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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Luciano de Castro, pronunciada na sessão de 17 do corrente, e que devia ler-se a pag. 63, col. 1.º d'este Diario

O sr. Luciano de Castro: — Se ha aqui renegados, não estão do nosso lado. Se alguem renegou o seu programma, desertou das suas bandeiras, e deixou sepultar hoje os seus principios politicos, não somos nós; não é a opposição.

Quem disso ao illustre deputado que a opposição, perfilhando a proposta do governo para a reforma da carta constitucional, renunciou por isso aos seus principios?

Quem disse ao illustre deputado, que nós, pelo facto de querermos obrigar o governo a ser coherente ou contradictorio, como ha pouco se mostrou, esquecíamos e rasgávamos o nosso programma politico?

Quem lhe disse que, porque nós, vendo que não podiamos conseguir ao menos que fosse apoiada a leitura dos projectos, que tinhamos apresentado para a reforma da carta, e reconhecendo que nos era impossivel conseguir o melhor' nos associávamos para apoiar a leitura do projecto do governo, que se não continha o optimo, se não resumia as nossas aspirações de reforma constitucional, ao menos consubstanciava e promettia alguns melhoramentos no codigo fundamental, renegávamos por esse acto as nossas opiniões, e abatíamos as nossas bandeiras?

Quem foi que modificou as suas idéas? Quem foi que abandonou o seu programma? Fomos nós que apoiámos a reforma da carta apresentada pelo governo, porque não podemos conseguir que fosse apoiada a que propozemos? Ou foi a maioria que deixou de apoiar os projectos da opposição, que apoiou nos annos anteriores, e o governo que agora se vê condemnado a votar contra uma proposta sua?!

Depois d'isto dizemos, senhores do ministerio. O que vos fica do vosso programma politico? (Apoiados.) Fica-vos a reforma administrativa, que o sr. Sampaio condemnou ao esquecimento? (Apoiados.) Fica-vos a reforma da instrucção publica, que está condemnada tambem a não lograr a sancção parlamentar, segundo parece? (Apoiados.) Ficam-vos os pimpões, a divida fluctuante a crescer cada vez mais; o compadre Tavares e tantos outros compadres? (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

É o que fica ao ministerio, depois de rasgada a reforma da carta! Fica-lhe mais alguma cousa ainda. Fica-lhe o ramal do Pinhal Novo, e a elevação das tarifas dos caminhos de ferro. Levantado sobre tão gloriosos trophéus, e erguido sobre taes monumentos, o governo póde bem despedir-se sem saudades da reforma da carta. (Vozes: — Muito bem.)

Sr. presidente, nós que temos visto a camara oppor-se, pelas suas intolerantes votações, até a que se leiam os nossos projectos, não podiamos desejar maior vingança dos srs. ministros, do que a que hoje alcançámos.

Renegados não os ha aqui. Ha antes triumphadores. Somos nós que vencemos. Somos nós, que obrigámos o governo a rejeitar publicamente a sua reforma da carta, aquella celebrada reforma reclamada pelo espirito do seculo. Hoje, aqui, em votação publica foi solemnemente declarado, que nem o governo nem os seus amigos perfilham já a proposta de lei, que apresentaram e apoiaram em 1872. (Apoiados.)

Depois de prestar alguns serviços incontestaveis ao paiz, a par de muitos abusos e de frequentes e gravissimas faltas, o partido regenerador escreveu hoje o seu epitaphio. (Apoiados.) Como partido politico, o partido regenerador desappareceu; abdicou. (Apoiados.) Não, não podeis mais enfileirar-vos ao nosso lado e appellidar-vos de progressistas, desde que por vossas proprias mãos rasgastes o programma que symbolisava as vossas mais adiantadas aspirações.

Não sois progressistas. Progressistas são os que querem que se avance prudentemente, mas sem repouso, no caminho largo da civilisação e da liberdade. Progressistas são os que querem a reforma sensata e racional das instituições fundamentaes do estado. (Apoiados.) Progressistas são aquelles que, sem se apoiarem nas turbulências e agitações revolucionarias, querem por meios legaes propôr e discutir pausadamente as convenientes e necessarias reformas na constituição do estado. (Apoiados.) Não são aquelles ingénuos estadistas que sonham com uma reforma da carta nas condições indicadas pelo sr. presidente do conselho. (Apoiados.)

A opposição não perfilhou a proposta apresentada pelo governo para a reforma da carta senão por que viu que não podia conseguir mais, e por que queria obrigar os srs. ministros a manifestarem publicamente as suas opiniões a este respeito, e força-los a fazerem o que fizeram.

A verdade, porém, é que o procedimento dos srs. minis

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tros não tem desculpa. Por que não se havia de apoiar agora a proposta para a reforma da carta, como succedeu quando o governo a apresentou, embora fosse depois abandonada na commissão? (Apoiados.) Que luxo de intolerancia foi este? Que impaciencias foram essas que levaram o governo a garrotar as propostas de reforma mesmo antes da sua primeira leitura? Porque não permittiu ao menos que fossem apoiadas para serem lidas? (Apoiados.)

Eu achava mais sensato, mais prudente, mais rasoavel, que estas propostas fossem apoiadas para serem lidas, embora depois ficassem na commissão ou commissões, como ficou a do governo na primeira vez que foi apresentada. (Apoiados).

Vê-se por este procedimento de notoria intolerancia que o proposito do governo hoje é não consentir que se manifeste no parlamento a mais leve idéa de reforma das instituições politicas do estado (Apoiados.)

Somos, pois, nós que temos direito a chamar-nos opposição liberal e progressista. O governo representa o partido conservador portuguez na mais genuina accepção da palavra, pois não consente que, n'uma epocha de paz e tranquilidade geral, se discuta a revisão das instituições politicas do estado (Apoiados.)

O governo é conservador porque, ha quatro annos, veiu dizer-nos que o espirito do seculo exigia a reforma da carta, e hoje nem ao menos tolera que sejam apoiadas as propostas de reforma, para serem lidas na mesa! (Apoiados.)

As rasões dadas pelo sr. presidente do conselho para justificar o adiamento indefinido do seu projecto de reforma da carta não podem ser plausivelmente acceitas. S. ex.ª disse que contava que o seu projecto de reforma fosse a bandeira da paz entre todos os partidos, sem se lembrar que antes de no-lo trazer, já tinha sido apresentado outro n'esta camara pelo partido reformista, e esquecendo-se igualmente de que este projecto, que resumia as aspirações politicas d'aquelle partido, era muito diverso do do governo.

Como podia o sr. presidente do conselho imaginar que este partido havia de acceitar uma proposta tão differente da sua, muito maÍ3 acanhada, mais tímida e conservadora, muito menos liberal, renunciando assim ás idéas que havia formulado na proposta aqui apresentada?

(Aparte que não se ouviu.)

Em taes circumstancias não acceitámos, nem podiamos acceitar a proposta do governo. Mas a camara nem ao menos consentiu que as nossas propostas fossem lidas na mesa. Tolheu-se-nos toda a discussão.

Perdida pois toda a esperança de que as nossas propostas fossem discutidas, pedimos ao governo que ao menos realisasse as suas idéas politicasse e cumprisse o seu programma fazendo discutir o seu projecto.

(Aparte.)

Ninguém fallou aqui em renunciar ás suas idéas. Nós não renegámos as nossas propostas. O governo é que acaba de engeitar a sua por uma votação, em que nós fomos mais ministeriaes do que o proprio ministerio. (Apoiados.)

Acabámos de dar um cheque no governo. O sr. Fontes póde não achar occasião de dar por finda a sua missão. S. ex.ª já declarou que não julgava que tivesse soado a hora de abandonar aquellas cadeiras.

A este respeito estamos tranquillos. Estão vencidas todas as difficuldades, e removidos todos os receios para o governo. Para elle ha só uma questão superior a todas, é a da conservação das pastas.

Prefere isto a governar em nome das idéas mais liberaes, e a vincular o seu nome ás grandes reformas, que acclamam com um pregão de gloria os eminentes estadistas e os recommendam ás bençãos da posteridade.

Prefere a posse das pastas. Esta é a questão.

Estamos, pois, tranquillos com as declarações do governo. Sabemos perfeitamente que a maioria, que acompanha

o sr. presidente do conselho, não terá occasião de dar a este paiz a triste nova de que deixou de continuar a prestar o seu apoio ao ministerio, que tem dotado a nação em larga escala com grandes reformas e melhoramentos...

Uma voz: — E os caminhos de ferro?

O Orador: — Mas os caminhos de ferro são para o governo mais um pretexto de especulação politica, do que um instrumento de riqueza publica.

Os caminhos de ferro, aproveitados como alavanca de progresso economico, como meio de multiplicar e desenvolver a prosperidade nacional, são applaudidos por todos os partidos (apoiados); mas não quando se procura com elles apenas levantar poeira para não deixar ver á nação os esbanjamentos e as prodigalidades da politica deleteria e funesta, que caracterisa a actual situação.

Ficamos, pois, sabendo que não ha crise. O governo deixou que a sua proposta de reforma da carta fosse rejeitada, e comtudo conserva as pastas. É para o que está ali. Aquelle projecto vae dormir tranquillo o somno dos mortos. A reforma da carta não será realisada. O governo acaba de lhe fazer as suas despedidas.

Sabemos agora o que nos cumpre fazer. Os srs. ministros terão de ser apenas levemente incommodados com algumas perguntas, que havemos de dirigir-lhes com respeito a certos actos que julgámos illegaes, e pouco regulares, quando nos parecer opportuno. Os srs. ministros responder-nos-hão com a sua maioria. E tudo ficará como está!

A maioria apoia. É quanto basta. Até quando lhe fallam no augmento de divida fluctuante, fica alegre e consolada por saber a applicação que se lhe deu! (Apoiados.)

O sr. ministro da fazenda teve a bondade de nos informar que a divida fluctuante cresceu; mas logo nos tranquillisou, porque nos disse que essa divida fóra destinada a pagar uns atrazos á junta do credito publico, a comprar armamentos, a pagar as despezas da reserva, e a outros gastos, que se não declaram. Estejam, pois, socegados os membros da maioria. Como teve aquella applicação, a divida fluctuante não assusta ninguem. Pôde a maioria estar tranquilla, e o paiz tambem. Todos devemos estar satisfeitíssimos!

O sr. Marçal Pacheco arguiu Os partidos da opposição por não terem, quando foram poder, apresentado projectos de reforma da carta. E necessario que o illustre deputado desconheça completamente as circumstancias em que os partidos da opposição estiveram no poder, para contra elles formular tal arguição.

(Interrupção do sr. Marçal Pacheco.)

Quando os partidos reformista e historico estiveram no poder, acharam-se em condições excepcionais em relação á situação financeira do paiz, e por isso só trataram de questões, que tinham immediata relação com o estado angustioso do thesouro. Alem d’elle por essa occasião rebentou a revolução em Hespanha, que deu em terra com o throno secular de D. Izabel 11. Não era de certo essa a occasião mais conveniente para se entrar na discussão de questões tão importantes como as da reforma da carta.

V. ex.ª não ignora que a crise financeira dominava e absorvia o espirito publico. O mesmo partido regenerador não negava o seu apoio a todo o governo que se propozesse resolver a questão financeira. Todos os partidos entendiam que a primeira de todas as necessidades era a resolução d'aquella gravissima questão.

Mas quem se lembrou de discutir a reforma da carta constitucional? Quem declarou a opportunidade d'essa reforma? Foi o governo. (Apoiados.) Apenas o partido reformista apresentou o seu projecto, o sr. presidente do conselho, ou para melhor dizer, o ministerio, apressou-se a trazer aqui a sua proposta de reforma constitucional, que, segundo s. ex.ª declarou, era reclamada pelo espirito do seculo...

Quando nós apresentámos a nossa reforma, já o governo tinha proposto a sua. Estava já declarada officialmente

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a opportunidade d'aquella reforma. Quem foi, pois, o primeiro a dizer que tinha soado a hora e chegado a opportunidade da reforma da carta? Foi o governo.

(Interrupção do sr. Marçal Pacheco.)

Mas podia apoiar a nossa, e não a do governo, que estava no seu plenissimo direito.

E ao concluir estas ligeiras considerações, não posso deixar de lamentar que homens novos, que moços de verdadeiro talento, como eu conheço n'esta camara, comecem a sua vida publica dando apoio, contra o que era de esperar das suas altas faculdades, aos velhos e novos conservadores, que estão sempre dispostos a renegar as suas idéas, a faltar a todos os seus compromissos, a rasgar todos os programmas uma vez que se lhes satisfaça a uma unica ambição a de conservarem o poder.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado.)

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