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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
valheiro a continuar a presidir ás sessões da camara dos dignos pares, e não viu depois eleito esse cavalheiro para a commissão, essencialmente politica, da resposta ao discurso da coroa? Não proclamou logo a imprensa que o governo não podia contar com o apoio da outra casa do parlamento? E o governo, que deveria ter sido o primeiro a provocar a crise para ver até que ponto podia contar com o corpo legislativo, fez-se desentendido, guardando até agora o mais profundo silencio!
N'esta assembléa fez o mesmo. Quando toda a imprensa via nas eleições do alguns dos membros das commissões hostilidade aberta ao gabinete, não reparava o sr. presidente do conselho nem nos factos, aliás bem eloquentes, nem nos commentarios que se lhes faziam, e vem agora declarar-nos que estava impaciente porque se resolvesse a questão politica!
Nem se percebe a rasão por que o governo tem adiado durante tanto tempo a resolução da questão politica, quando sabia perfeitamente, porque o confessa até em documentos officiaes já publicados e até distribuidos, que não póde contar com o apoio dos corpos collegislativos. São dignos da mais séria attenção, pelo assumpto em questão, alguns periodos do relatorio que precede as propostas de fazenda, hontem apresentadas pelo governo ás côrtes, escripto por um homem cordato e sensato, como é o sr. ministro da fazenda.
O sr. ministro da fazenda póde encontrar opposição em ambas as assembléas politicas, por não merecerem a approvação do parlamento os actos do gabinete; mas sae do seu logar sem o estygma de ter feito perseguições ou praticado actos de intolerancia politica (Muitos apoiados.), que destoam completamente da marcha seguida por todos os governos desde 1851! (Apoiados.)
As palavras que acabo de dirigir ao sr. ministro da fazenda não significam mero comprimento de deferencia pessoal por s. ex.ª, são uma verdadeira indicação de que no nosso paiz não póde mais inaugurar-se o reinado da intolerancia politica. No estado de civilisação a que chegámos, e no estado de brandura dos nossos costumes, não ha ninguem com forças para estabelecer n'esta epocha o systema de intolerancia e de perseguição aos seus adversarios (Muitos apoiados), sem ser esmagado pela sua propria obra, e sem cair debaixo do peso do estygma publico.
Ainda que as victimas se não levantem contra elle, ha de levantar se o brado da consciencia, que é o juiz mais implacavel, mais severo e mais inexoravel que póde ser chamado a apreciar os nossos actos. (Apoiados.)
O sr. ministro da fazenda escreveu no seu relatorio as seguintes memoraveis palavras que vou ler muito devagar, para serem bem entendidas.
Li-as tres ou quatro vezes, custando-me a acreditar que o governo usasse de similhante linguagem, continuando a conservar-se nos conselhos da corôa, sem provocar a resolução da questão politica em ambas as casas do parlamento.
«Ministro interino por um accidente de effeitos transitorios, não tenho a auctoridade nem a força necessarias para vos traçar uma vereda financeira abrigada d'estas vicissitudes. Quer-se para isso a capacidade que não tenho, a applicação que não posso ter e o vigor de acção que um ministro do regimen parlamentar não póde achar senão na communhão de principios e de fins francamente accentuada nos corpos colegisladores.
«Mas, se n'esta minha passageira commissão me faltam as condições normaes do gerente da fazenda publica, e com ellas o decidido apoio politico que faz a força dos governos constitucionaes, tenho por certo que me não ha de faltar a adhesão patriotica dos representantes da nação ao pensamento de approximar quanto possivel a receita da despeza na proxima futura gerencia financeira, pelos meios que a sua sabedoria determinar por mais conformes ás condições da situação economica do paiz, e consequentemente menos onerosos ao trabalho productor da riqueza.»
Pois se o governo sabia que não tinha uma communhão de principios e de fins francamente accentuada nos corpos colegisladores, a que fim e a que proposito se tem conservado impassível nos conselhos da corôa, sem definir a sua situação? Pois o governo não tinha um amigo que levantasse a questão politica n'esta e na outra casa do parlamento? (Apoiados.) Não ha nada mais extraordinario em politica, do que saber o governo que lhe falta o apoio politico do corpo legislativo, e continuar a conservar-se n’aquellas cadeiras, deliciando-se com a leitura de relatorios e de livros impressos que todos nós sabemos ler perfeitamente, e descurando completamente a sua primeira obrigação, que era achar-se em communhão de principios e fins, francamente accentuada, com os representantes do paiz. (Apoiados.)
Não me demoro em explicar nem em commentar as palavras do relatorio do ministerio da fazenda, que acabo de ler, porque os meus commentarios não poderiam ter outro resultado senão fazerem perder a força a essas mesmas palavras de si já tão eloquentes.
O certo é que o governo, que sabe que não tem o apoio politico dos corpos collegisladores, unica força dos gabinetes no regimen parlamentar, mantem-se sereno e impassivel no seu logar, parecendo-lhe que nenhuma nuvem negra pairava no horisonte politico.
E se não fossem as palavras que ultimamente proferiu o meu illustre amigo o sr. Thomás Ribeiro e talvez a segurança, de que ainda hoje seria apresentada á camara a moção, que mando para a mesa, parece-me que o sr. presidente do conselho ainda não diria, como disse, que desejava a questão politica. Em todo o caso fica registado pela confissão do réu, e pelos documentos publicados pelo proprio governo, que elle reconhece não ter a communhão de principios e de fins com o corpo legislativo, que faz a força dos governos representativos, nem o apoio politico das assembléas parlamentares.
Se o governo sabia que não tinha o apoio, que constitue a unica força dos gabinetes no regimen parlamentar, devia desde logo ter provocado a resolução directa do conflicto, fazendo apparecer a questão politica. (Apoiados.)
Tem-se visto mais de uma vez, até em ministerios de que fazia parte o sr. presidente do conselho, considerar-se provocação da parte das assembléas legislativas a eleição para a commissão do resposta ao discurso da corôa de homens decididamente hostis ao gabinete.
Achando-nos pois todos de accordo em que é indispensavel e urgente resolver a questão politica, tomei a liberdade de formular a moção que estou discutindo, e que redigi em termos de poder ser approvada pela assembléa.
Eu e os meus amigos, desde o primeiro dia em que o governo se apresentou ás côrtes, declarámo-nos em hostilidade aberta ao governo.
Então, no intuito de não alongar os debates, e sobretudo de não perturbar n'aquella occasião, como desde logo declarei, a harmonia que reinava na assembléa, não expliquei as rasões por que reputava impossivel que o corpo legislativo podesse acompanhar o governo. Os meus collegas, porém, na sua quasi totalidade, acceitaram ou consentiram no programma com que o governo se nos apresentou, e eu respeitei então, como respeito ainda hoje, a sua resolução.
As rasões da minha hostilidade para com o governo desde a sua apresentação ás côrtes, estão hoje corroboradas pelo testemunho insuspeito do sr. ministro da fazenda no relatorio que precede as medidas financeiras.
O sr. presidente do conselho de ministros apresentava-se n'esta casa vindo da presidencia da camara dos dignos pares do reino, onde se conservava em tal abstensão politica, que não era possivel saber-se se s. ex.ª vinha da maioria se da opposição.
E digo que não se sabia official e parlamentarmente qual