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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Nos pleitos entre jurisconsultos ha sempre uma verdade differente para cada um dos litigantes. Alem d'essa ha outra verdade para o juiz, e outra ainda para os juizes de segunda instancia, e finalmente a verdade verdadeira do supremo tribunal, que não é muitas vezes a verdade destes, nem d'aquelles (Apoiados.)
(Riso.)
Não sou competente para entrar em questões juridicas, nem entro, porque nunca me metto a fallar do que não entendo; mas sou competente para apresentar á esta assembléa todos os indicios que d'este processo constam, pelos quaes se prova que as testemunhas do auto do corpo do delicto são falsas (Muitos apoiados), como falso é o depoimento do militar insubordinado e indisciplinado, que se gaba de haver faltado ao seu dever e á sua consciencia, e ataca indignamente o poder moderador, chefe da nação e generalissimo do exercito. (Apoiados.)
Isto nem na mais anarchica republica se consentia. (Apoiados.)
Na França, que é uma republica civilisada e séria, se um militar fizesse o que este fez, estava irremissivelmente perdido no conceito publico e seria castigado severamente (Apoiados.) Porque republica não quer dizer anarchia, não quer dizer difamação, não quer dizer impunidade para a calumnia e para a injuria. (Apoiados.) Em nenhuma republica é licito offender publicamente o primeiro magistrado da nação! (Apoiados.) Tanto nas republicas como nas monarchias dos estados civilisados o respeito ás leis e o cumprimento rigoroso dos seus preceitos é o primeiro dever de todos os cidadãos e a mais religiosa obrigação dos funccionarios civis e militares. (Muitos apoiados.)
E é com o testemunho de um militar que falta a todos estes deveres e obrigações, que o illustre deputado eleito invoca a memoria immaculada do primeiro orador portuguez! O illustre deputado que está junto com os homens que rasgaram o decreto eleitoral de 1852, tão louvado por s. ex.ª e feito por aquelle immortal tribuno! O illustre deputado pugnando pela liberdade eleitoral ao lado dos homens que em uma dictadura, e dictadura clerical, despedaçaram esse decreto, que este governo restabeleceu alargando a representação e o suffragio! (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, eu poderei não ter defendido este parecer com a sciencia e com a eloquencia que merece o assumpto e a pessoa do meu illustre amigo, o sr. visconde de Moreira de Rey; mas dou a v. ex.ª e á junta a minha palavra de honra, de que tenho a convicção profunda de que defendi a eleição do homem que teve maior numero de suffragios no circulo de Ceia. (Apoiados.)
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O sr. Emygdio Navarro: — Sr. presidente, os dois oradores que immediatamente me precederam fecharam os seus discursos com algumas apreciações sobre uma questão melindrosa e grave, que fóra d'esta casa tem sido já objecto de acerbas polemicas; e se é licito julgar dos sentimentos da maioria, pelos applausos com que acolheu as referidas apreciações, vê-se que ella está avida de se occupar de um assumpto que em meu parecer foi introduzido por um modo inconvenientissimo n'esta discussão. Se assim é, deve a maioria ficar sabendo que d'aqui ninguem foge ás suas responsabilidades. Estamos sempre promptos. Se a maioria entender que é conveniente para o prestigio das instituições, que é proveitoso para o paiz discutir aqui o poder moderador, nós acceitaremos francamente a discussão logo que assim seja posta. Mas tenha se em vista, que á faculdade de discutir para applaudir corresponde o direito de discutir para censurar. (Apoiados.)
Não provocaremos a discussão, mas não nos furtaremos a ella. O que, porém, não podemos é acceital-a sob a feição de um mero incidente, em que a declamação facil tira só forças dos apoiados que recebe.
Não queremos responder com apoiados; queremos responder com rasões, porque não pede de outro modo tratar se questão de tanta magnitude. E por isso repito, que se a maioria julgar que é conveniente, proveitoso, justo, e tambem que está dentro das suas attribuições e competencia constitucional chamar o poder moderador á discussão parlamentar, nós acceital-a-hemos, sob sua responsabilidade desde que seja apresentada nos seus devidos termos. O que não podemos é acceitar como tal uma catadupa de apoiados, que nada esclarecem, que não substituem as boas rasões, e que não nos deixam campo livro para a defeza.
Por tudo isto, e sem animo de fazer censuras, julgo que foi inconvenientissimo intercallar na discussão de um processo eleitoral este incidente, que nem ao menos nos deixou illustrados, porque um dos illustres oradores, a que me refiro, soccorreu-se em suas apreciações ao que em igualdade de circumstancias succederia lá fóra, esquecendo-se de que lá fóra não existe poder moderador, que é privativo da nossa organisação politica e da do Brazil. E essa differença envolve tambem differenças importantes de situação.
Feita esta declaração, entro directamente na discussão do parecer sobre a eleição de Ceia, que está na ordem do dia; mas entro com placidez, friamente, procurando acalmar as paixões, que se me afiguram notavelmente exaltadas, e do modo que a discussão possa correr serena, para que a nossa decisão seja justa, e o paiz a aprecie, como deve ser, nos seus legitimos fundamentos.
Vejo com desprazer que só o digno relator toma parte na sustentação do parecer que estamos discutindo. Nenhum dos outros membros da respectiva commissão de verificação de poderes se resolve a saír á estacada para defendel-o. Tão mal fadado é este parecer, que bem póde por isso a sua sorte ser comparada á do misero engeitado, que nenhum braço carinhoso ampara, e que é levado á roda pela parteira que o tirou para a luz (Riso). E creio até, que se não fôra o dever de officio, o proprio sr. relator o deixaria ao abandono!
Entre os signatarios do parecer ha jurisconsultos muito distinctos. Porque não se levanta um d'elles, que tome a palavra.
O sr. Hintze Ribeiro: — É porque não é preciso.
O Orador: — Porque não é preciso!... Mas então é porque ha sobejidão de rasões, e n'esse caso deveria tambem o digno relator do parecer ficar silencioso. Porque falla elle e se calam os outros?! Já elle nos disse que fôra escolhido para este improbo trabalho por ser formado em sciencias exactas, e ser isso mais seguro do que entregar o estudo de questões, em que deve predominar a inflexibilidade da linha recta, a homens de direito, que em geral sustentam tantos pareceres quantas as cabeças. Que lhe agradeçam a amabilidade os seus collegas da commissão, entre os quaes ha advogados e juizes!
E pelo que respeita ao digno relator, devo dizer que este parecer não honra sobremaneira as sciencias exactas, que o inspiraram, porque n’elle se affirma que só uma testemunha viu e presenceou os factos arguidos como nullidade para a eleição de Ceia, quando é certo e consta dos documentos publicados, que ha seis testemunhas n'essas circumstancias. Esta exactidão não me parece extremamente abonatoria da verdade scientifica, e póde levar a crer que a mathematica do illustre relator não vale muito mais do que a sua politica.
O digno relator contrapõe ao auto de corpo de delicto levantado na comarca de Ceia, e que é base do processo criminal em que foram pronunciados os membros da mesa d’aquella assembléa eleitoral e o respectivo administrador do concelho, o auto de syndicancia mandado levantar pelo governo.
O corpo de delicto não lhe merece fé; é suspeito; mais do que isso ainda, porque o reputa inteiramente indigno de credito e fé; e o auto de syndicancia é a verdade pura, limpa de paixões e de interesses partidarios, que deve ser acreditada plenamente contra quaesquer outras testemunhas!
Sessão de 17 de janeiro de 1879.