importação de 8 réis por kilogramma.

Mandou-se imprimir.

O Sr. José Cabral: - Mando para a mesa uma renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 9, apresentado na sessão legislativa de 1904, que se refere á pensão ao arraes Gabriel Ançã, da villa de Ilhavo.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Sousa Tavares: - Mando para a mesa a renovação de iniciativa do projecto de lei da sessão legislativa de 1904, relativo á pensão a conceder a D. Casimira Luisa de Assumpcão Arede Soveral, viuva do tenente de infantaria José Gualberto Arede Soveral.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Lourenço Cayolla: - Mando para a mesa uma renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 28-C, da sessão legislativa de 1904, que permitte aos alumnos do Real Collegio Militar a permanencia no mesmo collegio até á idade de 19 annos.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Alberto Charula: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Desejo interrogar o Sr. Ministro da Fazenda acêrca da situação em que se encontram os escrivães de fazenda dos concelhos de Mirandella, Miranda do Douro e Chaves. = Alberto Charula.

Mandou-se expedir.

O Sr. Emygdio da Silva: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Declaro que desejo interrogar o Sr. Ministro do Reino sobre as demissões do chefe da policia repressiva de emigração clandestina do districto de Angra e do director da Escola Normal do mesmo districto. = Emygdio Lino da Silva.

Mandou-se expedir.

O Sr. Thomaz de Vilhena: - Mando para a mesa a seguinte

Nota

Desejo que o Sr. Ministro do Reino providencie para que me seja facultado quanto antes na Direcção Geral de Instrucção Publica o processo de aposentação de José Antonio Crespo Guimarães, professor official na freguesia de S. Martinho de Sande, concelho de Guimarães. = D. Thomaz de Almeida Manoel de Vilhena.

Mandou-se expedir.

O Sr. Presidente: - Consulto a Camara sobre se devo dar a palavra ao Sr. Martins de Carvalho, que a pediu para um negocio urgente - aclaração de uma clausula do contrato dos tabacos.

A Camara resolve affirmativamente.

O Sr. Martins de Carvalho: - Dizendo-se no artigo 16.° do contracto provisorio para a operação dos tabacos ha dias apresentado á camara que ficam de pé todas as clausulas do contracto de 1891 que não estejam expressamente modificados neste contracto, deseja saber se a clausula do artigo 15.° do contracto de 1891 se mantem, porque o contrario representaria um enorme prejuizo para o Estado.

Parece-lhe que deve ficar de pé; mas em todo o caso é conveniente que o Sr. Presidente do Conselho ou o Sr. Ministro da Fazenda digam alguma cousa para que não possam restar duvidas.

E essa clausula é tão importante que a Companhia dos Phosphoros na sua proposta de 1904 offerecia ao Estado 2.000:000$000 réis como compensação dos direitos a receber o que ia a mais da media dos direitos de importação que estava estipulada no artigo 15.° do contracto de 1891.

O Estado passa a receber por este contracto mais réis 1.500:000$000 de renda, mas desapparece nos annos mais chegados a partilha de lucros, que era de 400:000$000 réis e a compensação ao pessoal operario e não operario, de forma que fita reduzido a 1.019:000$000 réis.

Nestas condições não se pode desprezar cousa alguma, e espera obter do Governo uma resposta que aclare a sua duvida.

(O discurso será publicado na integra guando o orador devolver as notas tachygraphicas.)

O Sr. Ministro da Fazenda (Affonso Espregueira): - A Camara ouviu o que o illustre Deputado disse; e, como viu, S. Exa. não fez mais do que querer antecipar a discussão de um projecto que está pendente da sancção parlamentar. (Muitos apoiados).

Ora a este respeito direi, Sr. Presidente, que todas as explicações que S. Exa. desejar lhe serão dadas quando se discutir o contrato.

O Sr. Martins de Carvalho: - Eu só desejo de V. Exa. que me diga: sim ou não.

O Orador: - Repito ao illustre Deputado o que já disse. Darei todas as explicações quando o projecto vier á discussão, antes d'isso não me parece conveniente antecipar a sua discussão.

O Sr. Martins de Carvalho: - O que se conclue é o seguinte: é que S. Exa. não pode responder.

O Orador: - Eu ouvi o illustre Deputado com attenção, portanto não consinto que S. Exa. me interrompa.

O Sr. Martins de Carvalho: - Eu só quero que V. Exa. me diga: sim ou não.

O Orador: - E eu só tenho a declarar ao illustre De-

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

putado o seguinte: é que todas as disposições do contrato são clarissimas.

O Sr. Martins de Carvalho: - O que eu queria é S. Exa. me dissesse se sim ou não.

O Sr. Presidente: - O illustre Deputado não tem a palavra.

O Orador: - Nada mais tenho a accrescentar á resposta que tive a honra de dar ao illustre Deputado. (Muitos apoiados).

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Martins de Carvalho: - Registo a resposta de S. Exa.

Vozes: - Ordem, ordem.

ORDEM DO DIA

(Discussão do projecto de lei n.° 2)

O Sr. Presidente: - Vae ler-se para entrarem discussão o projecto de resposta ao Discurso da Coroa.

Leu-se o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 2

Dignos Pares do Reino o Senhores Deputados da Nação Portugueza. - Venho hoje, no desempenho dos meus deveres de Rei constitucional, e portanto com grande aprazimento meu, abrir uma nova sessão legislativa, sendo-Me profundamente grato o ver reunidas mais uma vez as Cortes Geraes da Nação Portugueza.

São de todo o ponto cordiaes as relações de Portugal com as potencias estrangeiras.

Durante o interregno parlamentar decorreram factos que Me deram viva satisfação e merecem especial referencia pelo alto alcance que teem para o paiz.

Accedendo ao captivante convite que Nos fôra feito por Suas Majestades, os Reis de Inglaterra, Imperadores das Indias, Sua Majestade a Rainha e Eu visitámos Londres no outono ultimo. O acolhimento carinhoso e a recepção enthusiastica, que tivemos por parte dos Augustos Soberanos e do povo d'aquella capital, gravaram em nossos coracões um sentimento de indelevel reconhecimento.

Durante a minha ausencia exerceu a regencia do reino a minha muito amada Mãe. a Rainha, a Senhora Dona Maria Pia, dando mais uma assignalada prova da sua dedicação aos interesses do Estado.

A Augusta Soberana Rainha do Inglaterra, Imperatriz das Indias, acaba de dar-Nos uma elevada demonstração da sua estima na recente visita a Lisboa. Estão vivas ainda no espirito de todos as calorosas acclamações com que foi recebida e que sempre a acompanharam até a sua partida.

Também Suas Altezas os Duques de Connaught distinguiram com a sua presença o nosso paiz, deixando-nos as mais gratas recordações.

Ao atravessar a França na minha visita á Inglaterra, e durante os dias que passei em Paris, a Rainha e Eu recebemos do Presidente da Republica, do Governo e do povo francez, acolhimento muito affectuoso e manifestações bem significativas da cordialidade de relações existentes entre a França e Portugal. Por tão agradavel facto aqui deixo consignada a minha gratidão.

Uma singular prova de estima acabamos tambem de receber de Sua Majestade o Imperador da Allemanha. A visita do Augusto Soberano a Lisboa, que profundamente nos penhorou, foi uma elevada distincção para nós e a demonstração dos sentimentos de amizade que ligam a Allemanha a Portugal, e que d'este modo mais se estreitam ainda com vantagem para o desenvolvimento de interesses communs.

Durante a minha viagem realizou-se o baptizado de Sua Alteza o Principe Real de Italia, nação com que mantemos cordial amizade, e a cuja Familia Real me prendem laços.

Senhor. - Á Camara dos Deputados da Nação Portugueza foi altamente agradavel ver Vossa Majestade inaugurar um novo periodo legislativo.

Regista a Camara, com prazer, que continua a man-ter-se a cordialidade das nossas relações com as potencias estrangeiras.

Folga profundamente a camara por Vossa Majestade, acompanhado da nossa Augusta Rainha, haver recebido em Londres carinhosas e enthusiasticas demonstrações de affecto, quer de Suas Majestades os Reis de Inglaterra, Imperadores das Indias, quer do povo d'aquella capital.

Reconhece a Camara que a Excelsa Mãe de Vossa Majestade, a Rainha a Senhora Dona Maria Pia, provou mais uma vez o seu alto interesse pelos negocios do Estado, desempenhando-se, durante a ausencia de Vossa Majestade, da ardua missão da regencia do Reino.

A Camara congratula-se pela significativa manifestação de estima que nos deu a Augusta Soberana, Rainha de Inglaterra, Imperatriz das Indias, visitando a nossa capital, e recorda com verdadeiro jubilo as enthusiasticas acclamações com que sua Majestade foi saudada durante os dias da sua demora em Lisboa.

Tambem a camara se regosija com a vinda a Portugal de Suas Altezas os Duques de Connaught, que assim nos deram uma prova da sua sympathia.

Felicita-se, a Camara pelas demonstrações de affectuosa consideração que Vossa Majestade e Sua Majestade a Rainha, quando passaram pela França, em direcção á Inglaterra, e depois em Paris, por occasião do seu regresso, receberam do Presidente da Republica, do Governo e do povo francês. A Camara associa-se ao reconhecimento de Vossa Majestade por tão penhorante acolhimento, que bem traduz a cordialidade de relações que existem entre a França e Portugal.

Reconhece a Camara com intima satisfação que a visita com que nos honrou e distinguiu Sua Majestade o Imperador da Allemanha foi uma expressiva manifestação da estreita amizade que une a Confederação Germanica ao nosso país. Por isso os representantes da Nação registam com prazer as saudações calorosas que foram dirigidas ao nosso egregio hospede, Soberano de um imperio poderoso, com o qual mais se avigoraram e fortaleceram agora relações de antiga estima.

Á Camara foi grato saber que Vossa Majestade se fez representar por seu Augusto Irmão o Senhor Infante D. Affonso no baptizado de Sua Alteza o Principe Real

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estreitos de parentesco. Fiz-me representar nesta cerimonia por meu Augusto Irmão o Infante D. Affonso.

Foram assignados tratados de arbitragem entre Portugal e a Inglaterra, e Estados Unidos da America do Norte; e convenções analogas estão sendo negociadas com outros paizes. Todos estes diplomas serão submettidos ao vosso esclarecido criterio, bem como outros de natureza internacional, alguns dos quaes haviam ficado pendentes da anterior sessão legislativa.

O alargamento das nossas relações commerciaes tem merecido ao meu Governo particular solicitude, e nesse sentido vos serão presentes as providencias convenientes no momento actual para facilitar a celebração de accordos internacionaes, que favoreçam a exportação dos productos agricolas sem prejuizo das nossas principaes industrias.

Tendo sido dissolvida a Camara dos Deputados, procedeu-se a novas eleições, que se realizaram no meio de geral tranquillidade.

Com o fim de melhorar quanto possivel a situação do professorado primario e de proseguir nas construcções escolares tão necessarias á diffusão e aproveitamento da instrucção popular ser-vos-ha apresentada uma proposta de lei que por certo merecerá a vossa melhor attenção.

Está pendente do exame do Conselho Superior de Instrucção Publica a reforma da instrucção secundaria, que ao Governo merece especial cuidado. Se para a levar a effeito for indispensavel alguma providencia legislativa, ser-vos-ha ainda proposta durante a actual sessão.

Pelo Ministerio da Justiça ser-vos-hão apresentadas propostas de lei tendentes a tornar effectiva a responsabilidade ministerial; a melhorar a organização dos serviços medico legaes; a completar os serviços do notariado; a regulamentar a arrecadação e distribuição das custas judiciaes; a aperfeiçoar e tornar mais rápido o julgamento dos processos nas Relações; e, finalmente, uma proposta de lei estabelecendo processo especial e summario para as acções sobre mobiliarios de pequeno valor, definindo e regulando o processo das acções de damno, e simplificando os processos que mais interessam a libertação e segurança da propriedade.

Tem melhorado consideravelmente a situação da Fazenda Publica, para o que tem concorrido efficazmente a diminuição do agio do ouro que dia a dia se vae accentuando com reconhecida vantagem do Thesouro, e o progressivo augmento das receitas.

Pelo Orçamento Geral do Estado, que em breve vos será apresentado, vereis que os recursos actuaes bastam para attender ás despesas publicas e manter o equilibrio orçamental. Para simplificar os serviços e facilitar a reducção de despesas vos apresentará o Governo diversas providencias, sem prejuizo da proposta que tambem submetterá ao vosso exame para melhorar a situação dos funccionarios publicos, diminuindo-lhes desde já os pesados encargos que circumstancias especiaes impuseram em 1892.

Da importante economia e augmento de receita proveniente da proposta sobre a conversão das obrigações dos Tabacos e da adjudicação do respectivo monopolio, bem como da que respeita ao contrato com o Banco de Portugal, que vos serão apresentadas, resultará uma situação financeira desafogada, que cumpre aproveitar para resolver convenientemente os mais instantes problemas da nossa administração.

Com o proposito de impedir que creditos especiaes alterem as condições do orçamento, propor-vos-ha o Governo que fiquem restrictos a casos perfeitamente definidos. Ser-vos-hão tambem presentes propostas tendentes a melhorar a arrecadação de alguns impostos e a modificar a pauta geral das alfandegas em harmonia com as condi de Italia, correspondendo assim aos sentimentos de amizade que nos ligam áquella nação, em cuja Familia Real Vossa Majestade tem tão proximos parentes.

Ouviu a Camara com prazer a declaração de que foram assinados pelo Governo de Vossa Majestade tratados de arbitragem entre Portugal e a Inglaterra e Estados Unidos da America do Norte, e protesta apreciar devidamente esses diplomas, bem como as convenções de identica natureza que se acham entaboladas com outros paizes.

As providencias tendentes a fazer desenvolver as nossas relações commerciaes e a valorizar os nossos productos serão examinadas pelos Deputados da Nação Portuguesa com particular interesse, bem como todas as medidas que visem á realização de acordos internacionaes, necessarios para facilitar a nossa expansão agricola e a de todas as outras industrias.

Com grande prazer regista a Camara que as ultimas eleições se effectuaram com boa ordem e geral tranquillidade.

Quando lhe seja apresentada a proposta de lei que tem por fim melhorar, dentro de justos limites, a situação pouco desafogada do professorado primario e aumentar o numero das escolas indispensaveis para o progresso e desenvolvimento da instrucção do povo, estudá-la-ha a Camara com a devida attenção e dedicar-lhe-ha o maior cuidado.

Igualmente será solicita cata Camara na apreciação da reforma de instrucção secundaria, que se lhe afigura de instante necessidade.

Examinará a Camara detidamente as propostas de lei elaboradas pelo Ministerio da Justiça, com o fim de se tornar effectiva a responsabilidade ministerial; de se melhorar a actual organização dos serviços medico-legaes; de se reformarem os serviços do notariado; de se regulamentar a arrecadação e distribuição das custas judiciaes; de se aperfeiçoar o julgamento dos processos nas Relações e de se estabelecer processo especial e summario para as acções sobre mobiliarios de pequeno valor; bem como collaborará a Camara com agrado nas demais providencias que porventura lhe sejam apresentadas pelo referido Ministerio.

Com intimo jubilo ouviu a Camara a declaração de que é consideravel a melhoria da nossa situação financeira. Estudará com o maior desvelo o Orçamento Geral do Estado e folgará por ver, emfim, attingindo o equilibrio entre a receita e a despesa. Espera a Camara com altissimo interesse as diversas providencias que o Governo de Vossa Majestade promette propor ao Parlamento para conseguir a simplificação dos serviços e facilitar a diminuição de despesas, e applaude calorosamente o proposito em que está o mesmo Governo de trazer ao exame dos representantes da Nação uma proposta de lei que melhore a aituação dos funccionarios publicos, tão sobrecarregados de encargos pesadissimos, supportados por todos com uma isenção digna de louvor.

A Camara, esperando que das propostas relativas á conversão das obrigações dos Tabacos, á adjudicação do respectivo monopolio e ao contrato com o Banco de Portugal advenham altos beneficios para a Fazenda Publica, dedicará todos os seus cuidados á analyse d'essas propostas e estimará que tanto a economia como o aumento de receita d'ellas resultantes concorram para desafogar completamente a situação financeira do pais.

Desnecessario é pôr em evidencia os perniciosos resultados da repetida abertura de creditos especiaes. Folga, por isso, a Camara pela justa restricção d'esses creditos. Com a maxima solicitude attentará a Camara na proposta, que o Governo de Vossa Majestade se compromette a apresentar-lhe, com o fim de tornar mais proveitosa a ar-

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ções actuaes da industria e do commercio. Com a reforma do regulamento geral da contabilidade tornar-se-ha mais facil e exequivel a fiscalização dos dinheiros publicos.

Merecendo o exercito a maior attenção do meu Governo, ser-vos-hão presentes propostas com o fim de facilitar a sua mobilização e melhorar a situação dos officiaes. Para tanto propor-vos-ha, sem augmento de despesa, antes com economia para o Thesouro, algumas alterações na organização do exercito e na lei do recrutamento, e a regularização do pagamento do material encommendado, modificações na lei da promoção, estabelecendo um pequeno augmento de vencimento por diuturnidade de serviço nos postos subalternos e nos subsidios de marcha e residencia.

Nas nossas possessões ultramarinas continuam, alem de outras obras importantes, as do porto de Lourenço Marques, e vae iniciar-se brevemente a construcção do caminho de ferro da Swazilandia.

Á vossa apreciação serão submettidas propostas de lei referentes ao porto de S. Thomé, a algumas vias ferreas cuja construcção urgentemente se impõe, e bem assim providencias relativas ás matas da India, ao regimen economico e financeiro de Macau, ao desenvolvimento da cultura algodoeira, ao aperfeiçoamento das ligações telegraphicas tornando-as menos onerosas, ao melhoramento da navegação para as colonias e ao ensino colonial que carece de pratica e profunda remodelação.

Não esquece o Governo o castigo que é mester infligir aos povos rebeldes da provincia de Angola, e procederá de molde a ser este seguro nos seus effeitos, preparando tudo para tal fim.

Sendo justa toda a solicitude dispensada á armada nacional, cuja importancia cada vez mais se accentua, espera o Governo apresentar uma proposta relativa á sua reorganização.

A crise que vae atravessando a agricultura tem preoccupado seriamente o Governo, que, para attender ás suas justas reclamações, publicou diversos decretos que devem produzir importantes beneficios. Algumas providencias com o mesmo intuito vos serão propostas, bem como outras tendentes a alargar os serviços da viação ferroviaria; a melhorar os do porto de Lisboa, cujo movimento commercial cresce de dia a dia; a desenvolver o ensino industrial e profissional; a aperfeiçoar o regimen da propriedade industrial e as condições do operariado; a fazer que os serviços postaes e telegraphicos, dotados com os recursos indispensaveis, correspondam ás necessidades do seu progressivo desenvolvimento.

Dignos Pares do Reino e Senhores Deputados da Nação Portugueza:

Confio plenamente que a vossa illustração e o vosso patriotismo hão de fazer concorrer para aperfeiçoar as propostas do Governo, e tenho fé em que, com o auxilio da Divina Providencia, a vossa obra trará honra e prosperidades ao paiz que todos tão profundamente amamos.

Está aberta a sessão.

recadação de alguns impostos e na que visa a fazer modificações na pauta geral das alfandegas, de acordo com as circunstancias presentes.

A reforma do regulamento geral da contabilidade torna-se de uma urgente necessidade, para facilitar a fiscalização dos dinheiros do Estado, e é um acto moralizador que o pais com razão reclama e que a Camara applaude com calor.

Os Deputados da Nação esperam que as propostas apresentadas pelo Ministerio da Guerra melhorem e aperfeiçoem, sem acrescimo de despesa, antes com economia, os serviços dependentes d'aquella Secretaria de Estado, concorrendo para que se aumente o brilho e lustre do exercito. Serão, pois, detidamente estudadas as alterações na organização militar e na lei do recrutamento; a regularização do pagamento do material encommendado; a modificação na lei da promoção e quaesquer outras medidas que, como estas, tenham por fim beneficiar e engrandecer o exercito português.

Foi grata á Camara a declaração de que progridem as obras iniciadas nas nossas colonias, destacando-se entre ellas as do porto de Lourenço Marques. Igualmente lhe foi agradavel saber que vae dar-se começo, num curto prazo, á construcção da linha ferrea da Swazilandia.

Com a maior diligencia fará esta Camara o exame das providencias legislativas que dizem respeito ao porto de S. Thomé; a algumas vias ferreas que são de instante necessidade para as colonias; ás matas da India; ao regime economico e financeiro de Macau; ao alargamento da cultura algodoeira; ao aperfeiçoamento das ligações telegraphicas; ao melhoramento da navegação para as nossas possessões d'alem mar é ao ensino colonial, pois grato lhe é dedicar-se ao estudo de todas as medidas que se traduzam em desenvolvimento e progresso para as colonias de Portugal.

Patrioticamente declara o Governo de Vossa Majestade que não esquece o castigo de que carece a rebeldia dos indigenas da provincia de Angola. A Camara espera que a gloria das nossas armas mais uma vez refulgirá em Africa e que o nosso prestigio será ali aumentado pelo esforço e valor dos soldados portugueses.

Aguarda a Camara com accentuado interesse a proposta relativa á reorganização da armada nacional, que bem merece o desvelo e cuidado dos poderes publicos.

A camara estima que o Governo se tenha preocupado com a crise que tem flagellado a nossa agricultura, publicando alguns decretos tendentes a auxiliá-la e desenvolvê-la, e espera que sejam de beneficos resultados ás providencias que, para o mesmo fim, lhe hão de ser apresentadas. Dedicar-lhes-ha toda a attenção, bem como ás propostas sobre serviços de viação ferroviaria, porto de Lisboa, ensino industrial e commercial, regime de propriedade industria], operariado e serviços postaes e telegraphicos.

Senhor. - São complexas e difficeis as questões que esta Camara tem de apreciar, mas esperam os Deputados da Nação Portuguesa que, com o auxilio da Divina Providencia, hão de levar dignamente a cabo a sua missão, como lhes cumpre e é mester para bem do pais.

Sala das Sessões, 26 de abril de 1905 = Vicente Rodrigues Monteiro = João Pinto dos Santos = Conde de Penha Garcia = Antonio Rodrigues Nogueira = José Maria de Oliveira Mattos = Arthur Monttnegro = Antonio Cabral, relator.

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O Sr. Presidente:-Está em discussão.

O Sr. Pereira dos Santos: - Sr. Presidente: no parecer que acaba de ser sujeito á discussão da Camara assim como no que foi lido por Sua Majeatede El Rei nesta assembleia ha tres partes caracteristicas e definidas que qualquer observação superficial distingue.

Na primeira parte congratulou-se EI-Rei, e responde o parecer, pelo acolhimento carinhoso e recepção enthusiastica que por parte do Augusto Soberano de Inglaterra e do nobre povo inglez, teve, juntamente com Sua Majestade a Rainha, na capital do Reino Unido, por occasião da sua recente viagem áquelle paiz, e referiu-se tambem ás calorosas acclamações com que a nação portugueza saudou a excelsa Rainha de Inglaterra na sua recente e captivante visita á côrte portugueza, e igualmente consigna a sua gratidão pelo acolhimento affectuoso que por parte do Presidente da Republica Franceza e do nobre povo francez recebera na capital d'aquelle paiz, e o penhorante reconhecimento que lhe mereceu a singular prova de estima que recebeu, bem como o povo portuguez pela recente visita de Sua Majestade o Imperador da Allemanha.

Quanto á primeira parte, a minoria regeneradora associa-se calorosamente ás palavras escriptas nesse discurso. (Apoiados).

Vibram sempre intimamente no coração nacional todos os sentimentos que traduzem alto apreço, consideração e estima pela pessoa de El Rei e da Familia Real, tão intimos e apertados são os laços de affecto e respeito que definam a solidariedade do povo portuguez com o seu Augusto Soberano e sua Real Familia. (Muitos apoiados).

E as relações de intima cordialidade e affecto que mais se teem enlaçado, nos ultimos tempos, entre os Soberanos de Portugal e os de Inglaterra teem feito tambem reunir e avigorar os sentimentos da mais entranhada e geral sympathia entre a patria portugueza e a nação anglo-saxonia. (Apoiados).

Sr. Presidente: esse estreitamento de relações recorda os tempos gloriosos da nossa historia; muitas vezes recebemos o seu auxilio, ao lado do nosso estandarte, em tantas campanhas gloriosas que tanto enalteceram o nome portuguez. E ao mesmo tempo faz lembrar que ingleza foi a Princesa progenitora da inclita dynastia de Aviz, que tanto enalteceu o throno portuguez! (Muitos apoiadas). E portugueza, Sr. Presidente, fui a Princesa que, pelo brilho de suas virtudes, illuminou o throno de Carlos II de Inglaterra. E esta prole continuada e persistente de affectos entre os dois povos, esta troca de sympathias e cordealidade mais serve para firmar a garantia de que ha de sempre ser proveitoso esse pacto de alliança entre as duas nações. Esse pacto, affirmando-se e renovando-se, veio crear á nação portugueza novo estimulo e nova esperança para o cumprimento de uma grande missão do nome portuguez, e de que esse nome ha de ser levantado a adquirir por ventura o antigo brilho, esse nome que foi tão celebrado noutros tempos pelos serviços que á humanidade e á civilização prestaram os nossos denodados capitães e os nossos valorosos marinheiros. (Muitos apoiados).

Ora, Sr. Presidente, nunca fructificam sufficientemente, nunca são de effeito duradouro os pactos de alliança quando são simplesmente determinados pela conjuncção de interesses dos povos e não são entrelaçados pelos vinculos estreitos de intima sympathia. entre as nações que se alliam.

Sr. Presidente: já havia sido firmada em bases solidas a renovação do nosso pacto de alliança com a Inglaterra pela affectuosa visita de El-Rei Eduardo VII a Lisboa; já havia sido confirmada e avigorada em requintes de amabilidade e cordealidade pela visita dos soberanos portuguezes a Londres, mas não poderia ser ella coroada por modo mais primoroso e mais gentil do que pela captivante visita, mediante as attribulações de uma viagem incommoda, d'essa excelsa princesa que os inglezes orgulhosamente denominam Our Queen (Muitos apoiados).

Também alegrou o coração nacional a alta manifestação de estima e de consideração que representa a vinda a Portugal do Imperador Guilherme II da Allemanha, pela Majestade da grande nação que representa, pelo caracter d'esse nobre povo que se orgulha de o ter por chefe e pela sua possante intelectualidade, uma das mais poderosas e accentuadas da Europa moderna, que só por si merece a estima e o respeito da nação portugueza, cuja capital se ataviou das melhores galas para o receber. Mas as suas declarações na Sociedade de Geographia fizeram trasbordar de jubilo e de enthusiasmo a nação, porque viu nellas a segurança do que muito contribuiam para o nosso rejuvenescimento e para o engrandecimento das nossas colonias como condição indispensavel para o nosso novo brilho como nação. (Muitos apoiados).

Por isso mais uma vez se accentuou a tradicional galhardia da fidalga hospedagem portugueza.

Em vista d'estes factos não podia a minoria regeneradora ficar silenciosa e para melhor manifestar que se associa calorosamente a esta parte do Discurso da Coroa vou até mandar para a mesa, a fim de serem modificadas algumas phrases no sentido de tornarem bem saliente o nosso sentir, a seguinte

Proposta

Proponho que onde o projecto diz:

"Folga profundamente a Camara por Vossa Majestade, acompanhado da nossa Augusta Rainha, haver recebido em Londres carinhosas e enthusiasticas demonstrações de affecto".

Se substitua pelo seguinte:

"Rejubila a Camara por Vossa Majestade, acompanhado da nossa Augusta Rainha, haver recebido em Londres carinhosas e enthusiasticas demonstrações de affecto".

Onde diz:

"Reconhece a Camara que a excelsa mãe de Vossa Majestade, a Rainha a Senhora Dona Maria Pia, provou mais uma vez o seu alto interesse pelos negocios do Estado, desempenhando-se, durante a ausencia de Vossa Majestade, da ardua missão da regencia do reino".

Se substitua pelo seguinte:

"Reconhece a Camara que a excelsa mãe de Vossa Majestade, a Rainha a Senhora Dona Maria Pia, provou mais uma vez o seu alto interesse pelos negocios do Estado, desempenhando-se com desvelado civismo, durante a ausencia de Vossa Majestade, da ardua missão da regencia do reino".

Onde diz:

"Por isso os representantes da nação registam com prazer as saudações calorosas que foram dirigidas ao nosso egregio hospede, Soberano de um imperio poderoso..."

Se substitua pelo seguinte:

"Por isso os representantes da nação relembram com prazer as saudações calorosas que foram dirigidas ao nosso egregio hospede, Soberano de um imperio poderoso. ..." = Pereira dos Santos".

Expressa assim a opinião da minoria regeneradora sobre esta parte do diploma sujeito ao debate, resta referir-me ás outras duas partes que o compõem.

Na parte em que o projecto de resposta ao Discurso da Coroa se refere ás providencias que o Governo ha de trazer ao Parlamento para serem sujeitas á sua apreciação e deliberação, tenho eu a dizer que, não conhecendo ainda parte d'essas propostas nem tendo havido discussão pobre as já apresentadas, não pode a minoria regeneradora apreciar, sequer, a sua conveniencia nem mesmo a sua utilidade, mas que em todo o caso, no cumprimento de um dever constitucional que lhe assiste, cooperará com o Governo quanto caiba no seu esforço, apreciando essas me-

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didas, solicitando apenas do Governo que aquellas que ainda não trouxe ao Parlamento as apresente com urgencia, para que a discussão possa ser proveitosa e util para o paiz.

Relativamente, Sr. Presidente, á terceira parte do projecto em discussão, aquella em que se referem as providencias tomadas pelo Governo no interregno parlamentar, tenho a notar que são deficientissimas as declarações do Governo sobre este ponto. (Apoiados da esquerda).

Muitos são os assumptos sobre os quaes a minoria regeneradora não pode deixar de chamar a attenção do Governo.

Ha assumptos de caracter politico, ha assumptos de caracter administrativo, que no exercicio do nosso direito e do nosso mandato nós apreciaremos, e para esse effeito já annunciámos interpellações e varios avisos previos.

Entre os assumptos que a minoria regeneradora tenciona tratar, ha um sobretudo que, pela sua gravidade e importancia, nos merece especial attenção: é o que se refere ao que nós julgamos ter sido uma violação ás attribuicões do poder legislativo. A este respeito já tive a honra de annunciar uma interpellação.

Sr. Presidente: é praxe seguida nesta casa, todas as vezes que o partido regenerador ou o partido progressista não discute a resposta ao Discurso da Coroa em homenagem ao Chefe do Estado, dar-se immediatamente para discussão essa interpellação logo em seguida á votação do diploma que estamos discutindo!

Nós não discutimos a resposta ao Discurso da Coroa para seguirmos a tradição de longos annos, tanto do partido regenerador como do partido progressista.

A minoria, Sr. Presidente, não discute a resposta ao Discurso da Coroa em homenagem ao Chefe do Estado. (Muitos apoiados da esquerda).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho (José Luciano de Castro): - Ouvi com a maior attenção, que sempre merece o illustre Deputado que acaba de falar em nome da minoria regeneradora, as suas observações sobre o projecto em discussão.

Parece-me que S. Exa. em nome do seu partido declara que vota este projecto como homenagem á Coroa e como deferencia ao Chefe de Estado.

Na primeira parte do seu discurso S. Exa. fez referencias ás viagens e aos principes estrangeiros que nos visitaram.

S. Exa. associou-se ás palavras do Discurso da Coroa, e a esse respeito só tenho a felicitar S. Exa. pelas palavras que pronunciou, que são de um monarchico verdadeiro, sendo para o Governo objecto de sincera congratulação. (Muitos apoiados).

Todos nós nos devemos unir de commum accordo no que toca á politica internacional. (Muitos apoiados).

O Governo espera que, nesta questão, todos os partidos se associem e se unam em um só sentimento para defender a autonomia nacional, quando seja preciso zelar os interesses da nossa nacionalidade.

A alliança ingleza e a situação internacional que hoje occupamos parece-me que deve ser mantida em todas as circunstancias como bandeira politica que deve ser hasteada por todos os grupos que representam a politica nacional...

Nesta parte concordo com as palavras de S. Exa.

Na segunda parte do seu discurso referiu-se o Sr. Pereira dos Santos ás propostas que o Governo prometteu apresentar ao Parlamento, dizendo que se reservava para depois as apreciar, por isso que ainda não as conhece. A este respeito nada tenho que dizer; entendo que o illustre Deputado procede perfeitamente. Quando o Governo apresentar as suas propostas dirá as razões por que as apresenta, e S. Exa. dirá os motivos por que as critica.

Quanto á ultima parte do Discurso da Coroa, que se refere aos actos praticados pelo Governo durante o interregno parlamentar, diz S. Exa. que não approva esses autos por terem offendido as prerogativas do Parlamento e por isso annunciou varias interpellações para liquidar a responsabilidade do Governo.

Tenho a declarar que o Governo estará no seu logar para responder pelos seus actos, quando a opposição entender dever pedir-lhe conta d'esses actos. (Muitos apoiados).

Disse S. Exa. que, sendo já annunciada uma interpellação, era costume, quando as opposições não discutam a resposta ao Discurso da Coroa, dar immediatamente para ordem do dia a discussão d'essas interpellações.

Por parte do Governo declaro que me não opponho a que essas interpellações sejam dadas para ordem do dia, e espero então convencer a Camara de que ao tomar essas providencias não só offendia a constituição e que esses actos foram muito uteis ao paiz. (Muitos apoiados).

São estas as explicações que tenho a dar ao illustre Deputado, as quaes julgo terem satisfeito a Camara. (Muitos e repetidos apoiados.- Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. João Franco: - Sr. Presidente: a discussão da resposta ao Discurso da Coroa é, sempre, o melhor ensejo para se apreciar a orientação geral de um Gabinete e, ao mesmo tempo, avaliar nitidamente a situação politica em que elle se encontra; o que, neste momento, é circunstancia mais do que justificada, porque se trata de um Governo que pela primeira vez se apresenta ao Parlamento, quando o paiz atravessa uma conjunctura difficil.

Por isso li com curiosidade o Discurso da Coroa, embora o Governo já tivesse praticado actos que me parece inspirarem-se em principios e ideaes bem diversos e oppostos áquelles que nos ultimos annos tem apregoado o partido progressista.

Infelizmente se a minha curiosidade foi satisfeita, o meu interesse foi completamente desenganado.

Na minha mocidade parlamentar, quando esta assembleia era abrilhantada por alguns dos mais distinctos talentos litterarios do paiz, como Pinheiro Chagas, Carlos Lobo d'Avila e outros, era este diploma como que uma espeécie de pic-nic para que todos os Ministros, principalmente os novos, concorriam com o que traziam no seu pensamento, mas nunca traduziam o pensamento geral do Governo, e este não fugiu da regra.

Hoje representam simplesmente a necessidade de apresentarem uma grande iniciativa.

Dantes comparavam-se á espada de Carlos Magno, comprida e chata. Este tambem não falha á comparação.

Pois pode porventura alguem acreditar, quando no referido diploma se fala em convenios commerciaes, haja alguma cousa de positivo e concreto a este respeito? Não ha, nem mesmo no cerebro do Sr. Ministro dos Estrangeiros. Pode haver boa vontade e mais nada.

No entanto é preciso dizer-se alguma cousa, e então fala se nessas convenções, em reforma de instrucção secundaria, para a qual nem se sabe mesmo se será precisa auctorização parlamentar, em economias, na responsabilidade ministerial, na melhoria da situação financeira e por consequencia no equilibrio orçamental o na melhoria da situação dos professores, dos funccionarios publicos e dos militares...

E a esse respeito permitia Deus que estas tão annunciadas melhorias não venham trazer amargos de boca a este ou a outro Governo que lhe succeder, e que não sejam causa de perturbações do espirito publico das diversas classes, algumas das quaes bem conveniente será não despertar da apathia em que se encontram.

Se podem melhorar-lhe a situação, façam-no, mas sem reclamo, porque este pode ser muito e muito perigoso.

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Tudo quanto pode concitar uma atmosphera de sympathia e benevolencia para o Governo se encontra no diploma que se discute; tudo, repito, menos uma cousa, a nova reorganização eleitoral.

Antes de ser Governo, o partido progressista affirmava categoricamente que um dos seus primeiros actos seria uma reforma eleitoral, mas agora que subiu ao poder nada faz nesse sentido. E diz-se representante de um partido liberal successor do antigo partido patuleia!

A meu ver, primeiro que todos esses compromissos devia estar o de uma reforma eleitoral; era isto não só de interesse publico mas do interesse local.

Quando o partido progressista me foi propor um accordo, antes da queda do Governo do Sr. Hintze, não tive duvida em acceitá-lo... mas com uma condição: a de que se estabelecesse uma norma de Governo, que começaria pela reforma da lei eleitoral.

Foi respondido - que se não acceitava, porque não era preciso.

A explicação estava nas intenções do Governo.

ntes de ser Governo, o partido progressista affirmava que um dos seus primeiros actos seria aquella reforma. É afinal quando chega ao Governo nada faz!

Chegado ao poder ha mezes, o Governo actual prometteu enveredar por bom caminho, restabelecendo as boas praticas de administração; dissera - que vinha não só para remediar, mas para prevenir! Apresentando-se o Governo ás Côrtes, fez um grande estendal de promessas e indicações sobre os assumptos mais importantes e indeclinaveis; mas a respeito de reforma eleitoral nem uma palavra, nem uma promessa, já não digo definitiva e urgente, mas ao menos illusoria e vaga!...

Comprehendia-se, Sr. Presidente, que o Governo assumindo o poder e encontrando a lei eleitoral deixada pelo Ministerio transacto, fizesse eleições pela actual lei, para se não lançar na dictadura; comprehendia-se que viesse a esta Camara e pedisse a approvação do orçamento e do projecto relativo aos tabacos por isso que esses assumptos se reputavam inadiaveis; e comprehendia-se ainda que pedisse a approvação de outras medidas de caracter mais secundario, mas que em seguida procedesse a uma reforma da lei eleitoral, como é mester que o paiz tenha e lhe é devida, dissolvendo depois as Côrtes para se proceder a nova eleição por essa lei, de maneira que os que estivessem nesta sala fossem realmente os eleitos do povo e não os eleitos do Governo.

Porque é necessario dizer d'este logar com toda a verdade e com toda a sinceridade: nós somos um Parlamento falsificado.

Desde 1901 o regimen que infelizmente nos governa não é o representativo, é o presidencial. Nós não estamos aqui representando a vontade dos eleitores, estamos aqui por graça do Sr. Presidente do Conselho.

A unica parte onde houve eleições foi em Lisboa; mas aquelles que o povo da capital elegeu não são os que aqui estão, e posso fazer esta affirmação sem ser accusado de sympathia por um partido que ataca a monarchia, porque nenhum homem publico do meu paiz gozou nunca, como eu, a fama de haver engrandecido o poder real.

Nas vesperas da revolução franceza Mirabeau dizia aos enviados do Rei que vinham ao Parlamento: - ide dizer ao vosso Rei que nós estamos aqui pela vontade do povo e só d'aqui sairemos pela força das bayonetas - e eu tenho de confessar, e com vergonha o faço, que decorridos setenta annos de vida constitucional e, no fim de vinte annos de vida politica, estou aqui como todos estamos, não pela vontade do povo mas pela vontade do Governo.

Esta é a verdade dos factos.

Pode o Sr. José Luciano, na posição de Presidente do Conselho a que chegou, julgar que tudo vae muito bem, porque S. Exa. conseguiu, á força da sua tenacidade, da sua habilidade e da grandeza da sua energia que eu sou o primeiro a admirar, a occupar mais uma vez esse logar para dirigir os destinos não só do seu paiz, mas do seu partido; e folguei bastante de ver ha pouco, a proposito de umas affirmações suas, sorrir S. Exa., o que prova que tem boa saude e bom humor; mas o certo é que de todos aquelles que o escutam, uma grande percentagem, quasi a totalidade, pensa como eu, e se o não dizem, é porque as suas posições partidarias os innibem de o manifestar.

Todos os que me ouvem, e não vae nisto, Sr. Presidente, qualquer má vontade, sabem que a lei eleitoral de 1901 foi feita contra mim e contra os meus amigos politicos.

Foi esta uma forma expedita para se desembaraçarem dos adversarios politicos; e para que nós lhe possamos encontrar precedentes, é preciso remontar ás conspirações de palacio dos tempos de D. Affonso VI, e se não fui mandado para as Pedras Negras como José de Seabra, fui despojado de uma posição adquirida no meu paiz com a ajuda de Deus e do meu esforço.

Na historia constitucional do meu paiz só conheço duas proscripções formaes: a do Sr. D. Miguel com a sua familia, e a minha com os meus amigos politicos.

Emfim, tendo saido do Parlamento com alguns amigos e Deputados, entro agora novamente, tendo a satisfação moral de não haver sido abandonado por elles, e com a satisfação pilitica de ver esse nucleo de amigos transformado em um partido que conta com homens de indiscutivel valor e com importantissimos elementos.

Representa isto para mim a maior honra da minha carreira politica.

Mas o que neste momento importa saber é que o paiz não tem representação parlamentar verdadeira e real.

Eu fui com os meus amigos á luta eleitoral, em differentes circulos do paiz, onde podia travá-la com as outras opposições, confiado na declaração do Governo, de que seria neutral nessa luta.

O que foi essa neutralidade, viu-se na eleição de Lisboa, em que se recorreu á chapelada na Azambuja para serem eleitos os que o Governo queria.

Se tivesse adivinhado qual era o verdadeiro intuito do Sr. Presidente do Conselho, nem eu nem os meus amigos politicos nos teriamos prestado a desempenhar tal papel.

Mas cumpro o meu dever de estar aqui, e para lutar, como devem fazer todos aquelles que teem amor á sua patria.

Quando se organizou este Governo tive a ingenuidade de pensar que o Sr. José Luciano se apressaria a revogar a legislação eleitoral que encontrou, e que o fizesse por convicção liberal ou por habilidade politica, porque a actual lei tem de facto encantos e seducções difficeis de vencer.

A commodidade e o gozo de ter todo o mundo dependente da sua unica vontade, a começar pelos proprios partidarios, é realmente uma tentação diabolica. Quem sabe se eu mesmo a não teria amanhã no poder? Mas isso é apenas mais uma razão para eu queimar os meus navios.

Mas ha mais ainda: o rotativismo descobriu uma grande virtude á lei actual, apregoando-a como a unica forma de evitar a entrada de republicanos na Camara.

Parece que os republicanos comem gente ou que ha na monarchia mysterios terriveis que recuam e se aterram deante d'aquelle espectro!

Ora já por varias vezes aqui houve deputados republicanos.

Quando entrei na Camara já encontrei deputados republicanos e a sua camaradagem é sempre lembrada por nós com saudade. (Apoiados).

Eu, que sou tido como politico de uma ferrea energia, tenho sobre mim a gravissima responsabilidade de haver concorrido para enfraquecer um partido que podia ser no Parlamento um fiscal dos actos do regimen.

E, Sr. Presidente, se a este facto me refiro, é simples-

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mente porque quero para mim as responsabilidades que realmente me pertencem, não abdicando de forma alguma dos meus principios.

Tem-se dito que fui eu que enfraqueci o partido republicano! Não é verdade.

Esse partido enfraqueceu pelo pacto de Badajoz e pela colligação liberal, que levou ao poder, o partido progressista.

E se depois se fortaleceu de novo o partido republicano, deve-se isso ao rotativismo, que desprestigiou o Parlamento, e que commette erros sobre erros.

Tem sido nos erros d'esses dois partidos monarchicos que os republicanos teem ido buscar toda a sua força.

Sr. Presidente: sou de opinião que os Deputados republicanos devem ter entrada no Parlamento; o cuidado com que se evita a eleição dos republicanos é até uma affronta para a monarchia.

É necessario, sem duvida, combater os republicanos na urna e organizar o trabalho eleitoral dos partidos monarchicos; mas que o espirito publico não possa julgar que a monarchia, que eu sirvo pela forma que julgo que mais convem nos interesses do paiz, pode asfixiar-se porque dentro d'esta casa estão alguns membros do partido republicano!...

Em nome d'isso se fez uma campanha nas ultimas eleições de Lisboa, e essa lenda é que é necessario destruir.

Repugna me, como monarchico que sou, e me prezo de ser, a attirmação de que a monarchia se arreceia dos Deputados republicanos ou soffre no seu prestigio com a vinda d'elles ao Parlamento.

Se o partido republicano quizer manter o seu caracter revolucionario, ficará muito tempo longe do poder e de qualquer acção social effectiva e pratica, mas trazendo ainda assim á Camara as suas individualidades mais distinctas ellas serão sempre no Parlamento uma honra e uma distincção, como o foram já a palavra de Affonso Costa, uma gloria parlamentar, e Eduardo Abreu, cuja camaradagem será immorredoura na nossa lembrança.

Abandonando, pois, esse partido por uma vez, o caminho de revolucionismo, que nem as circumstancias tradicionaes nem o paiz permitte, ainda assim a sua acção pode ser util na confecção das leis e na fiscalização dos actos do Governo, desempenhando elle no Parlamento um papel semelhante áquelle que a extrema esquerda desempenhou em Italia, que tanto lhe deve no renascimento economico e politico dos ultimos tempos.

Mas seja como for, a verdade é que o direito que reclamo para mim quero-o para todos, e pela minha parte devo affirmar que não tenho receio algum, nem como homem do Governo, nem como Deputado da opposição, do confronto com Deputados republicanos, não sob o ponto de vista do talento e da energia, mas na acção de defesa dos meus actos e das instituições, que eu sei collocar em caminho seguro.

O partido republicano precisa ser combatido em Lisboa pelos partidos monarchicos mas por uma orientação doutrinaria e firme.

Foi este regimen de rotativismo, esta serie de erros e esbanjamentos dos ultimos annos, que tornaram a dar força ao partido republicano, do mesmo modo que são os recursos e processos como os do pinhal da Azambuja que são a deshonra da monarchia.

Não se admire a Camara das minhas palavras. Eu, como Ministro do Reino, tive uma pugna eleitoral em Lisboa contra o partido republicano. Se houvesse sido vencido, nem isso punha em risco a monarchia, nem representaria desdouro para o Governo.

Vencemos, devido á organização do partido monarchico a que tinha então a honra de pertencer. (Apoiados).

Até á seisão não houve mais organização eleitoral em Lisboa, e ainda mesmo em 1901 os republicanos não foram á urna. Do resultado dos tres annos de rotativismo falam as votações de 1904 e 1905 em Lisboa.

Não é, portanto, fechando o Parlamento aos republicanos que se prestará serviço á monarchia. Os elementos parlamentares independentes e honestos são sempre uteis, e ás instituições monarchicas principalmente. O Chefe do Estado pode e deve dirigir as linhas geraes da politica e da administração, inspirando-se na opinião publica, mas os detalhes escapam-lhe, e no entanto são muitas vezes esses que criam os escandalos e o desgosto publico.

Incomparavelmente mais prejudiciaes do que as discussões francas são as comorras parlamentares, os corpos politicos fechados a toda a acção estranha, como ultimamente tem succedido. Os partidos monarchicos teem-se desorganizado em Lisboa, justamente porque esses conluios tornaram a luta desnecessaria; e a unica forma de se reorganizarem e lutarem efficazmente com os republicanos é oppor organização a organização, dando-lhes combate leal na urna, e, se vencerem, combatê-los aqui dentro do Parlamento.

O que é prejudicial ao paiz e á monarchia são as combinações pelas quaes não entra no Parlamento senão quem o Governo quer.

Essas combinações é que são prejudiciaes ao prestigio parlamentar, como tambem o são ao prestigio da monarchia.

É este o meu modo de entender.

É necessario e urgente que se apresente ao Parlamento uma lei eleitoral que permuta ao paiz eleger. Emquanto isto se não fizer é escudado apresentar leis como a que ha pouco apresentou o Sr. Ministro da Justiça sobre responsabilidade ministerial.

Não ha duvida que essa proposta é uma das providencias urgentemente reclamadas pelos Governos. O proprio Sr. Ministro da Justiça reconhece a incapacidade actual do Parlamento para accusar e julgar os Ministros, visto que tira respectivamente á Camara dos Deputados e á dos Pares esses direitos, confiando-os a entidades estranhas.

Ora esses direitos pertencem pela Carta a estas corporações, e só em Côrtes constituintes lhes podem ser tirados.

Assim, a proposta de responsabilidade ministerial, como todas as outras promessas do Discurso da Coroa, ficará apenas no papel. O mesmo acontece com os impedimentos postos aos creditos especiaes, e com as novas regulamentações de contabilidade publica.

Emquanto dominar a actual camorra politica, emquanto só for Deputado quem o Governo quizer, para que serve todo esse fogo de vistas, se nem ha Direcção de Contabilidade, nem Tribunal de Contas, nem sequer Parlamento?

Para que servem pois todas as modificações, se os Governos que caem teem a certeza do silencio d'aquelles que lhes succedem?

Os dois partidos rotativos como podem fiscalizar-se um ao outro, se realmente estão unidos, se realmente formam apenas um partido pela intelligencia em que estão os dois chefes?

A verdade é que, em materia de applicação dos dinheiros publicos, os Governos fazem o que querem e são elles mesmos que o atiram á cara uns dos outros.

Quando em 1897 caiu o Ministerio de que eu fazia parte, o Sr. Ministro da Fazenda do Gabinete progressista disse no relatorio de fazenda que nós tinhamos deixado 5.000:000$000 réis por pagar, e o Ministerio regenerador tambem por sua vez accusou os seus antecessores de que havia encontrado 4.000:000$000 réis por legalizar ou pagar.

Portanto que confiança podem inspirar os Ministros da Fazenda, a quem está confiada a defesa do Thesouro?

Que confiança podem inspirar os Ministros, se a opinião publica os accusa de abonarem dezenas de contos de réis aos governadores civis, e de se nomearem para com-

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missões secretas os filhos dos proprios Ministros, em virtude das quaes recebem chorudas gratificações?

Se estes factos são verdadeiros, se essas accusações não são filhas da phantasia, para que servem mais regulamentos de contabilidade publica, se não ha ninguem que fiscalize isto?

Sr. Presidente: não são medidas de caracter isolado que por si só podem trazer remedio á situação realmente grave que está atravessando a sociedade portuguesa; só uma situação homogenea poderá abalançar-se a essa obra, que o paiz tanto reclama e tanto merece.

Tambem não é com um golpe fulminante de cutello, que essa obra pode ser feita; exige o concurso publico. Mas isto é que não pode continuar. O artificio em que vivemos ha tres para quatro annos depende exclusivamente de duas cousas ambas monstruosas, politica e constitucionalmente: o Governo assim como nomeia a Camara dos Pares, elege a Camara dos Deputados. Os dois partidos não fazem senão um, pela acção dos chefes e até dos proprios partidarios. Foi a isto que nós fomos sacrificados!

O paiz nada se importa que governe Pedro, Paulo, Sancho ou Maitinho, mas o que o paiz não quer é ser governado por duas facções que monopolizaram o poder, sem a fiscalização dos seus actos! Os Ministros que saem sabem que todos os seus erros e a responsabilidade de todas as suas culpas hão de ser cobertas, porque os que se lhes succedem, de intelligencia concebida entre elles, teem todos os mesmos erros, e não podem ser accusadores, porque elles seriam tambem accusados. Este opportunismo egoista, immoral e comico chamemos-lhe o seu nome - é que é preciso que acabe.

E necessario que os homens politicos affirmem as suas ideias para o paiz effectivamente ver o que d'elles pode esperar. Mas o que não pode é continuar a contradição entre os seus actos e as suas palavras.

Nós precisamos estabelecer entre nós, ou procurar estabelecer gradual e successivamente, mas por uma forma effectiva e efficaz, as normas e principios de um verdadeiro systema representativo, em que as garantias individuaes sejam realmente um facto e uma razão de ser d'esse facto.

E não pareçam estranhas taes palavras na minha boca, porque, se não é occasião agora de me defender de qualquer aggressão politica que me seja feita, devo entretanto dizer que venho aqui não para tratar de mim, mas para tratar do paiz e do que se me afigura serem os seus interesses.

Para dignidade do Parlamento e para dignidade do paiz é necessario sair do caminho seguido nos ultimos tempos.

Costuma dizer-se que para uma obra nova é preciso gente nova e sem responsabilidades; mas com verdade e serenidade devo dizer que o paiz é pequeno e tem um pessoal politico limitado, sendo por isso a sua renovação lenta e difficil.

Nestes termos o dilemma está posto: ou continuaremos como vamos, e por não haver recursos a renovação não se fará, ou entramos num caminho de regeneração economica e politica, soccorrendo-nos da experiencia de elementos velhos.

Mas seja assim ou por outra forma, eu estou aqui a definir ideias do meu partido e a fazer a affirmação do que julgo necessario fazer-se a bem do paiz e das instituições, e não a pleitear interesses meus, porque, por minha parte - affirmo-o bem alto - reentro aqui sem resentimentos e sem despeites, do mesmo modo que reentro sem ambições doentias e irrequietas.

Nascido numa pequena aldeia, de uma modesta familia de proprietarios remediados, o meu amor proprio pode quedar-se satisfeito na situação a que cheguei, pela ajuda de Deus e graças ao meu esforço. Servir o meu paiz e servir a monarchia, que eu julgo ser a instituição que não só lhe convem, mas que é a unica que lhe pode garantir a sua independencia, é ser fiel aos principios do meu partido.

Taes são as unicas preoccupações do meu espirito ao consentir em vir aqui nas condições em que ao Governo aprouve permittir-me essa vinda, na sua distribuição eleitoral, e de harmonia com esses principios, e de harmonia com as palavras que acabo de proferir, se eu aqui não me considerasse um intruso e pudesse exercer sobre a camara qualquer suggestão, eu teria a honra de lhe propor, rompendo com antigas tradições e entrando num caminho de innovação séria e não perigosa, que a resposta ao discurso da Coroa, ao discurso do Governo, que elle pôs na boca do Chefe do Estado, fosse respeitosa e acatadamente por esta forma, simples e breve, definida: Senhor, precisamos de um Portugal novo, moral e politicamente.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Antonio Cabral: - Disse o illustre Deputado Sr. João Franco que era necessario reformar os preceitos politicos, que era necessario proceder de forma que o Governo que presidisse aos destinos da nação merecesse absoluta confiança ao paiz e que todo o paiz o seguisse confiando na sua integridade moral e politica.

Não pode elle, orador, suppor que alguem creia na sinceridade politica com que o Sr. João Franco acaba de falar.

Pois é S. Exa. que quer processos novos, quando ainda ha poucas semanas seguiu processos velhos?

Pois é S. Exa. que agora vem accusar o Governo quando antes e ainda na propria semana em que as eleições se effectuaram não tinha tido uma palavra de censura que lhe dirigir?

Pode porventura o paiz que ouve, que vê, o paiz que attende a tudo, acreditar em taes palavras d'estes Messias de fresca data que querem salvar da ruina uma nação, mas que concorreram sempre e em tudo para essa ruina?

O Sr. João Franco começou no principio do seu discurso por dizer que o Governo actual no principio tinha praticado actos que discordaram em muito dos que tinham sido praticados pelo Governo anterior.

Ainda bem que S. Exa. reconhece essa verdade. A differença entre os actos do actual Governo e os do transacto não podem ter uma sombra de comparação. Todos se recordam ainda d'essa orgia desenfreada que durou quatro longos annos e á qual se associou o illustre chefe do partido liberal no primeiro anno d'essa orgia, epoca em que elle, orador, tambem foi expulso do Parlamento, visto ter-lhe sido roubada a eleição.

Não venhamos para o Parlamento Portuguez com hypocrisias.

Elle, orador, não é nem nunca foi para, permitta-lhe a Camara o termo, manigancias, que repugnam ao seu caracter.

Faz justiça ao caracter do Sr. João Franco, mas e necessario que S. Exa. não venha para o Parlamento apregoar promessas novas; elle, o paladino dos velhos, dos antigos processos.

Quem é que vem pregar a nova lei? Quem vem ao seio do Parlamento dizer que os processos actuaes são os antigos, que é preciso reformá-los com processos novos?

É elle o Sr. João Franco, que ha pouco deixou um partido que seguia estes velhos processos.

Então é o Sr. João Franco que quer reformar os velhos processos, que appella para o Rei e para o paiz, querendo-o illudir, como se o paiz não soubesse que o Governo era o mesmo antes e depois das eleições, e que o Sr. João Franco era o mesmo antes e depois das eleições?

Elle, orador, vê no illustre chefe do partido regenevador-liberal um velho seguidor do partido que sempre com-

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bateu desde os quatorze annos de idade. Talvez a camara se admire d'elle, orador, tão novo já militar na politica, mas é facto, pois que nunca teve outro vicio.

Desde então combateu sempre o partido regenerador, de que S. Exa. fez parte durante tantos annos. Vê portanto em S. Exa. um ramo d'esse velho tronco.

Ainda se lembra das questões que tivemos com a Italia e com o Brasil, fazendo então parte do Governo o Sr. João Franco. Ainda se lembra das lagrimas de sangue que o paiz chorou quando viu perder-se a bahia de Kionga. Vê no Sr. João Franco e no Sr. Hintze Ribeiro dois inimigos que elle, orador, combate com a maxima rudeza e que lastima não poder derrubar de vez, porque são dois politicos perniciosos para o paiz.

Não deseja fatigar a attenção da Camara, não quer alongar-se em considerações politicas, deseja apenas repellir as aggressões feitas a um Governo que tem no seu passado aquillo que o paiz não desconhece.

Não mantenha o Sr. João Franco illusões. Se um dia, que Deus afaste para bem longo, subir aos Conselhos da Coroa, não julgue que tem a seu lado a opinião do paiz; não julgue S. Exa. que depois de ter andado em peregrinação como andou, que, por esse motivo, o paiz está a seu lado.

Se o paiz estivesse a seu lado, ha muito tempo o teria guindado aos Conselhos da Coroa.

Disse o Sr. João Franco que o Discurso da Coroa é digno dos seus antecessores, annunciando convenios commerciaes, que ninguem fez, e promettendo reformas de instrucção secundaria sem que, inclusivamente, o respectivo Ministro saiba que, para isso, precisa de uma autorização. Ora seria para desejar que S. Exa., antes de fazer taes affirmações, esperasse que o Governo trouxesse ao Parlamento os convenios ou qualquer outro diploma legislativo, para então fazer as suas censuras, se porventura tivessem cabimento, e não censurasse já o Governo, por ter incluido na Fala do Throno a promessa de apresentar ao Parlamento certos e determinados diplomas. O Governo fez apenss o que todos os seus antecessores teem feito: indicar na Fala do Throno qual o seu programma.

Confessou o illustre Deputado que havia melhoria da situação financeira. Ainda bem que já se pode registar, no activo do Governo, essa confissão de S. Exa. porque, decerto, não vae S. Exa. attribuir essa melhoria ao Governo transacto.

A seguir, disse S. Exa. que o actual Governo saiu de um partido que tinha ligações com o Governo anterior, mas que, apesar d'isso, tinha as sympathias do paiz. Ora o Governo não só tinha as sympathias do paiz, como ainda as tem, porque se não desviou ainda, um apice, da sua linha de conducta, recta e legitima, indicada no seu programma, lido pelo Sr. Ministro do Reino no dia em que se apresentou perante o Parlamento.

Fez o illustre Deputado o Sr. João Franco, noutro ponto do seu discurso, grande cavallo de batalha, por não ter o Governo apresentado ao Parlamento uma reforma da lei eleitoral, e, sobre isso, desentranhou-se em periodos eloquentes, sim, mas absolutamente destituidos de razão.

Ora é preciso notar que o Governo, até hoje, tem se occupado unica e simplesmente das questões mais importantes.

Subindo ao poder, encontrou os cofres publicos desbaratados, o Thesouro absolutamente exhausto, uma longa legião de commissarios regios que o Sr. Eduardo José Coelho trucidou com grande pesar d'elles; encontrou mais, a desordem na administração publica; na pasta da Guerra uma quantidade de medidas que elle, orador, combateu energicamente no Parlamento; na Marinha nada encontrou feito; na pasta das Obras Publicas a mesma inopia de medidas; na pasta da Justiça, o Governo só encontrou transferencias e nada que represente uma medida justa e alevantada; nada, emfim, d'aquillo que o paiz esperava.

Na pasta da Fazenda a mesma coisa. Pois se estava lá o Sr. Pequito, que esperava o paiz obter de S. Exa. que é, aliás, uma excellente pessoa, mas que na gerencia d'aquella pasta nada absolutamente fez?

Vê, pois, o Sr. João Franco que o Governo teve de occupar-se das questões mais vitaes e importantes, não podendo, portanto, preteri-las, para só tratar da questão eleitoral.

O Governo não declina nem desiste da sua iniciativa. O seu primeiro dever é a nossa reorganização financeira, a promulgação de medidas energicas e precisas que terminem com a desordem e desorganização nos serviços, deixada pelo Governo anterior.

Quem ouvisse o illustre Deputado poderia suppor que o paiz não reclama medidas financeiras nem actos que possam desenvolver a nossa agricultura, a industria e o commercio, e que só pede a altos brados a reforma eleitoral. Mas não. O paiz não quer reformas politicas; por emquanto só reclama, e quanto antes, reformas financeiras e economicas.

Disse S. Exa. que os membros da Camara estavam nella por vontade do Governo. Contra tal afirmação protesta elle, orador, em seu nome, porque não está nesta Camara por vontade do Governo, assim como não se pode negar que grande numero de Deputados, que na Camara se encontram, foram eleitos pela vontade livre e espontanea dos seus eleitores.

Mas, se todos os membros da camara nella estão pela vontade do Governo, se o Sr. João Franco não faz excepção de si proprio, como é que S. Exa. se prestou tambem a essa comedia? Como é que S. Exa. vem confessar ao Parlamento que é tudo uma farça, que foi o Governo quem trouxe á camara os representantes da nação, e S. Exa. se prestou a collaborar nessa comedia, vindo ser-vir de comparsa? !

É necessario, primeiro do que tudo, ser-se coherente; e força é confessar que, em todo o seu discurso, S. Exa. foi incoherente do principio ao fim, como incoherente tem sido em todos os actos politicos que tem praticado.

Não tem o orador o proposito de defender a lei eleitoral do Sr. Hintze Ribeiro, a qual não é, ipso facto, da responsabilidade do seu partido, nem o seu illustre chefe prestaria o seu nome e a sua assignatura de velho liberal a um documento d'essa ordem. O Sr. Presidente do Conselho, em toda a sua vida publica, tem dado sobejas provas de que detesta tudo quanto seja attentados á liberdade; e ainda agora, perante essa campanha infame e violenta que contra S. Exa. tem sido desenrolada, por alguns orgãos da imprensa, S. Exa. não praticou, nem consentiu que se praticasse qualquer acto, não de violencia, mas de legalidade, de ordem, de procedimento contra essa imprensa.

É, portanto, elle, orador, o primeiro a protestar contra as palavras do Sr. João Franco.

Como disse, a lei eleitoral não é da responsabilidade do seu partido e portanto não tem que defendê-la. Mas quem vem censurar essa lei? E o Sr. João Franco, autor da lei eleitoral de 1895, que deu de si aquelle monstrozinho chamado Solar dos Barrigas! É S. Exa., que fez essa lei, em virtude da qual nem havia representação das minorias, quem vem hoje censurá-la, sem se lembrar de que por aquella injustificavel e iniqua lei. S. Exa. expulsou do Parlamento homens de vulto, politicos de valor!

Isto é de hontem; pertence á historia e está na memoria de todos, porque todos se recordam da vida politica do Sr. João Franco.

Quem reformou aquella lei foi um Gabinete saído do partido progressista, presidido pelo Sr. José Luciano de Castro, que publicou a lei de 1899 revogando a de 1895, que criara o Solar dos Barrigas, de triste e comica memo-

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ria. Portanto, quem tem no seu passado a lei de 1895 não pode censurar a lei de agora.

Disse tambem o Sr. João Franco ter sido proscripto du Parlamento pela lei eleitoral do Sr. Hintze Ribeiro e, a proposito, observou que tem havido no paiz duas proscripções: a de S. Exa. e a de D. Miguel.

Estão muito bem ao lado um do outro, porque tambem nunca ninguem attentou contra a liberdade, e contra o Parlamento com a violencia com que S. Exa. o fez.

Era, portanto, justo que soffresse tambem a proscripção.

Não entrará elle, orador, na apreciação da parte do discurso do Sr. João Franco em que se referiu ás desavenças havidas entre S. Exa. e o partido regenerador. Quer seguir, nesse ponto, o exemplo dado ha dias, nesta Camara, pelo Sr. Luciano Monteiro, quando, a proposito de uma pequena escaramuça parlamentar, declarou seguir o proloquio que diz: "Entre marido e mulher não metas a colher".

Não discutirá pois as desavenças havidas entre os regeneradores liberaes e os regeneradores sem serem liberaes; não pode, porém, deixar passar sem reparo o que S. Exa. disse, a proposito dos deputados republicanos.

Fez S. Exa. a apologia d'esses parlamentares, dizendo não ter medo que elles viessem á Camara; mas é para notar que o homem que passou á historia politica com o nome de João Ferreira Franco Castello Branco não tinha tanto amor, tantas blandicias e afagos para com os candidatos republicanos; porque então S. Exa. fez, contra os republicanos, aquella celebre lei de 1895, que nem representação dava ás minorias, dizendo nessa occasião a sua imprensa, que não mais entrariam no Parlamento Deputados d'aquelle partido, porque do contrario o Governo seria um Governo de traidores.

Disse mais o Sr. João Franco que é necessario combater lealmente os republicanos. Perfeitamente de accordo. Elle, orador, é contra todos os ataques desleaes, quer sejam feitos no Governo, por leis iniquas, como a de 1895, quer sejam feitos para expulsar do Parlamento Deputados independentes. Detesta essas violencias e, portanto, não pode applaudi-las. Por isso mesmo, reconhece que se deve combater, na urna, os candidatos republicanos, mas lealmente, e não por leis traiçoeiras e por portas falsas.

Referiu-se ainda o Sr. João Franco á lei de responsabilidade ministerial, que já hoje foi apresentada. Era, ou não era, essa lei reclamada pela opinião publica? Tanto o era, que até faz parte do programma do partido regenerador-liberal.

Era-o, como o era tambem a reforma da contabilidade publica; e, portanto, muito bem fez o Governo dizendo no Discurso da Coroa que uma das medidas que apresentaria era essa.

Disse, tambem S. Exa. que, fossem quaes fossem as reformas, não se evitaria que o Thesouro fosse espoliado. Mas conhece, porventura, S. Exa., antes de ella ser presente ao Parlamento, a reforma da contabilidade publica, para fazer tal affirmação? ,Não; e de resto, se não é reformando o que existe, como se ha de então evitar a continuação de todos os erros praticados?

Semelhantemente á forma por que o Sr. João Franco terminou, elle, orador, vae tambem terminar, dizendo que os actos do Governo, até hoje, não desmentem em nada o programma por elle apresentado ao Parlamento. Não podem desmentir, desde que a elle preside o illustre chefe do partido progressista, cujas melhoras todos desejam, e desde que fazem parte d'elle Ministros tão distinctos como os que actualmente occupam as cadeiras do poder.

Esse Governo, cujos actos tão applaudidos foram pela imprensa do partido regenerador liberal até á semana das eleições, esse Governo não ha de desmentir no futuro os actos que até aqui tem praticado.

O paiz tem no presente momento, á frente da sua administração, um Governo que tem sido economico nos seus actos, parco nas suas despesas, moderado para com as liberdades publicas, respeitando-as sempre e fazendo eleições livres. A prova d'isso está na propria eleição de Azambuja, a que se referiu o Sr. João Franco, e a proposito da qual os dignos juizes do Tribunal de Verificação de Poderes declararam num accordão não haver motivo para ser annullada.

Um Governo, portanto, que tem, no seu passado, o passado dos actuaes Ministros, e que tem seguido paripassu o seu programma, merece, não só o applauso de toda a Camara, mas o applauso sincero e dedicado de todo o paiz.

(O discurso será publicado na integra guando o orador restituir as notas tadiygraphicas).

O Sr. Pereira dos Santos: - Sr. Presidente: a attitude da minoria regeneradora relativamente ao diploma sujeito ao debate está já accentuada e declarada: nós votamos o projecto de resposta do Discurso da Coroa. Não é esta uma simples deliberação minha pessoal, é uma deliberação partidaria e nada ha que possa afastar a opposição d'esse caminho. (Muitos apoiados da esquerda).

Não pude, porém, deixar de pedir a palavra, quando ouvi algumas considerações do meu amigo pessoal Sr. João Franco, mas não para vir no Parlamento manifestar qualquer animadversão por S. Exa.

Não ha talvez ninguem que tenha mais pesar pela attitude que o illustre Deputado tomou do que eu. Durante largo tempo fui dirigido por S. Exa., sendo leader da opposição e quem me dera que ainda nesta occasião a minha situação fosse identica áquella em que então estava!

Hoje, que nas pugnas parlamentares estamos infelizmente separados, na situação que occupo devido á benevolencia dos meus collegas, não me animam, repito, quaesquer hostilidades contra o illustre Deputado.

Nas pugnas parlamentares ha similes com a nossa historia. Quantas vezes em terras portuguesas nós combatemos contra os castelhanos, e em outras occasiões portuguezes e castelhanos combateram ao lado uns dos outros contra inimigos communs, como nos campos do Salado, em que portuguezes e castelhanos, portegidos pelo pendão de Castella e commandadcs por D. Affonso IV, ficaram victoriosos contra os mouros!

No momento presente, porém, sendo o inimigo commum - o Governo - se a attitude de S. Exa. é, como se viu pelo seu discurso, hostil ao Governo, eu associo-me a S. Exa., porque o ponto principal, essencial, como Deputado da minoria, é no cumprimento do meu dever combater o Governo. (Apoiados da esquerda).

S. Exa. comprehende bem que seria de má tactica politica, e estou certo que S. Exa. me dá razão, estarem differentes grupos de opposição digladiando-se, desde que todos teem o mesmo inimigo a combater.

O ponto principal do discurso do illustre Deputado Sr. João Franco, a que eu não posso deixar do me referir, é aquelle em que S. Exa. alludiu á lei eleitoral.

S. Exa. disse que havia sido feita uma lei eleitoral exclusivamente para o afastar do Parlamento.

(Interrupção do Sr. João Franco, que não foi ouvida).

O Orador: - Ainda bem; porque nós só teriamos agora a vangloriar-nos, visto como o illustre Deputado militou no partido regenerador durante 16 annos, compartilhando comnosco nas mesmas responsabilidades.

Depois d'isto se S. Exa. se inspirou em outras ideias e principios, constituindo um partido novo com elementos...

(Interrupção do Sr. João Franco, que não foi ouvida).

Mas, Sr. Presidente, de nenhum modo eu posso concordar com o illustre Deputado sobre este ponto, pois sempre foi minha opinião que aquella lei não foi, como S. Exa. disse, feita exclusivamente para o afastar do Parlamento, ou aos seus amigos politicos.

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Censurou tambem o illustre Deputado o Governo por não se apresentar ou recommendar um projecto de reforma eleitoral.

Mas então o illustre Deputado não o pode apresentar?

O que me parece é que o programma do illustre Deputado já está em contradição com o que hoje veio apresentar! (Muitos apoiados da esquerda).

Tenho dito.

Vozes: -Muito bem. (O orador não reviu)

O Sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e meia da tarde.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Propostas de lei apresentadas pelos Exmos. Srs. Ministros da Justiça e da Guerra

Proposta de lei n.° 6-A

Senhores. - Venho apresentar-vos uma proposta de lei sobre responsabilidade ministerial, submettendo-a ao vosso illustrado e judicioso criterio.

A carta constitucional, que tem a data de 29 de abril de 1826, depois de estatuir no artigo 103.° os casos de responsabilidade ministerial, estabeleceu no artigo 104.° que uma lei particular especificasse a natureza dos respectivos delictos e a maneira de proceder contra elles. Quer dizer, a efectivação da responsabilidade dos ministros ficava dependente de uma lei especial. E, apezar de terem decorrido já setenta e oito annos, de as constituições politicas se terem succedido umas ás outras, de ter havido diversas reformas da carta constitucional, e de muito e tanto se haver legislado neste paiz, aquella lei particular não existe, ainda!

Varias tentativas se fizeram já para satisfazer essa necessidade da administração e da justiça por meio de propostas ou projectos de lei apresentados ao parlamento, sendo do meu conhecimento o de Teixeira Leomil em 1827, o de Machado de Abreu em 1828, o do duque de Palmella em 1834, o de Felix Pereira de Magalhães em 1848, o de Adriano Machado em 1880 e o do Sr. Antonio de Azevedo Castello Branco em 1893, assim como os projectos de lei elaborados nestes dois ultimos annos pela commissão de legislação criminal da camara dos senhores deputados, sobre as respectivas propostas de lei.

Foram, porem, frustradas todas essas tentativas, sendo a de Adriano Machado a que teve fortuna menos adversa, pois que a sua alludida proposta de lei chegou a ser discutida o approvada na camara da senhores deputados no anno de 1880 e a transitar para a camara dos dignos pares do reino, onde não teve seguimento no anno de 1881 por motivos, que não quero relembrar neste momento.

Venho tambem ao parlamento com a presente proposta de lei, em muitos pontos concorde com as propostas e projectos anteriores, e noutros pontos divergente d'esses trabalhos, aliás ponderosos.

O meu esforço é tão sincero como o de quem se propõe firmemente a cumprir um dever e a bem servir o seu paiz. É tão leal e tão honesto como o d'aquelles illustres homens publicos, que me precederam em tentativas iguaes. Desejo, todavia, ser mais feliz do que elles nos resultados finaes, conseguindo a promulgação de uma lei destinada a servir de garantia aos direitos individuaes, e ás liberdades publicas, aos interesses do rei e á justiça do paiz contra ministros, que lhe arruinem o patrimonio e a fazenda, e lhe posterguem as leis, que deveram ser religiosamente acatadas por governantes e governados, por todos e em tudo.

São estes tambem os votos da nação, tantas vezes expressados no parlamento, na imprensa, em reuniões publicas, por todos os meios emfim por que pode manifestar-se a vontade popular.

Sem querer expor aqui os motivos de todos os artigos da proposta de lei, devo referir-me todavia ás suas principaes disposições.

Em uma lei de responsabilidade ministerial ha tres problemas distinctos a resolver. Quaes são os factos que determinam a responsabilidade? Qual o tribunal julgador? Qual o accusador legitimo? A resposta a estas perguntas conter-se-ha nas considerações seguintes:

Tratemos, em primeiro logar, dos casos da responsabilidade ministerial.

a) A proposta estabelece no artigo 1.° a responsabilidade dos ministros pelos actos do poder executivo e do poder moderador, e tambem pelas omissões voluntarias de actos que deviam ser praticados por elles em observancia da lei. São os principios da escola liberal, e é tambem o nosso direito publico, escrito na carta em parte, e noutra parte nos actos addicionaes de 24 de julho de 1885 e de 3 de abril de 1896.

b) Provê-se depois no artigo 2.° acêrca da responsabilidade emergente da solidariedade ministerial, que naturalmente resalta da unidade e homogeneidade que deve existir no pensamento e na acção governativos. A solidariedade ministerial é um principio admittido pela generalidade dos publicistas, e entre nós é como que um dogma para todas as agremiações partidarias.

c) Emquanto aos casos de responsabilidde por crimes commettidos pelos ministros no exercicio das suas funcções, a proposta limita-os no artigo 5.° aos fixados no artigo 103.° da carta, com o proposito manifesto de que em tal assumpto nada ficasse de indeterminado.

Por isso não apparece nella uma disposição igual á que se continha no artigo 11.° da alludida proposta de lei de 1880, em que se considerava como abuso do poder qualquer acto ou omissão, ainda que não especificados nas leis, de que resultasse prejuizo importante ao estado ou aos particulares.

Na verdade parece que, não sendo dado á previsão humana singularizar na sua variedade infinita todos os factos e todas as omissões dos ministros com relação ao mau uso do poder enormemente expansivo em que estão investidos, deve ser por isso discricionaria a jurisdicção para a classificação dos delictos ministeriaes.

Isto, porem, é, pelo menos, caso para hesitar, porque sempre se afigurará perigoso arvorar o arbitrio em lei sobre negocio de tantos melindres e de tamanha gravidade. Definam-se os crimes, como bem parecer. E dentro do artigo 103.° da carta cabe um codigo penal inteiro. Mas deixar o vago, o indeterminado, o indefinido, a incertesa em tal assumpto, é esquecer a velha regra, que tem por melhor lei a que menos arbitrio conceder aos juizes; é uma ameaça permanente, que só não será enervadora para as energias ousadas e indomitas, que nada deixam de fazer, porque nada temem, nem a Deus no ceu, nem a Justiça na terra; é recusar ao ministro a garantia que o artigo 1.° do codigo penal concede até ao maltrapilho.

d) Na definição dos crimes, como ella é feita nos artigos 10.° a 15.° da proposta em obediencia ao estatuido no artigo 104.° da carta, merecem especial attenção o § unico, n.° 1.º, do artigo 10.°, que declara réus de traição, sujeitos

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á pena do artigo 170.° do codigo penal, os ministros que decretarem a reforma da constituição sem o concurso do Parlamento, ou que, sem motivo justificado ou por mais tempo do que o necessario suspenderem a mesma constituição, no todo ou em parte, fora dos casos previstos no artigo 145.°, §§ 33.º e 34.° da carta; - o § unico do artigo 12.°, segundo o qual incorrerão na respectiva penalidade do artigo 301.° do codigo penal os ministros que, fora dos casos previstos na constituição, promulgarem decretos, regulamentos e instrucções, com usurpação de funcções legislativas, ou com excesso da respectiva autorização legal; - e o n.° 3.° do artigo 13.°, onde se diz que não é punivel a inobservancia dos decretos, regulamentos e instrucções, a que se refere o § unico do artigo 12.°, nem a inobservancia de quaesquer leis ou decretos contrarios á constituição.

Evidentemente estas disposições da proposta podem levar á exauctoração de taes providencias abusivas do poder executivo e do poder legislativo, de modo que nem os cidadãos as respeitem, nem os tribunaes as cumpram. Sem duvida alguma.

E ainda bem. Legislar e decretar sem competencia legal é a violação dos principios fundamentaes do regimen, e mais ainda um mau exemplo. E os maus exemplos são tanto mais corrosivos quanto de mais alto veem. Cumprir e fazer cumprir as leis é a nossa maior necessidade publica; e não tem auctoridade moral para exigir o cumprimento dos deveres alheios quem os proprios posterga.

São decretos illegaes os promulgados fora dos termos dos artigos 75.° e 145.°, § 34.° da carta e dos §§ 1.° e 2.° do artigo 15.° do acto addicional de 5 de julho de 1852, ou seja com excesso e abuso do poder executivo. Devem considerar-se tambem illegaes as leis que são contrarias ás disposições constitucionaes, como as define o artigo 144.° da carta. Ora decretos illegaes e leis illegaes ninguem as deve respeitar, não se cumprem. E só pode orientar-se noutro norte e seguir diverso rumo quem quizer viver e governar contra a legalidade.

e) A proposito da disposição contida em o § unico n.° 3.º do artigo 10.° da proposta, que declara reu de traição o ministro que ceder ou tentar ceder a uma potencia estrangeira alguma parte da soberania ou do poder politico em territorio português, e acêrca do preceituado em o n.° 3. do artigo 15.° que declara responsaveis por dissipação dos bens publicos os ministros que, sem autorização legal, celebrarem contratos lesivos para o estado, pode discutir-se se approvado pelo parlamento o acto praticado pelo ministro deve cessar a applicação de taes disposições.

Ha de, todavia, parecer que o ministro só com o facto de praticar aquelles actos, embora dependentes da approvação das côrtes nos seus effeitos, pode comprometter gravemente os interesses da nação, devendo por isso soffrer um castigo correspondente á sua culpa. E quantas vezes os votos dados pelos membros do parlamento a taes actos significam menos annuencia consciente e livre do que a dura necessidade de assim proceder para evitar maiores males ao paiz!

f) A disposição do § 1.° do artigo 5.° da proposta vem do artigo 5.° do projecto de lei da commissão de legislação criminal de 19 de março de 1880. Tem já a consagração parlamentar.

Só por crimes graves, a que correspondam as penas maiores decretadas nos artigos 55.° e 57.° do codigo penal deve haver julgamento dos ministros.

A accusação dos ministros representa sempre diminuição da sua auctoridade moral, maior ou menor desprestigio e enfraquecimento do poder. E hoje, como no anno de 1880, pode dizer-se que por insignificantes transgressões dos deveres do cargo não deve haver a accusação dos ministros, a fim de não se desauctorar esse processo formidavel, que só prudente será reservar para as grandes violações das leis e dos interesses publicos.

E alem d'isso deve-se reconhecer que o accordão, de que falla o artigo 21.º da proposta, declarando que existe o crime, não devendo, porem, responder por elle o ministro por ser de pouca importancia o mesmo crime, é já por si como que uma condemnação para todos os effeitos sociaes menos o do mal material da pena.

g) E para terminar o presente capitulo d'este modesto relatorio cumpre advertir que o artigo 4.°, § 3.°, da proposta consigna o principio absoluto de que a responsabilidade civil pode ser exigida sempre ao ministro, quer o facto seja quer não seja criminoso, ou haja ou não haja processo penal e esteja ou não esteja verificado nelle o facto criminoso, devesse ou não devesse intervir a acção publica, ou fosse ou não fosse absolvido o accusado; isto é, independentemente da responsabilidade criminal.

E, na verdade, a indemnização civil provem da lesão em si, e é cousa bem diversa da responsabilidade criminal, embora ambas tenham a mesma origem e promanem do mesmo facto.

Qual deve ser o tribunal julgador dos crimes dos Ministros?

A proposta afasta-se por completo dos preceitos contidos nos artigos 37.° e 41.° § 1.° da Carta Constitucional, por se entender que isso satisfazia os votos publicos, e sobretudo porque era justo.

Entregar aos tribunaes criminaes ordinarios, em todos os casos, o julgamento dos crimes communs dos ministros é uma reivindicação liberal de alta valia. E não corresponderá menos a uma forte corrente de opinião a reforma, que tira á camara dos deputados a faculdade de decretar ou não a accusação dos ministros por crimes commettidos no exercicio das suas funcções, ou seja por crimes ministeriaes, e á camara dos pares a faculdade de os julgar.

Ainda que o pariato fosse somente a consagração social das reputações formadas na suprema direcção dos negocios do estado, nas luctas da tribuna, nas pugnas da imprensa, nos labores da sciencia, na funcção da judicatura, na pratica da administração, no apostolado do ensino, no exercicio do commando, e finalmente em quaesquer serviços publicos relevantes; nem por isso se devia esquecer que a camara dos pares é um corpo essencialmente politico, vacillando nessa qualidade entre as encontradas correntes da direcção das cousas publicas, e sempre sujeito por indole propria ao influxo das paixões partidarias, que muitas vezes são a negação do direito.

Mais fundadamente ainda pode dizer-se isso da camara dos deputados, onde as paixões politicas costumam ser mais vivas e actuar com maior intensidade.

E nestas condições é pelo menos imprudente confiar ás ditas corporações a funcção da justiça, que nem sempre ficará immaculada ao lado dos interesses partidarios.

Demais: aquella competencia privilegiada é contraria á indole e independencia dos poderes politicos, que é preciso manter acima de tudo, como suprema garantia de ordem e primeira salvaguarda dos direitos individuaes e das liberdades civicas. A missão do poder legislativo é fazer e interpretar as leis; julgar pertence ao poder judicial. Ora, depois de a sociedade estabelecer assim a divisão dos poderes, deve ella ser mantida e não se autorizar de modo algum a confusão dos mesmos poderes, contra que a mesma sociedade tanto quiz precaver-se.

A proposta entrega o julgamento dos crimes propriamente ministeriaes a um Tribunal especial, como elle é constituido no artigo 16.°, com o presidente e mais dois juizes do supremo tribunal de justiça, dois juizes da relação de Lisboa, dois juizes da relação do Porto, o presidente do supremo tribunal administrativo, o presidente do tribunal de contas, o presidente do supremo conselho de justiça militar, o mais antigo conselheiro de estado, o presidente

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da camara dos pares do reino e o presidente da camara dos deputados.

Se um tribunal assim organizado, fora de todas as prevenções politicas, com os mais altos representantes da justiça administrativa, fiscal e militar, e onde avulta o numero dos representantes da alta magistratura judicial, não desse a todos, a todos sem excepção de ninguem, seguras garantias de boa e firme administração da justiça, é que ellas não podiam ser encontradas na sociedade portuguesa.

Se um tal tribunal se deixasse influir por considerações estranhas ao austero cumprimento do seu dever, pondo-se á mercê de qualquer paixão ou de qualquer interesse, e convertendo-se em capa de malfeitorias em logar de ser a egide do direito, a justiça seria então, n'este paiz, apenas uma palavra vã.

Que ninguem leve, porem, tão longe os exageros do pessimismo. É preciso ter fé. Nem devemos esquecer-nos de que é sempre mais ou menos imperfeito tudo quanto é humano, e que até, na natureza physica, o sol tem manchas.

Quem é o accusador legitimo?

Emquanto aos crimes communs dos ministros nada havia especialmente a determinar. Desde que o seu julgamento era entregue ás justiças ordinarias e tudo entrava assim no direito commum, era na lei geral do processo que devia ir procurar-se a resposta áquella pergunta.

Com relação porem, aos crimes ministeriaes havia providencias a consignar, como o foram.

As pessoas offendidas e qualquer cidadão português no gozo dos seus direitos civis, e politicos podem participar ao presidente do Tribunal especial qualquer facto criminoso dos ministros de estado. E o direito commum. Mas que o participante, que não é offendido, requeira qualquer diligencia durante o processo preparatorio ou de accusasação, não deve ser, pois que o contrario importaria a adopção da acção popular, que em materia crime deve justamente ser considerada odiosa.

Durante a formação do processo preparatorio só podem requerer nelle a parte offendida e o ministro arguido, e mais ninguem; e á respectiva commissão instructora, composta de cinco membros do Tribunal especial e da qual falla o § 2.° do artigo 16.° da proposta, é que cumpre proceder sobre o caso participado, como for necessario para a averiguação do facto e da sua imputação, devendo a mesma commissão concluir por um accordão fundamentado, em que declare ou que não ha crime, ou que o ministro deve ser accusado e responder por um determinado delicto, ou que embora haja crime não tem o ministro de responder por não competir ao mesmo crime alguma das penas mencionadas nos artigos 55.° e 57.° do codigo penal.

Quer dizer, para o ministro responder criminalmente não basta que haja a participação de qualquer pessoa, é indispensavel que se proceda ao respectivo processo preparatorio e que haja a previa pronuncia lançada pela referida commissão instructora. Se assim não fosse, o ministro de estado teria menos garantias do que outro qualquer individuo; o que não deve ser.

Depois da pronuncia ha o processo accusatorio e o julgamento; e para então estatue a proposta que alem da accusação voluntaria da parte offendida, a qual é de direito divino e humano, haja a accusação obrigatoria do ministerio publico, que é sempre o representante do estado perante os tribunaes criminaes na punição dos delictos. A acção publica é neste caso desempenhada pelo procurador geral da corôa e fazenda, que é o mais alto representante d'aquella instituição.

Nem o participante nem outra qualquer pessoa podem accusar para não se converter o direito de accusação em instrumento de perseguição politica e de politica odiosa.

Nem da subordinação hierarchica do ministerio publico ao governo ha que receiar, porque acima de todos está a lei, que ordena a accusação dos ministros pelo ministerio publico em conformidade da pronuncia lançada pela commissão instructora. O ministerio publico não pode assim enleiar-se em quaesquer hesitações, nem desvairar-se na opção do caminho a trilhar, pois só tem um dever a cumprir.

Senhores. Termino este relatorio, requerendo justiça para os meus propositos rectos e para a minha boa vontade devotada ao bem publico. E faço mais uma vez sinceros votos por que, dedicando a vossa attenção a este melindroso e importante assumpto, e melhorando a proposta que tenho a honra de vos apresentar, façaes uma boa lei de responsabilidade ministerial. Bem merecereis assim do paiz, da liberdade e da justiça.

Proposta de lei

CAPITULO I

Disposições geraes sobre a responsabilidade dos ministros de estado

Artigo 1.° Os ministros de estado são individualmente responsaveis pelos actos do poder executivo e do poder moderador, que assignaram ou referendaram, e pelas omissões voluntarias de actos que deviam ser praticados pelos ministros em observancia da lei.

Art. 2.° Os ministros são solidariamente responsaveis:

1.° Emquanto aos actos ou omissões que approvaram em conselho;

2.° Relativamente aos actos eu omissões contra que votaram no conselho, se não se exoneraram logo que as omissões se deram ou aquelles actos foram postos em execução.

3.° A respeito de omissões ou actos de qualquer ministro, não deliberados em conselho, desde que elles, tendo cabal conhecimento dos ditos actos e omissões, não fizeram annullar ou emendar aquelles, nem reparar estas, ou não se exoneraram.

Art. 3.° Os ministros são tambem responsaveis por actos ou omissões voluntarias de funccionarios seus subordinados, se, tendo cabal conhecimento d'aquelles e d'estas, deixarem subsistir os actos e não tomarem a respeito das omissões as devidas providencias.

Art. 4.° A responsabilidade dos ministros é politica, criminal e civil.

§ 1.° A responsabilidade politica verifica-se por meio de moções de censura ou desconfiança votadas no parlamento.

§ 2.° Torna-se effectiva a responsabilidade criminal pela imposição das penas correspondentes, aos respectivos delictos, nos termos prescritos nesta lei.

§ 3.° A responsabilidade civil regula-se pelas disposições do codigo civil; pode ser exigida independentemente de outra qualquer responsabilidade; e será julgada pelas justiças ordinarias.

Art. 5.° Os ministros só incorrerão em responsabilidade criminal por delictos commettidos no exercício das suas funcções, nos casos fixados no artigo 103.° da carta constitucional, como elles são especificados nesta lei, em observancia do artigo 104.° da mesma carta.

§ 1.° A accusação criminal dos ministros não poderá ser decretada quando a pena applicavel ao caso não for alguma das mencionadas nos artigos 55.° e 57.° do codigo penal.

§ 2.° Nos casos comprehendidos nesta lei, para os quaes não houver pena estabelecida nella ou no codigo Penal, será applicavel a pena que parecer mais apropria-

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da na ordem da gravidade das penas, observando-se sempre o que fica disposto no § 1.° d'este artigo.

Art. 6.° Quando a lei impuser a pena de demissão do cargo, será ella substituida pela suspensão temporaria dos direitos politicos.

Art. 7.° A responsabilidade criminal dos ministros prescreve passados dois annos, contados desde a sua exoneneração ou demissão, ou desde a pratica do ultimo acto judicial do processo.

Art. 8.° A responsabilidade civil dos ministros transmitte-se aos seus herdeiros e representantes, e prescreve nos termos do codigo civil.

CAPÍTULO II

Dos crimes commettidos pelos ministros no exercicio das suas funcções

Art. 9.° Os ministros de estado são responsaveis:

1.° Por traição;

2.° Por peita, suborno ou concussão;

3.° Por abuso de poder;

4.° Por falta de observancia das leis;

5.° Pelo que obrarem contra a liberdade, segurança ou propriedade dos cidadãos;

6.° Por qualquer dissipação dos bens publicos.

Art. 10.° É crime de traição qualquer dos actos que a lei qualifica de criminosos contra á segurança exterior ou interior do estado, ou contra os interesses do mesmo estado em relação a nações estrangeiras; e será punido com as respectivas penas estabelecidas na mesma lei.

§ unico. São igualmente reus de traição, ficando sujeitos á pena do artigo 170.° do codigo penal:

1.° Os ministros que decretarem a reforma da constituição sem o concurso do parlamento, ou que sem motivo justificado ou por mais tempo do que o necessario, suspenderem a mesma constituição no todo ou em parte, fora dos casos previstos § 34.° do artigo 145.° da carta constitucional;

2.° Os ministros que praticarem machinações ou tiverem intelligencias com alguem contra a independencia da nação ou integridade do seu territorio;

3.° Os ministros que cederem ou tentarem ceder a uma potencia estrangeira alguma parte da soberania ou do poder politico em territorio português.

Art. 11.° Os crimes de peita, suborno e concussão abrangem os que no codigo penal teem estas designações e os de peculato e corrupção, e serão punidos com as respectivas penas ahi estabelecidas para elles.

Art. 12.° O abuso do poder comprehende os crimes que o codigo penal qualifica de abusos de auctoridade, excesso de poder e illegal prolongamento de funcções publicas, e será punido com as respectivas penas estatuidas no mesmo codigo para os ditos crimes.

§ unico. Incorrerão na respectiva penalidade do artigo 301.º do codigo penal os ministros que, fora dos casos previstos na constituição, promulgarem decretos, regulamentos e instrucções, com usurpação de funcções legislativas, ou com excesso da respectiva auctorização legal.

Art. 13.° Os ministros são responsaveis pela falta de observancia da lei quando a não cumpram, ou ordenarem que não seja cumprida, ou impedirem que o seja, e quando a não façam observar pelos seus subordinados, tendo cabal conhecimento da omissão d'estes.

§ 1.° Se a falta de observancia da lei consistir na transgressão de uma lei penal em negocio do cargo do ministro, as penas applicaveis serão as que estiverem comminadas na mesma lei.

§ 2.° Se a inobservancia da lei importar prevaricação, será esta punida com a pena estabelecida na lei para este crime, se não lhe corresponder outra mais grave.

§ 3.° Não é punivel a inobservancia dos decretos, regulamentos e instrucções, a que se refere o § unico do artigo 12.° d'esta lei, nem a inobservancia de qualquer lei ou decreto contrarios á constituição.

Art. 14.° Pelo que praticarem contra a liberdade, segurança e propriedade dos cidadãos os ministros são responsaveis:

1.° Se, não estando suspensas as garantias estabelecidas no artigo 145.° da carta constitucional, as offenderam na pessoa ou na propriedade de um ou mais cidadãos.

2.° Se, estando suspensas as garantias, forem excedidos os limites da necessidade;

§ unico. Nos casos em que para os crimes contra a liberdade, segurança e propriedade dos cidadãos, estiverem estabelecidas penas na lei, serão estas applicadas aos ministros.

Art. 15.° Os ministros são responsaveis por dissipação dos bens publicos:

1.° Quando ordenarem despesas não autorizadas legalmente, ou maiores do que as autorizadas, ou sem se observarem as formalidades prescritas nas leis;

2.° Quando sem auctorisação legal ou com inobservancia dos preceitos legaes, com falta de concurso publico ou hasta publica segundo as circumstancias, celebrarem contratos ou fizerem concessões de que provenha offensa dos interesses nacionaes;

3.° Quando por falta de vigilancia, compativel com os deveres dos seus cargos, despenderem ou deixarem despender mais do que era necessario para se conseguir o fim da lei, que auctorisou a despesa; desencaminharem ou deixarem que se percam bens, valores ou rendimentos do estado, ou sejam desviados do seu destino legal; e favorecerem fraudes dos devedores do estado ou não obstarem aos prejuizos que d'ellas possam dimanar.

§ unico. Nos casos d'este artigo serão applicadas as penas dos crimes de furto, roubo, burla, abuso de confiança e damno, que mais apropriadas forem, attendendo-se ao valor do prejuizo causado.

CAPITULO III

Da competencia do tribunal julgador, processo preparatorio, accusação e julgamento

Art. 16.° Os ministros serão processados perante um Tribunal especial de julgamento dos ministros de estado.

§ 1.° Este Tribunal especial é composto de treze membros, que são o presidente e os dois juizes mais antigos do supremo tribunal de justiça em exercicio, os dois juizes mais antigos da relação de Lisboa em exercicio, os dois juizes mais antigos da relação do Porto em exercicio, o presidente do supremo tribunal administrativo, o presidente do tribunal de contas, o presidente do supremo conselho de justiça militar, o conselheiro de estado mais antigo, o presidente da camara dos pares do reino e o presidente da camara dos deputados.

§ 2.° Se algum membro do Tribunal especial exercer mais de uma das funcções, que dão ingresso neste, prevalecerá a funcção respectiva segundo a ordem da indicação d'ellas no § 1.° d'este artigo, considerando-se como impedido relativamente ás outras funcções.

§ 3.° Uma commissão de cinco membros do mesmo Tribunal especial, composta do presidente e mais juizes do supremo tribunal de justiça, do presidente do supremo tribunal administrativo e do presidente do tribunal de contas, terá tambem a seu cargo a formação do processo preparatorio.

§ 4.° O Tribunal especial e a commissão instructora do processo preparatorio serão presididos pelo presidente do supremo tribunal de justiça, servindo-lhes de secretario o director geral d'este supremo tribunal.

§ 5.° Os mesmos Tribunal especial e commissão teem toda a autoridade, jurisdicção e fé publica dos tribunaes de justiça.

Art. 17.° Tanto o Tribunal especial como a commissão

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22 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

instructora poderão funccionar com a maioria dos seus membros; mas as suas decisões sómente serão validas quando proferidas por sete votos conformes d'aquelle Tribunal e por tres votos conformes d'esta commissão.

Art. 18.° Ás pessoas directa e immediatameute offendidas, e a qualquer cidadão português no gozo dos seus direitos civis e politicos, é permittido participar qualquer facto criminoso dos ministros ao presidente do tribunal especial, sendo as assignaturas dos participantes reconhecidas por notario, e podendo os mesmos participantes juntar ás participações roes de testemunhas e documentos.

Art. 19.° Recebidas as participações, reunir-se-ha com a possivel brevidade a commissão para tratar do processo preparatorio, remettendo logo uma copia autentica das participações, documentos e roes de testemunhas ao ministro arguido, que no prazo de quinze dias allegará o que se lhe offerecer.

Art. 20.° Para a formação do processo preparatorio a commissão procederá officiosamente, ou a requerimento do ministro arguido, ou das pessoas offendidas, a todos os actos e diligencias indispensaveis para a averiguação do facto e da sua imputação, requisitando do governo ou de quaesquer auctoridades o que para isso for necessario.

Art. 21.° Ultimadas as diligencias e completo assim o processo preparatorio, a commissão proferirá nelle um accordão fundamentado, em que conclua ou pela não existencia do crime, ou pela accusação do ministro, se ao seu delicto corresponder alguma das penas mencionadns nos artigos 55.° e 57.° do codigo penal, ou pela declaração de que, embora esteja constatado algum determinado delicto, não ha logar á accusação do ministro, por não corresponder ao mesmo delicto nenhuma d'aquellas penas.

Art. 22.° O accordão, que concluir pela accusação, será equivalente á pronuncia, e terá os seguintes effeitos:

1.º A suspensão do exercicio de quaesquer funcções publicas e com innabilidade para ellas, até final sentença;

2.° A obrigação de responder perante o Tribunal especial de julgamento dos ministros de estado;

3.° A prisão preventiva do accusado, se o crime não admittir fiança nos termos da lei geral do processo.

§ 1.° Se o accusado for par do reino ou deputado, observar-se-ha ácerca, da sua prisão o que está determinado no artigo 5.° da lei de 24 de julho de 1885.

§ 2.° Effectuar-se-ha, porem, a prisão em todos os casos em que, segundo a lei geral, se reputa quebrada a fiança.

§ 3.° Ao ministro arguido será feita a intimação da pronuncia por qualquer dos outros ministros, e, se elle não for já ministro, essa intimação ser-lhe-ha feita pelo secretario do Tribunal especial.

Art. 23.° No processo de accusação e julgamento a acção publica será representada pelo procurador geral da coroa e fazenda, podendo accusar tambem as pessoas directa e immediatamente offendidas.

Art. 24.° O ministerio publico deduzirá o libello accusatorio, em harmonia com a pronuncia, no prazo de oito dias seguintes áquelle em que os autos lhe forem em vista, e dentro do mesmo prazo a parte offendida deduzirá tambem o seu libello, podendo aquelle e esta juntar documentos e roes de testemunhas.

Art. 25.° O ministro accusado apresentará a sua contestação tambem no prazo de oito dias seguintes áquelle em que lhe forem dadas copias dos libellos e documentos e roes de testemunhas com elles juntas, podendo o mesmo accusado juntar com a sua contestação rol de testemunhas e documentos.

Art. 26.° Inquiridas as testemunhas, que tenham de o ser por meio de carta de inquirição, será designado dia para julgamento, sendo avisados todos os membros do Tribunal especial, e intimando-se o ministerio publico, a parte offendida, o accusado e as testemunhas que hajam de depor oralmente.

Art. 27.° O accusado nomeará até tres defensores, aos quaes não se exigirá qualquer habilitação profissional e sómente a qualidade de cidadão portuguez.

Art. 28.º O julgamento será publico e verbal.

Art. 29.° Ao presidente do Tribunal especial e da commissão instructora do processo preparatorio cumpre ordenar os termos regulares e prover acerca do expediente do processo.

Art. 30.° Nos casos para que esta lei não providenciar, proceder-se-ha em harmonia com as disposições da lei geral do processo, que sejam applicaveis.

CAPITULO IV

Da responsabilidade dos ministros por crimes communs

Art. 31.º Os ministros de estado responderão perante os tribunaes criminaes ordinarios por quaesquer crimes communs.

Art. 32.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, em 1 de maio de 1905. = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.

Foi enviada á commissâo de legislação criminal.

Proposta de lei n.º 6-B

Artigo 1.° O contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal é fixado no anno de 1905 em 16:900 recrutas, sendo 15:150 destinados no serviço activo do exercito, 850 á armada, 500 ás guardas municipaes e 400 á guarda fiscal.

Art. 2.° O contingente de 500 recrutas destinados ao serviço das guardas municipaes será previamente encorporado no exercito, sendo as praças que se acharem nas condições exigidas para áquelle serviço transferidas para as mencionadas guardas até o numero necessario para o preenchimento do referido contingente, preferindo-se as que voluntariamente se offerecerem.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, em 1 de maio de 1905. = Eduardo José Coelho = Sebastião Custodio de Sousa Telles = Manoel Antonio Moreira Junior.

Foi enviada ás commissões de guerra e de marinha.

Proposta de lei n.° 6-C

Artigo 1.º A força do exercito em pé de paz é fixada no anno economico de 1905-1906 em 30:000 praças de pret do todas as armas.

§ 1.° Serão licenceados, nos termos da legislação em vigor, 7:000 praças de pret.

§ 2.º O licenceamento fixado no paragrapho anterior poderá ser diminuido quando as necessidades do serviço e da instrucção militar o exigirem.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, em 1 de maio de 1905. = Sebastião Custodio de Sousa Telles.

Foi enviada á commissão de guerra.

Justificação de falta

Declaro que faltei ás ultimas sessões por motivo justificado. - Queiroz Ribeiro.

Para a secretaria.

O REDACTOR = Albano da Cunha.

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