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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

o cadaver para o enterrar catholicamente. (Apoiados.) Nunca vi no meu paiz um acto tão barbaro e tão attentatorio da liberdade individual e dos direitos do familia. (Muitos apoiados.)

Muito prudente sou eu, e não sei o que faria, se tendo a desventura de perder um filho, me constasse que no caminho do cemiterio era assaltado o caixão pela força publica, e levado á ordem do regedor de parochia, que na opinião do sr. presidente do conselho é em materia religiosa o supremo magistrado da nação!

Quando o beaterio se levantou em 1866 para nos prejudicar as disposições liberaes a respeito do casamento civil; o beaterio, então protegido por uma espada victoriosa e brilhante, não pôde conseguir nem que o casamento civil se annullasse por motivo de religião; nem que o official do registo civil na occasião do matrimonio perguntasse a cada um dos contrahentes qual a sua religião. (Apoiados.)

O nosso codigo não ficou tão liberal n'essa parte, como as legislações de outros paizes; mas em todo o caso a reacção, d'essa vez, não triumphou.

N'aquelle tempo não pôde a reacção conseguir, que se saltasse por cima dos principios avançados, e que se atacasse a liberdade de consciencia e os direitos mais sagrados de cada um, como é o direito de casar, segundo a legislação que rege os contratos. (Apoiados.)

Chegámos a 1877, e a reacção que não se incommoda de viver na mesma casa e no mesmo andar, e ás vezes na mesma economia, com o protestante ou com o israelita, começou a estremecer de que a vizinhança do não catholico a incommodasse no campo da igualdade!

A reacção, que na vida não temia a convivencia malefica dos que tinham outra religião, começou de receiar que a vizinhança d'estes, depois da morte, lhe perturbasse o somno profundo da sepultura!

Foi ainda o patriarcha de Lisboa quem resolveu a questão de um modo muito simples, ordenando a benção da sepultura do catholico como se faz n'outros paizes; e depois d'isto os poderes publicos nada mais providenciaram sobre o assumpto.

Mas o governo, na sua pretensão de ser mais religioso do que o patriarcha de Lisboa, tira o cadaver á familia e entrega-o ao regedor da parochia, como supremo magistrado da nação em materia religiosa.

O regedor substituiu o prelado diocesano, e no momento de luto e das amarguras da familia, é o encarregado de se informar da religião do finado e de o fazer conduzir ao cemiterio para ser enterrado catholicamente, se elle em testamento não dispoz o contrario.

E qual é a verba do orçamento para fazer pagar á custa do estado as despezas dos enterros feitos sob a inspecção do regedor de parochia? (Riso.)

Com que auctoridade, com que direito e a que proposito é que o regedor está encarregado de pagar por conta do estado as despezas do enterro e a toilete do finado? (Riso.)

Eu desejava ver desmentido pelo governo o facto, que vi publicado em muitos jornaes, de se ter empregado a força publica para cercar a casa de um cidadão, que queria enterrar um filho civilmente, a fim de o violentar a enterral-o catholicamente.

A nossa legislação não regulou, é verdade, quaes eram os direitos dos paes, da familia e dos herdeiros sobre as cadaveres. Este ponto é omisso na nossa legislação, de certo porque os nossos legisladores, ainda os mais previdentes, confiando na cordura das auctoridades publicas e na prudencia dos governos, julgaram escusado legislar sobre a propriedade dos cadaveres.

Já no foro de Lisboa, e ha bem pouco tempo, se discutiu, se o cadaver da infeliz mulher do infeliz Vieira de Castro pertencia ao marido ou ao herdeiro d'este, se á mãe; e o poder judicial em decisão, que já transitou em julgado, mandou entregar o cadaver á mãe. Mas n'esse processo, onde se allegaram quantas rasões podiam dar-se sobre a propriedade do cadaver, nunca ninguem aventara idéa de que o cadaver podia ser entregue ao regedor da parochia.

A portaria sobre os enterros civis não tem fundamento em leis, nem em principios de direito, refere-se ao decreto de 8 de outubro de 1835; mas nem esse decreto nem outro, de 21 de setembro do mesmo anno regulam, nem podiam regular, similhante assumpto.

Vi n'alguns jornaes em defeza do governo que varios individuos andavam especulando com os enterros civis, e que o governo, como auctoridade paternal e tutelar, ía ao encontro d'esses especuladores. Eu não quero governos tutores de ninguem, salvo reclamação de quem se julgue offendido ou ameaçado em seus direitos. (Apoiados.) E se o governo quer ser tutor das familias com quem se especula, e a quem se compromette o futuro, ha de ir mais longe, e ser o tutor da mocidade inexperiente contra a agiotagem infrene que por meio de negocios de letras absorve as legitimas futuras de muitos desgraçados. (Apoiados.) Essa companhia é mais numerosa e mais perigosa (apoiados), do que a dos especuladores de enterros civis.

Mas ou não quero o governo para tutor de ninguem, quero o governo pura manter a ordem (apoiados), para garantir a liberdade (apoiados), e para attender ás reclamações d’aquelles que se julguem offendidos ou ameaçados em seus direitos. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu não me alongarei mais n'estas considerações, porque não quero levar a palavra para casa. Na ordem politica demonstrei a v. ex.ª e á camara que o governo é clerical e ultramontano, porque vae alem do chefe da igreja, e do patriarcha de Lisboa, e portanto n'este ponto escuso de acrescentar mais nada. E emquanto ás economias espero que o governo me apresente o rol das economias que fez a par dos desperdícios de que o accusei.

Não quero concluir sem dizer duas palavras a respeito da questão financeira.

Ainda hoje creio que uma das principaes rasões por que a camara recebeu com benevolencia o gabinete, quando este aqui se apresentou, foi para não lhe embaraçar a gerencia financeira e para evitar uma crise politica que podia ser muito prejudicial ao paiz, nas vesperas de celebrar-se o contrato para um grande emprestimo.

Mas o governo, apesar de lhe ter sido votada a proposta de lei para o emprestimo na sessão de 10 de março, e de ter rompido a guerra do oriente só em 15 de abril, sem embargo de vantajosissimas propostas que n’esse intervallo recebeu para aquelle fim, não se preoccupou com a questão do emprestimo, que poderia ter realisado completamente.

O paiz pagará bem caro com os fundos hoje a 49 as economias devidas ao governo pela demora, em negociar o emprestimo, estando ainda por collocar dois milhões e meio de libras esterlinas.

A nossa situação é florescente, porque os nossos recursos são muitos e o nosso patriotismo ainda maior. Basta notar que no meio do todas as nossas divergencias e irritações politicas não apparece da parte de ninguem a idéa de attentar contra o credito publico, nem de faltar aos contratos celebrados no paiz ou no estrangeiro.

No entretanto é muito delicada. Fazendo obra pelo relatorio que nos apresentou o sr, ministro da fazenda, depois de collocados os dois milhões e meio de libras esterlinas, e suppondo que se negoceiam pelo preço dos quatro milhões, continuâmos ainda com a divida fluctuante, que em 30 de junho será de quatro mil e tantos contos, ficâmos com um deficit para o anno que vem de dois mil e tantos contos, e temos que levantar outro emprestimo para occorrer aos encargos dos caminhos de ferro do Douro e Minho, porque o dinheiro para elles votado está gasto em 31 d'este mez. Ora esta situação merece a maior attenção da parte dos poderes publicos. (Apoiados.)

Parece que vamos entrar no caminho de contrahir dois