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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. Candido de Moraes, proferido na sessão de 16 de janeiro, e que deveria ler-se a pag. 74, col. 2.ª

O sr. Candido de Moraes: — O silencio do governo em face das accusações, tão justas quanto vehementes, do sr. Luiz de Campos, obriga-me a alterar por esta vez a norma de conducta que tinha imposto a mim mesmo, e a usar da palavra n'este momento.

É a primeira vez que me abalanço a tomar uma parte activa em um debate importante e eminentemente politico. Faço-o, porque a consciencia me diz que cumpra esse dever, embora difficil.

Na minha vida parlamentar impuz-me a obrigação de conservar-me na penumbra, ou antes na sombra, que convem á obscuridade do meu nome e ao humilde cabedal de recursos intellectuaes que possuo, e de manter-me em posição bem distante d'aquelles cavalheiros que sabem illustrar com o seu verbo eloquente a tribuna parlamentar portugueza.

Mas a rasão por que alterei agora esta norma de conducta foi, como disse, porque o desempenho de um dever de consciencia, bem penoso, me obriga a fazê-lo.

Comquanto a minha vida parlamentar seja ainda curta, já tive comtudo tempo de commetter um grande erro.

Esse erro foi permittir que os actuaes srs. ministros occupassem aquelles logares antes de dizerem á camara por que caminho tinham ali chegado, qual havia sido a mão temeraria que os encaminhara. D'esse erro, que me peza na consciencia como um remorso, quero hoje penitenciar-me, pedindo publicamente, não absolvição á justiça, porque talvez a não mereça, mas sómente perdão á generosidade publica.

Pronunciou o illustre deputado, o sr. Luiz de Campos, uma oração brilhante, e tão brilhante quanto verdadeira; tão brilhante, que não a póde offuscar a palavra facil e eloquente do sr. Pinheiro Chagas; tão brilhante, que ninguem poderá combatê-la nem destrui-la (muitos apoiados), porque a evidencia que resulta dos factos nem se combate, nem se póde destruir.

N'essa, oração expoz s. ex.ª á camara, com uma lucidez admiravel, as rasões, que de certo actuaram no animo da opposição, e que fizeram com que ella não exercesse aquelle indeclinavel dever de exigir estrictas contas ao governo. Mas era mim não foi só esta a rasão que actuou, o que principalmente me fez calar foi o acanhamento. Era bem novo nas lides parlamentares, estava completamente alheio a estes debates onde se discutem os interesses mais sagrados dos povos, e por isso receiava atrever-me a vir suscitar aqui uma questão politica, cujas consequencias não podia prever.

Mas, que via eu então? Via o governo, arrependido, vir protestar perante a camara e perante o paiz que tinha aproveitado as lições do passado. Via os srs. ministros, vestida a alva dos condemnados, virem em supplica humilde ao seio da representação nacional pedir perdão das suas culpas e o esquecimento dos seus erros (apoiados).

Quem havia de dizer a esta assembléa, que esta humildade, esta submissão, estes protestos de arrependimento, estas promessas eram falazes e se haviam de converter em breve no mais insolito e inesperado ataque contra tudo o que é nobre, o que é santo, o que é justo e o que é sagrado na consciencia do cidadão! (Apoiados.)

Conservei-me silencioso perante aquella attitude do governo, quiz ser generoso; tanto como o paiz, que se não rebellava contra esse facto inesperado (apoiados).

Esperei que o governo cumprisse as suas promessas solemnes e sagradas, mas esperei debalde. O meu silencio, tornou-me cumplice do governo. Com uma leviandade indesculpavel permitti que a arca santa das nossas liberdades fosse confiada ao governo, que hoje preside aos destinos d'esta nação, e d'essa leviandade venho agora com mágua, com sentimento profundo, pedir á camara que me releve.

O governo ou a situação (não digo o partido que o governo representa, porque não sei se o governo representa algum partido) (apoiados); mas emfim esta situação que se tinha mantido tranquilla, silenciosa, escondida até e envergonhada (apoiados); esta situação que tinha andado afastada das lides parlamentares, que tinha andado foragida da vida publica (apoiados), mostrou-se logo solicita em se apoderar do thesouro que se lhe confiava, não para fazer d'elle o uso que lhe devia aconselhar o remorso dos seus erros passados, mas para destruir uma a uma, em proveito proprio, todas as joias que constituem esse thesouro conquistado pelos povos n'um largo combate contra a tyrannia e contra a oppressão (muitos apoiados).

Este governo, sem respeito pela opinião publica, confessa-o elle mesmo, por essa opinião que não o conduziu ali, mas que já uma vez o derribou d'aquelles logares; sem respeito pelas praticas parlamentares, que nunca o elevaram aquella altura; sem respeito ainda pela corôa, cuja prerogativa exclusivamente representa; o governo, cujo unico ideal é a propria conservação, está apto para navegar em todas as direcções, não n'essa navegação facil, que aqui descreveu o illustre deputado, o sr. almirante Gonçalves Cardoso, com leme a meio, mas uma navegação desnorteada, sem bussola que o governe.

Aconselha-lhe o proprio interesse de singrar n'um rumo, elle ahi vae emquanto as brisas o permittem; mas se um dia os ventos ponteiros o obrigam a retrogradar, retrograda com a mesma facilidade; e n'esta navegação retrograda destroe a esteira que tinha deixado na sua primeira passagem. (Vozes: — Muito bem.)

Affirma o governo hoje uma opinião. Julga o paiz que é a ultima expressão do seu modo de pensar. Engana-se. A necessidade de subsistir obriga porventura o governo a reconsiderar, e no dia immediato reconsidera, affirmando a reconsideração com a mesma audacia com que no dia precedente tinha affirmado a opinião contraria. Recua diante de qualquer difficuldade. A unica questão para elle é manter-se no poder, é sustentar esta vida attribulada, se por ventura é vida este existir assim. (Vozes: — Muito bem.)

É mister um dia lançar mão da corrupção? Corrompe-se (muitos apoiados). Os direitos individuaes são um obstaculo ás invasões do poder arbitrario que s. ex.ªs representam? Destroem-se os direitos individuaes. Lembra-se um dia alguem de usar do seu direito de representação? Castiga-se quem representa, castiga-se quem ousa queixar-se do governo. (Vozes: — Muito bem.)

Alguém reage contra as prepotencias governamentaes, e esse alguem é facil, dá-se-lhe um titulo, uma commenda, um favor, e tem-se conquistado mais um apoio, tem-se destruido mais um attrito, tem-se eliminado mais uma difficuldade! (Vozes: — Muito bem.)

A casa do cidadão é inviolavel asylo? Pois entrave ali violentamente, e destroe-se o asylo. Que a reconstrução não seja possivel, pouco importa ao governo. Como lhe poderia importar, se sabe que essa obra lhe não póde ser confiada?

Representa o povo? Responde-lhe o governo com o silencio: obriga o rei a calar-se, insinua-lhe porventura que o