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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Cansava-me eu e o meu illustre amigo, o sr. visconde de Moreira de Rey, perguntando ao governo o que pensava a respeito da reforma dos serviços no supremo tribunal administrativo, e se julgava conveniente destacar d'ali os processos do recrutamento, não só porque as decisões das reclamações respectivas ao recrutamento lhe absorvem o tempo todo, mas porque era necessario afastar inteiramente d'aquelle serviço os agentes do poder executivo, que se servem d'aquella arma para exercerem pressão violenta na consciencia dos eleitores. (Apoiados.)

Mas o governo não emittia, nem tinha opinião a este respeito. A unica cousa que tinha estudado, em nome das economias, era a questão dos supplentes!

E ha uma cousa curiosa n'esta nomeação de supplentes, fez-se a nomeação antes de publicada a lei que os creava!! (Riso.) A publicação dos despachos fez-se depois da publicação da lei, mas antes d'esta publicação já estava feita a nomeação.

Encerra-se a sessão legislativa, e que economias fez o governo durante o interregno parlamentar? Creou uma cadeira de sãoskrito em dictadura, ficando a reforma da instrucção secundaria para quando o tempo o permittir! (Riso.)

Mais ainda. Foi dotada a nação com duas doses de conegos (riso), e vamos ter não sei quantos beneficiados para beneficiar o paiz! Não quero mal aos conegos, estou a fazer a exposição das economias, realisadas pelo gabinete.

O governo fez a primeira e segunda producção de conegos (riso), e nem um só jornal liberal defendeu este acto! E peço á camara que se não ria, porque este facto e outros que ainda hei de apontar á assembléa, indicam que temos diante de nós uma situação clerical. (Estrepitosos apoiados.)

Confesso á camara que de todos os actos do governo, praticados no interregno parlamentar, os que mais me preoccuparam, foram os que traduziam e manifestavam uma situação clerical e reaccionaria, que acaba de ser condemnada n'um dos paizes mais illustrados da Europa, e que eu espero que nós condemnaremos tambem. (Muitos apoiados.)

Creio que não houve um só jornal liberal que apoiasse e applaudisse a nomeação dos conegos!

E muitos dos jornaes liberaes reprovaram abertamente este acto do governo, que julgaram attentatorio e compromettedor de uma concordata que precisâmos de fazer com a corte pontificia, para a circumscripção diocesana.

Pois o governo não trepidou diante das manifestações energicas da imprensa liberal, e com a mesma coragem com que nas vesperas da abertura do parlamento ia levar decretos para creditos extraordinarios ao conselho d’estado, com essa mesma nos annunciava já mais duas doses de conegos para as dioceses de Lisboa e Evora!

Em nome dos mesmos principios de economia, em nome do mesmo respeito pelos principios liberaes, tres dias antes de abertas as côrtes, levava ao conselho d’estado alguns creditos extraordinarios, e oito dias antes de aberto o parlamento annunciava mais conegos para Evora e Lisboa!

E n'esta parte mostrou-se o governo menos liberal do que o prelado mais qualificado da igreja lusitana. Eu pedi varios documentos pelo ministerio da justiça, e o sr. ministro d’aquella repartição teve a bondade de m'os mandar logo: nem eu esperava outra cousa do seu cavalheirismo e da sua pontualidade no cumprimento dos seus deveres. Sou amigo do sr. ministro da justiça, ha muito tempo. Tenho por s. ex.ª grande consideração, e sinto que no meu discurso seja s. ex.ª quem principalmente figure; mas é a consequencia das posições politicas e officiaes que os homens publicos não podem deixar de respeitar.

Estou persuadido que o sr. ministro da justiça se metteu a nomear conegos na convicção de que procedia em harmonia com os interesses publicos e com as necessidades da igreja (apoiados). Mas foi mais romano do que o papa, foi alem das exigencias do prelado lisbonense.

Tenho aqui um officio do cardeal patriarcha de Lisboa, cuja nomeação deu logar a uma crise politica, e que fez uma pastoral que não foi considerada muito liberal, e que creio ter sido até objecto de discussão n'esta casa, do qual se mostra que muito mais liberal do que o proprio governo é o primeiro prelado da igreja lusitana.

A lei de 20 de abril do 1876, auctorisando o governo para realisar um accordo com a santa sé sobre a reducção das dioceses, e para fixar pelos meios legaes os quadros capitulares, determinou também que mesmo antes de realisado este accordo poderia o governo nomear conegos e beneficiados quando os prelados diocesanos assim o requisitassem pelas necessidades do ensino ou pelas necessidades do culto e do governo das dioceses.

Eu não assisti á discussão d'esta lei. Mas, examinando a discussão parlamentar a este respeito, apurei que a opposição d'esta casa atacava o projecto, depois convertido na lei de 20 de abril de 1876, com o fundamento de que o unico fim do governo era nomear conegos, era accommodar afilhados, era alargar a clientella; e que alem d’isso ía quebrar uma arma defensiva de que podiamos dispor para obrigar a côrte pontificia a vir a um accordo com relação á reducção das dioceses. Por parte do governo respondia-se que a côrte pontificia, que estava em boas disposições para a reducção das dioceses, tinha levado a mal o decreto que prohibira nomeação de prelados e de conegos para, como debaixo de pressão, trazer a santa sé ao accordo sobre a circumscripção ecclesiastica, e que era preciso tirar-lhe aquelle pretexto, para se poder chegar a um accordo rasoavel sobre o assumpto.

Mas, sr. presidente, o que são as cousas d'este mundo!

Quem nos havia de dizer que havia de caber a um ministerio economico e moralisador a gloria de executar um artigo de lei que se explicava unicamente como um meio de nomear conegos, de accommodar afilhados e de alargar a clientella?! Quem nos diria que o instrumento d’esses fins occultos, com que fôra redigido o artigo, havia de ter como executor exactamente o governo que entrava n'esta casa proclamando a economia e a moralidade no poder!... (Apoiados.)

Este governo não se preoccupou com a dotação do culto e clero, ao qual promettemos ha perto de quarenta annos melhorar-lhe a situação. Ha realmente mais necessidade e mais justiça em olhar pela sorte dos curas d’almas, do que pela nomeação dos conegos. Este governo não se preoccupou com a promulgação do codigo do processo criminal, quando a nossa legislação sobre o assumpto está ainda referendada pelo sr. Antonio Bernardo da Costa Cabral, nem lhe mereceu grande cuidado a reforma do codigo commercial que nos está regendo desde 1833! Com a nomeação dos conegos, que era o fim occulto do artigo 2.° da lei de 20 de abril do 1876, é que se preoccupou. (Apoiados.)

E eu não accuso o governo por ter commettido uma illegalidade; mas imponho-lhe a responsabilidade de ter feito uso de uma auctorisação legal contra as circumstancias e em prejuizo dos interesses publicos.

O governo ha de responder-me que procedeu dentro da lei, e eu não lhe contesto essa defeza; mas na applicação da lei é que está toda a responsabilidade do governo. Tambem o sr. ministro da justiça póde demittir hoje mesmo todos os delegados do procurador regio no continente do reino e ilhas adjacentes. E, se s. ex.ª commettesse similhante acto de prepotencia e arbitrariedade, quereria a camara impor a responsabilidade a quem deixou na legislação do paiz a amovibilidade d'aquelles funccionarios, ou ao ministro que não duvidasse provocar os males enormes que d'ahi adviriam á nação?

O mesmo se póde dizer do governo que executou aquelle artigo 2.º da lei que não era obrigado a executar, senão em dadas circumstancias. (Apoiados.)

Estou ouvindo o governo a responder: «Era indispensavel prover os canonicatos, porque os prelados diocesanos re-