Página 123
11.ª SESSÃO DA JUNTA PREPARATORIA EM 17 DE JANEIRO DE 1879
Presidencia do ex.mo sr. José Paulino de Sá Carneiro (decano)
Secretarios - os srs.
Domingos de Sousa Moreira Freire
Caetano Augusto de Sousa Carvalho
SUMMARIO
Apresentação de requerimentos pedindo esclarecimentos ao governo sobre os processos eleitoraes dos circulos de Ponta do Sol e Torres Vedras, approvação de pareceres sobre diplomas e continuação da discussão do parecer da 2.º commissão de poderes ácerca da eleição do circulo de. Ceia.
Abertura — Ás duas horas da tarde.
Presentes — 68 srs. deputados eleitos.
Acta - Approvada.
O sr. Pinheiro Osorio: — Por parte da 3.ª commissão de verificação de poderes mando para a mesa o seguinte requerimento, e peço a v. ex.ª que o mande expedir com urgencia. (Leu.)
É o seguinte:
Requerimento
Requeiro que pelo ministerio do reino se pergunte pela via telegraphica ao governador civil do Funchal se ali existe na repartição competente a acta da assembléa primaria da Fajã de Ovelha, do circulo eleitoral n.º 130, de Ponta do Sol, e que no caso affirmativo se lhe recommende de novo a urgencia da remessa.
Sala das sessões da junta preparatoria, 17 de janeiro de 1879. = O deputado eleito, Pinheiro Osorio.
Mandou-se expedir.
O sr. Hintze Ribeiro: — Quando v. ex.ª me concedeu hontem a palavra no fim da sessão, mal permittia o adiantado da hora que eu entrasse em explicações que, para desaggravo meu, julgára dever prestar.
Agora, porém, e primeiro que tudo o farei, dirigindo me ao sr. José Luciano de Castro.
S. ex.ª que, como estadista, parlamentar e funccionario, eu muito respeito e considero, estranhou, e creio que não já pela primeira vez, que alguem tivesse aqui vindo sem diploma.
Não sei se s. ex.ª se referia a mim. O que sei é que, quando eu pela primeira vez tive a honra de entrar n'esta casa, não vinha acompanhado do diploma, porque a assembléa de apuramento m'o recusára; mas se eu não tinha por mim a participação official de uma assembléa que me houvesse proclamado deputado, tinha as disposições impreteriveis da nossa legislação eleitoral, que me impunham o dever de aqui me apresentar, disposições que s. ex.ª, como distincto jurisconsulto que é, não póde nem deve desconhecer.
E é facil a demonstração.
O artigo 33.° da lei de 23 de novembro de 1859 declara que se considera deputado eleito aquelle que obteve a maioria absoluta do numero real dos votantes de todo o circulo no primeiro escrutinio, ou, no segundo escrutinio, pelo menos a maioria relativa; e o artigo 101.° do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852 determina que os deputados eleitos concorram ás sessões da junta preparatoria.
Ora, a assembléa do apuramento do circulo da Ribeira Grande, declarára e reconhecêra, na acta, que por copia me foi presente, que eu obtivera ali não só a maioria relativa, que tanto me bastava, no segundo escrutinio, mas ainda a maioria absoluta do numero real dos votantes de todo o circulo.
Desde este momento não me podia restar a mais pequena duvida de que era eu o deputado eleito, e que por consequencia me cabia não só a faculdade, mas o imprescindivel dever de vir tomar parte nos trabalhos da junta preparatoria. (Apoiados.)
E que não só as disposições legaes assim o determinavam, senão que a propria praxe a este parlamento o dava como assentado, prova-o a inserção do meu nome na lista dos deputados eleitos, que desde o primeiro dia tem sido aqui sempre lido n'esta casa.
Mas quando alguma duvida eu tivesse, quando algum melindre me restasse, breve desapparecia ao ver que esta junta me conferia o honroso encargo de fazer parte de uma commissão de verificação de poderes, e ao ver que por vezes era eu chamado para servir como secretario na mesa da mesma junta.
E agora que a minha eleição está approvada, agora que a junta preparatoria proferiu sobre ella uma decisão definitiva, que transitou em julgado, agora que a ninguem é licito discutil-a ou pol-a em duvida (Apoiados), permitia-mo o sr. Luciano de Castro que lhe diga, que mal comprehendo os motivos que s. ex.ª teve para fazer reviver uma questão finda, e mesmo talvez para lançar uma insinuação desairosa sobre quem, em sua consciencia, não julga ter-se jamais transviado do rigoroso cumprimento dos seus deveres sociaes. (Apoiados.)
Vozes: — Muito bem.
O sr. Mariano de Carvalho: — Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo, que julgo necessarios para a discussão da eleição do circulo de Torres Vedras.
É o seguinte:
Requerimento
Requeiro que se peçam ao governo com a maior urgencia os seguintes esclarecimentos:
1.° Relação dos cabos de policia que tenham sido nomeados no concelho do Torres Vedras durante os mezes de setembro o outubro de 1878;
2.° Participações ou relatorios das auctoridades administrativas o do commandante da força estacionada em Arruda ácerca do serviço por esta mesma força prestado n'aquella, villa durante os dias 13, 14 e 15 do mez de outubro de 1878;
3.° Relação dos cidadãos que tenham sido presos na villa de Arruda nos mesmos dias 13, 14 e 15 de outubro, indicando-se á ordem de quem foram presos, onde o foram, porque motivo o foram, se foram postos em liberdade e quando, se contra elles se instauraram processos e em que estado se encontram esses processos. — Mariano de Carvalho.
Mandou-se expedir.
O sr. Visconde do Rio Sado: — Mando para a mesa o parecer ácerca dos diplomas dos srs. deputados eleitos Agostinho Fevereiro e Mello Gouveia, cujas eleições foram já approvadas.
O sr. Luciano de Castro: — Confesso a v. ex.ª que estou surprehendido e enleiado sem bem saber como hei de atinar com palavras que possam expressar ao illustre deputado a mais cabal satisfação, em relação ás offensas que s. ex.ª parece ter da minha humilde pessoa. Ainda assim vencerei como podér, n'este momento, a minha natural timidez e hesitação, e procurarei dar a s. ex.ª tantas explicações quantas comporte a minha natural franqueza.
Não tive intenção alguma de fazer allusão desairosa, como a s. ex.ª pareceu, ao illustre deputado o sr. Hintze Ribeiro, pelo qual, como já disse uma vez n'esta casa, tenho a mais profunda consideração, não só pelas suas qualidades pessoaes, mas ainda pelo seu merecimento, pela sua aptidão e pelas provas de competencia que tem dado
Sessão de 17 de janeiro de 1879
11
Página 124
124
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
em differentes trabalhos por elle publicados. E permitta-me s. ex.ª que por esta occasião lhe agradeça a consideração que commigo tem tido, mais de uma vez, offerecendo-me alguns exemplares d’essas obras, que li e apreciei, e onde me habituei a admirar os elevados dotes do seu talento e as altas qualidades do seu espirito.
Não era possivel, pois, que eu tivesse a intenção de fazer allusões airosas ou desairosas ao illustre deputado o sr. Hintze Ribeiro, que, confesso, n’aquella occasião não passava pela minha mente. O meu fim, n'aquelle momento, era apenas mostrar que o procedimento de uma das commissões de verificação de poderes não estava em harmonia com o das outras, e que não tinha direito a ser muito exigente, emquanto a documentos para instruir os processos eleitoraes, quem, como a junta actual, já tinha dado provas de uma certa lassidão n'este assumpto, visto que havia admittido no seu seio alguns deputados sem previa apresentação dos seus diplomas.
Póde o illustre deputado esforçar-se quanto caiba em suas faculdades para nos convencer de que o diploma dos deputados póde ser dispensado a todos os cavalheiros que se apresentem para tomar assento n'esta casa. Póde s. ex.ª cansar-se para provar que é superflua a tal exigencia. O que lhe digo é que, contra a sua opinião, está a lei clara e terminante. Está o artigo 92.° do decreto eleitoral, que diz:
(Leu.)
A lei eleitoral exige a apresentação de diploma. Este é o titulo pelo qual o deputado póde authenticar a sua identidade.
Como quer, pois, s. ex.ª que a junta preparatoria possa dispensar, a todo e qualquer cidadão que aqui se apresente, o titulo legal que prove a sua identidade?!
Como quer s. ex.ª que adoptemos um precedente, que poderia dar logar a tantas irregularidades?!
É um precedente inadmissivel que nunca vi adoptado n'esta casa senão excepcionalmente. E por excepção tambem me não oppuz á entrada do sr. Hintze Ribeiro, pois s. ex.ª sabe perfeitamente que discutindo a sua eleição nem sequer formulei essa duvida, e que não tive mesmo repugnancia em dizer perante a camara que approvava a sua eleição, como na verdade approvei.
O sr. Hintze Ribeiro, pelo muito respeito que tenho pelo seu caracter e pelos seus merecimentos, não podia suspeitar que eu lhe dirigia uma insinuação ao notar a falta de exigencia de diploma para se tomar assento n'esta junta. Nem aqui havia injuria nenhuma. (Apoiados.)
O illustre deputado parece que comprehendeu mal, ou não quiz comprehender devidamente, o meu pensamento, quando eu tratava apenas de mostrar que não havia direito de ser demasiadamente rigoroso, quando se tinha tanta lenidade, tanta brandura, para não dizer tanta relaxação sobre pontos mais momentosos do que aquelle a que me referia.
Eis aqui o que eu disse. Eu não podia ter e nunca tive outra intenção.
O que hontem disse repito-o hoje.
A illustre commissão de poderes póde ter muita rasão, e eu não tenho o animo de a censurar; só digo que, quando a commissão declarava hontem os motivos pelos quaes se recusava a formular um parecer sobre uma das eleições da ilha da Madeira, eu podia responder aos reparos demasiadamente rigorosos, que ella expoz, pela maneira por que o fiz, sem a menor idéa de faltar á consideração e á deferencia que merecem a todos nós o caracter, as qualidades e os talentos do sr. Hintze Ribeiro.
Eram estas as explicações que tinha de dar.
O sr. Hintze Ribeiro: — Começo por agradecer as lisonjeiras expressões que o sr. José Luciano de Castro acaba de dirigir-me. S. ex.ª fez alem d'isso inteira justiça ao meu procedimento n'esta casa; nem eu menos esperava da sua tão imparcial, quanto esclarecida consciencia.
Permitta-me, todavia, o illustre deputado que eu divirja de s. ex.ª n'um ponto de doutrina em assumpto meramente juridico.
Permitta me s. ex.ª que lhe diga que, se nós fossemos a admittir como condição impreterivel, para alguem se considerar eleito deputado, o facto de ter recebido um diploma da assembléa de apuramento, iriamos violar manifestamente os dictames da lei, emquanto prescreve como unica condição para tal effeito o alcançar-se a maioria absoluta do numero real dos votantes em todo o circulo, no primeiro escrutinio, ou, pelo menos, a maioria relativa no segundo escrutinio.
Incumbe effectivamente ás assembléas de apuramento a rigorosa obrigação do participarem aos deputados eleitos, que não estiverem presentes, que effectivamente o foram; e juntamente enviar-lhes a copia da acta, que é o seu diploma.
Mas, quando o não fizerem, sobre quem recáe a responsabilidade?
Sobre quem não cumpriu os preceitos da lei. (Apoiados.)
Quem assume essa responsabilidade?
São as assembléas do apuramento que, desde o momento em que a lei lhes impõe um dever, devem cumpril-o. (Apoiados.)
Mas, porque uma assembléa de apuramento não cumpre esse dever, será licito concluir que se não devo considerar como deputado eleito aquelle que não recebeu o diploma? Não, porque desde o momento em que satisfez ás condições, que a lei exige para que seja assim considerado, ninguem lhe póde negar essa qualidade, ninguem lhe póde coarctar os direitos que lhe provém d'ella. (Apoiados.)
A disposição do artigo 92.° do decreto eleitoral, que eu conheço muito bem, é uma disposição completamente accessoria em relação ao acto eleitoral, nem ha motivo para se considerar como essencial para o facto de se reconhecer a identidade de um deputado eleito, e tanto que todos os dias estamos vendo e admittindo a pratica de enviarem diplomas para a mesa, não aquelles que os receberam, mas outras pessoas.
E, quando se apresentam os que dizem ter os nomes d’aquelles que devem ser considerados deputados eleitos, como poderiamos nós verificar a sua identidade pelos diplomas, estando taes diplomas já nas commissões, ou não tendo sido por elles apresentados?
Onde está aqui a prova da identidade, quando é contestada? Porque, quando não é contestada, acceita-se sem mais discussão?
Não, a prova da identidade não se faz pelo diploma; nunca se fez.
O que diz o diploma? Diz o nome do individuo que foi considerado deputado eleito; mas o que não diz, e o que não prova, é que aquelle que aqui se apresenta como tendo esse nome, effectivamente o tenha, e pois não affirma nem prova a identidade a que se referiu o sr. Luciano de Castro.
Aqui, onde todos, mais ou menos, nos conhecemos, inutil nos fôra proceder a largas indagações para affirmar a nossa identidade, e parece-me que s. ex.ª não teria duvida em reconhecer que era effectivamente a mim que se referia a acta da assembléa de apuramento no circulo da Ribeira Grande, declarando que fôra eu ali o mais votado.
Sendo eu, pois, o deputado eleito por aquelle circulo, nenhuma duvida deveria ter, á face da lei, em vir tornar parte nos trabalhos d'esta junta.
A minha obrigação era vir desde o primeiro dia; vim, cumpri o meu dever; estou, pois, em tal assumpto perfeitamente tranquillo.
O sr. Presidente: — Está sobre a mesa o parecer da commissão de poderes sobre os diplomas dos deputados eleitos os srs. Agostinho Nunes da Silva Fevereiro e José de Mello Gouveia, cujas eleições já foram approvadas.
Vae ler-se.
Página 125
125
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
É o seguinte:
Parecer
Senhores. — Á vossa terceira commissão de verificação de poderes foram presentes os diplomas dos srs. deputados eleitos Agostinho Nunes da Silva Fevereiro e José de Mello Gouveia, estando em fórma legal.
A vossa commissão é de parecer que sejam proclamados deputados.
Sala da commissão, 17 de janeiro de 1879. = Francisco Antonio Pinheiro da Fonseca Osorio = Augusto José Pereira Leite = Frederico de Gusmão Correia Arouca = Visconde do Rio Sado, relator.
Foi logo approvado.
O sr. Fonseca Pinto: — Por parte da primeira commissão do verificação de poderes mando para a mesa o parecer sobre o diploma do deputado eleito pelo circulo n.º 50 (Cantanhede) o sr. José Luiz Ferreira Freire.
É o seguinte:
Parecer
Senhores. — A vossa primeira commissão de verificação de poderes, tendo examinado o diploma mandado para a mesa pelo sr. deputado eleito pelo circulo n.º 50, Cantanhede, José Luiz Ferreira Freire, cuja eleição foi já approvada, e achando-o em fórma legal, é de parecer que seja proclamado deputado.
Sala das sessões da primeira commissão, em 17 de janeiro de 1879. = Visconde de Sieuve de Menezes = José Maria Borges = Luiz Lencastre = A. Telles de Vasconcellos = Manuel Correia de Oliveira = Agostinho José da Fonseca Pinto.
Foi approvado.
ORDEM DO DIA
Continua a discussão do parecer sobre a eleição do circulo de Ceia
O sr. Freitas Oliveira: — Na sessão de hontem lastimou o meu amigo e collega, o sr. Francisco de Albuquerque, que este parecer que se discute fosse redigido por mim, havendo na commissão dois juizes respeitaveis e tres jurisconsultos distinctos.
Concordo plenamente com o meu collega, e sei que se este parecer tivesse sido redigido por qualquer dos meus respeitaveis collegas, elle estaria mais bem feito do que está. Não estaria, porém, mais exacto.
Pelo que respeita á minha competencia, desde que os meus collegas assignaram este parecer, sem declaração, a competencia d'elles, pelo sr. deputado reconhecida, dá ás minhas palavras uma auctoridade igual á sua.
O illustre deputado que encetou este debate pretendeu principalmente, na sua eloquente oração, fazer grande sensação no auditorio com a leitura dos despachos de pronuncia, assignados pelo juiz de Ceia, contra os membros da mesa da assembléa eleitoral e contra o administrador do concelho.
(Interrupção do sr. Francisco de Albuquerque.)
Eu não quero fazer a mais leve insinuação ao juiz que pronunciou aquelles individuos, porque devo suppor que elle cumpriu com o seu dever.
Mas o que prova a pronuncia, assignada pelo juiz, por mais respeitavel que elle seja, contra a validade d'esta eleição?
Quando aconteceu que a circumstancia de se acharem pronunciados sem fiança uns individuos fosse prova de que são criminosos?
O illustre deputado, a junta, e quantos me ouvem, de certo se lembram que ainda ha pouco tempo se encontrou, em uma estrada perto de Lisboa, o cadaver de um homem, e todos affirmaram que esse cadaver era o de um individuo assassinado em uma casa proximo do sitio da Estrella, n'esta cidade. Por este facto foram pronunciadas as pessoas que habitavam n'aquella casa, e o carroceiro que transportou o cadaver para o logar onde foi encontrado. O juiz que os pronunciou era pelo menos tão honrado e tão respeitavel como o juiz de Ceia, e contra os recusados havia indicios de criminalidade, mais accentuados dos que os que se offerecem contra os réus do corpo de delicto, em que o sr. Francisco de Albuquerque faz consistir toda a força dos seus argumentos.
Mais rasão havia, para suspeitar que os moradores da casa, d'onde saíu o cadaver, eram criminosos, do que o sr. Francisco do Albuquerque para affirmar que aquelles que o juiz de Ceia pronunciou commetteram effectivamente os crimes de que são accusados.
Pois apesar d'isso um tribunal respeitabilissimo, mais respeitavel do que um juiz, porque são muitos, declarou que não havia crime, e que até nem tinha havido assassinato, apesar dos medicos, os mais celebres e distinctos da Europa e do mundo, haverem affirmado que o cadaver encontrado era de um homem assassinado!
Por consequencia eu, não dando importancia alguma, para o caso sujeito, quer dizer, para prova da invalidade da eleição, ao auto do corpo de delicto, nem á pronuncia do juiz, não commetto nenhum acto de desconsideração ou de falta de respeito por esse magistrado, nem pelos tribunaes judiciaes. O que digo é que esse facto não traz para a discussão a mais insignificante prova de que o acto eleitoral tivesse sido viciado, isto é, que o candidato que aqui se apresenta com o seu diploma não fosse aquelle que obtivesse dos seus concidadãos o maior numero de votos. (Apoiados.)
Eu nem uma palavra disse contra a auctoridade, contra a moralidade, contra o credito das testemunhas que depozeram n'esse auto do corpo de delicto. Nem a disse, nem a digo, embora tenha informações de que muitos d'esses homens são realmente suspeitos, para se apresentarem como pessoas dignas de attenção e de credito. Bastará dizer que um d'elles foi demittido por falsificador do logar de escrivão de direito pelo ministro da justiça Gaspar Pessoa, honradissimo collega do não menos honrado membro d'esta camara o sr. Braamcamp.
Mas eu não faço questão das qualidades das testemunhas, cujos depoimentos o illustre deputado tem lido á assembléa. Eu já disse que ninguem conheço em Ceia, e, portanto, todas as testemunhas de um e outro partido têem para mim o mesmo credito. Alem d'isto eu não posso contar tudo quanto me disseram ácerca do circulo de Ceia, porque o illustre deputado podia-me pedir as provas, e eu não as tenho para lh'as dar, porque, como disse, não conheço ninguem em Ceia.
Da mesma maneira não posso affirmar que sejam indignos e falsarios os homens que depozeram no auto de syndicancia, nem que a auctoridade e os membros da mesa eleitoral praticassem a quantidade de crimes que as testemunhas do corpo de delicto lhe attribuem.
Quer o illustre deputado que eu acredite simplesmente no que disseram as testemunhas que affirmam que se praticaram alguns crimes, e que despreze e não de credito algum ás testemunhas que, por terem estado sempre presentes na assembléa, juram que taes factos nunca existiram? Que rasões podia ter a commissão para acreditar mais na boa fé de umas testemunhas do que na de outras?
Para mim são todas iguaes, merecem-me todo o mesmo conceito, não conheço nenhuma. Vejo um protesto assignado por 27 eleitores que dizem que se commetteram certos factos; vejo outro protesto assignado por 47 eleitores do mesmo credito, que dizem que taes factos se não commetteram. Não posso decidir, não póde decidir esta assembléa, não póde decidir nenhum homem justo.
Hoje não preciso occupar-me de ler os depoimentos das testemunhas. V. ex.ªs têem esses documentos diante de si e facilmente os podem ler. Vejam o que dizem as testemunhas nove, doze e vinte, que asseveram ser completissimamente falso que se tivessem expulsado os eleitores para fóra da igreja.
Sessão de 17 de janeiro de 1879
Página 126
126
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Tambem se affirma que o presidente da assembléa procurara collocar um caixão na frente da uma para se não observar que lançava na urna listas ás mãos cheias. Pois se o presidente estava só com os seus, porque os eleitores da opposição tinham sido expulsos da assembléa, para que havia de commetter uma fraude brutal e visivel, se elle podia muito á sua vontade alterar o escrutinio, que os eleitores contrarios não podiam fiscalisar? (Muitos apoiados.) Quando se affirmam estes absurdos, que credito quer v. ex.ª que se dê a taes testemunhas?
Do protesto do capitão commandante da força, do que elle affirma e do seu procedimento no dia 15 do outubro na assembléa eleitoral de Ceia, permitta v. ex.ª que eu não falle.
Esse homem está entregue aos tribunaes militares, e não serei eu que aggravarei a sua sorte. Direi sómente que o conceito que formo do capitão Bayão é exactamente o mesmo que v. ex.ª, digno e bravo general, e todos os distinctos militares que vejo n'esta sala, formam. Exactamente o que s. ex.ªs pensam, em suas honradas consciencias ácerca do inaudito procedimento d'aquelle militar, e é exactamente o que eu penso.
Para não azedar o debate, que teria forçosamente de recaír em apreciação de pessoas, no terreno que o illustre deputado escolheu para collocar a questão, eu não quero alongar esta discussão. Reconheço que a assembléa está desejosa de se constituir e de se occupar do interesses mais valiosos e mais importantes para o paiz do que este é.
Concluindo, pois, direi que se o illustre deputado que encetou este debate, ou qualquer outro membro d'esta assembléa, me apresentar uma prova de que no dia em que houve o escrutinio na assembléa de Ceia se leram uns nomes por outros, e que se contaram ao sr. Motta Veiga votos que pertenciam ao candidato da opposição, eu rasgo este parecer e voto pela annullação da eleição; mas emquanto se me não apresentar essa prova, só facciosamente se póde dizer que esta eleição não é valida. (Apoiados.)
Se houve crimes e criminosos, elles estão entregues aos tribunaes; o juiz pronunciou-os, porque assim o entendeu de justiça. Os tribunaes julgarão de tudo, e ainda quando o seu veredictum seja pela condemnação dos pronunciados, ainda se não provava que se houvesse falsificado o escrutinio. (Apoiados.)
Por ora não direi mais nada.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não podia tomar a palavra em condições que pessoalmente podessem ser-me menos agradaveis.
A eleição, que se discute, diz respeito a um cavalheiro com o qual tenho a honra de manter relações desde epocha saudosa e já longiqua, desde o meu tempo do collegio, em que terminei os estudos preparatorios.
Tenho por este cavalheiro e por sua illustração e saber a maior consideração, mas por maior que seja o meu affecto pessoal, aqui não vejo o homem, vejo a eleição.
A pessoa do illustre deputado eleito quiz e quero eu primeiro que tudo dar um publico testemunho da minha consideração e estima; e não hesito a ponto de declarar, com a minha costumada franqueza, que me honraria de ser eleitor num circulo em que se elegesse s. ex.ª para representante do paiz.
Posto isto, sr. presidente, eu entro na questão com o meu habitual desassombro.
Quando pela primeira vez tomei a palavra, declarei que qualquer eleição em que houvesse illegalidades não seria approvada com o meu voto, e vou dar á camara um publico testemunho de que cumpro rigorosamente a minha declaração, embora o seu cumprimento me possa ser por diversos motivos doloroso.
V. ex.ª e a junta estão experimentando, creio eu, e hão de sentir mais tarde, as vantagens e o proveito que esta junta tirou de rejeitar outro dia, por uma manobra ou sagacidade politica, a proposta que, sem o menor intuito politico, tive a honra de mandar para a mesa.
A junta não quiz constituir-se em camara; quiz deixar a sua constituição para depois da discussão e approvação dos diversos pareceres que estavam sobre a mesa.
A discussão da presente eleição vae provando quanto se approxima o momento em que esta junta póde constituir regularmente a camara dos deputados, e esta demora dá-se, apesar da precipitação com que se discute e da precipitação com que são elaborados os pareceres que as commissões mandam para a mesa, e que estudam tão precipitadamente, que vem dar a esta assembléa um testemunho irrecusavel de que nem ao menos leram os documentos que lhes foram presentes.
O parecer que estamos discutindo foi elaborado, creio eu, sem que o meu particular amigo e collega, relator da commissão, e sem que os seus dignos collegas na commissão tivessem tido tempo para ler os documentos que lhes foram presentes e que se acham publicados.
Eu procuro para os dignos membros da commissão, suppondo que não leram, a situação mais vantajosa ou menos desagradavel.
Com effeito, o parecer da commissão diz em um dos seus considerandos, que só uma testemunha jurou que viu e ouviu, e que todas as outras tinham jurado de vista.
O meu collega, o sr. Francisco de Albuquerque, lendo os documentos que foram presentes á commissão, mostrou que seis, sete ou oito testemunhas juraram que tinham visto e presenciado.
Como é isto possivel? Como se póde explicar ao paiz inteiro uma asserção que seria absurda e impossivel no tribunal mais risivel e mais ordinario do paiz mais selvagem e mais ignorado?
Como é que uma commissão d'esta casa affirma aos seus collegas que, tendo visto e examinado com a maxima attenção todos os documentos, apenas uma testemunha declarou que viu e ouviu, quando pela simples leitura d'esses documentos se mostra a essa commissão, que oito testemunhas juram por ter visto e presenciado o mesmo que ella affirma ter sido jurado por uma só e unica?
Se um facto d'estes, simples, nu, descarnado e unico, não faz erguer de indignação uma assembléa inteira, essa assembléa fica julgada, não póde mais levantar-se. Todavia, sr. presidente, o facto nu, unico e descarnado é este.
A commissão diz que examinou todos os documentos, esses documentos estão aqui publicados; em todos elles a commissão só encontrou uma testemunha que jura de vista. Tomam-se os documentos, os mesmos que a commissão diz ter examinado imparcial e attentamente, e vêem-se oito testemunhas que dizem: juro que vi e presenciei!
Sr. presidente, o que viram e presenciaram estas testemunhas? Veriam ou teriam presenciado apenas circumstancias accidentaes e indifferentes; que, mesmo provadas, não influissem no resultado da eleição d'aquelle circulo eleitoral? Teriam visto e presenciado simples e pequenas irregularidades que esta junta preparatoria, ou um tribunal qualquer, podesse esquecer ou remediar? Não, senhores.
Estas testemunhas viram e presenciaram arbitrariedades taes, illegalidades tamanhas, que uma eleição feita, por este systema em qualquer circulo do paiz, ou em qualquer paiz do mundo, podia dar o seguinte resultado: Terem todos os eleitores votado em um certo e determinado nome, por exemplo, no nome do meu illustre amigo, o sr. relator da commissão, e os escrutinadores escrutinarem as listas de tal modo, ou lerem os nomes por fórma tão diversa, que não recaísse um só voto no individuo em quem toda a assembléa tinha votado.
Esta é a verdade dos factos.
Eu não leio documento algum, não precise lel-os, porque creio que todos os meus collegas os leram, e, portanto, limito-me a estabelecer a minha argumentação em harmonia
Página 127
127
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
com o que esses documentos provam, e com o que se tem dito e está mais que demonstrado.
«Se algum dos meus collegas tiver a menor duvida em relação a alguma das proposições que affirmo, só n'este caso lerei a prova nos documentos que se acham publicados.
O facto é que n'esta assembléa tendo-se votado livremente, isto é, tendo-se approximado da uma para n'ella depositar o seu voto todo e qualquer eleitor da assembléa, adoptaram-se as providencias para que a uma ficasse guardada, e não fosse violada até á occasião do escrutinio. N'esse dia veiu o juiz de direito examinar se a uma se conservava intacta, e tendo verificado que estava, todos os eleitores e todos nós temos a certeza de que a uma n'aquella occasião effectivamente continha todas e as mesmas listas que os eleitores n'ella tinham lançado.
Até aqui vejo a certeza estabelecida para todos nós, até aqui ha a maxima regularidade. O que se fez depois d’isto? O que se fez é essencial o importante para apreciarmos o resultado d'esta eleição.
O administrador do concelho e o presidente da assembléa reclamaram a força armada; a tropa veiu, e foi posta em torno da uma, a grande distancia, formando alas, e não deixando passar para dentro d'essas alas pessoa ou eleitor algum. Os eleitores, que não se sabia como, ou porque já lá estavam, ou porque poderam logo passar para dentro das alas, foram expulsos pela requisição do administrador do concelho e presidente da assembléa, não só para fóra das alas, mas para fóra da igreja.
E note v. ex.ª, e note a junta, que a distancia em que da mesa eleitoral estavam as alas, na igreja, era tanta que nenhum eleitor poderia ler nem indagar se o nome que estava escripto na lista era o mesmo ou era diverso do que o escrutinador lia.
E aqui respondo eu ao illustre relator, quando disse «se o presidente estava só, se podia fazer o que quizesse, para que é que tinha a arca ou a caixa diante de si, e que necessidade tinha elle de commetter uma verdadeira brutalidade, quando podia commetter as illegalidades simplesmente e á sua vontade?» A differença é que estando os eleitores fóra das alas da tropa, mas dentro da igreja podiam protestar contra o logar d'onde o presidente tirava as listas, e por isso não admira que elle collocasse, não para fazer uma brutalidade, mas para se acautelar, o cofre diante da uma. Depois que os eleitores foram expulsos da igreja, concordo com o illustre relator; toda a arca era desnecessaria; até a circumstancia de tirar as listas, ou de fingir que as tirava, era perfeitamente dispensavel.
Estes são os factos que se acham affirmados, não digo provados, não por uma só testemunha de vista, mas por muitas testemunhas.
O sr. Freitas Oliveira: — E as outras testemunhas dos autos?
O Orador: — Logo vou aos autos; e por essa occasião direi a estranheza com que vejo o meu illustre amigo defender assumptos eleitoraes com os autos administrativos, que são a representação official do governo. (Apoiados.) Nós lá chegaremos.
(Pausa.)
Cortou s. ex.ª o fio do meu discurso, não me lembra o ponto em que estava quando fui interrompido; creio, porém que não perdemos nada com esta interrupção.
Estes factos estão affirmados por muitas testemunhas.
E dá-se o caso do que, á arguição de testemunhas suspeitas, que lhes faz a illustre commissão, respondo, como argumento de primeira intuição, que n'um assumpto d’esta ordem não póde haver testemunhas de vista que não possam ser consideradas suspeitas, estabelecida a theoria singular e cerebrina que a illustre commissão nos apresenta. Pois quem assiste como testemunha de vista a um acto eleitoral? Não é unica e exclusivamente o eleitor que n'esse acto eleitoral tem interesse maximo e profundo por um ou outro lado? Quer s. ex.ª procurar como testemunhas presenciaes e de vista, em relação a um acto eleitoral, individuos que não vissem nem assistissem a elle? É absolutamente impossivel; porque n'aquelle acto não ha espectadores na assembléa eleitoral, o que ha é o que é indispensavel que haja; é não só o eleitor que votou e cumpriu com o seu dever, mas são principalmente os eleitores mais influentes ou mais interessados pelo resultado eleitoral.
Testemunhas do ouvir dizer! Pois póde porventura alguma testemunha merecer credito, quando affirma que ouviu dizer tal ou qual circumstancia em relação a um acto a que ella não assistiu? Ouviu dizer a quem?
Necessariamente as partes que são interessadas, os proprios empenhados, no acto eleitoral, são os unicos que podem ter assistido a elle.
Não disse ainda que tivessemos prova irrecusavel ou authentica de um ou outro lado; mas digo a v. ex.ª que ninguem póde dar credito a testemunhas que não tenham visto e presenciado. Portanto é necessario acceitar o depoimento das pessoas que n'esse acto influiram, e que a elle assistiram, e era indispensavel que assistissem.
Vamos, porém, considerar a questão n'um ponto de vista mais alto, e em face dos verdadeiros principios liberaes.
Creio que é n'este campo exclusivamente que esta junta quererá occupar-se d’esta questão.
Nós temos de um lado a investigação administrativa, arma suspeita, arma absolutamente inacceitavel perante todo o homem liberal que quer, no exercicio do direito eleitoral, ver representada a vontade do povo, e não a ordem do governo. (Apoiados.)
Temos do outro lado o auto de corpo de delicto, e o despacho de pronuncia com a auctoridade e prestigio de um poder independente e absolutamente imparcial, que encontrou n'esse processo os elementos sufficientes para pronunciar, e pronunciar sem fiança, os individuos que são arguidos de terem violado a liberdade eleitoral n'aquella assembléa.
Será um despacho de pronuncia prova plena de quaesquer factos incriminados?
Eu creio que o nobre relator da commissão não experimenta n'este momento, emquanto a minha resposta tarda, o menor receio de que eu affirme similhante absurdo.
Não é, não póde ser prova absoluta, irrecusavel, evidente; mas é o resultado mais pratico e mais completo de tudo quanto indicios podem affirmar.
O que é por outro lado a investigação administrativa?
Nós podemos considerar o administrador, ou seja de Ceia, ou seja de qualquer outro concelho, como uma entidade absolutamente independente, absolutamente separada de todo o organismo administrativo?
Se assim o entendessemos, seria um absurdo igual ao que se commetteria se reconhecessemos prova plena n'um despacho de pronuncia.
Portanto, sr. presidente, os actos administrativos, em face da violação da liberdade eleitoral, venham de onde vierem, têem todos uma unica, uma só significação: é a auctoridade administrativa, em lucta nas assembléas eleitoraes com uma parcialidade ou um partido qualquer.
O que fez a illustre commissão? Declarou, como prologo, que «tinha, examinado attentamente o corpo de delicto, analysado o protesto e o contra protesto, e apreciado e confrontado o depoimento das testemunhas do auto de syndicancia mandado realisar pelo ministerio do reino...»
E aqui a propria commissão se encarregou de dar plena rasão ao meu argumento.
Com os actos do administrador do concelho de Ceia ou de qualquer outro administrador, com os actos mesmo de qualquer governador civil, esta junta não tem nada. Esta junta não tem nada com similhantes funccionarios; tem tudo com o ministerio do reino, que tanto responde pelos actos praticados em Ceia como pelos actos praticados em qualquer outro concelho. Nós não discutimos aqui com os
Sessão de 17 de janeiro de 1879.
Página 128
128
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
administradores de concelho ou com os governadores civis; não os apreciâmos. Apreciâmos a administração em relação ao poder central; isto é, a influencia do governo na lucta eleitoral.
E diz mais a commissão que «attendeu á informação do magistrado syndicante».
Depois de estabelecer este prologo, a commissão começa com os seus considerandos, nos quaes absoluta e completamente omitte a mais simples menção do auto de corpo de delicto e das testemunhas que ali juram, para adoptar exclusivamente a apreciação dos depoimentos das testemunhas que juram na syndicancia administrativa.
É por isso que o illustre relator da commissão nos diz que ha uma só testemunha.
Mais estranha é a defeza, do que a propria falta.
Pois, se ha uma unica testemunha, como é que a commissão nos diz no prologo ou preambulo que, «tendo examinado attentamente o auto de corpo do delicto, analysado o protesto e contra-protesto, encontra uma só testemunha», quando para a encontrar unica e isolada, era preciso que só tivesse examinado a syndicancia administrativa, e nem ao menos lesse o auto de corpo de delicto, onde em vez de uma existem oito?
Confesso, e o meu illustre amigo não me levará a mal, quando hontem sob a palavra inspirada e verdadeiramente eloquente do meu antigo amigo, o sr. Francisco de Albuquerque, eu via reduzir a estas dolorosas proporções o parecer da illustre commissão, doía-me verdadeiramente a alma por ver que o auctor e principal responsavel d'este documento era o meu antigo amigo, que, como ninguem ignora, eu ha muito estimo, prezo e amo quasi fraternalmente.
Se era grande a minha dôr por ver que o principal responsavel d'este documento era o meu amigo, o sr. Freitas Oliveira, mais se aggravava ella, e muito mais quando no discurso de s. ex.ª eu ouvi defender theorias, estabelecer doutrinas contra as quaes o primeiro orador do parlamento portuguez, José Estevão Coelho de Magalhães luctou, e luctou durante largos annos (Apoiados.), até conseguir, até arrancar quasi violentamente, e uma a uma, as garantias que hoje nos offerece o decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852. (Apoiados.)
O primeiro orador portuguez preferia, e preferia sempre mesmo os abusos eleitoraes do povo á intervenção da auctoridade em similhante assumpto. (Apoiados.)
Estava-me reservada para agora esta mágua, esta grande e immensa dôr.
Não sei, não posso explicar como n'uma eleição d'esta ordem a maioria escolhesse exactamente para victima expiatoria, offerecessem em holocausto um dos seus melhores talentos, um dos mais sympathicos dos seus membros. Porém, o que conclue d'aqui a commissão? O que pretende concluir a junta? Pretende concluir acaso, que nós, arguindo a eleição de viciada e de violenta, pretendemos que se dê o diploma ao outro candidato que se apresenta aqui como vencido?
Ainda não vi essa proposição enunciada por ninguem, todavia tanto direito havia da nossa parte a reclamar o mandato para o outro candidato, como o tem a illustre commissão para o entregar ao candidato a quem o confere.
Diz o nobre relator da commissão: «Mas em quem hei de eu acreditar? Hei de acreditar mais n'uns do que em outros? Não acredito em nenhum». Mas se não acredita, qual é a sua conclusão? É talvez tirar á sorte a favor de um contra o outro. A conclusão logica é outra, e é muito diversa.
Se as provas são a tal ponto contradictorias, se tanta importancia dá a commissão aos indicios administrativos ou aos indicios judiciaes, qual é a conclusão? É decidir a favor de um contra o outro.
Não póde ser. A unica conclusão logica é annullar a eleição e mandar repetir o acto eleitoral. (Apoiados.)
No caso de haver duvida, que podesse esclarecer-se, em vez da recusa fulminante de todo o credito, o meio seria determinar um inquerito parlamentar.
Quando n'um certo e determinado circulo se suscitam duvidas, que podem esclarecer-se por investigação imparcial, o unico meio de apurar a verdade, o que se faz em toda a parte, é um inquerito parlamentar, e nunca um inquerito administrativo. (Apoiados.)
E se essa duvida ainda assim continua a existir, então o unico remedio é optar pela annullação. (Apoiados.)
Mas proponha o inquerito algum dos meus collegas que fazem parte da maioria d'esta casa. Eu não o proponho, porque se a iniciativa partir de quem for suspeito de não dedicar comprovada affeição, não direi já ao governo, mas ás auctoridades administrativas, em assumptos eleitoraes, a questão será considerada politica, e a proposta é necessariamente rejeitada. (Apoiados.)
Se, pois, como affirma o illustre relator é impossivel escolher entre duas provas contradictorias, e oppostas, a conclusão logica não é a que estabelece a commissão; mas sim a annullação da eleição, mandando-se repetir tantas vezes quantas forem necessarias, para que se apresente aqui um diploma de cuja legitimidade não possa duvidar-se. (Apoiados.)
Mas quero prescindir por um momento de apreciar os indicios tanto administrativos como judiciaes, e acceitar, para pedir que a eleição seja annullada, os argumentos que a commissão nos apresenta como superiores a todas as duvidas e suspeitas.
A illustre commissão reconhece que o acto do escrutinio d’aquella assembléa foi começado e ultimado achando-se a força militar dentro da igreja.
Pergunto eu: quem estabelece este facto? É a syndicancia administrativa, o corpo de delicto judicial, ou a propria commissão? São todos, pois todos reconhecem que o escrutinio n’aquella assembléa foi feito estando a força armada dentro do templo, divergindo a commissão apenas em suppor que essa força estava ali por mero arbitrio do commandante d'ella, emquanto que outras pessoas affirmam que foi a requisição do presidente da mesa e do administrador do concelho. (Apoiados.)
Mas a illustre commissão, resvalando já para o abysmo, escolheu ainda o peior campo, collocou-se no peior terreno, vindo affirmar que a força armada estava na igreja por arbitrio do capitão. Este terreno é peior do que o outro, mil vezes peior. (Apoiados.)
O artigo 59.° do decreto eleitoral diz o seguinte:
(Leu.)
Portanto se a força armada entrou e permaneceu na igreja, não a requisição do presidente da mesa, mas pelo arbitrio de quem a commandava, e este é, como já disse, o campo em que se collocou a illustre commissão, a eleição está insanavelmente nulla. (Muitos apoiados.) Não precisa de outras provas. Podem ter sido legaes, legitimos todos os actos eleitoraes praticados n'aquella assembléa, mas basta o facto da permanencia ali da força armada, e de se terem feito esses actos perante a mesma força, sem que de mais a mais tivesse sido solicitada pelo presidente da assembléa, para estabelecer a nullidade flagrante e insanavel de todas as operações eleitoraes. (Apoiados.)
A disposição do § 3.º do mesmo artigo é expressa. Diz ella:
(Leu.)
O que quer o decreto eleitoral? O que quiz o grande orador portuguez José Estevão Coelho de Magalhães, por quem foram arrancadas, uma a uma, aos governos e aos partidos d'aquella epocha todas as garantias que cercam o exercicio do direito eleitoral portuguez? Queria que nenhum eleitor votasse debaixo da pressão e do terror, produzidos pela presença da força armada. E o que quer o
Página 129
129
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
nobre deputado quando confessa que o escrutinio principiou e terminou achando-se permanentemente occupada a assembléa pela força armada, distribuida em torno da mesa, a distancia tal, que o eleitor não via nem o que o escrutinador estava lendo, nem qual era o bilhete que o presidente lhe entregava, nem d'onde esse bilhete saía? (Apoiados.)
É esta a doutrina liberal? (Muitos apoiados.) São estes os principios que o governo acceita para si e que a illustre commissão apresenta para serem acceites pela maioria da junta? (Muitos apoiados.)
Definamos bem os campos. É assim que se querem fazer eleições? (Apoiados)
Acham ainda pouco a influencia, a pressão, os meios de corrupção de que os governos lançam mão quando querem avassallar a maioria dos circulos? (Apoiados.)
Nós, os que temos alguns annos de pratica parlamentar, já sabemos antecipadamente quaes são os eleitos de qualquer governo, quaes os resultados que hão de dar as eleições pelos diversos circulos do paiz. Todavia não é caso novo, se esse governo cáe quatro dias antes da eleição, quando os seus candidatos estão certos da victoria, ver-se o governo seu successor trazer maioria inteiramente differente, verdadeira surpreza completamente inesperada; essa maioria, justo é confessal-o, representa tanto o paiz, como o representava a outra. (Apoiados.)
Acham pouco? Querem mais? Querem fazer eleições por esta fórma? (Apoiados.) Querem a leitura das listas feita, não pelo povo, e vigiada por elle, mas guardada n'um circulo de ferro pelas bayonetas? (Muitos e repetidos apoiados.) Então affirmam claramente os seus principios. (Apoiados.)
A eleição de Ceia em si é pouco, mas o precedente, o exemplo de direito eleitoral, ou de abuso eleitoral, é muito; é grave. (Apoiados.)
Poderá ser damno irreparavel. (Apoiados.) Entretanto espero ainda, porque sou dos que confiam até ao fim que a junta não considerará esta questão como politica, porque não o é, nem póde ser (Apoiados.); excepto se o governo quizer declarar principio governamental do seu credo politico o fazerem-se eleições á bayoneta, em vez de as deixar fazer ao povo. (Apoiados.)
Mas se o governo não faz tal declaração, e eu vejo presente o nobre ministro do reino, que supponho absolutamente incapaz de dizer que mudou a ponto de querer eleições feitas á força armada, em logar de serem feitas pelos eleitores; se o governo não admitte tal principio, esta questão nunca poderá ser considerada como politica, e á maioria seria fazer grave injuria suppor que é esta a sua politica.
E não seria favor; antes seria pôr em grande risco um governo, que ficasse com a responsabilidade de ter feito approvar, por politica, uma eleição que nunca podia ser considerada n'esse terreno nem n'esse campo.
A questão é do paiz; é principalmente da dignidade d'esta camara, da sua legitimidade, do seu prestigio e da indispensavel confiança, que precisa de inspirar ao paiz, para legislar com auctoridade, e para se não tornar suspeita de representar a fraude, a força ou a violencia, em vez de representar a expressão legitima do suffragio popular.
É debaixo d'este ponto de vista que colloco esta questão.
Felizmente o illustre orador que me precedeu, o sr. Francisco do Albuquerque, tratou-a com conhecimento pleno dos factos, e não lhe deu tambem caracter algum politico; e espero que os oradores que se sigam a não desviem do caminho em que ella se acha collocada; e refiro-me principalmente aos oradores que não sympathisam com a maioria d'esta camara, porque não creio, apesar de ter havido exemplos, e exemplos repetidos, em contrario, que a opposição fosse mandada ao parlamento para fazer mais serviços ao governo do que os que lhe faz a sua maioria.
Poderá haver alguma duvida, quando nós decidimos como jury, e sem o rigor estricto, de documentos e provas a que são obrigados os tribunaes judiciaes?! Poderá algum de nós, em boa consciencia, conservar qualquer duvida, em relação ao modo como as cousas se passaram n'esta assembléa eleitoral?
Ha um documento a que vou referir-me, e do que não podia deixar de fazer menção. É o protesto do capitão que commandava a força n'esta assembléa, protesto sobre o qual tenho de dizer duas palavras.
Este documento, pela fórma por que está escripto, pelo momento, pela occasião em que se escreveu, convence todo o espirito imparcial, de que contém a narração fiel e exacta dos factos que se passaram na assembléa eleitoral. Não ha, não póde haver individuo estranho ás paixões de um circulo qualquer, que tivesse a audacia de affirmar o que se affirma n'este documento, logo que tivesse a certeza de que o desmentia uma assembléa inteira, porque estava contrariando a verdade dos factos, que tinham sido presenceiados por todos os eleitores de uma assembléa primaria.
Como jury, eu reconhecia a este documento uma importancia essencial, mesmo decisiva; e dando importancia a este indicio em relação a este ponto, sou dos que lamentam que este protesto fosse escripto por um official do exercito portuguez, o encarregado de manter ou commandar a força publica, n'um acto qualquer, onde a sua intervenção se julgava indispensavel.
Não creio que este documento, que reputo filho de um momento de paixão, embora, para mim elle seja um testemunho a favor dos factos que affirmo; não creio que este documento pudesse ser escripto por nenhum official do exercito n'um paiz em que o governo não quizesse, ou não tivesse querido exagerar o seu systema de tolerancia a ponto de relaxar os principaes e indispensaveis vinculos, as primeiras e indispensaveis garantias de boa organisação social. (Apoiados.)
Esse ajuste de contas terei occasião de o fazer com o actual governo, não em relação a este facto isolado, mas em relação a outros muito mais importantes e muito mais significativos.
Veja esta junta, e eu desejaria tambem que o governo visse, se fosse capaz de ver, ou se fosse ainda tempo de olhar com seriedade para cousas importantes; vejam todos se é justo ou admissivel que o commandante de uma força publica, possa ou não possa examinar se deve ou não deve n'esta qualidade vir protestar na imprensa do seu paiz do modo como aqui se fez.
É uma questão de disciplina e organisação militar que não me cumpre tratar nesta occasião.
Se a verdade dos factos deveria ser relatada n'uma especie de protesto politico, ou se deveria apparecer antes n'um depoimento que o militar tivesse de prestar perante o poder judicial ou perante qualquer auctoridade, é questão que não quero tratar n'este momento; affirmando, todavia, desde já que me parece muito mais regular expor a verdade dos factos não ao publico, mas aos tribunaes encarregados de apurar a verdade, ou na exposição aos seus superiores.
Mas o protesto não é só este. No protesto apparece o seguinte, e chamo a attenção da junta.
Diz-se aqui:
«Estamos, porém, n'um paiz onde taes sentenças se não cumprem, porque o poder moderador cobre sempre os criminosos d'esta especie com o seu manto de misericordia.»
Isto é com o governo, com o governo que tem por theoria e como principio cobrir com a sua responsabilidade os actos do poder moderador.
Parece que só cobre quando é para receber louvores, e descobre quando é para a censura ou injuria.
Como é que um individuo, um cidadão d'este paiz, não
Sessão de 17 de janeiro de 1879
Página 130
130
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
um simples cidadão, mas um official do exercito, discute e discute impunemente, discute sem favor, mas com censura, os actos de um poder respeitavel, os actos da chave da organisação politica d'este paiz? (Apoiados.)
Como é que um governo se apresenta impassivel e contente perante taes manifestações, não digo de um direito, mas de um verdadeiro abuso a que nos tem levado por um lado a nossa pessima educação constitucional, e por outro lado a excessiva tolerancia do governo, que mais parece cumplicidade do que tolerancia?
Este protesto diz mais:
«Não é tambem concorrer para que seja annullada a eleição de Ceia, pois sei que as normas da honra e decencia pelas quaes se regulam os parlamentos, não são as mesmas que regulam a vida commum.»
E escreve-se isto!...
Uma voz: — E é isso o que é verdade.
O Orador: — Podia ser verdade, mas não o devia affirmar impunemente um simples cidadão d'este paiz, e muito menos um official do exercito portuguez, um representante da força publica!
Diga o illustre deputado que é verdade, e vamos a apurar essas contas, vamos a ver quem mais tem concorrido para o estado de que o illustre deputado se queixa. Para isso é que eu estou aqui; estou aqui para a lucta; estou aqui para me levantar a ver se acordo os homens honestos, os homens de bem d'este paiz, e se todos se levantam indignados contra um abuso que dissolve pela base a sociedade portugueza.
Vejo desacreditar as liberdades publicas, escarnecer a primeira e mais respeitavel expressão do poder, que em todos os paizes é a representação nacional no parlamento, insultam-se os eleitos do povo, e hei de eu assistir silencioso e impassivel a tal affronta?
É d'isso que o illustre deputado gosta?
Se gosta, ahi tem. E quem gosta, vote a eleição de Ceia!
Não a voto eu, porque a mim ninguem me diz isto impunemente.
Eu tenho sempre tratado de conservar nas minhas relações parlamentares as mesmas noções de honra e dignidade das minhas relações pessoaes. É por isso que córei de indignação quando vi que o parlamento do paiz, o primeiro dos poderes publicos, era tratado por esta fórma, com acquiescencia do governo, com prazer do governo, e de um governo que se diz conservador!
Tenho dito.
O sr. Freitas Oliveira: — Tratando-se de uma eleição de Ceia, eu não devia estranhar que viesse tomar parte na discussão o partido que tem manifestado a sua existencia politica em jantares e lunchs politicos. O que, porém, eu não esperava é que d'esse partido fosse escolhido o meu particular amigo, o sr. visconde de Moreira de Rey, para vir atacar com tanta injustiça e com tanta vehemencia o parecer de que eu fui relator...
O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Dá-me licença?
O Orador: — Pois não!
O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não fui escolhido; eu é que me escolhi. (Riso.)
O Orador: - Se foi s. ex.ª que a si proprio se escolheu, devo entender que foi naturalmente inspirado por um grande sentimento de amor pela liberdade eleitoral. E é em nome d'essa liberdade, que s. ex.ª pede a esta assembléa que annulle uma eleição onde a liberdade de eleger se affirmou em desesperada lucta!
O illustre deputado, que com tal energia quer tolher aos governos todos os meios de intervir nas eleições, propõe á junta que invalide uma eleição, de cujo processo se não prova que fosse viciada na contagem dos votos, só pelo facto da força armada invadir uma assembléa, ás ordens não se sabe de quem!
Veja a junta que precedente iria estabelecer se adoptasse a doutrina do illustre deputado. Os governos facciosos que quizessem invalidar as eleições dos deputados que lhes não conviessem, mandariam invadir as assembléas onde elles tivessem a maioria da votação, pela força armada e viriam á camara dos deputados ou á junta preparatoria allegar esse crime para annullarem as eleições dos seus adversarios!
Repare, pois, a camara nas consequencias que podem resultar de se estabelecer um tal precedente.
Mas o illustre deputado, que nega á syndicancia todo o valor de prova, que nega ao administrador syndicante o caracter de imparcialidade, e que tem na conta de impostores e mentirosas as testemunhas, que depozeram no auto administrativo, fundamenta as suas violentas accusações contra o parecer de que fui relator, no protesto de um official, que s. ex.ª é o primeiro a accusar de faccioso e de insubordinado! (Muitos apoiados.)
O homem que apresentou o protesto que figura como base do auto de corpo do delicto, em virtude do qual foram pronunciados o administrador do concelho e os membros da mesa da assembléa de Ceia, é um militar em serviço, que escreveu contra o poder moderador as phrases que indignaram o illustre deputado eleito. (Apoiados.)
E é com esta base, é com este fundamento, é com o testemunho de um official do exercito que insulta e offende o chefe do estado (Apoiados.), que o sr. visconde de Moreira de Rey, o defensor das instituições e da monarchia, quer annullar esta eleição! (Muitos apoiados.)
Em todas as nações do mundo, nas monarchias e nas republicas, o official que commettesse um tal attentado seria immediatamente entregue aos tribunaes de guerra (Muitos apoiados.), e nunca seria o testemunho de tal homem o que homens liberaes invocariam para invalidar uma eleição que representa a vontade livre dos eleitores. (Muitos apoiados.)
As testemunhas do auto de corpo de delicto são pessoas offendidas, porque são eleitores vencidos, e o testemunho dos offendidos não póde constituir prova de um crime. (Apoiados.)
Aquellas testemunhas do auto de corpo de delicto são os offendidos, e, portanto, são a parte accusadora que tem de ser ouvida, mas que não póde depor como testemunha no auto da querella que requereu.
Eu, como juiz de facto d'esta causa, como relator da commissão, não podia attender ás testemunhas do auto de corpo de delicto, uma vez que essas testemunhas eram suspeitas.
Não ha factos criminosos para mim, só pelo testemunho d'estes individuos, nem pelo despacho de pronuncia; e que isto não é prova de que se viciasse o escrutinio, confessam-no os illustres deputados eleitos, que combatem o parecer.
Eu já fui aqui averbado de incompetente para entrar n'esta questão, porque não sou formado em direito.
É verdade; eu não sou formado em direito, mas não é só por isso que me reconheço incompetente para entrar n'esta questão. A minha incompetencia deriva da fraqueza das minhas faculdades, que não estão á altura de eu poder luctar com adversarios de tanta illustração e de tanta intelligencia.
Não sou competente para entrar n'esta questão, porque não sou jurisconsulto; mas, quando se trata de descobrir a verdade, quando se trata sobretudo de a patentear a uma assembléa, que não é exclusivamente composta de jurisconsultos, e a um paiz em que, felizmente, a grande maioria dos habitantes não é composta de bachareis formados em direito (Riso.), creio que os homens versados nas sciencias exactas mostrarão sempre uma só verdade.
Nas sciencias exactas a verdade é uma só para todos. A verdade entre mathematicos não se discute, acceita-se.
Quando se affirma que a linha recta é a mais curta distancia entre dois pontos, não ha dois mathematicos que tenham opinião differente entre si, nem contraria ao axioma.
Página 131
131
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Nos pleitos entre jurisconsultos ha sempre uma verdade differente para cada um dos litigantes. Alem d'essa ha outra verdade para o juiz, e outra ainda para os juizes de segunda instancia, e finalmente a verdade verdadeira do supremo tribunal, que não é muitas vezes a verdade destes, nem d'aquelles (Apoiados.)
(Riso.)
Não sou competente para entrar em questões juridicas, nem entro, porque nunca me metto a fallar do que não entendo; mas sou competente para apresentar á esta assembléa todos os indicios que d'este processo constam, pelos quaes se prova que as testemunhas do auto do corpo do delicto são falsas (Muitos apoiados), como falso é o depoimento do militar insubordinado e indisciplinado, que se gaba de haver faltado ao seu dever e á sua consciencia, e ataca indignamente o poder moderador, chefe da nação e generalissimo do exercito. (Apoiados.)
Isto nem na mais anarchica republica se consentia. (Apoiados.)
Na França, que é uma republica civilisada e séria, se um militar fizesse o que este fez, estava irremissivelmente perdido no conceito publico e seria castigado severamente (Apoiados.) Porque republica não quer dizer anarchia, não quer dizer difamação, não quer dizer impunidade para a calumnia e para a injuria. (Apoiados.) Em nenhuma republica é licito offender publicamente o primeiro magistrado da nação! (Apoiados.) Tanto nas republicas como nas monarchias dos estados civilisados o respeito ás leis e o cumprimento rigoroso dos seus preceitos é o primeiro dever de todos os cidadãos e a mais religiosa obrigação dos funccionarios civis e militares. (Muitos apoiados.)
E é com o testemunho de um militar que falta a todos estes deveres e obrigações, que o illustre deputado eleito invoca a memoria immaculada do primeiro orador portuguez! O illustre deputado que está junto com os homens que rasgaram o decreto eleitoral de 1852, tão louvado por s. ex.ª e feito por aquelle immortal tribuno! O illustre deputado pugnando pela liberdade eleitoral ao lado dos homens que em uma dictadura, e dictadura clerical, despedaçaram esse decreto, que este governo restabeleceu alargando a representação e o suffragio! (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, eu poderei não ter defendido este parecer com a sciencia e com a eloquencia que merece o assumpto e a pessoa do meu illustre amigo, o sr. visconde de Moreira de Rey; mas dou a v. ex.ª e á junta a minha palavra de honra, de que tenho a convicção profunda de que defendi a eleição do homem que teve maior numero de suffragios no circulo de Ceia. (Apoiados.)
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O sr. Emygdio Navarro: — Sr. presidente, os dois oradores que immediatamente me precederam fecharam os seus discursos com algumas apreciações sobre uma questão melindrosa e grave, que fóra d'esta casa tem sido já objecto de acerbas polemicas; e se é licito julgar dos sentimentos da maioria, pelos applausos com que acolheu as referidas apreciações, vê-se que ella está avida de se occupar de um assumpto que em meu parecer foi introduzido por um modo inconvenientissimo n'esta discussão. Se assim é, deve a maioria ficar sabendo que d'aqui ninguem foge ás suas responsabilidades. Estamos sempre promptos. Se a maioria entender que é conveniente para o prestigio das instituições, que é proveitoso para o paiz discutir aqui o poder moderador, nós acceitaremos francamente a discussão logo que assim seja posta. Mas tenha se em vista, que á faculdade de discutir para applaudir corresponde o direito de discutir para censurar. (Apoiados.)
Não provocaremos a discussão, mas não nos furtaremos a ella. O que, porém, não podemos é acceital-a sob a feição de um mero incidente, em que a declamação facil tira só forças dos apoiados que recebe.
Não queremos responder com apoiados; queremos responder com rasões, porque não pede de outro modo tratar se questão de tanta magnitude. E por isso repito, que se a maioria julgar que é conveniente, proveitoso, justo, e tambem que está dentro das suas attribuições e competencia constitucional chamar o poder moderador á discussão parlamentar, nós acceital-a-hemos, sob sua responsabilidade desde que seja apresentada nos seus devidos termos. O que não podemos é acceitar como tal uma catadupa de apoiados, que nada esclarecem, que não substituem as boas rasões, e que não nos deixam campo livro para a defeza.
Por tudo isto, e sem animo de fazer censuras, julgo que foi inconvenientissimo intercallar na discussão de um processo eleitoral este incidente, que nem ao menos nos deixou illustrados, porque um dos illustres oradores, a que me refiro, soccorreu-se em suas apreciações ao que em igualdade de circumstancias succederia lá fóra, esquecendo-se de que lá fóra não existe poder moderador, que é privativo da nossa organisação politica e da do Brazil. E essa differença envolve tambem differenças importantes de situação.
Feita esta declaração, entro directamente na discussão do parecer sobre a eleição de Ceia, que está na ordem do dia; mas entro com placidez, friamente, procurando acalmar as paixões, que se me afiguram notavelmente exaltadas, e do modo que a discussão possa correr serena, para que a nossa decisão seja justa, e o paiz a aprecie, como deve ser, nos seus legitimos fundamentos.
Vejo com desprazer que só o digno relator toma parte na sustentação do parecer que estamos discutindo. Nenhum dos outros membros da respectiva commissão de verificação de poderes se resolve a saír á estacada para defendel-o. Tão mal fadado é este parecer, que bem póde por isso a sua sorte ser comparada á do misero engeitado, que nenhum braço carinhoso ampara, e que é levado á roda pela parteira que o tirou para a luz (Riso). E creio até, que se não fôra o dever de officio, o proprio sr. relator o deixaria ao abandono!
Entre os signatarios do parecer ha jurisconsultos muito distinctos. Porque não se levanta um d'elles, que tome a palavra.
O sr. Hintze Ribeiro: — É porque não é preciso.
O Orador: — Porque não é preciso!... Mas então é porque ha sobejidão de rasões, e n'esse caso deveria tambem o digno relator do parecer ficar silencioso. Porque falla elle e se calam os outros?! Já elle nos disse que fôra escolhido para este improbo trabalho por ser formado em sciencias exactas, e ser isso mais seguro do que entregar o estudo de questões, em que deve predominar a inflexibilidade da linha recta, a homens de direito, que em geral sustentam tantos pareceres quantas as cabeças. Que lhe agradeçam a amabilidade os seus collegas da commissão, entre os quaes ha advogados e juizes!
E pelo que respeita ao digno relator, devo dizer que este parecer não honra sobremaneira as sciencias exactas, que o inspiraram, porque n’elle se affirma que só uma testemunha viu e presenceou os factos arguidos como nullidade para a eleição de Ceia, quando é certo e consta dos documentos publicados, que ha seis testemunhas n'essas circumstancias. Esta exactidão não me parece extremamente abonatoria da verdade scientifica, e póde levar a crer que a mathematica do illustre relator não vale muito mais do que a sua politica.
O digno relator contrapõe ao auto de corpo de delicto levantado na comarca de Ceia, e que é base do processo criminal em que foram pronunciados os membros da mesa d’aquella assembléa eleitoral e o respectivo administrador do concelho, o auto de syndicancia mandado levantar pelo governo.
O corpo de delicto não lhe merece fé; é suspeito; mais do que isso ainda, porque o reputa inteiramente indigno de credito e fé; e o auto de syndicancia é a verdade pura, limpa de paixões e de interesses partidarios, que deve ser acreditada plenamente contra quaesquer outras testemunhas!
Sessão de 17 de janeiro de 1879.
Página 132
132
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Tem o merecimento da novidade esta regra de interpretação.
Os actos do poder judicial, que é um poder independente, não merecem credito e são suspeitos de parcialidade politica: e não tem essa macula um auto de syndicancia mandado levantar pelo governo, que é parte interessada no pleito eleitoral, e que por esta novissima hermeneutica ficaria constituida em juiz supremo do mesmo pleito! É o governo quem dirige as eleições; é elle quem recommenda, auctorisa ou consente as violencias empregadas; é elle quem indigita os candidatos ministeriaes ou os apresenta aos agentes da auctoridade, e quem põe á disposição d'elles os meios necessarios para os fazer triumphar; e por isso mesmo, as syndicancias por elle mandadas levantar sobre tal assumpto, e pelos seus agentes, representam apenas a informação graciosa e suspeita de uma das partes interessadas e sobre quem pesam mais graves responsabilidades. Não é este o caso dos actos do poder judicial praticados segundo as formalidades legaes. E isto bastaria para que o acto de syndicancia, invocado como argumento unico, pelo illustre relator da commissão, nunca podesse ter o valor de uma prova juridica.
Mas quer a junta saber como foi feita esta syndicancia?
Basta um lance de olhos para se apreciar a imparcialidade e amor da verdade, que inspiraram o administrador syndicante.
Este magistrado, para afectar de imparcial, chamou a depor quatro testemunhas pertencentes ao partido do candidato opposicionista. Teve, porém, o cuidado de chamar individuos, que não tinham assistido aos factos em questão, e que por isso mesmo, e por serem pessoas de bem, não podiam dizer que soubessem alguma cousa a respeito d'esses factos por os ver e presencear.
No entanto, essas testemunhas fizeram indicações, que teriam levado o administrador syndicante ao apuramento de verdade se este a quizesse realmente apurar. Assim a segunda testemunha falla de dois dos factos mais graves, arguidos como motivo de nullidade para a eleição, por os ter ouvido contar a José Antonio Rodrigues Ferreira, de Pinhanços, e a Joaquim Manuel da Silveira, de Sandomil; a oitava faz similhantemente referencia a Thiago de Albuquerque, João Cabral e Luiz de Mello Machado; a decima primeira refere-se a Antonio Augusto de Oliveira Santos, e dr. Luiz Henriques Cunha. Pois nenhum d'estes individuos foi inquirido, para complemento e esclarecimentos d'aquelles depoimentos!
É principio de direito, que a testemunha referente tem só o credito que lhe dá a testemunha referida. D'ahi a necessidade de se inquirirem as testemunhas referidas sempre que quaesquer testemunhas a ellas se refiram nos seus depoimentos.
Esta omissão é até, em regra, causa de nullidade no processo criminal. E o administrador do concelho syndicante, que chamou a depor individuos, que nada sabiam de factos presenciaes, onde tanta gente havia que podesse depor por ver e presencear.
Desprezou aquella regra de direito e poz de parte as indicações, que esses mesmos individuos lhe forneceram, para descobrir toda a verdade. Eis ahi como foi feita a famosa syndicancia.
Se esta junta estivesse constituida em camara, e podesse por isso chamar a contas o governo, eu havia de perguntar ao sr. ministro do reino por que rasão fechou esta syndicancia na sua gaveta, e a não mandou entregar ao poder judicial. Vê-se que o governo não a quiz sujeitar á critica e exame de um poder independente a quem de direito pertencia confirmal-a ou desmentil-a nos seus resultados, achando por melhor guardal-a em si, com segredo e recato, para a fazer aqui apresentar como apuramento imparcial da verdade dos factos.
Esta questão, porém, é indifferente para elucidar as apreciações da junta sobre as conclusões do parecer em discussão. O digno relator contrapõe o auto de syndicancia ao auto de corpo de delicto, e diz que as vinte testemunhas d'aquelle desmentem a existencia dos motivos de nullidade arguidos. Ora, peço ao illustre relator licença para affirmar que não ha uma unica testemunha que negue a existencia d'esses factos, porque todas ellas, as do auto de syndicancia e as do auto de corpo de delicto, são conformes na affirmativa. A prova é plenissima.
E para demonstrar isto, recorrerei a uma regra aqui exposta hontem pelo digno relator, e que é talvez a unica parte do seu discurso com que concordo.
Disse s. ex.ª «que a esta junta não compete dirimir responsabilidades criminaes, nem conhecer dos crimes que se tenham praticado senão tanto quanto baste para apreciar a veracidade dos factos sujeitos ao seu exame». Estou inteiramente de accordo. E é por isso que não nos importa averiguar se a força armada entrou na assembléa eleitoral de Ceia por ordem do presidente da mesa, ou por ordem do administrador do concelho, ou só por mero alvedrio do respectivo commandante.
Tambem nos não importa saber se ella se conservou durante todo o escrutinio dentro da igreja por mandado de um ou de outro d'aquelles individuos, e igualmente por ordem de quem ella formou em duas alas em seguimento á mesa.
Os tribunaes apreciarão essas responsabilidades. Para nós, junta preparatoria, basta-nos saber que a força armada esteve onde não podia estar, se demorou onde não podia demorar-se, impediu o livre accesso á uma a quem o não podia impedir, e que o escrutinio se fez em presença d'ella, o que não podia fazer-se. (Apoiados.)
Estes factos são affirmados por todas as testemunhas quer do auto de syndicancia, quer do auto de corpo de delicto, porque umas e outras só divergem na imputação das responsabilidades, o que esta junta não tem de apreciar.
O artigo 59.º do decreto eleitoral diz expressamente que «a nenhuma força armada é permittido apresentar-se no local onde estiverem reunidas as assembléas eleitoraes, ou na sua proximidade, excepto a requisição feita pelo presidente da mesa; e que, apparecendo a força, os actos eleitoraes se suspenderão desde logo, não podendo prosseguir-se n'elles senão depois da passada meia hora da retirada da força». Ora, todas as testemunhas affirmam, e confessa-o o parecer da commissão, que a força armada se conservou dentro da igreja durante todo o acto eleitoral do dia 15.
O artigo 51.º do mesmo decreto diz que «a mesa da eleição será collocada no corpo do edificio, e de maneira que todos os eleitores possam por todos os lados ter livre accesso a ella, e observar todos os actos eleitoraes». Ora, todas as testemunhas afirmam que os eleitores não tinham livre accesso á mesa, que a tropa não os deixava passar, e que só lhes era permittido estar ao fundo das alas da tropa, que eram formadas por vinte soldados cada uma, e d'onde se lhes tornava absolutamente impossivel verificarem a exactidão do escrutinio. E aqui declamou o sr. relator, que se lhe apresentassem uma testemunha, uma só testemunha que fosse, a qual declarasse que as listas não tinham sido bem lidas, e os votos contados a quem de direito pertenciam, estava prompto a rasgar o parecer e a substituil-o por outro que concluisse pela nullidade da eleição. O offerecimento não o compromette a muito! Pois como quer s. ex.ª que appareça essa testemunha, se a força armada não deixou approximar pessoa alguma dos escrutinadores como a propria commissão reconhece no seu parecer? Se os não deixaram ser testemunhas, como poderiam elles dar testemunho? (Apoiados.)
O sr. relator, não podendo contestar a exactidão d'este facto, que importa uma violação formal da lei eleitoral, disse que os eleitores, não obstante estarem desviados da mesa, tinham meio de fiscalisar a veracidade do escrutinio,
Página 133
133
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
por isso que as listas do candidato da opposição estavam dobradas em quatro, e as do candidato governamental dobradas a meio e levemente enroladas. Este argumento não póde ser tomado a serio! Toda a gente sabe que n'uma lucta eleitoral os grupos que se degladiam procuram imitar reciprocamente os differentes padrões de listas, para subtrahirem os eleitores timoratos á vigilancia e oppressão de influencias a que elles queiram desobedecer. Alem d'isso, ha muitos eleitores que escrevem a lista por seu punho e sem se importarem com o corte do papel e com o modo de o dobrar. Uma fiscalisação, que se limitasse á apparencia exterior da lista, seria irrisoria. Mas, admittido mesmo o argumento, seguir-se-ia que na votação não houvera o sygillo exigido pela lei, o que aliàs é confirmado pelos depoimentos de varias testemunhas, que affirmam terem sido distribuidas á bôca da uma as listas do candidato governamental, sendo para isso tiradas de uma saquita de chita, o que é outro motivo de nullidade.
Vozes: — O candidato da opposição fez o mesmo.
O Orador: — Se fez o mesmo, não se póde d'ahi concluir que deva ser approvada a eleição do candidato governamental; antes pelo contrario, porque tendo elle feito o mesmo que este, ha duplicação de motivo de annullação, ha accumulação da rasões no sentido de se invalidar a eleição. (Apoiados.) Foram então dois a violar a lei em vez de um só, e a conclusão é que se dê por nullo o acto praticado contra a expressa disposição da lei. (Apoiados.)
A junta está fatigada, e eu tenho de cansar ainda mais a sua attenção lendo um documento importantissimo, que só agora me chegou ás mãos.
Este documento é o despacho do pronuncia contra os membros da mesa eleitoral de Ceia e respectivo administrador, e ao qual se referem os mandados de captura já publicados.
Antes de mais nada devo declarar que este documento não é official. É uma simples copia, e não uma certidão.
Por isso não tem elle mais fé do que aquella que a junta quizer attribuir-lhe.
O processo é secreto até á pronuncia, mas o segredo de justiça não existe n'este caso para a parte querellante, á qual se não póde levar a mal que ella use, como julgue dos seus interesses, das peças do processo de que tenha conhecimento.
Em todo o caso os meus melindres obrigam-me a declarar que este documento, que vou ler, não é um documento authentico, porque não é uma certidão, que ainda não podia ser passada.
Diz este documento:
«Está provado por todas as testemunhas civis e militares, e de todas as procedencias, que no dia 15 de outubro proximo, seriam nove horas da manhã, a tropa aqui estacionada, e não inferior a quarenta praças, deu entrada na igreja matriz d'esta villa, e ahi foi formada em duas alas.
«Está do mesmo modo provado por todas as testemunhas, que a tropa assim formada se conservou dentro do templo até se ultimar a eleição, bem como é um facto incontroverso que só foi permittida a entrada na igreja aos eleitores depois que a tropa se formou na fórma exposta.
«São factos estes em que não ha divergencia a discutir.
«É ainda outro facto assentado e reconhecido por todos, que não houve tumulto, nem provocação, nem aggressão por palavras ou por obras contra qualquer individuo determinadamente.
«Ora, o artigo 59. ° do decreto eleitoral de 30 de setembro determina clara, peremptoria e taxativamente os casos em que a força publica póde ser empregada, a fórma e as cautelas como cumpre proceder em taes conjuncturas. Não se podem discutir as palavras da lei, porque são de uma clareza deslumbrante.
Mas, quando o emprego da força publica fôra legitimo, o que os autos mostram negativamente, a sua permanencia della dentro do templo até se ultimarem as operações eleitoraes é a violação mais audaz e mais directa, talvez sem precedente, do § 3.° do artigo 59. ° citado, que manda suspender os actos eleitoraes por espaço de meia hora, e proseguir n’elles só depois da retirada da tropa, e decorrida essa meia hora.
«Não era mister que a tropa penetrasse dentro do templo, bastava que houvesse necessidade de approximar-se do edificio da assembléa para a mesa eleitoral ter obrigação de suspender as operações eleitoraes na fórma dita.
«Não ignorando ninguem que as requisições da força armada feitas em nome do presidente da assembléa o são sempre por meio da auctoridade civil (artigo 59.° do decreto eleitoral citado, differentes ordens do exercito, especialmente a ordem n.º 48 de 8 de setembro de 1870, publicada no Diario do Governo n.º 202), que esta é o verdadeiro fiscal da lei, e que n'essa qualidade, e ainda na de protectora da liberdade eleitoral, só póde e só deve satisfazer ás legaes requisições do presidente da assembléa eleitoral, parecerá ocioso inquirir por ordem e accordo de quem a força militar foi introduzida no templo, e ahi postada em duas alas, e por mandado de quem ahi permaneceu até se ultimarem as operações eleitoraes, com flagrantissima violação das prescripções legaes.»
Tenha-se em vista que o juiz, que assim se exprime, não pertence a nenhum dos grupos da opposição.
Ainda nas penultimas eleições foi apresentado como candidato do governo pelo circulo de Chaves, e ali foi o sustentaculo activo e vigoroso da influencia do partido regenerador. Não é um juiz filiado no partido progressista. Se em alguma politica, é regeneradora. Pois é este juiz que n'um despacho de pronuncia affirma que os actos praticados na assembléa eleitoral de Ceia constituem a violação mais directa, mais audaz, e talvez sem precedentes, da lei eleitoral!
Continua o mesmo juiz:
«Nos autos fl. 54 está um officio do administrador arguido e querellado, com data de 21 de outubro proximo findo, dirigido ao agente do ministerio publico, no qual se diz o seguinte;
«Constando-me que á mesa da assembléa eleitoral d'esta villa se attribuem excessos praticados nos dias 13, 14 e 15 do mez corrente, em que teve logar a eleição de um deputado por este circulo n.º 70, procedi, para o descobrimento da verdade, ao incluso auto de investigação, que passo ás mãos de v. s.ª para os fins e effeitos devidos.»
«N'este auto de investigação, a fl. 59, diz a testemunha Manuel Borges da Silva o seguinte:
«Em vista do que, o mesmo presidente requisitou (no dia 15 de outubro) logo a intervenção da força armada, a qual sendo posta em duas alas...»
A testemunha José da Costa Ferreira, a fl. 60, depõe: «de que logo preveniram (o presidente), mandando este entrar a força armada dentro da assembléa para garantir a sua existencia, formando em duas alas.»
A testemunha Antonio Alves da Rocha, a fl. 62, diz: «que podia ser presenciado por quem quizesse (o acto eleitoral!) apesar de ali estar a força armada, que pelo presidente havia sido requisitada.»
A testemunha José Alexandre de Gouveia, presbytero, a fl. 63, diz: «sendo aquella (o presidente) avisado, requisitou para sua garantia a força armada, que foi postada em duas alas.»
A testemunha Luiz da Motta Veiga, a fl. 65, diz o seguinte: «Requisitára (o presidente) a intervenção da força armada, e ordenára que ella ficasse em duas alas dentro do templo.»
«E, portanto, a auctoridade querellada, que nos fornece uma prova plena n'este ponto; são as suas proprias testemunhas, e por ella inquiridas, que nos dizem quem requisi-
Sessão de 17 de janeiro de 1879
Página 134
134
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
lou a força publica no dia 15 de outubro para penetrar no templo, e ahi permanecer até se ultimar a eleição.
«Estas testemunhas novamente inquiridas n'este juizo declaram que confirmam, ampliam e ratificam aquelles seus depoimentos, e depozeram uniformemente: que a tropa deu entrada na igreja antes de começar o escrutinio, e até antes de permittir-se a entrada aos eleitores, e que ali se conservou até a eleição terminar.
«Vejam-se os autos a fl. 70 signanter, linhas 6, fl. 74, linha 23, fl. 75, linha 3, fl. 76, linha 14, fl. 780, fl. 80, linha 18.
«N'esta parte, pois, as testemunhas inquiridas pelo administrador arguido estão em pleno accordo com as vinte testemunhas de querella publica e particular.
«Merece aqui tambem especial menção o depoimento do sargento Aguiar, dado perante o terceiro juizo criminal de Lisboa, no qual a fl. 189 se lê: «que no dia 14 de outubro á noite regressára de Sameice a esta villa, e, na ausencia do capitão, tomára o commando da força, e que já n'essa noite o presidente da assembléa, dr. Amandio, lhe requisitára ou dera ordem para que no dia 15, quando se abrisse a porta da igreja para começarem as operações eleitoraes, entrasse na igreja com a força e a collocasse em duas alas; ordem que no dia 15 foi dada ao capitão.»
«Este depoimento revela o pensamento, já muito reflectivo e assentado, de no dia 15 fazer invadir o templo pela tropa e pela fórma recontada.»
Note v. ex.ª e a junta que é o proprio administrador arguido, que são as testemunhas por elle produzidas, que affirmam ter entrado a força armada na igreja por ordem do presidente da mesa; e ahi tem a junta como o auto de syndicancia, a que se soccorre o digno relator do parecer, não poderia prevalecer, ainda quando importasse, o que já mostrei ser para nós indifferente, averiguar por ordem de quem a força armada entrou na igreja, e lá se conservou.
O documento a que me estou referindo não é official, todavia...
Uma voz: — Então para que o leu?
O Orador: — Para informar a junta; deixando-a, todavia, em plenissima liberdade, como desde principio lhe indiquei, de attribuir a este documento a importancia que de rasão lhe parecesse, attendendo ás circumstancias em que o apresentei.
Vozes: - Mande-o para a mesa.
O Orador: — Eu não tenho duvida em mandal-o para a mesa, mas parece-me que a junta não o póde mandar publicar.
Uma voz: — Desde que o documento aqui foi lido pertence á junta, e deve ser publicado.
O Orador: — Não faço a menor opposição a que elle se publique. Pelo contrario, por mim declaro que o hei de fazer publicar sob minha responsabilidade particular. Mas não sendo este documento uma certidão, como logo o declarei quando o apresentei, parece-me que a junta não póde dar-lhe publicidade, porque seria isso dar-lhe uma authenticidade official, que elle não tem e eu lhe não attribui. Não obstante, resolva a junta como bem lhe parecer. Eu hei de publical-o; a junta faça o que quizer.
Uma voz: — Esse documento só póde ser considerado como particular.
O Orador: — Estou de accordo. Mas quer a junta saber a rasão por que eu não posso substituir este documento particular por uma certidão authentica? É porque o administrador do concelho foi a tempo retirado do seu logar. Se elle tivesse continuado em exercicio, estaria a estas horas dentro dos ferros de el-rei, porque o despacho de pronuncia o teria levado á cadeia, e desde então poderia a respeito d’elle tirar-se uma certidão do despacho de pronuncia. Mas o sr. ministro do reino, logo que foi informado de que o processo estava instaurado e encerrado o summario, houve por bem desfazer-se d'aquelle seu delegado, que tão bem o servira, e conceder-lhe a exoneração...
O sr. Telles de Vasconcellos: - Que elle pediu.
O Orador: — Sim, que elle pediu, porque sabia a sorte que lhe estava reservada pelos seus brilhantes feitos, e precisava de retirar-se do theatro de suas façanhas eleitoraes o homisiar-se para que a justiça lhe não tomasse contas pelas violencias que ali praticára. O sr. ministro do reino apressou-se a acceder a esta precaução salutar. E é esta a rasão por que eu apresento um documento particular, e o não posso substituir por outro passado por certidão.
Mas nós não precisâmos d'estes documentos, como não precisavamos dos mandados de captura. Basta-nos o facto incontroverso e confessado de que os actos eleitoraes não correram pela fórma prescripta na lei. Ora a lei geral impera tanto para os actos eleitoraes, como para quaesquer outros; e a disposição de direito applicavel é a do artigo 10.° do codigo civil, que diz o seguinte:
«Os actos praticados contra a disposição da lei, quer esta seja prohibitiva, quer perceptiva, envolvem nullidade, salvo nos casos em que a mesma lei ordenar o contrario.
«§ unico. Esta nullidade póde, comtudo, sanar-se pelo consentimento dos interessados, se a lei infringida não for de interesse e ordem publica.»
Os actos praticados na assembléa eleitoral de Ceia foram-n'o contra a disposição expressa da lei, a qual em parte nenhuma declara que essa violação não é motivo de nullidade; não ha aqui o consentimento dos interessados para sanar essa nullidade, nem que o houvesse, podia ser admittido, por ser de interesse e ordem publica a lei infringida. Logo, aquelles actos são nullos, e esta junta, interprete da lei e da verdade, não póde resolver de outro modo.
Esta violação da lei foi effectivamente um attentado affrontoso. Os eleitores foram impedidos de fiscalisar o escrutinio, e os que já estavam na igreja antes de entrar a força armada foram violentamente expulsos, apesar dos seus protestos e de mostrarem que estavam desarmados. As listas eram rasgadas ás mãos cheias, como o juram, de facto presencial, as testemunhas quarta e quinta do corpo de delicto, e ainda outras; e para isso o presidente da mesa tombou a uma, virando a com a bôca para si! Queria-lhe tanto, que só podia estar bem tendo-a proxima do sou peito! (Riso.) Este facto é reconhecido pelo proprio administrador syndicante, o qual o explica dizendo que o presidente da mesa assim procedera por ser de baixa estatura e a uma muito alta; mas é notavel que as testemunhas militares inquiridas, e outras da propria syndicancia, venham dizer que o presidente levantou a uma depois de algumas observações instantes do commandante da força, de maneira que eu não sei bem se depois d'isso foi a uma que minguou em dimensões, ou o presidente da mesa que cresceu em estatura! (Riso.)
Tudo isto poderá parecer muito legal e ser julgado muito justo, mas, sem com isto querer offender o sr. deputado, que se diz eleito, com franqueza declaro, que nem por um só dia teria entrado n'esta casa se o meu diploma fosse obtido por taes meios.
A falsificação do escrutinio é evidente, e foi premeditada desde o primeiro dia.
É um facto, que não póde passar sem reparos, que n'uma assembléa onde a lucta foi tão renhida e onde a propria votação, que a mesa deixou ao candidato da opposição, revela que esta tinha ali força importante, a mesa eleitoral se constituisse com individuos exclusivamente da parcialidade do candidato governamental.
N'estas luctas, como é sabido, a primeira precaução que se toma é a de fazer constituir mesa mixta, para se impedir o que realmente se fez em Ceia - a viciação do escrutinio.
Pois a opposição, que de tudo se lembrou, esqueceu-se dessa precaução tão sabida e sempre usada! Não foi ella que se esqueceu, foram os parciaes do candidato governa-
Página 135
135
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
mental que adiantaram o relogio da igreja tres quartos de hora, como o juram cinco testemunhas, sendo notavel nos promenores do seu depoimento, a que se encontra a fl. 81.
A chave da torre da igreja esteve n'esses dias nas algibeiras do escripturario de fazenda e do presidente da mesa, que tiveram a devoção eleitoral de se fazerem sineiros! (Riso.)
Da acta não consta, é verdade, cousa alguma, mas como havia de constar, se lá se mencionou sómente o que aos membros da mesa conveiu mencionar? Tambem d'ella não consta a intervenção da força armada, facto que ninguem contesta, e que, por importantissimo, não podia ser omittido n'aquelle documento; e tambem não consta nenhum dos outros fundamentos de nullidade, porque a mesa se recusou a receber protestos, tendo os eleitores de ir protestar perante um tabellião, como aliàs consta do contra-protesto feito em casa do presidente da mesa eleitoral, e que tambem não foi inserido na acta. A verdade da acta é esta!
Mas se a força armada não entrou na igreja para servir de capa á viciação do escrutinio, e se não foi com esse intuito que se praticaram as demais violencias indicadas, que motivo determinou esses factos? O sr. relator do parecer phantasiou para explicação um romance, que não tem o menor ponto de apoio em que se fundamente, e segundo o qual se tramava uma negra conspiração para roubo da uma e morticinio geral dos membros da mesa e seus parciaes. Nenhum facto positivo em prova de tão graves asserções! A unica rasão produzida foi que o partido miguelista entrára na lucta em favor do candidato da opposição, e que empregára n'ella os meios ominosos e violentos, que eram da tradição d'esse partido, e que tinham produzido a sua condemnação.
No tom lúgubre e sinistro com que o illustre relator descreveu estes medonhos propositos, por pouco não disse que até o conde de Bastos ressurgira com as suas alçadas e fôra levar ás portas de Ceia o pavor e o assombro.
Sr. presidente, eu não tenho procuração para defender aqui o partido miguelista, mas respeito-o, como respeito todos os partidos, e ainda mais todas as grandezas caídas. Os meus principios não são os d'esse partido, e se por desventura nossa tivesse de repetir-se n'este paiz a lucta encarniçada, que por alguns annos o encheu de sangue e de ruinas, não seria eu dos ultimos a empunhar, um ferro ao lado dos mais devotados amigos da liberdade. Mas é isso mais uma rasão, para que eu acuda pela consideração que lhe é devida, porque é de fina cortezia que duas espadas se saudem antes de se cruzarem n'um duelo. (Apoiados.)
No seio do partido legitimista ha muitos homens honrados, muitos caracteres respeitaveis (Apoiados.), e é realmente uma injustiça grave lançar sobre esse partido um labéu infamante, e accusal-o de imaginarios crimes, só porque é partido, e só porque no seu passado tem actos de violencia, que não foram exclusivos d'elle, e que por isso mesmo melhor fariamos em esquecer.
Dizer que na assembléa eleitoral de Ceia se prepararam scenas de sangue e de desordem, que nenhum indicio fazia sequer presumir, e fundamentar essa affirmativa no facto unico de ter intervindo na lucta o partido legitimista, é uma affirmação graciosa que se traduz n'uma offensa grave e immerecida. (Apoiados.)
Eu não sou dos que se assustam pela intervenção do partido legitimista nas eleições; pelo contrario, desejava, e muito, que elle saísse do retrahimento em que entrou n’estes ultimos tempos. Por muitos annos mandou elle a esta camara representantes seus, que sempre honraram as cadeiras em que se sentaram.
José Estevão, o grande tribuno, cuja memoria o illustre relator tanto venera, não se desdourava em cruzar com elles a sua palavra flammejante, porque eram adversarios dignos das suas attenções e do seu talento. (Apoiados.) E se esse partido sempre tivesse tido aqui representantes, se nós todos, as differentes fracções do partido liberal, achassemos na nossa frente esse inimigo commum a exprobrar-nos todas as nossas faltas, talvez se houvessem poupado muitos erros, que com certeza não têem concorrido para robustecer o prestigio das instituições liberaes.
Permittam-se-me estas poucas palavras em defeza de um partido, que não é o meu, para que se não diga que ninguem o defendeu onde elle não podia defender-se. (Apoiados.)
Sr. presidente, a questão da eleição de Ceia está julgada por nós, e dentro em breve o estará tambem pelo paiz, que ha de ter conhecimento dos documentos que a ella dizem respeito. Não é ella uma questão de pequena importancia, como disse o sr. relator da commissão; antes é uma questão da mais alta magnitude e interesse politico, no sentido mais nobre, que a esta expressão deve dar-se.
Não se trata de uma simples questão pessoal, que em qualquer circumstancia seria odiosa; como questão partidaria tambem é de pequeno interesse, porque um voto a mais ou a menos não altera notavelmente a situação relativa dos partidos n'esta casa. A maioria, que em si tem tantos oradores experimentados, e na qual se estreiaram agora outros, que já podem hombrear com os mais illustres, não precisa do auxilio de mais uma voz, por muito que ella seja eloquente; e de certo nos fará tambem a justiça de crer, que não é pelo receio de encontrarmos pela nossa frente mais um lidador, e de acobardados pela sua pujança, que impugnâmos a validade da sua eleição. (Apoiados.) A questão deve ser olhada de um ponto de vista mais alto.
Para nós a eleição de Ceia é um facto particular, de que derivamos uma generalisação. Tal qual como para o medico o frunculo maligno constitue a revelação de um estado morbido geral. (Apoiados.) E não se illudam sobre as consequencias da votação. Nós jogâmos aqui ao jogo do ganha-perde. Como deputado, cumpre-me sustentar a verdade e os bons principios; mas como homem politico, o meu interesse é que esta eleição seja approvada. Porque nós, que somos accusados de fugir da legalidade, e de desprezar a auctoridade parlamentar; nós que somos accusados de procurar nas praças publicas o apoio do povo para as nossas doutrinas — como se outro apoio houvesse mais solido e mais nobre em paizes livres (Apoiados); nós mostraremos ao paiz a sentença de approvação, e dir-lhe-hemos: a legalidade constitucional, para que nos chamam, a verdade parlamentar que nos governa, é esta uma fraude! E crede, senhores da maioria, que não seremos nós os que ficaremos de peior partido. Disse.
O sr. Francisco de Albuquerque: — Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.
O sr. Presidente: — Eu o inscrevo. Agora segue-se a fallar o sr. Motta Veiga.
O sr. Motta Veiga: — Sr. presidente, v. ex.ª vê, e vê tambem a junta, que o meu estado de saude não me permitte prolongar este debate, que prolongado de mais irá já talvez, e nem mesmo talvez eu precisasse tomar a palavra para defender a legalidade da eleição do circulo n.º 70, porque o illustre relator da commissão já apresentou rasões sufficientes e clarissimas para provar que não houve viciação n'esta eleição; mas entendi que devia tomar a palavra para fazer algumas observações ácerca do que disse o sr. Francisco de Albuquerque, deputado por Mangualde, e do que disse em discurso de segunda edição o sr. visconde de Moreira de Rey, e a mais algumas cousas novas que acrescentou o illustre deputado o sr. Emygdio Navarro.
O illustre deputado por Mangualde começou rompendo o debate sobre esta questão de uma fórma tal, que á junta pareceu-lhe talvez que batia Catilina ás portas de Roma, ou perigavam as liberdades patrias, ou a nossa autonomia. E tudo isto para que?
Para provar a final que podia ter havido crime na as-
Sessão de 17 de janeiro de 1879.
Página 136
136
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
sembléa de Ceia, porque todos os argumentos em que s. ex.ª se baseou foram tirados dos depoimentos do auto de corpo de delicto.
Creio que todos sabem que o corpo de delicto não dá prova de um crime, mas sim a suspeita de um crime.
Parece-me que os illustres juizes que fazem parte da assembléa não me contrariarão n'esta parte.
Apresentaram o mandado de captura contra as pessoas que o juiz pronunciára. Não sei o que isto venha provar.
Ultimamente o sr. Emygdio Navarro apresentou um documento dizendo que era o despacho de pronuncia. Não sei se é o despacho de pronuncia; e digo que não sei por uma rasão muito simples; tenho sempre ouvido dizer, e creio que é de lei, que este acto é negocio de segredo da justiça.
Se foi o juiz que o deu, creio que commetteu um crime; se foi o escrivão, um crime commetteu; se não foi um nem outro, foi roubado. Não o creio; mas não sei qual das hypotheses será verdadeira. Dal-o-ía o juiz? Não creio. Seria o escrivão? Ou quem seria? Não sei.
Mas, repito, o despacho mesmo não dá ainda prova do crime.
Lá está o tribunal superior, que é quem ha de dizer se ha crime ou não, por isso que os pronunciados aggravaram da pronuncia para a relação respectiva. Mas isso nada vem para o caso.
Como disse o illustre relator, se houve crime lá está o tribunal competente para julgar os criminosos. Mas concorreria isto de algum modo para viciar a eleição? Esta é que é a questão principal.
Os illustres deputados, que têem fallado contra não negam, nem podem negar, que as cousas correram regularissimamente até ao dia 15.
Mas é preciso que a assembléa saiba que no dia 14 o presidente da mesa foi prevenido, por gente mesmo da opposição, porque nem toda a gente da opposição teria os mesmos desejos, de que havia de ser assassinado e todos os membros da mesa; e houve mesmo alguem que preveniu alguem estranho á mesa, dizendo-lhe que não fosse ao escrutinio, porque podia ser assassinado por engano.
Esta é que é a verdade, e o illustre deputado deve sabel-a.
O sr. Francisco de Albuquerque: — O que prova isso?
O Orador: — O que prova? Já vou dizel-o.
O presidente da mesa, prevenido por duas pessoas d'este facto, disse ao capitão Bayão, no dia do escrutinio, do que tinha sido prevenido, e que contava que elle cumpriria o seu dever para evitar esse conflicto.
O capitão Bayão tinha a tropa perto da igreja, e o presidente disse-lhe: «Se ouvir gritar, entre immediatamente para evitar que seja assassinado; e se perceber alguma cousa fóra da igreja, o senhor providenciará como entender».
Effectivamente no dia seguinte appareceu muita gente armada, e algumas pessoas foram vistas até com machados escondidos debaixo do fato. O presidente disse ao administrador: «Não deixe entrar ninguem armado».
O administrador não revistou ninguem; estavam proximo d'elle o irmão do illustre deputado, e Antonio Hortensio, os quaes deram ao mesmo administrador a sua palavra de honra de que não estavam armados, com o que o administrador se deu por satisfeito.
Este é o facto.
Constituiu-se a mesa, e em acto seguido, sem que o presidente mandasse entrar a força, o capitão Bayão entrou na igreja com a força, o que fez persuadir o presidente que o capitão tinha presenciado lá fóra alguma cousa, e não a mandou retirar pelas rasões que acabei de expor.
Disse-se que isto era contra lei. Eu não sei se é contra lei.
É certo que o artigo 59.° diz:
«A nenhuma força armada é permittido apresentar-se no local onde estiverem reunidas as assembléas eleitoraes ou na sua proximidade, excepto a requisição feita em nome do presidente.»
Mas o § 5.° d'este artigo diz assim:
«§ 5.º As disposições d'este artigo e seus §§ não comprehendem a força indispensavel para o serviço regular.»
Peço á junta que diga se era ou não indispensavel para o serviço regular d'aquelle dia a estada da tropa na igreja. (Apoiados.)
Póde dizer-se que o presidente abusou?
Eu faria o mesmo no logar d'elle, para não se sacrificar, nem aos membros da mesa, nem porventura outras pessoas.
Não era mais conveniente proceder, como procedeu o presidente, em conformidade com o § 5.° do artigo 59.°, do que arriscar muitas vidas, e deixar inutilisar a votação d'aquella assembléa, que era o que pretendia a opposição?
Se tal legislação se adoptasse, onde haveria assembléa segura, diante da furia popular mal conduzida? (Apoiados.)
Por isso o presidente da mesa não abusou do artigo, como vê a assembléa, deixando entrar dentro da igreja a força.
Disse-se que os eleitores estavam a doze metros de distancia da mesa. Não estavam. O illustre deputado por Mangualde mandou medir a igreja, para saber os metros de distancia a que estavam?
Todos sabem que aquella igreja é um templo magestoso, que assistiram ao escrutinio para mais de quatrocentas pessoas e que não estavam nem a distancia de dois metros; o que não estavam era atrás da mesa, porque o presidente não queria ser assassinado pelas costas a punhal.
Uma voz: — Essa é que é a questão.
O Orador: — Essa é que é a questão, e a pura verdade.
Aqui está explicada a entrada da tropa na igreja.
Disse-se que não se podia verificar a leitura das listas.
Não foi expulso ninguem; entrou na igreja quem quiz; mas os homens que estavam armados não se atreveram a entrar: era isso natural estando lá a força...
O sr. Laranjo: — Se não podiam entrar armados não podiam assassinar pelas costas.
O Orador: — Desde o momento em que a força se retirasse elles entravam, e assassinavam. (Apoiados.)
Isto é pueril; deixem me dizer assim.
Desarmavam-se, entravam desarmados, e o presidente ou a auctoridade havia de estar á porta da igreja a dizer: vocemecê saíu desarmado; e agora entra armado? Ou então: vocemecê é dos que estavam dentro, ou dos que estavam fóra?
(Áparte.)
Podiam. Estando, como estavam, mais de quatrocentas pessoas, podiam saír e entrar sem se reparar, e, tendo saído desarmados, podiam entrar armados, porque havia armas para tudo isso em casa da gente da povoação.
(Áparte.)
Podia haver; e para que não houvesse revolução, para que não corresse sangue, é que se pediu força.
Se assassinassem ou tentassem assassinar o presidente e os demais membros da mesa, não morriam ou não corriam perigo só esses. O presidente da mesa entendeu por isso que devia fazer entrar a tropa na igreja, em virtude do artigo que citei, para não ficar a villa toda exposta á anarchia, ou muitas das familias ali residentes a lastimarem hoje, talvez, a morte de alguns dos seus membros.
O sr. Saraiva de Carvalho: — Já se vê que estavam armados, mas foram moderados. (Riso.)
O Orador: — Não sei se foram moderados; sei que é assim. E se foram moderados é porque o receio da força armada os obrigou a sel-o.
(Áparte.)
O sr. Presidente: — Peço aos srs. deputados que não
Página 137
137
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
façam interrupções, que me estabeleçam dialogos, e que discutam como se deve discutir n'esta casa. Peço tambem aos srs. deputados que se conservem nos seus logares.
O Orador: — Fez-se, como disse ha pouco, grande cavallo de batalha do auto de corpo do delicto e das testemunhas d'elle.
Custa-me a referir certas com as, pela minha posição e pelo meu caracter. Mas o illustre relator da commissão já disse, e disse uma verdade, que todas as testemunhas do auto do corpo de delicto, da primeira até á ultima, são homens da opposição, e opposição ferrenha.
Foram as testemunhas ouvidas; mas a assembléa sabe, quando as paixões politicas estão exacerbadas em acto seguido a uma derrota eleitoral, quando os caudilhos da opposição vão querellar de uma mesa por desforço unico que já possam ter em consequencia de não terem vencido, quaes são as testemunhas que se vão procurar, e qual é o recado que se lhes ensina para ellas repelirem. (Apoiados.)
Mas ha mais alguma cousa. O que são essas testemunhas? Uma parte dellas são restos de uma quadrilha que tallou em tempos aquella provincia. (Vozes: — Ouçam, ouçam.)
Outra testemunha, como já disse o illustre relator do parecer, é um escrivão demittido por falsificador. Os documentos estão no ministerio da justiça; e o irmão do illustre deputado eleito por Mangualde, e meu amigo, conhece-o de mais, porque, sabendo d'este crime de falsificação, foi quem o fez transferir e depois demittir por causa d'elle.
Custa-me realmente dizer isto, como já observei, pela minha posição e pelo meu caracter. (Vozes: — Diga, diga tudo.)
Outra testemunha, que é aquella em quem o illustre deputado eleito por Mangualde mais confiança tem, é um d'aquelles homens que pendem para onde se quer por tres ou quatro garrafas de Champagne.
Esta é que é a verdade, e s. ex.ª sabe-o de mais.
Outra testemunha é um homem que vende o seu voto por cinco tostões!
Vozes: — Ouçam, ouçam.
O sr. Francisco de Albuquerque: — Ouçam, ouçam, que é edificante. Eu tambem hei de fallar.
O Orador: — É com o depoimento d'estas testemunhas, cuja maxima parte, senão todas, são inimigas rancorosas do presidente da mesa e de sua familia; é com o depoimento d'estas testemunhas, repito, que vem fazer-se carga á mesa da assembléa de Ceia e ao administrador do concelho por terem abusado.
Os abusos já eu disse quaes foram.
Agora diz-se que o administrador do concelho poz fóra da igreja aos empurrões os chefes da opposição. Não é verdade.
Diz-se que até prendeu um. Não é verdade; ou, se é verdade, digam quem foi.
O sr. Francisco de Albuquerque: — Foi o Antonio Hortensio, como consta dos documentos do corpo de delicto.
O Orador: — Admira-se que não digam mais estes documentos, porque quem ensinou o que aqui se diz ainda era capaz de ensinar mais (Riso.); porque quem lhe ensinou a dizer o que aqui vem, ainda lhe ensinava a dizer mais.
O que succedeu com o sr. Antonio Mendes Hortensio, foi dar o presidente da mesa ordem ao administrador do concelho para não deixar passar ninguem para trás da mesa; o sr. Hortensio não quiz annuir a isso; o administrador disse-lhe: «Admira que v. ex.ª, tendo sido administrador do concelho, não saiba que ha de cumprir com as ordens que deu o presidente da assembléa, e se não quizer cumprir com ellas ver-me-hei na necessidade de o prender». Não o prendeu, porque o sr. Hortensio lhe respondeu: «Então n'esse caso vou-me embora, e vou protestar».
«Faça o que quizer». E foi protestar. O protesto está entre os documentos impressos.
Disse-se mais: «Tiraram-se da uma listas ás mãos cheias». Isto é ridiculo. Toda a gente sabe que ninguem commette um crime sem que se convença de que n'elle tem algum interesse, verdadeiro ou falso, real ou ephemero. Ora que interesse tinha o presidente da assembléa em tirar da uma listas ás mãos cheias, e rasgal-as sem as ler ou sem as dar a ler? O que admira é que quem ensinou isso não ensinasse tambem que se dissesse que ao mesmo tempo que tirava da uma mãos cheias de listas mettia outras mãos cheias, porque assim já podia haver algum interesse. Mas como foi que, havendo-se tirado e rasgado, sem se lerem, mãos cheias de listas, no dia do escrutinio appareceu o numero das listas exacto com o das descargas? Demais, podendo essas listas ser tanto da opposição como do governo, nenhuma utilidade vinha d'ahi ao presidente da assembléa. Só poderia advir-lhe utilidade se as abrisse, as lesse, e depois, tirando-as, substituisse as que tinham o nome do candidato da opposição por um numero igual de listas que tivessem o nome do candidato do governo. O que se disse, pois, é ridiculo e inacreditavel.
O meu estado de saude não me permitte continuar; mas só quero dizer uma cousa. O sr. deputado eleito por Mangualde, quando está desapaixonado, diz a verdade e faz-me justiça. Oxalá que estivesse sempre desapaixonado! (Riso.) S. ex.ª disse algures, e eu agradeço, que não acreditava que eu, homem serio e grave, me apresentasse no parlamento com um diploma viciado...
O sr. Francisco de Albuquerque: — Com aquelle diploma.
O Orador: — Ou com aquelle diploma viciado. Seja aquelle.
O sr. Francisco de Albuquerque: — Merecia-me esse conceito.
O Orador: — Agradeço-lh'o. Fazia-me justiça. Eu preferia não ser nunca deputado, a conspurcar os meus principios de honra e a minha seriedade. Se soubesse que o meu diploma era viciado, rejeitava-o, não entrava n'esta casa.
Mas o illustre deputado eleito deve ser coherente e logico. Desde que vim apresentar-me aqui, era porque eu sabia que o meu diploma era legal, era a expressão genuina dos votos da maioria dos eleitores do meu circulo. (Apoiados.)
A minha saude não me permitte dizer mais agora. Se for preciso depois direi mais alguma cousa.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O sr. Francisco de Albuquerque: — Declaro a v. ex.ª e á junta, que me sinto envergonhado do tristissimo espectaculo que dá um lente de theologia da universidade de Coimbra; um padre, que vem para aqui infamar testemunhas, sem ler um unico documento, sem apresentar uma prova. (Muitos apoiados do lado esquerdo da camara. Sussurro.)
O que s. ex.ª disse é falso. (Apoiados.) Isto é uma vergonha, e fazia de s. ex.ª outro conceito!... Digo o bem alto...
(Grande sussurro na sala.)
O sr. Presidente (tocando a campainha): — Peço ordem aos srs. deputados.
(Continuou, o sussurro.)
O sr. Presidente: — Está interrompida a sessão.
Passado algum tempo occupando novamente o logar da presidencia, disse
O sr. Presidente: — Attendendo á agitação em que a assembléa ainda se encontra, vou levantar a sessão.
A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.
Está levantada a sessão.
Eram quasi cinco horas da tarde.
Sessão de 17 de janeiro de 1879