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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Manuel d’Assumpção pronunciado na sessão de 17 do corrente, e que devia ler-se a pag. 65, col. 1.º d'este Diario

O sr. Manuel d’Assumpção: — Se eu emprehendesse mais do que explicar o meu voto, em má hora me chegava a palavra, porque tão alto vae o debate, tão brilhantes têem sido os discursos que escutámos, que seria da minha parte ousadia inexplicavel fatigar a camara com algumas phrases descompostas. Procurarei ser breve, que assim o requer, senão o assumpto, a occasião em que fallo.

Estou convencido que nunca hei de ser muito entendido em politica, sobre tudo na accepção em que vulgarmente vejo tomada esta palavra por uns homens não sei se dotados de myopia moral, se sectarios de uma philosophia estranha, que fazendo consistir todos os meios de triumpho em uma certa habilidade, estão sempre promptos a applaudir o bom exilo decretando-lhe as honras e glorias que só deviam ser dadas ao merecimento provado e ao trabalho honesto. (Apoiados.)

Tenho para mim que a verdadeira politica não póde existir sem boa fé e sem sinceridade, qualidades que fazem agrupar os homens e constituir os partidos, unindo os diversos individuos na mesma crença, e insuflando-lhes a coragem de confessarem a sua fé e pugnarem pelas suas esperanças mesmo n’esses momentos terriveis em que os desvarios das multidões conturbam os animos dos pensadores e fazem vacillar ainda os menos timidos. Da boa fé e sinceridade brota, como da haste a flor, a lealdade politica, que obriga o individuo a pensar e discutir muito em sua consciencia antes de alistar-se sob uma ou outra bandeira, mas que depois ordena que permaneça fiel á fé jurada sempre e sempre, na prospera e na adversa fortuna, affrontando com igual serenidade os ataques malevolentes dos contrarios, as calumnias da inveja, as vaias da ignorancia; e quando se trava rija a peleja, de tal modo disciplina e faz obedecer á voz do commando que ninguem debanda das cerradas filas, e ou dá a victoria ou faz que morram todos como aquelles soldados portuguezes que o marquez de Minas commandava em Hespanha em 1706 e de quem dizia o marquez do S. Filippe: «Encontraram-se de alguns regimentos portuguezes mortos todos os solda

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dos, mas todos na formar. Todos mortos, mas todos no seu posto. (Apoiados.)

Eis aqui como eu entendo a politica e como eu a professo, não me parecendo necessario dizer que tudo isto está subordinado ao amor da patria, ao progresso e bem estar da sociedade, pois que este é o fim a que toda a politica se dirige e é esta a letra que todos os partidos apresentam em suas divisas.

Já d'aqui V. ex.ª vê que não hei de fazer grande fortuna pela politica, pois que tão acanhadamente a comprehendo.

Tambem sou do numero d'aquelles que estão convencidos de que nunca as insinuações que inspira a cólera deram maior auctoridade aos argumentos que a rasão suggere. Não duvidarei jamais da sinceridade, nem do desinteresso, nem do patriotismo dos homens que n'esta casa pugnam por uma opinião encontrada á que eu professo, e entendo que calumniar os meus adversarios seria calumniar-me a mim; por isso procurarei sempre honra-los, honrando-me do combate em que nos empenharmos. (Apoiados.) Peço a Deus que desvie dos meus ouvidos aquella voz do santo pontifico que dizia ao orgulhoso Sicambro: «Curva a fronte, orgulhoso Sicambro, adora o que queimaste, queima o que adoraste!» E entre Guizot e Coriolano, preferirei sempre Guizot.

Feitas estas declarações, simplesmente me limitarei a dizer resumidamente á camara os motivos que me determinaram a rejeitar a proposta da reforma da carta. E na verdade, se outras ratões eu não tivesse, bastava-me uma phrase do meu illustre collega o sr. Pinheiro Chagas.

Disse s. ex.ª, fallando da demagogia, que ella estava um pouco desacreditada.

Ora, eu não quero que nós vamos emprehender a discussão e reforma do nosso codigo fundamental, n'esta epocha revolta em que terriveis convulsões têem agitado a Europa, e em que, apesar das lições espantosas que nos deram as nações vizinhas, um talento gigante como o do sr. Pinheiro Chagas, rasão esclarecidissima, consciencia bem provada, vem dizer entre nós que a demagogia está apenas um pouco desacreditada.

O sr. Pinheiro Chagas: — Disse um pouco como podia dizer muito; e agora digo muito.

O Orador: — Apraz-me a rectificação, porque estou affeito a entender 03 homens pelas palavras, e quando os homens são como s. ex.ª mestres em linguagem portugueza, mestres em litteratura, em historia e em philosophia, as suas palavras significam sempre o que naturalmente significam.

(Interrupção do sr. Pinheiro Chagas.)

Mas se s. ex.ª confessa que a demagogia está completamente desacreditada por seus crimes e desvarios, por suas utopias e loucuras, não faltará quem pense e pregue o contrario, e procure e deseje com anciã ensejo favoravel para, aproveitando a ignorancia de uns, a miseria de outros, as ambições desordenadas, os caprichos dos descontentes, as especulações dos aventureiros, levantar grito de revolta, que seria o terror para todos, a desgraça para muitos e a ruina para a nação.

E s. ex.ª sabe muito bem que a discussão do nosso codigo fundamental se não limitaria a ser feita no parlamento, e que na imprensa e nas praças publicas haviam todos os pretendidos reformadores sociaes, os vulgarisadores da nova idéa, os apostolos de extravagantes redempções, empenhar todas as suas forças para fazerem vingar as suas doutrinas. É d'este modo que se fazem as revoluções, as revoluções tremendas que tudo destroem e nada edificam. E uma revolução é sempre uma espantosa calamidade, mesmo quando é exigida por imperiosíssimas necessidades sociaes.

E que necessidade temos nós de correr os riscos de uma revolução que, no estado actual da Europa, se me afigura seria inevitavel? Pois não gosâmo3 nós de plena liberdade, não estão abertos todos os caminhos para todas as aptidões,

não temos garantidos nossos direitos, não professámos uma sensata democracia?

De certo, sr. presidente; e porque d'isto estou convencido, porque o observo e experimento, não reconheci a necessidade urgente da reforma da nossa carta constitucional e votei contra a proposta apresentada pelo sr. Pinheiro Chagas.

Eu, sr. presidente, cuja vida publica é tão curta e tão singela que a todos está patente; eu, cuja carreira parlamentar data de hontem apenas, como todos conhecem; vida que não tem paginas de gloria e que eu por minhas mãos rasgo sem dó, fui já accusado não sei de que contradicções e apostasias, chegando a dizer-se que tinha despedaçado o meu idolo, a democracia. Agora maior será o clamor, e todavia não é verdadeiro o crime de que me accusam.

Amo a democracia porque sou seu filho, quanto sou a ella o devo. Mas para os que me accusam a democracia é um idolo, para mim é uma verdade, é uma religião.

E quer V. ex.ª saber qual é a democracia que eu professo, aquella pela qual eu vivo, e pela qual terei a coragem de morrer?

E a que se empenha na elevação de todas as almas á luz, de todas as consciencias ao dever, de todos os corações ao amor. (Apoiados.)

Não vae apostoliar a revolução nas praças publicas, não trabalha nas barricadas, não traz comsigo a bilha do petróleo, não bate as palma3 á guilhotina, não divinisa Marat. Não a rala ciúme iniquo, porque a felicidade embala outros nos seus braços ou porque a alguns a gloria lhes enrama a fronte com virentas palmas; não ateia as lutas desgraçadas entre o capital e o trabalho (apoiados) não levanta antagonismos entre os interesses sociaes, não envenena a desgraça chamada miseria com a peçonha chamada inveja, não vae alistar nos covis do vicio as hordas dos miseraveis para os arremessar contra a sociedade, não decreta n'um impeto de vergonhosa estupidez a abolição do Eterno. Detesta Robspierre como detesta Torquemada, inspiram-lhe igual terror Almaric e Maillard, horrorisa-se, com as matanças da Saint-Barthelemy como com as carnificinas da revolução. (Apoiados,)

Mas adora S. Vicente de Paula e S. Francisco Xavier.

Inspira-lhe mais veneração mgr. Afre hasteando sobre a barricada a cruz do Redemptor, symbolo de paz no meio de horrores da guerra civil, do que o enthusiasta Baudin.

Espera mais da escola que resgata da ignorancia, da officina que redime da miseria, da sciencia que ennobrece o espirito e avassalla as forças da natureza, do que dos combates das ruas de Paria ou de que das constituições sonhadas pelos intransigentes da França, pelos intransigentes da Hespanha.

Prefere o sonhador Pestalozzi ao socialista Blanqui; (apoiados), e encontra mais préstimo em um tecelão como Jacquart do que em um revolucionario como Carl Max. Sobre tudo, não desdenha da patria, porque acima d'esta patria nossa formosissima só vê aquelle Deus que lhe deu as suas chagas por brazão, quando nós eramos os soldados da cruz e os apostolos da religião do amor. (Vozes: — Muito bem.)

Aqui está a democracia que eu professo, que eu sempre professei; e agora desafio eu quem quer que seja que cite uma phrase minha que esteja em contradicção com o que deixo dito, ou que note uma acção contradictoria em o meu proceder.

(Pausa.)

Sr. presidente, não vejo que haja necessidade de nos occuparmos agora da reforma do nosso codigo fundamental; não conheço difficuldade que elle nos levantasse, não me diz a historia que elle fosse já alguma vez obstaculo ao nosso progressivo desenvolvimento, ou servisse de peias á legitima expansão da nossa liberdade; não nos sobra tempo para nos occuparmos com discussões byzantinas, e receio

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muito das perturbações a que podiam dar occasião essas reformas inopportunas. Eis as rasões que determinaram o meu voto.

Se é o pensar assim que me attrahe as iras do sr. José Luciano de Castro, acceito de bom grado o epitheto que s. ex.ª dirigiu aos homens novos que estão na maioria.

Sou homem novo, entrei hontem na vida politica, appareci apenas, posso andar errado; o sr. José Luciano, porém, é velho parlamentar, já muito provado n'estas lutas, chefe no seu partido, politico abalisado, bem lhe ficava, pois, uma certa benevolencia para os que apenas encetam o caminho n'esta estrada tão semeada de espinhos, tão cortada de abysmos. Chamou-nos s. ex.ª, com um certo espanto, conservadores. Não me magoou o nome, feriu-me a intenção com que foi dito.

Eu sou conservador? E s. ex.ª é progressista? É por isso que s. ex.ª está na opposição?... Ainda bem, acceito o epitheto, sou conservador. E porque sou conservador estou com a maioria apoiando o governo, e s. ex.ª que é progressista está na opposição; e ha de estar ainda por largo espaço, porque já hoje, e por toda a parte, vão sendo conhecidos os progressistas e os conservadores.

Tambem em Italia havia um conservador, chamava-se Cavour, e um progressista, chamava-se Mazzini, ide perguntar á Italia, a quem mais deve, se ao progressista Mazzini, se ao conservador Cavour.

Tambem em França havia um progressista chamado Julio Favre, e um conservador, Thiers. Dizei-me, quem salvou a França, se foi o progressista Favre, ou o conservador Thiers?

O sr. Pinheiro Chagas: — V. ex.ª está em contradicção com o sr. Fontes.

O Orador: — Peço a s. ex.ª o especial favor de não fazer parallelos d'essa natureza. Eu sou humilissimo, valho muito pouco, para se oppor o que eu digo ao que disse o nobre presidente do conselho. Digo, porém, o que entendo; discuta 8. ex.ª o que eu digo, o meu pensar e o meu sentir, mas só o que eu digo; parallelos com homem de tão subido quilate, servem só para mais me amesquinhar; rogo-lhe pois que os não faça. Continuo.

Havia progressistas na Allemanha, eram os republicanos de Francfort; havia um conservador, Bismark; vede quem realisou a grande idéa da patria allemã, se foi o conservador Bismark, se foram os republicanos de Francfort. (Apoiados.)

Kossutt era o progressista da Hungria, Deak era o conservador; confessae, com quem mais lucrou a Hungria, se com o republicano Kossutt, se com o conservador Deak. (Vozes: — Muito bem.)

E temos conservadores em Portugal? Agrada ser conservador com tão boa companhia. Ainda bem que os temos, ainda bem que somos conservadores.

Sabe V. ex.ª o que nós queremos conservar? Queremos conservar a paz publica, que é a segurança e a prosperidade dos povos. (Apoiados:) Queremos conservar a nossa nacionalidade, esta patria tão invejada. Queremos conservar as nossas colonias. (Muitos apoiados.)

O sr. Luiz de Campos: — E nós não queremos a paz publica? Não queremos as colonias?

O Orador: — Não digo que s. ex.ª o não queiram; não digo que esteja nas suas consciencias; infelizmente, porém, se tal lhes não passa pela mente, o proceder de que usam faz-nos estremecer por tudo isto. (Apoiados.)

V. ex.ªs querem manter a nossa nacionalidade, e não se lembram que uma revolução entre nós podia trazer as hostes aguerridas da Hespanha a invadir-nos o sagrado solo da patria. (Apoiados.)

V. ex.ªs querem conservar as nossas colonias e o nosso credito, dizem, e eu o creio; mas, ao mesmo tempo que isto affirmam, pretendem consumir o tempo com discussões de principios, de que nada carecemos, sem se occuparem das reformas importantissimas e urgentes que essas colonias reclamam para entrarem no convivio da civilisação, para firmarem e engrandecerem o credito. (Apoiados.)

E ex.ªs são os progressistas e nós somos os conservadores!...

Sabem porem V. ex.ªs o que nós não queremos conservar? É a ignorancia no povo, a indisciplina no exercito, a escravatura nas colonias (apoiados), o credito publico e as finanças no estado em que V. ex.ªs as deixaram.

O sr. José Luciano: — Em que as deixámos todos, porque estavamos juntos com os regeneradores.

O Orador: — Vejo que foi uma fortuna para os regeneradores e para o paiz que V. ex.ª se apartasse dos regeneradores. Pois que á emquanto V. ex.ª está na opposição que vão prosperando os negocios do estado, florescendo o credito da nação, augmentando o bem estar do povo. Deixar trabalhar os conservadores, que o povo depois conhecerá quem lhe é mais util e dedicado, se são os conservadores, se são os progressistas.

Que a final eu declaro não comprehender o que significam estas divisas que tomam os partidos opposicionistas. O sr. José Luciano diz-se progressista e está com o seu partido, o partido progressista. O sr. Pinheiro Chagas diz que não abandonou a sua politica, que é regenerador, que é o mesmo que ser conservador, como o sr. José Luciano chama aos regeneradores, e todavia o sr. Pinheiro Chagas está ao lado do sr. José Luciano, e o sr. José Luciano combate junto com o sr. Pinheiro Chagas... E a questão dos velhos e novos catholicos que eu nunca logrei comprehender.

Termino, sr. presidente, que já de sobra tenho abusado da attenção e benevolencia da camara. Antes, porém, seja-me permittido responder ainda a uma phrase do sr. José Luciano de Castro.

S. ex.ª lastimou no seu discurso que a mocidade andasse desnorteada e exprobou a alguns dos homens novos que pela primeira vez vieram agora ao parlamento o terem-se ido alistar nas fileiras governamentaes. Rejeito a lastima, não acceito a censura. E posto que de todos os homens novos que aqui estão seja eu o mais humilde, o de menos merecimentos, o mais infimo em sciencia, não posso todavia deixar de bradar aos que me são exemplo, incentivo e enlevo no trabalho em que lidámos juntos:

Abençoada mocidade que se não deixa subverter pela onda impetuosa das utopias revolucionarias, e comprehendeu que á corrente assoladora é indispensavel pôr diques, encana-la, guia-la, para que fertilise e não devaste. (Apoiados.)

Abençoada mocidade, que se não deixou fascinar pelos clarões com que o incendio da revolução tingiu o horisonte, e sabe procurar a luz verdadeira do sol que lhe illumina a mente e lhe fecunda a idéa. (Apoiados.)

Abençoada mocidade que tem a coragem de mostrar aos velhos mareantes que vão errados em sua derrota, e lhes grita que parem, que vão sem norte e sem rumo. (Apoiados.)

Abençoada mocidade que mesmo quando os velhos capitães lhe voltam as costas e a deixam como abandonada em perigosos desvios de ignotas paragens, se não amedronta, e confiada na sua estrella vae atravessando o deserto guiada pela columna de fogo que lhe illumina a estrada traçada pela Providencia e que a ha de levar á terra da promissão. (Apoiados.)

Não quero tomar mais tempo á camara.

Vozes: — Muito bem, muito bem. N

(O orador foi comprimentado por grande numero de srs. deputados, pelos srs. ministros e por alguns dignos pares do reino que estavam na sala.)

Sessão de 25 de janeiro

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