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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza:
Ainda mais uma vez folgo de manifestar a convicção, que me anima, de que a Divina Providencia ha de continuar a inspirar-vos, para que no exame de todos os negocios sujeitos á vossa deliberação deis novas provas da vossa illustração e do vosso patriotismo, e para que empenheis todos os esforços em tirar o maximo proveito dos valiosos recursos do paiz, a fim de que, pelo equilibrio do orçamento do estado, se consigam os melhoramentos, a que ainda aspirâmos, e cuja realisação nos ha de collocar a par das nações mais adiantadas.
Está aberta a sessão.
[fim do texto que vinha das páginas anteriores]
tos que reclamam as nossas forças de terra e mar, as fortificações do reino, e complemento das de Lisboa, e a defeza dos portos.
A camara tem fé em que a Providencia Divina ha de inspiral-a nas suas deliberações, para corresponder dignamente á confiança do paiz e aos desejos de Vossa Magestade. = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente José Dias Ferreira = Antonio Rodrigues Sampaio = Manuel d'Assumpção = A. A. Teixeira de Vasconcellos = Thomás Ribeiro, relator.
[fim do texto que vinha das páginas anteriores]
O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Acabo de ouvir a resposta ao discurso da corôa, que eu já tinha lido com especial attenção, senão com muito prazer.
Pelo silencio profundo que depois da leitura reinou na assembléa, e pela demora que houve antes de alguem se inscrever, parece existir n'esta casa perfeito accordo com o governo em relação a um documento que em todos os tempos teve, e na minha opinião sempre deve ter, significação politica muito importante.
Este accordo do todo o parlamento com o actual governo não constitue para mim surpreza nem novidade; parece a imitação, se não a repetição, do acolhimento que encontrou o actual governo no primeiro dia em que se apresentou n'esta casa.
Ha porém no documento actual uma differença que me obriga a tomar a palavra, e vem a ser estar assignado este documento, com o qual o governo concordou, pelo meu distincto amigo e correligionario o sr. Dias Ferreira, de cuja posição politica ou não suspeito, e de certo ninguem suspeita, porque definiu logo a sua posição n'esta casa do modo tão claro e evidente, que não deixa duvida possivel. Ainda que eu particularmente possa explicar e explique a assignatura do sr. Dias Ferreira n'este documento, attribuindo-a unicamente á muita condescendência ou excessiva prudencia de s. ex.ª, qualidades que eu admiro tanto mais, quanto reconheço em mim a impossibilidade de as imitar, todavia o facto é tão estranho, que, se ficam sem explicação, não ficam de certo sem a devida reclamação da minha parte.
Eu entendo que não é muito digno nem para o governo, nem para o parlamento, que se protraia por mais tempo uma situação impossivel, que parecendo clara a todos os olhos, dizendo-se em toda a parte, publicando-se em todos os jornaes, a incompatibilidade manifesta entre o actual governo e esta casa do parlamento, não é muito digno, repito, que os actos parlamentares continuem a denunciar um accordo, que todos sabem que não existe, e que por consequencia o menos que lhe posso chamar é fingido e hypocrita.
Eu não sou de certo dos mais apressados na queda do actual governo, que pessoalmente nada me incommoda, mas reconheço que as circumstancias do paiz, as condições especialissimas das nossas finanças, as difficuldades que todos prevêem, que podem de certo evitar-se, mas para que em todo o caso devemos estar prevenidos e preparados, não consentem a demora de soluções, que podem ser difficeis, mas que são inevitaveis; e eu creio prestar um bom serviço, tanto ao governo como ao paiz, promovendo pela minha parte o termo de uma situação, que é desagradavel para todos, e não é decorosa para ninguem. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu hei de oppor-me sempre a combinações politicas de que resultam as quedas ou as organisações dos governos, quando ellas sejam com especial cuidado desviadas do parlamento, unica parte aonde na minha opinião, e sigo n'isto a opinião de todos os publicistas, unica parte aonde legitimamente póde indicar-se a conveniencia da queda como da organisação de qualquer governo.
Sr. presidente, eu creio que ao governo não póde ser agradavel e viver ou antes vegetar n'um estado de incerteza e de duvida, que lhe deixa esperança de realisar, em providencias legislativas, as concepções de certo profundas e brilhantes dos nobres ministros. Os ministros são os primeiros interessados em saber com certeza se podem ou não podem contar com o auxilio da camara para converter em leis as medidas que s. ex.ªs julgam indispensaveis para o bem do paiz.
Eu deveria dizer talvez «indispensaveis para a realisação do programma do governo», mas não o posso dizer; aquillo, a que se chamou programma e que nunca o foi, não foi realisado, nem podia por fórma alguma realisar-se.
Sr. presidente, o meu fim é declarar positivamente a v. ex.ª e á camara, que eu não posso concordar com um documento politico em que o governo está de accordo.
A minha posição defini-a com especial cuidado e com a possivel clareza no primeiro dia em que o governo se apresentou n'esta casa. Hoje, sejam quaes forem as considerações que possam influir no animo e no espirito de todos para protrahir uma situação que eu censurei no primeiro dia, não posso e não quero associar-me nem por um momento, nem para a realidade nem para as apparencias de um systema que não é nem póde parecer meu. É esta a minha declaração.
Se o meu amigo, o sr. Dias Ferreira, se não contentar com a interpretação que eu dei aos motivos que determinaram o seu procedimento, será pelo menos util que o paiz saiba qual foi a rasão que determinou s. ex.ª a assignar um documento politico com que o governo concorda. Fallemos claro n'esta casa, e se este intoleravel estado tem de prolongar-se, não possa ao menos attribuir-se-nos a menor responsabilidade.
O sr. Thomás Ribeiro: — Não tomava a palavra, se não entendesse que era do meu dever, como relator da commissão de resposta ao discurso da corôa, explicar ao illustre deputado o sentido em que a mesma commissão redigiu e assignou este documento.
Pela minha parte entendo, e entende-o toda a commissão em nome de quem fallo, que o estado actual das cousas politicas não póde assim continuar. (Apoiados.) É preciso para o governo e para a camara saber, sem sombra de duvida, aquillo com que se póde contar. (Apoiados.) Não podem caminhar no meio d'esta situação embaraçosa de duvidas e desconfianças os negocios publicos. O governo mesmo não póde achar-se á vontade para proseguir na sua administração, e deve desejar saber franca e categoricamente o que tem a esperar do parlamento. Porém entendeu a commissão que não devia alterar a pratica, ha muito estabelecida, de considerar simplesmente como respeitoso comprimento á corôa a resposta ao discurso pronunciado pelo soberano.
Sei que tinhamos direito effectivamente de redigir uma