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SESSÃO DE 19 DE JANEIRO DE 1885

Presidencia é exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretários - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Dá-se conhecimento de dois officios, um do ministerio do reino, e outro do sr. Domingos de Almeida Ribeiro, remettendo dois exemplares de um opusculo. - Têem segunda leitura e são admittidas quatro propostas para renovação de iniciativa de projectos de lei. - Apresentam requerimentos de interesse publico os srs. Almeida Pinheiro e E. Coelho. - Justificações de faltas dos srs. Miguel Tudella e Pereira Corte Real. - O sr. Germano de Sequeira manda para a mesa e justifica com algumas considerações um projecto de lei que fica para segunda leitura. - O sr. Valente estranha a falta de comparência do governo e allude a uma reunião de muitos cidadãos em Villa Nova de Gaia, para representarem contra um emprestimo camarario. - Renova a iniciativa de um projecto de lei o sr. Sebastião Centeno. - A requerimento do sr. Santos Viegas, proroga-se a sessão até se votar o parecer sobre a eleição da Madeira.

Na primeira parte da ordem do dia são eleitas as commissões de guerra e dos negocios externos e internacionaes.

Na segunda parte da ordem do dia, discussão do parecer sobre a eleição da Madeira, continua e conclue o seu discurso o sr. Elias Garcia. - Responde-lhe o sr. Teixeira de Vasconcellos, relator, sustentando o parecer. - Presta juramento o sr. Simões Dias. - Dá-se conhecimento de se acharem constituidas as commissões de guerra, de marinha e ultramar.-E aggregado á primeira o sr. Figueiredo Mascarenhas, a pedido do sr. Avila. - Usa da palavra, sobre a ordem, o sr. Dias Ferreira, que desenvolve e justifica a sua moção como emenda ao parecer. - Approva-se uma proposta de accumulação apresentada pelo sr. ministro da marinha, em nome do seu collega do reino. - O sr. Consiglieri Pedroso, respondendo aos srs. Teixeira de Vasconcellos e Dias Ferreira, sustenta a sua proposta, declarando nulla a eleição da Madeira. - Julga-se a materia discutida, a requerimento do sr. Caetano de Carvalho, e resolve-se, a requerimento do sr. Carrilho, que a votação seja nominal. - O sr. Dias Ferreira pretende que primeiro seja votada a sua proposta, que considera emenda, e a camara não annue, considerando-a como additamento. - Vota-se e é approvado o parecer por 59 votos contra 5. - Fica prejudicada a proposta do sr. Consiglieri Pedroso e é seguidamente rejeitada a moção do sr. Dias Ferreira, tendo sido tambem rejeitado um requerimento do sr. Calixto, para que a votação sobre a mesma moção, fosse nominal.

Abertura da sessão tarde. - Ás duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada - 57 srs. deputados.

São os seguintes: - Agostinho Lucio, Garcia de Lima, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, A. J. da Fonseca, A. J. d'Avila, Lopes Navarro, Moraes Machado, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Conde de Thomar, E. Coelho, Emygdio Navarro, Fernando Geraldes, Mouta e Vasconcellos, Mártens Ferrão, J. A. Valente, Franco Castello Branco, João Ar-royo, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Teixeira de Sampaio, Amorim Novaes, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Laranjo, José Frederico, Oliveira Peixoto, Luiz de Lencastre, Luiz Ferreira, Bivar, Luiz Dias, Luiz Osório, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Sebastião Centeno, Ferreira Bastos, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Sousa e Silva, Antonio Candido, Garcia Lobo, Pereira Borges, Cunha Bellem, Jalles, Carrilho, Antonio Centeno, Sousa Pavão, Urbano de Castro, Fuschini, Pereira Leite, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Francisco Beirão, Correia Barata, Francisco de Campos, Barros Gomes, Matos de Mendia, J. A. Pinto, Searnichia, Souto Rodrigues, Sousa Machado, J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Dias Ferreira, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Simões Dias, Reis Torgal, Luiz Jardim, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Miguel Dantas, Santos Diniz, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Tito de Carvalho e Visconde de Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Anselmo Braamcamp, Pereira Corte Real, Antonio Ennes, Fontes Ganhado, A. M. Pedroso, Augusto Barjona de Freitas, Barão de Ramalho, liarão de Viamonte, Carlos du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Sousa Pinto Basto, Góes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Castro Côrte Real, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Frazão, Augusto Teixeira, Melicio, Ferreira Braga, Ferrão de Castello Branco, J. A. Neves, José Borges, José Luciano, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, M. J. Vieira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Pedro de Carvalho, Pedro Correia, Pedro Franco, Pedro Roberto e Visconde de Balsemão.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.º Do ministerio do reino, participando que se officiou ao governador civil do districto de Evora requisitando os documentos a que se refere o requerimento do sr. deputado Luiz Jardim, ácerca da misericórdia da villa de Reguengos.

Enviado á secretaria.

2.° De Domingos de Almeida Ribeiro, remettendo um exemplar em duplicado da Noticia das irregularidades da execução do testamento do conde de Ferreira.

Enviado á secretaria.

Segundas leituras

Propostas para renovação de iniciativa

1.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei apresentado em sessão de 27 de março de 1877 pelo sr. Thomás Ribeiro, que tem por fim soccorrer as viuvas dos militares das campanhas da liberdade e os veteranos que restam d'essa epocha. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.

Foi admittida e enviada á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Refere-se a proposta ao seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Fica o governo auctorisado a despender até á quantia de 6:000$000 réis com soccorros ás viuvas dos

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militares das campanhas da liberdade e com os veteranos que restam d'essa epocha.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = Thomás Ribeiro,

2.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei apresentado em sessão de 13 de fevereiro de 1880, annexando á comarca de Santo Thyrso a freguezia de S. Miguel das Aves, que ora pertence á comarca de Villa Nova de Famalicão. = O deputado, Martinho Camões.

Admittida e enviada á commissão de legislação civil.

Refere-se esta proposta ao seguinte projecto de lei:

Senhores. - Os habitantes da freguesia de S. Miguel das Aves da comarca de Villa Nova de Famalicão representaram perante esta camara, no anno proximo passado ácerca da justiça e conveniencia de ser a sua freguezia annexada ao concelho de Santo Thyrso para todos os effeitos legaes.

D'essa representação nasceu o projecto de lei apresentado pela respectiva commissão de administração publica, do teor seguinte:

«Artigo 1.° É annexada ao concelho de Santo Thyrso, districto administrativo do Porto, a freguezia de S. .Miguel das Aves, que ora pertence ao concelho de Villa Nova de Famalicão, districto de Braga.

«Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

«Sala das sessões da commissão de administração publica, 29 de março de 1879.»

Foi este projecto approvado pelos poderes legislativos, e convertido em carta de lei em 23 de junho de 1879.

E porque esta carta de lei determina que seja annexada ao concelho de Santo Thyrso, districto administrativo do Porto, a freguezia de S. Miguel das Aves, que pertencia ao concelho de Villa Nova de Famalicão, districto do Braga, entendeu-se, e a meu ver com rasão, que a dita freguezia fora annexada ao concelho de Santo Thyrso unicamente para os effeitos administrativos, e não para os judiciaes e politicos.

Este modo de ser é altamente prejudicial aos interesses dos habitantes da referida freguezia, e á commoda e facil administração das justiças, pois que, havendo; como ha, intima relação entre os poderes administrativo e judicial, torna-se sobremodo incommodo, moroso e despendioso aos povos d'aquella freguezia ter de recorrer aos poderes publicos em dois concelhos que distam um do outro 10 kilometros approximadamente.

É, pois, indispensavel que a annexação da freguezia de S. Miguel das Aves ao concelho de Santo Thyrso se faça para todos os effeitos legaes, sendo certo que tal annexação não altera a classe a que pertencem as comarcas de Villa Nova de Famalicão e de Santo Thyrso, porque constando aquella de cincoenta e duas freguezias, e esta de trinta e uma, e sendo ambas de 1.ª classe, separar uma freguezia da primeira comarca, que é maior, para a juntar á segunda, que é menor, é apenas fazer por igualar as duas comarcas que deveriam ser iguaes.

Na parte politica mais alguns inconvenientes advem aos povos da freguezia de S. Miguel das Aves, pois que, tendo de ser recenseados no concelho de Santo Thyrso, e tendo-se-lhes designado a assembléa, era que devem exercer os seus direitos politicos, no concelho de Famalicão, ficam inhibidos de exercer estes direitos em Famalicão por falta de recensamento, e em Santo Thyrso por falta de designação de assembléa eleitoral.

Por todas estas considerações tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É annexada á comarca de Santo Thyrso, districto do Porto, a freguezia de S. Miguel das Aves, que ora pertence á comarca de Villa Nova de Famalicão, Districto de Draga, para todos os effeitos judiciaes e politicos, fazendo parte da assembléa eleitoral do Roriz do dito concelho de Santo Thyrso.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Camara dos deputados, 12 de Fevereiro de 1880. = O deputado por Santo Thyrso,
Antonio Augusto Soares Rodrigues Ferre ira.

3.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei que tive a honra de apresentar na sessão de 10 de maio de 1883 e foi publicado no Diario das sessões d'esta camara de 12 de maio a pag. 1:502, tendente a, pela conta de ganhos e perdas da caixa geral de depositos, mandar-se entregar a D. Carlota da Conceição de Sousa Villar a quantia de 2:072$120 réis, levantada por meio de um precatório falsificado. = O deputado, Adolpho Pimentel.

Admittida e enfiada á commissão de fazenda, ouvida a de legislação civil.

Refere-se ao seguinte projecto de lei:

Senhores. - Em 1 do dezembro de 1881 foi apresentado na delegação da caixa geral de depositos, rio Porto, um precatorio passado pelo juiz da primeira vara civel d'aquella comarca, para entregar a Alfredo Lemos da Silva Pereira Cabral, como procurador de D. Carlota da Conceição de Sousa Villar, a quantia de 2:072$126 réis e juros respectivos.

Esse precatorio tinha a assignatura do juiz, que era o conselheiro Joaquim de Almeida Correia Leal, ornamento da magistratura judiciai, e era subscripto por Alvaro Carlos da Fonseca e Silva, escrivão interino, sendo reconhecidas as assignaturas do juiz e escrivão por um dos tabelliães d'aquella comarca.

A delegação da caixa pagou esse precatorio, como não podia deixar de o fazer.

Passado que foi algum tempo, appareee requerimento de D. Carlota Villar, pedindo lho fosse paga aquella quantia, que indevidamente lhe tinha sido levantada.

Examinando-se o precatorio, depois de feita em juizo a necessaria participação, averiguou-se que aquelle escrivão interino tinha commettido diversos abusos de confiança o que as assignaturas, embora tão bem imitadas que difficilmente se differençavam das verdadeiras, eram falsas.

Intentado o competente processo crime contra o escrivão interino o procurador, que tinham desapparecido, são decorridos mais de dois annos sem que aquella depositante tenha podido receber o seu dinheiro.

Aquella depositante entrou com o dinheiro na caixa de depositos, não voluntariamente, mas porque a lei a isso a obrigou.

Foi um deposito necessario e forçado, não lhe podendo ser attribuida a responsabilidade de qualquer descaminho que essa quantia depositada podesse ter tido.

A lei mandou-a fazer o deposito assegurando-lhe o direito que tivesse á sua restituição.

Ha mais de dois annos que está sem essa quantia, soffrendo com isso grave prejuizo.

É, pois, de toda a justiça que lhe seja restituída aquella quantia, que deverá sair da conta de ganhos e perdas da caixa geral de depositos, devendo-se empregar todos os meios legaes para rehaver-se essa quantia de quem se possa legalmente rehaver.

Em nome da justiça e da moralidade espero que approveis o seguinte projecto de lei;

Artigo 1.º É o governo auctorisado a, pela conta de ganhos e perdas da caixa geral de depositos, mandar restitituir a D. Carlota da Conceição de Sousa Villar a quantia de 2:072$126 réis e juro respectivo por ella ou em seu nome depositados na delegação da caixa geral de depositos do Porto, e d'ella levantado por meio de um precatorio falso com data de 1 dezembro de 1881.

§ unico. O governo procurará fazer entrar pelos meios legaes essa quantia no cofre d'essa mesma caixa geral.

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Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 10 de maio de 1884. = O deputado por Famalicão, Adolpho Pimentel.

4.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei, apresentado na sessão de 16 de maio de 1884, sobre a construcção em Lisboa e Porto de bairros económicos para habitação das classes pobres. = A. Fuschini.

Admittida e enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.

O projecto a que se refere esta proposta é o seguinte:

Senhores. - Uma corrente de opinião energica e profunda sulca as sociedades modernas e arrasta os espiritos, ainda os mais timidos e indifferentes, para o estudo dos graves assumptos sociaes, que constituem o grande problema economico do pauperismo.

Ardentes e geniaes vão uns buscar em organisações artificiaes da sociedade a panacêa para todos os males ; odientos e ignorantes imaginam outros edificar um mundo de venturas com as ruinas das grandezas, que os offuscam e humilham; positivos e previdentes os modernos homens d'estado afastam a perigosa e inexequivel utopia dos primeiros, domam a selvageria dos segundos e, sabendo que a questão do pauperismo é insoluvel e inaccessivel no seu conjuncto, atacam-na nos seus elementos principaes e successivamente lhe suavisam as manifestações mais accentuadas e crueis.

N'este sentido poucos homens d'estado modernos deixam de occupar-se dos problemas sociaes, de attender ao bem estar das fracções populares mais desvalidas, em uma palavra de fazer bom e util socialismo.

E não se escandalise alguem com esta palavra, a que a ausencia de idéas e a ignorancia dos factos ligaram uma accepção sombria e demolidora. Como a palavra religião envolve todas, desde o ideal e elevado christianismo até ao fetichismo do negro africano; desde a que presta culto á immaculada e doce Virgem até á que adorava Moloch, o deus que se alimentava de carne humana, fumegando no seu osbrazeado ventre; assim a expressão socialismo envolve as mais variadas manifestações da sciencia e da consciencia humanas.

Um philosopho economista do principio d'este seculo, Saint-Simon, definiu n'uma bella phrase a essência do moderno socialismo e a sua finidade: "todas as instituições sociaes devem ter por fim o aperfeiçoamento moral, intellectual e physico da classe mais numerosa e mais pobre". Eis o que cada um de nós comprehende, lançando a vista em torno de si e estudando a nossa historia social de ha cincoenta annos.

Abolição dos morgados, desamortisação da mão morta, proporcionalidade dos impostos, desenvolvimento da educação popular, alargamento do suffragio, extincção dos privilegios sociaes e económicos, são os factos que nos comprovam o caracter democratico das sociedades modernas, e da nossa entre todas; o ascenso regular e successivo das ultimas camadas populares para aquelle nivel de igualdade de condições, sem a qual não existe a liberdade.

Este movimento social, esta accentuada tendencia democratica das modernas sociedades, aqui, nos paizes livres, sabiamente dirigido e encaminhado na sua natural evolução; alem, nos paizes subjugados por qualquer despotismo, encadeado e reprimido, porém manifestando-se por commoções mais ou menos violentas é, a nosso ver, a principal caracteristica com que o século XIX ha de em breve entrar na historia da humanidade.

Na ordem publica, como na ordem economica se manifesta esta tendencia da nossa epocha para a igualdade; igualdade economica, não a que resulta de um communismo absurdo e insustentavel, mas a que provém da independencia das profissões e da iniciativa individual, e sobretudo deriva de uma boa legislação, que impeça a concentração das grandes massas de riqueza por um lado, emquanto por outro facilite a formação dos pequenos capitaes.

A traducção social d'esta igualdade é uma das melhores garantias da ordem e do socego publico, tem-o sido e ha de sel-o em todos os tempos.

Ha mais de dois mil annos formulou este pensamento e este aviso salutar o maior philosopho da antiguidade, um dos mais poderosos cerebros que a especie humana tem produzido; Aristoteles escrevia na sua politica: "toda a sociedade, que pretender fundar a estabilidade, deve esforçar-se em chamar o maior numero á propriedade e á abundancia, porque a propriedade media unicamente não se revoluciona jamais.

Ha alguns annos apenas um grande economista, Stuart-Mill, homem de genio como o seu digno predecessor, escrevia na sua economia politica: "que todos possam desenvolver-se em condições perfeitamente identicas, eis o que está em desaccordo com qualquer lei fundada na propriedade individual; mas se todo o trabalho, que se tem tido para aggravar a desigualdade das sortes derivando da acção natural doeste principio, tivesse convergido para a minorar por todas as fórmas, que não destruissem o proprio principio, se a tendencia da legislação fosse a de favorecer a diffusão e não a concentração da riqueza, de auxiliar a sub-divisão das massas consideraveis em vez de procurar conserval-as reunidas; não se teria chegado a encontrar que o principio da propriedade individual tinha uma connexão fatal com os males physicos e sociaes, os quaes quasi todos os escriptores socialistas affirmam ser inherentes a este principio".

O grande philosopho inglez do seculo XIX responde á indicação do philosopho hellenico, cujo sabio e previdente aviso mais de uma vez tem sido esquecido por ignorancia ou por egoismo das classes sociaes preponderantes.

As luctas mais sangrentas e crueis, que têem agitado a humanidade em todos os seculos, originam-se n'este esquecimento; desde as terriveis luctas agrarias e as sublevações dos escravos, que agitaram tantas vezes e por vezes ameaçaram o poder da grande republica romana, até á lucta recente e terrivel, que ia quasi destruindo uma das mais bellas metropoles do mundo civilisado.

O nosso seculo tomou em mão este grave assumpto e se não resolveu o problema do pauperismo, tem-no estudado maduramente com um espirito imparcial e positivo.

E força era que o fizesse, a essencia democratica das sociedades modernas, a igualação dos direitos politicos e sociaes entre os cidadãos havia necessaria e forçosamente pôr em relevo as desigualdades das suas condições. Que entre o nobre do antigo regimen e o villão, quasi servo do gleba, a differença de condições fosse enorme, eis o que não destoava de uma incommensuravel desigualdade social e politica, nem mesmo irritava o pobre filho do povo, a quem apenas a religião segredava a igualdade numa vida futura e eterna; mas que o homem d'este seculo, emancipado social e politicamente, chamado á igualdade e á liberdade por um poderoso movimento scientifico e philosophico, não sinta a desigualdade das condições ou com a intelligencia que busca resolver o problema, ou com a paixão que procure vingar-se de um mal que o atormenta, eis o que era impossivel acontecer.

Demais: a massa outr'ora obscura, que formava a parte ignorante das sociedades, constitue hoje o nervo da civilisação; do seio do povo irrompem as melhores intelligencias e as supremas capacidades; é d'elle que se elevam, geralmente, os philosophos, os sabios, os estadistas, emfim, os conductores do movimento social.

As classes modernas recrutam os seus elementos na massa popular: as antigas constituiam verdadeiras castas, e entre classe e classe as relações eram tão pequenas, tão

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adversas, que no mesmo paiz se sobrepunham, como se fossem raças ou nações diversas.

São os homens que se levantam da massa do proletariado, que serena e scientificamente têem posto e discutido o problema do pauperismo; são elles que conhecem as duras necessidades da pobreza, que venceram com vontade de ferro; são elles, que por sympathia dirigem essa cruzada incruenta, que a todos nos torna solidarios em nome da humanidade.

A questão do pauperismo é complexa e difficil, repitamos ainda, naturalmente não terá jamais uma resolução completa, mas appliquemos a esse estudo a nossa capacidade, empreguemos em seu beneficio a nossa energia, e quem sabe onde poderemos chegar!

Quem diria ao servo da gleba da idade media, ao villão do antigo regimen, que em algumas gerações apenas, os seus descendentes seriam homens livres e iguaes aos dos seus senhores?

Da rapida evolução social moderna, resultante de um prodigioso movimento scientifico e philosophico, ha motivos para esperar muito, pelo muito que já tem produzido. Trabalhemos; este mundo, dizia Gambetta, é dos que têem enthusiasmo e convicções; fôra assim que elle se fizera um dos primeiros homens da França.

O sr. conde de Paris, em um trabalho valioso ácerca da Situação dos operarios em Inglaterra, corrobora estas nossas armações: "um remedio unico, diz o illustre publicista, para todos os soffrimentos da classe operaria (nós escreveriamos das classes pobres), será a pedra philosophal. A igualação absoluta do trabalho, como a sua suppressão, constituem a quadratura do circulo na economia politica; se não ha uma panacea, porém, ha muitos remedios mais ou menos efficazes; se não existe uma resolução geral, ha muitas soluções parciaes".

Innegavelmente esta sensata opinião é digna de ser abraçada pelos homens amantes da ordem e do socego social, que provém de um justo equilibrio de condições e do bem estar dos cidadãos.

São estas soluções parciaes, algumas importantissimas, que convém achar, ou que já applicadas n'outros paizes, urge transportar sabiamente para o nosso; são estas soluções, que sem berem lesivas para os justos interesses de alguem, constituem um grande beneficio para muitos, e a diminuição, se não a extincção, do pauperismo.

Estes remedios, estas soluções, são de differente ordem, tendem umas a melhorar as condições hygienicas da habitação das classes desvalidas, a dar ao proletário o suave e salutar goso de uma casa arejada e limpa, onde possa albergar a familia; dirigem-se outras a proteger o desenvolvimento physico e moral das mulheres e das creanças, por vezes enfraquecidas physicamente, e moralmente depravadas na officina; miram outras a associar o salario ao capital, harmonisando-os pela participação de beneficios, ou identificando-os na cooperativa de producção; querem outras as cooperativas de consumo, dar as substancias necessarias á vida pelo preço da producção, evitando o grande numero de intermediarios, que encarecem o producto, e o tornam de difficil accesso ás pequenas bolsas.

Em uma palavra, illustrar, engrandecer, melhorar, arrancar da miseria as classes desvalidas e chamal-as á vida da civilisacão, eis o fim d'essas tentativas beneficas, eis a mais bella lucta do nosso grande seculo.

Póde e deve o estado, para obter estes resultados, coadjuvar a iniciativa particular, ou acordal-a e infundir-lhe energia e perseverança?

Certamente que sim.

O estado, na sua moderna accepção, como emanação da democracia, isto é, da soberania popular, não póde nem deve assistir impassivel e alheio aos phenomenos da vida social.

Não será porventura em boas condições, productor, commerciante, industrial; a isso se oppõe a sua natureza complexa, a necessaria delegação da sua acção, e sobretudo a ausencia do interesse individual; mas deve manter as relações harmonicas entre as forças vivas e productoras do paiz, e fazer desapparecer, quanto possivel, as irregularidades que se manifestarem no mechanismo social.

É o supremo regulador das funcções sociaes, e pela mesma rasão que sustenta e mantém o fraco contra o forte, evitando e corrigindo os abusos da força, que protege e garante o tranquillo goso dos direitos dos cidadãos, deve na ordem economica tentar desfazer as desigualdades flagrantes entre as classes e fomentar o justo equilibrio das condições, sem o qual a ordem e a paz publica são apenas superficiaes e sempre sujeitas a commoções perigosas e violentas.

Taes são as rasões, por que apresentamos este projecto de lei, e instamos pelo da regulação do trabalho das mulheres e dos menores na industria; taes foram as rasões que moveram certamente o governo a nomear uma commissão para estudar entre nós questões importantes, que deixamos enumeradas 1.

1 Ninguem ignora os modernos processos de economia politica, completamente baseada na estatistica e na investigação dos phenomenos economicos. A commissão nomeada pelo ministro das obras publicas poderá lançar entre nós as bases da estatistica do trabalho, e fornecer excelentes e positivos elementos para o estudo das questões sociaes. É sabido o que o principe de Bismarck, na sua ultima evolução socialista, tem tentado a este respeito; mas é sempre util repetil-o.

O chanceller começou em 1879 a pensar nas suas leis sociaes e em 1880 fez crear um conselho economico, primeiro só para a Prussia, depois abrangendo nas suas funcções todo o imperio.

A este conselho foi apresentada a primeira lei sobre os seguros obrigatorios contra os accidentes do trabalho. Este assumpto tem preoccupado consideravelmente um grande numero de homens de estado, porque effectivamente a poderosa industria moderna tem sido um sorvedouro de vidas. Comprehende-se que esta questão seja importantissima nos paizes de desenvolvida industria, como a Inglaterra, a França e a Allemanha. De facto, na Allemanha, por exemplo, o inquerito feito em 1882, salvo erro, durante a discussão da lei sobre seguros, provou que, em 93:554 fabricas occupando 1.615:253 homens e 342:295 mulheres, se tinham dado em quatro mezes 29:574 accidentes dos quaes 742 fataes ou causando incapacidade absoluta de trabalhar.

Por estas rasões, e tambem por um plano de unificação politica dos membros um pouco desconnexos e antinomicos do imperio, o principe de Bismarck em 1881 apresentou ao conselho economico o seu primeiro projecto de lei sobre os seguros obrigatorios contra os accidentes do trabalho.

Segundo este projecto todos os operarios da industria, cujo salario fosse menor de 450$000 réis por anno, eram obrigados a segurar-se para no caso de accidente serem tratados e pensionados durante a doença, e sobrevindo a morte deixarem uma pensão á viuva e aos filhos.

Os assalariados n'estas condições eram divididos em duas categorias:

1.ª Os que tivessem salario inferior a 168$000 réis; n'este caso a quota era paga metade pelo patrão e metade pela assistencia publica.

2.ª Os que tivessem salario superior a 168$000 réis; n'este caso a quota era paga dois terços pelo patrão e um terço pelo operario.

Como garantia d'esta vasta tentativa creava-se um seguro imperial, que podia tambem ser segurador de vida e contra accidentes para os assalariados, que excedessem o limite de seguro obrigatorio.

O conselho economico transformou um pouco este projecto, concentrando-o mais na mão do estado e creando em vez de duas tres categorias.

1.ª Salarios inferiores a 168$000 réis; quota paga dois terços pelo patrão e um terço pelo estado.

2.ª Salarios entre 168$000 e 225$000 réis; quota paga dois terços pelo patrão e um terço pelo operario.

3.ª Salarios entre 225$000 e 450$000 réis; quota paga metade pelo patrão e metade pelo operario.

Este projecto, submettido ao Reichstag, depois de longa e tempestuosa discussão, foi rejeitado ou adiado.

Mas como o chanceller de ferro não é homem para abandonar uma idéa maduramente estudada, principalmente quando tambem encerra um meio de solidificar a sua grande obra politica, em 1882 foi apresentado ao Reichstag novo projecto de lei sobre o mesmo assumpto.

Este segundo projecto desenvolve e melhora as condições do primeiro, entre outras cousas creando uma repartição especial de estatistica do trabalho, que deve investigar e compendiar dados valiosos

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Dizer o muito, que, em quasi todos os paizes, se tem feito em relação ao problema das habitações economicas e salubres para as classes pobres, seria avolumar consideravelmente este relatorio, quando aliás ninguem contesta a utilidade do emprehendimento; não nos furtaremos, porém, a expor-vos alguns factos, que certamente contribuirão para esclarecer o assumpto.

A Inglaterra foi o paiz que primeiro se occupou da questão das habitações economicas. A enorme aglomeração do população, que constitue a cidade de Londres, indicou esta necessidade como uma medida de ordem publica e como um preceito de salubridade, porque nos bairros infectos e insalubres da grande capital a mortalidade era consideravel.
No anno de 1878 existiam em Londres 37 entidades, sociedades, individuos e administradores de legados, que tinham levantado novas construcções, ou melhorado as antigas, na importancia de cerca de 6.707:000$000 réis. As novas habitações, nas melhores circumstancias de salubridade e barateza, albergavam 7:722 familias, compostas de 36:410 individuos de todas as idades e sexos.

Para que se possam avaliar os recursos das grandes companhias constructoras de Londres, mencionaremos uma das mais importantes a Metropolitan Association.

O mappa seguinte, que se refere á sua administração durante o anno de 1870, envolve todos os elementos necessarios para a apreciarmos os seus grandes recursos, e presta-nos alguns dados muito interessantes e uteis:

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sobre as condições sociaes e materiaes, variação d'estas condições, suas causas, e alimentação das classes trabalhadoras.

O principe de Bismarck propõe-se acordar a iniciativa individual em beneficio das classes pobres, creando excellentes elementos ácerca do trabalho para a elaboração scientifica e positiva das suas leis sociaes, cuja execução será fiscalizada por meio de inspectores especiaes.

Este plano do grande chanceller tem uma grande importancia economica, comquanto reconheçamos o que n'elle ha de politico e conservador.

Uma outra lei sobre seguros obrigatorios contra as doenças, tambem da iniciativa do chanceller, deve começar a vigorar no presente anno.

Se o operario é obrigado a segurar a saude, mediante um premio que vae de 1,5 por cento a 2 por cento do salario e varia com os sexos e com as idades, são tambem as communas, nos pontos onde não existem sociedades de soccorros mutuos, forçadas a crear caixas de soccorros, sustentadas pelos fundos communaes.

Eis em brevissima resenha os planos do principe de Bismarck, interessantissimos na sua essencia e dignos de um profundo estudo, que certamente lhe dedicará a commissão nomeada pelo ministro das obras publicas.

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[Ver tabela na imagem]

Na Hollanda, em 1877, existiam 31 sociedades com identico fim, que tinham construido ou melhorado 2:172 habitações; no mappa que se segue vão compendiados alguns elementos muito interessantes com referencia a algumas d'essas constructoras.

[Ver tabela na imagem]

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Na capital da Dinamarca, em Copenhague, iguaes esforços se fazem no mesmo sentido, dando-se habitações baratas a 1:554 familias, compostas de 7:526 individuos.

[Ver tabela na imagem]

Na Belgica as commissões de beneficencia começaram em 1860 o seu bello trabalho em favor das classes desvalidas. O bairro Stuivenberg, proximo de Antuerpia (Anvers), tinha, em 1868 167 casas em magnificas condições (numero mais tarde elevado a 297) na sua quasi totalidade independentes e com jardim, que custaram cerca de réis 216:000$000.

Em 1852, dos 10.000:000 de francos (1.800:000$000 réis) applicados pela França para beneficiar as classes operarias. 360:000$000 réis foram empregados na construcção de 17 casas para operarios no boulevard Mazas, e cerca de 384:000$000 réis foram, concedidos em subvenções a companhias e a individuos constructores.

No grande centro industrial de Mulhouse formou-se em 1853 uma sociedade constructora de casas economicas para operarios.

As primeiras casas construidas por esta sociedade custaram entre 360$000 a 5405000 réis, sommas engrossadas depois pelo augmento de preço de materiaes e de commodidades.

Esta sociedade tem construido mais de 1:000 pequenas casas nas melhores condições technicas e hvgienicas, que importaram em 720:000$000 réis e são habitadas por mais de 7:000 pessoas.

Em vista do bom resultado da tentativa o governo francez subsidiou mais tarde esta sociedade com 54:000$000 réis, que foram empregados em melhoramentos de interesse commum, taes como banhos, lavadouros, escolas, etc.

Um grande numero de cidades francezas patrocinou a construcção das casas baratas, já subvencionando directamente as companhias, já tomando a seu cargo as obras das ruas, canalisações, etc., etc.

Seguindo este movimento das nações da Europa, vê-se que nem uma só d'entre as mais civilisadas tem deixado de pesar este problema e de tentar alguns esforços, mais ou menos proficuos, mais ou menos coroados de bons resultados em favor de um principio, que constituo um dos melhores elementos da ordem publica, da salubridade e da riqueza das grandes cidades ou centros de população.

A propria iniciativa particular tem-se distinguido, e alguns dos grandes industriaes comprehenderam a vantagem de se cercarem de operarios sãos e instruidos.

Salt, um grande e rico industrial de Bradfort, Akroid e Crossiey, de Halifax, deram em Inglaterra o primeiro impulso á construcção das casas para os operarios das suas fabricas.

Em Franca, como exemplo do que póde conseguir a iniciativa particular, quando dirigida pelo louvavel empenho de contribuir para o bem estar das classes pobres, citaremos apenas o familisterio de Guise.

Godin, proprietario de grandes officinas de fundição de metaes proximo de Guise, emprehendeu a construcção de vastas e commodas habitações para os seus operarios.

As construcções, situadas na margem do rio Oise, compõem-se de tres grandes edificios principaes, rectangulares e de quatro andares.

Na parte central de cada um d'estes edificios um vasto pateo, especie de claustro coberto por grandes vidraças, dá luz e ventilação aos differentes andares; servindo ao mesmo tempo de salão e de logar reservado para as creanças brincarem em dias humidos e chuvosos.

Estes tres grandes edificios albergam cerca de 1:200 pessoas, ou do 400 familias, em excellentes condições de salubridade, commodidade, segurança e economia.

As escadas construidas de ferro e beton, perfeitamente incombustiveis, a abundancia de agua levantada do Oiso por grandes machinas, a disposição interior das divisões separadas do espaço a espaço por grossos muros, tudo contribue para a completa, segurança dos numerosos locatarios de cada um dos edificios.

As substancias alimenticias e indispensaveis para a vida são fornecidas aos inquilinos pelo preço da sua producção; o gaz, a agua são-lhe facultados gratuitamente, bem como os remedios e os cuidados de um medico, que duas vezes por dia visita o famlisterio.

Duas especies do alojamentos existem para arrendar: os maiores formados por 4 quartos e 2 gabinetes, os menores por 2 quartos e 1 gabinete; variando os preços segundo o andar, mas conservando-se sempre muito baixos:

[Ver tabela na imagem]

As construcções principaes são acompanhadas por um grande numero de annexos: edificios para banhos frios e quentes, bibliotheca, theatro, padarias, talhos, armazens de todas as especies, e, finalmente, tudo quanto se póde imaginar mais perfeito e completo para a creação e desenvolvimento physico e moral das creanças, filhos dos locatarios.

Casas (nourriceries) em que durante o trabalho as mães guardam os filhinhos em excellentes berços, sob a vigilancia de uma inspectora; outras (bambinats) para as creanças do seis mezes a dois annos, e de dois a quatro annos; escolas graduadas para creanças de quatro a seis annos, de seis a oito annos, de oito a dez annos e de mais de dez annos.

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Todo este bello conjuncto custou apenas:

Réis
edificações principaes .... 198:000$000
annexos .... 54:000$000

e conserva-se sob a vigilancia activa e philantropica do seu intelligente creador o sr. Godin!

Exemplo raro do amor do proximo, lição proveitosa do aproveitamento do principio da associação, que dá a umas centenas de familias a abundancia, o socego, e mesmo as commodidades, que parecem ser partilha apenas dos ricos e afortunados!

Santa e boa communidade, que faria estremecer de jubilo o grande philosopho do phalansterio, Fourier, se elle podesse ver a esplendida realisação de uma parte da sua generosa idéa, da sua famosa utopia!

Factos d'esta ordem podiam ser citados em diversos paizes, em que as poderosas companhias ou grandes industriaes comprehenderam a conveniencia de facultarem a habitação, o sustento e mesmo a educação aos seus operarios; conveniencia que se traduz por um lado em maior perfeição e utilidade do trabalho e por outro nas ligações benevolas e affectuosas entre patrões e operarios, entre o capital e o salario.

Entre nós alguma cousa se tem feito igualmente; a timidez dos nossos esforços mais se deve attribuir ao pequeno desenvolvimento das nossas industrias, á exiguidade do nosso capital industrial, do que ao esquecimento das necessidades das classes desvalidas.

A companhia lisbonense de fiação e tecidos desde 1873 que encetou este humanitario assumpto, fazendo construir n'esse anno um pequeno grupo de casas para habitação dos seus operarios.

De então para cá a companhia tem levantado outros grupos, que actualmente albergam 49 familias, formadas de 186 pessoas.

Esta generosa tentativa, uma das primeiras se não a unica entre nós, merece especial menção e cordial incitamento, por isso reunimos no mappa seguinte alguns elementos, que lhe dizem respeito durante o anno de 1883.

[Ver tabela na imagem]

(a) A companhia calcula os terrenos a 2$000 réis o metro quadrado, segundo o preço por que têem sido vendidos nas proximidades.

Deve observar-se que a companhia, como é justo, reserva as suas casas para os operarios mais antigos e distinctos, preferindo-os aos inquilinos estranhos, os quaes aliás lhe poderiam dar superiores vantagens; assim, as rendas mensaes são mais elevadas para estes, do que para aquelles.

As casas são em geral relativamente amplas e commodas e as rendas, assás economicas, são fixadas mensalmente segundo a tabella seguinte:

[Ver tabela na imagem]

D'aqui se deprehende que a companhia poderia auferir resultados financeiros superiores aos que aufere se não preferisse, muito intelligentemente, alugar as suas casas aos empregados da fabrica; sendo certo, por outro lado, que as casas, já pela sua posição, já pela sua relativa barateza, são muito procuradas.

Não deixaremos de consignar neste ponto o louvor que merece a tentativa da companhia; e como representantes do povo, que somos, em nome d'elle dar o justo e merecido valor a tão util emprehendimento, fazendo votos sinceros para que a companhia desenvolva e augmente ainda as suas construcções, creando os annexos indispensáveis para completar a sua bella obra.

Ao governo aconselharemos e recommendaremos, que em tentativas d'esta ordem teve sempre a sua poderosa protecção até onde for util e conveniente, e pelas fórmas que julgar mais praticas e exequiveis 1.

Expostas aquellas generalidades e apresentados estes factos, que pareceram dignos de menção, já para esclarecer a essencia do assumpto, já, e principalmente, para demonstrar como tem sido cuidado nas mais cultas nações; vamos succintamente apreciar os diversos elementos do projecto.

A concessão do n.° 1.° do artigo 1.°, a isenção do impasto predial por vinte annos, é assas importante, como vamos demonstrar.

A nossa legislação sobre contribuição predial exclue de pagamento do respectivo imposto, durante o periodo de cinco annos, as casas de renda inferior a 50$000 réis em Lisboa e Porto; n'estas cidades, portanto, o projecto de lei não concede realmente isenção senão por quinze annos; todavia entendemos que, por varias circumstancias, as com-

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1 N'este ponto devemos agradecer a illustrada direcção da companhia os elementos que nos forneceu com a maior franqueza. Oxalá que similhante exemplo de confiança e de intelligencia tenha imitadores, e que todos nós comprehendamos quanto é util contribuir com dados positivos e experimentaes para o estudo das questões de interesse publico, que se debatem no parlamento.

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panhias ou emprezas deverão escolher para as suas construcções logares fóra do ambito das cidades, embora nas suas immediações. N'estas condições não lhes aproveitaria a actual disposição particular ácerca de Lisboa e Porto.

Estudemos, pois, a questão já em relação a Lisboa, já em relação aos concelhos limitrophes de Belém e Olivaes.

Como todos sabem, o imposto predial entre nós é ainda de repartição, isto é, o parlamento vota annualmente o total do imposto, que deve recair sobre o rendimento predial collectavel e divide-o pelos differentes districtos administrativos, do continente e ilhas adjacentes.

As juntas geraes em cada districto compete depois a divisão do contingente predial do districto pelos vários concelhos, que o constituem: assim para o districto de Lisboa temos, considerando apenas os tres concelhos que nos inte-
ressam:

[Ver tabela na imagem]

Comparando em cada concelho o valor total do rendimento collectavel predial, com o respectivo contingente (a que aliás se somma o valor das annullações e se subtrahe o das collectas supplementares do anno transacto), chega-se á percentagem primitiva, isto é, á que se deve applicar a cada rendimento, para que o producto de todos elles preencha o contingente exigido por lei; como a principal receita dos districtos provém de addicionaes ás contribuições directas, portanto á predial, cobrados conjunctamente com a do estado, junta-se á percentagem primitiva a correspondencia aos addicionaes districtaes e determinam-se as percentagens de repartição, que têem sido:

[Ver tabela na imagem]

Cumprindo advertir, como já observámos, que comprehendem os addicionaes districtaes, que no districto de Lisboa se elevaram:

1879 .... 10,5%
1880 .... 10,5%
1881 .... 13,0%
1882 .... 13,0%
1883 .... 15,0%

Para esclarecer bem este assumpto tomemos, por exemplo, as percentagens de 1883 e vejamos como de facto feriram o rendimento collectavel dos concelhos, que nos interessam; temos para Lisboa:

Percentagem primitiva .... 11,827
15% addicionaes do districto .... 1,774
Percentagem de repartição .... 13,601
Sêllo, 2% d'esta percentagem .... 0,272
6% addicionaes sobre a primitiva (lei de 1880) .... 0,709
Percentagem definitiva .... 14,582

Isto é, em Lisboa o rendimento collectavel das casas, que sendo de arrendamento se computa no valor das rendas, soffreu em 1883 em beneficio do fisco uma reducção de 14,582 por cento; por cada 100$000 réis de renda o proprietario pagou 14$582 réis de imposto predial.

A isenção concedida ás companhias ou emprezas constructoras é, pois, assas importante, tanto mais quanto a tendencia das percentagens definitivas é, por muitas rasões, para augmentar; entre ellas a do augmento dos addicionaes do districto, que este anno se elevam já a 17 por cento da percentagem primitiva, e que sem duvida se elevarão successivamente até 25 ou 30 por cento, como limite maximo. Deve alem disso observar-se que o municipio do Lisboa não se utilisou ainda, como mais cedo ou mais tarde se verá forçado a fazer, da auctorisação que as leis lhe conferem de lançar addicionaes sobre os impostos directos, e portanto sobre o predial.

Com referencia aos dois concelhos de Belém e Olivaes, iguaes considerações se podem fazer; em relação ao anno de 1883 teremos:

[Ver tabela na imagem]

Devemos, todavia, considerar n'este caso que tanto a camara de Belém como a dos Olivaes, para a sua receita propria, têem lançado addicionaes sobre os impostos directos, addicionaes que se elevaram:

[Ver tabela na imagem]

Como estes addicionaes vão recair sobre a percentagem primitiva, chegaremos áquella que em ultima analyse feriu o rendimento collectavel n'estes dois concelhos:

[Ver tabela na imagem]

Tomando, pois, como base o anno de 1883, a companhia ou empreza constructora de casas economicas terá, pela isenção do imposto predial concedido no projecto, o seguinte beneficio:

Por 100$000 réis de renda

Lisboa, 10 annos .... 14$580
Belém, 20 annos .... 16$480
Olivaes, 20 annos .... 14$700

devendo estas sommas ser consideradas como um limite minimo, porque não attendemos aos addicionaes parochiaes, que para a instrucção publica se podem elevar a 3 por cento da percentagem primitiva, e ás congruas, devendo alem d'isso o crescente desenvolvimento das despezas geraes, districtaes e municipaes, necessaria e successivamente engrossar de anno para anno as percentagens definitivas.

O n.° 2.° do artigo 1.°, comquanto não dê para as companhias ou emprezas um beneficio tão avultado como o precedente, não deixa todavia de ser muito attendivel;

11 *

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effectivamente o imposto de registo offerece actualmente a seguinte percentagem definitiva.

percentagem primitiva .... 8,400
2% de sêllo .... 0,168
6% addicionaes sobre a primitiva .... 0,504
percentagem definitiva .... 9,072

São, pois, as companhias ou emprezas beneficiadas com a somma de 9$072 réis, que deixam de pagar por cada 100$000 réis applicados á compra de terrenos.

Esta isenção póde elevar-se a quantias assás importantes, conforme o custo dos terrenos; nós suppomos que este custo por metro deve variar de 200 réis a 500 réis, se se escolherem terrenos em boas condições para a construcção dos bairros ou grupos de casas, e considerâmos boas condições, entre outras, o afastamento dos centros e a compra de grandes tractos de terra em vez de pequenas parcellas; o hectare extra-muros não o avaliâmos em mais de réis 2:000$000 e intra-muros em mais de 5:000$000 réis nas melhores condições de altitude, igualdade de superficie, exposição, etc.

A companhia, que edificou o bairro de Campo de Ourique em terrenos situados optimamente, comprou-os a cerca de 210 réis o metro quadrado; seja, porém, qual for o custo dos terrenos e isenção do imposto de registo não deixa de ser um importante beneficio.

A concessão das madeiras das matas nacionaes, que se faz no n.° 3.° do artigo 1.°, é tambem importantissima, como vamos provar.

Em primeiro logar devemos dizer que das nossas matas a unica, que póde fornecer boa madeira em volume considerável, é a de Leiria; a essa, portanto, circumscrevere-mos os nossos raciocinios e exemplos.

A madeira de Leiria é facil e economicamente transportavel para Lisboa pela via maritima; levada ao porto de S. Martinho pelo actual tramway póde mesmo ser embarcada para o Porto em boas condições; se, como nos parece, a madeira de Leiria dever ser preferida á das pinhaes de Foja e do Urso, o primeiro assás pequeno e o segundo muito novo, que póde ser embarcada na Figueira da Foz.

Segundo os dados officiaes obtidos da repartição correspondente, o pinhal de Leiria poderá fornecer annualmente cerca de 3:000 metros cubicos de madeiras limpas e em tóros ás companhias constructoras. É já um volume assás rasoavel.

Vejamos agora, se, por um exemplo, podemos determinar o beneficio resultante da concessão da madeira nas condições do projecto de lei.

Segundo informações officiaes, podemos ter como muito exactos os seguintes dados para 1 metro cubico de madeira em tóros:

Matagem (compra ao estado, preço da ultima praça) .... 2$010
Factura, descasque e transporte até ás guardas .... 1$000
Transporte das guardas até Lisboa .... 2$180
5$190

Isto é, 1 metro cubico de madeira de Leiria em tóros limpos e descascados, postos em Lisboa, custa cerca de réis 5$200, ou, admittindo o abatimento de 25 por cento sobre a matagem concedido no projecto, cerca de 4$700 réis.

Um tóro de diametro de Om,312 na secção media, e 2m,64 de comprimento, cujo volume é de Om3,202, produz cortado por sete fios:

Volumes
4 tábuas 4 (0,055 X 0,22 X 2,64) .... Om3,127
4 costaneiras .... 0,075
0,202

sendo a despeza com a serração de 2m,64 X 7 X 20 = 370 réis 1.

Como a relação do volume das tabuas (Om3,127) para o do tóro (Om3,202) é de 1 para 1,59, teremos que 1m3,7 de madeira, se attribuirmos 0,11 para perdas, produzirá:

Volumes
31 tábuas (0,055 X 0,22 X 264) .... 1m3,000
31 costaneiras .... 0,590
Serração, perdas, etc. .... 0,110
1,700

sendo neste caso a despeza de cerração:

0,202 : 370 :: 1,50 : x = 2$915 réis

As 31 tábuas e as 31 costaneiras, da madeira de Leiria, custarão, pois, em Lisboa, com a reducção da matagem:

Madeira posta em Lisboa (1,7 X 4$700) .... 7$990
Serração .... 2$915
10$905

No commercio as tábuas de pinho das dimensões apontadas, custam cerca de 4$500 réis a duzia, as costaneiras 1$800 réis a duzia, isto é, teremos:

1m3 de tábuas, 31 .... 11$625
0,59 de costaneiras, 31 .... 4$650
16$275

Comparando estes dois preços obteremos os seguintes resultados:

[Ver tabela na imagem]

Estes raciocinios, que muitos julgarão elementares e outros porventura indignos de um relatorio parlamentar, mostram a importancia da concessão feita pelo estado; pareceu-nos util apresentar estes elementos para completo esclarecimento de um assumpto por mais de uma face importante, e para accentuar bem que as companhias tirarão aqui um beneficio não inferior em media a 3$000 réis por metro cubico de madeira, o que julgamos importante.

Para evitar a fraude nas requisições consignamos no projecto um meio de fiscalisação, que nos parece producente; de facto as companhias podiam requisitar grandes porções de madeira e com ellas negociar com grande lucro; evita-se isto, porém, obrigando-as, conforme a clausula (b) do n.° 3.° do artigo 1.°, a declarar os typos de casas, que pretendem construir com a madeira requisitada.

Como se sabe de antemão qual é o volume de madeira empregado em cada casa, facilmente se comprehende que as fraudes não poderão ser importantes.

De resto, como é sabido, não convirá empregar o pinho, ainda mesmo o bom pinho de Leiria, em todos os elementos das casas; assim, por exemplo, é mais economico pela duração construir os vigamentos de pitch-pine, e de Flandres (casquinha) as portas e janellas; em todo o caso as companhias vendendo as madeiras de Leiria realisarão beneficios, que lhes compensarão o excesso de preço d'estas duas qualidades de madeira (pitch-pine em vigas preço medio 13$000 réis o metro cubico, e Flandres era vigas preço medio 11$500 réis o metro cubico).

1 A serração é feita geralmente por empreitada e regula cada fio de

1 metro corrente

De 20 a 30 centimetros de altura - 20 réis.
De 30 a 40 - 30 réis.
De 40 a 50 - 50 réis.

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A concessão do artigo 2.° é assaz clara, por isso nada acrescentaremos sobre este assumpto, alem de afirmarmos que em muitos paizes a ultima parte d'este simples artigo tem sido sufficiente para attrahir os capitães para a construcção de casas economicas.

Estes beneficios concedidos pelo estado têem de ser reciprocamente compensados pelas emprezas ou companhias.

Esta compensação não se estabelece directamente, mas indirectamente já nas boas condições das novas casas proporcionadas por alugueres economicos, já pela transformação dos inquilinos em pequenos proprietários. A não se dar esta reciprocidade de serviços a protecção do estado não se comprehenderia, nem se harmonisaria com a moderna liberdade de industria e de commercio.

O n.° 1.° do artigo 3.° refere-se ao maximo da renda; sem a determinação d'este maximo, não só poderiam ser exploradas as classes pobres em nome de um sentimento generoso, genero de hypocrisia mais vulgar do que se imagina, mas o estado ia proteger um concorrente terrivel aos actuaes proprietarios.

O maximo da renda foi calculado pela fórma seguinte:

Taxa do capital .... 6,000%
Amortisação .... 1,226%
Seguro de fogo .... 0,167%
Conservação .... 0,609%
Renda .... 8,000 %

A amortisação foi calculada em trinta annos, capitalisação semestral e na taxa de 6 por cento: equivale isto a suppor que uma casa dura apenas trinta annos, o que, como é sabido, está muito abaixo da verdade.

O seguro do fogo é exactamente o pedido pela companhia Fidelidade.

N'este ponto devemos observar que uma poderosa companhia constructora e exploradora, póde constituir-se em seguradora dos seus proprios predios, e auferir ainda por este meio beneficios mais ou menos importantes.

Emquanto á conservação deve entender-se que nesta percentagem apenas comprehendemos a conservação propriamente dita, porque as grandes reparações periodicas ficam attendidas na verba da amortisação; effectivamente tanto faz suppor que no fim de trinta annos a casa está inhabitavel, e que a companhia embolsou a importancia despendida, alem do seu juro annual de 6 por cento; como admittir que durante os trinta annos, ou no fim d'elles, foi reparada, achando se em perfeito estado de conservação ao findar aquelle periodo.

Basta considerar os elementos da renda para concluirmos que foi calculada com sufficiente largueza para garantir ás emprezas um juro remunerador do seu capital, devendo notar-se ainda que ha outras origens de receita alem de renda, como adiante mostraremos.

Comprovaremos a nossa asserção com alguns factos, que mais alto fallam do que muitos raciocinios e calculos.

A associação de beneficencia de Antuerpia (Anvers) lançou em 1864 os fundamentos de um novo bairro, o de Stuivenberg, construindo até 1868 167 casas, que importaram em 102:000$000 réis.

Eis como se divide o rendimento d'esta somma.

[Ver tabela na imagem]

O rendimento bruto é, pois, apenas 6,21 por cento do capital empregado.

Os auctores donde extrahirnos estes dados, fazem notar que n'este rendimento bruto não estão comprehendidas verbas para amortisação e reparação, e acrescentam que para este effeito seria bom reservar 1 por cento do capital empregado 1.

Segundo o nosso calculo para reparação e amortisação, concedemos até 1,833 por cento, quasi o dobro do que elles propõem.

Admittindo, pois, o nosso maximo de 8 por cento o rendimento liquido do capital teria sido de 6,7 por cento, suppondo que a verba do imposto, que em Portugal não pagam as companhias, era applicada para amortisação e reparações.

Em Nivelles, proximo de Bruxellas, outra associação de beneficencia construiu algumas casas cada uma das quaes custou 2913920 réis.

A renda foi fixada pela seguinte fórma:

4 por cento sobre o custo (rendimento liquido) .... 11$678
Aluguer de 1,5 ares de terreno .... $405
Seguro contra incendio .... $087
Conservação .... 1$350
Renda annual .... 13$520

N'este caso a renda constituia apenas 4,61 por cento do capital.

A sociedade Silva, Esteves, Lopes e Companhia, que construiu o pequeno bairro de Campo de Ourique, tinha em 1880 elevado construcções na importancia de 55:577$357 réis, obtendo:

Rendimento bruto .... 3:292$800
Encargos

Impostos .... 425$656
Seguros .... 71$656
Conservação .... 139$773 6373075

Rendimento liquido .... 2:655$715

Assim o rendimento liquido representava 4,694 por cento do capital empregado e ter-se-ia elevado a 5,445 por cento se a sociedade fosse isenta do pagamento do imposto predial.

Actualmente sabemos que o producto bruto das casas construidas pela referida sociedade, hoje dissolvida, é muito superior ao de 1880, e que portanto a taxa da renda liquida se deve ter elevado consideravelmente. 2

A companhia lisbonense tira das suas casas o seguinte resultado:

Rendimento bruto .... 1:508$400
Encargos

Conservação .... 150$840
Encargos Impostos .... 248$890
Seguros .... 30$395 439$125

Rendimento liquido .... 1:078$275

O rendimento liquido representa, pois, cerca de 5,2 por cento do capital despendido, 20:630$000 réis.

E n'este ponto devemos observar que a conservação das casas é assás elevada, representando 10 por cento da renda bruta, o que é devido a menos boa construcção de alguns grupos.

Se a companhia fosse isenta de imposto, o rendimento

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1 As habitações operarias, por Muller e Cacheux. Paris, 1879, pag. 73. Obra recommendavel.

1 Os elementos sobre as construcções d'esta sociedade foram-nos obsequiosamente communicados pelo sr. conductor Nepomuceno da Silva, a quem agradecemos.

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liquido elevar-se-ía a 6,105 por cento do capital empregado.

Algumas considerações se podiam fazer tambem relativamente aos resultados das construcções da Metropolitan association; parece-nos, todavia, que os exemplos citados são suficientes e corroboram a nossa asserção sobre a largueza do maximo da renda.

Por outro lado as companhias podem tirar vantagens importantes da construcção das casas, que excedem a renda protegida pelo estado, já por conta propria para arrendar, já por conta de particulares. Esta questão é importante se tivermos em vista que uma empreza d'esta ordem, devendo ter montadas o desenvolvidas grandes officinas, póde alem de tudo constituir uma poderosa companhia constructora.

O excesso de valor proveniente para os terrenos adquiridos não é questão tambem para desprezar. O valor do metro quadrado em resultado da abertura das ruas (aliás construidas e canalisadas pelas camaras) e das construcções póde ascender ao decuplo e ainda mais do seu valor primitivo; basta, pois, que a companhia seja auctorisada a vender até á decima parte dos terrenos adquiridos para cobrir, se não exceder, a quantia total da compra.

Depois deve observar-se que, passado o praso de vinte annos, cada casa ou habitação entra no regimen da liberdade; então a companhia poderá elevar a renda como lho permittirem as circumstancias do mercado, quando por outro lado, observe-se, construiu muito mais barato do que o podem fazer os que não estiveram nas suas condições.

Este ponto parece-nos muito digno de ser considerado, muito embora não possa ser esclarecido com exemplos ou dados positivos.

Uma origem muito importante de receita é a que se deriva do n.° 2.° do artigo 2.º; effectivamente supponhamos uma casa, cujo custo comprehendendo o valor dos terrenos se elevou a 360$000 réis, e que o locatario escolhe o periodo de vinte e dois annos (capitalisação trimestral) para se tornar proprietario d'ella; terá elle de pagar:

1.ª Renda (8 % de 360$000 réis) .... 28$800
2.ª Amortização (2,213% do 396$000 réis) .... 8$765
Somma annual .... 37$565

Isto corresponde a alienar a companhia um valor de réis 360$000 pela seguinte fórma:

[Ver tabela na imagem]

Isto é, o resultado da operação é a garantia de uma renda superior a 7 por cento, com amortisação em oitenta e oito trimestres (vinte e dois annos) suppondo que a conservação custa annualmente 1 por cento do capital, ou cerca de 14 por cento da renda (7,221), percentagem que se deve ter por muito elevada.

A disposição consignada na clausula (b) d'este numero parece-nos muito justa e rasoavel.

A grande mira, que deve ter o estado em concessões d'esta ordem, e primeiro que tudo em transformar os proletarios em pequenos proprietarios, proporcionando-lhes ao mesmo tempo habitações salubres, commodas e baratas; incital-os n'este sentido é insufflar-lhes os principios da ordem e da economia, que constituem a melhor garantia do socego e um poderoso elemento de capitalisação da riqueza nacional.

Os contratos de venda a homens de poucos meios não podem deixar de se fazer por amortização em largos prasos, d'ahi o receio fundado da perda do capital por qualquer circumstancia fortuita, principalmente pela morte. Tudo, pois, quanto afaste este receio, constitue, a nosso ver, um incentivo energico para a economia das classes proletarias.

A clausula (b) dá ainda ao contrato de venda o aspecto sympathico e attrahente de um seguro de vida; supponhamos, por exemplo, que um chefe de família contratou com a empreza a compra de uma casa de 360$000 réis era vinte e dois annos; n'este caso terá de pagar trimestralmente 2$195 réis; se vier a fallecer no fim de vinte annos, tendo pago oitenta prestações, nem a família perde por este facto o seu capital, se não póde sustentar o seu contrato, nem a empreza deixa de auferir um legitimo interesse; temos effectivamente que no fim de oitenta trimestres a quantia de 2$195 réis produz:

Capitalisada a 6 por cento .... 335$240
Capitalisada a 3 por cento .... 239$255
Differença .... 95$985

A empreza entregando á viuva ou ao legitimo herdeiro do fallecido a somma de 239$255 réis, embolsará a differença das capitalisações, funccionando como verdadeira seguradora de vida. Parece-nos esta clausula muito conveniente, portanto, não só em vista dos fins, que o estado se propõe attingir, mas ainda das emprezas, visto que estes contratos de venda lhes são vantajosos. Claro é que o não cumprimento das restantes condições do contrato envolve, ou uma certa multa (como por exemplo pela demora da renda), ou a perda das annuidades, o que em ambos os casos reverte a favor da empreza.

A condição do numero 3.° temol-a tambem como muito importante para a empreza e para o locatario; porque, só os pequenos capitaes concorrerem - e devem concorrer se a taxa do juro não for muito inferior á taxa normal - poderá a empreza desenvolver as suas construcções com um capital mais barato sem duvida do que recorrendo ao credito por emissão de obrigações: são conhecidos os resultados surprehendentes do emprego das grandes massas do capitães, applicados em Inglaterra, provenientes do penny do operario; por outro lado os depositos serão uma garantia das rendas para a companhia, e para o locatario a possibilidade de a juntar pouco a pouco com a vantagem do seu correspondente juro; principio essencialmente moralisador e util.

A antecipação das rendas é uma necessaria garantia para as companhias; mas estas a seu turno deverão permittir o seu pagamento em fracções mínimas até um mez, quando menos. Aconselhariamos, porém, o pagamento quinzenal e mesmo semanal, feita a cobrança por agentes da companhia.

A difficuldade do pagamento da renda entre as classes mais pobres (não sendo aliás n'essas que a proporção dos devedores é maior) provém da sua importancia relativa á feria semanal ou quinzenal.

Deduzir no fim de um mez a importancia de 1$500 ou 2$000 réis, de uma feria de 4$000 ou 5$000 réis, é difficil; e se nos disserem que a economia de 500 réis por semana perfaz aquella somma no fim do mez, responderemos que a economia e a previdencia é tanto mais facil, quanto recáe sobre necessidades secundarias ou superfluidades; mas que é difficil, quasi impossível, quando exige uma restricção das necessidades impreteriveis. O proletario, que no fim da semana divide o salario ganho com os seus fornecedores a credito, poderá considerar o senhorio como um verdadeiro fornecedor e levar-lhe-ha a sua pequena divida, mas se guardar esta somma ao cauto da gaveta a primeira necessidade urgente (e tantas são ellas!) forçal-o-ha a quebrar o seu proposito.

É facto observado que os mezes de renda de casa são os de maior miseria e angustia para as classes proletarias; dividir-lhes, pois, a renda em fracções minimas, pa-

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gas adiantadamente, é para ellas um bem e uma segurança para as emprezas.

O n.° 5.° não carece de explanações; tem por fim evitar a sophismação dos melhores principios contidos n'este projecto de lei.

O artigo 4.° constitue um beneficio em favor dos que por meio de annuidades se quizerem tornar proprietarios das casas ou divisões, que habitarem.

Sendo o praso maximo da venda de vinte e dois annos o mais favoravel para contratos d'esta ordem, porque exige ao comprador menor annuidade, é provavel que a maior parte dos contratos se realise na base d'este praso.

A isenção do imposto predial, sendo por vinte annos, não abrangia aquelle periodo; entendemos, pois, que para este caso deviamos alargar a isenção, concedendo por assim dizer, uma folga de tres annos; a casa que não for contratada neste espaço, provavelmente não o será jamais.

Por esta fórma não se complica a amortisação com um novo elemento, que a tornava mais onerosa; e tudo que a similhante respeito se fizer será largamente compensado.

Provavelmente no principio da applicação do systema hão de manifestar-se indecisões da parte d'aquelles a quem mais interessa; foi um facto observado em Mulhouse como n'outros pontos; o raciocinio virá depois e fará o resto.

Em Mulhouse, por exemplo, o systema de venda é um pouco differente do que propomos, porque o comprador precisa entrar antecipadamente com a somma de 300 ou 400 francos (54$000 réis ou 72$000 réis); nos primeiros tempos os locatarios desconfiavam dos grandes beneficios offerecidos pelas companhias; mas tempo veiu, e breve, em que o fervor de se tornarem proprietarios das habitações levou muitos mancebos a alistarem-se no exercito, e a offerecer aos paes o producto da substituição para comprarem as pequenas casas em que residiam!

Affirma-se que em dois annos se deram vinte casos d'esta natureza!

A disposição do artigo 5.° constitue tambem um pequeno incentivo para os inquilinos se tornarem proprietarios das casas que habitam; é um justo premio dos esforços e da previdente economia do homem pobre.

Realmente o estado devia eximil-os durante o periodo de amortisação do pagamento de qualquer imposto; isto, porém, teria o inconveniente do dar igual protecção, ao que cumpre o seu contrato e aquelle que falta a elle, ou de obrigar o estado a rehaver mais tarde e por processos difficeias, as quantias indevidamente deixadas de pagar. Preferiu-se, pois, outro systema.

Em Lisboa e Porto, como terras de primeira ordem, o imposto sobre a renda de casas, pago pelo locatario, incide apenas nas rendas não inferiores a 20$000 réis, sendo a sua taxa definitiva actual de 10 por cento approximadamente.

Nas casas de renda de 20$000 a 40$000 réis, que deverão ser em grande numero, os inquilinos terão, pois de pagar de 2$000 a 4$000 réis annuaes.

O premio concedido pelo estado, se se tornarem proprietarios, estará entre os limites de:

1$000 capitalisados a 5 por cento em 14 annos .... 19$600
2$000 capitalisados a 5 por cento em 22 annos .... 77$000

isto é, sem affectar os legitimos interesses do estado, contribuirá para o fim principal que se tem em vista: transformar o proletario em pequeno proprietario.

Seria talvez possivel ir mais longe; todavia contentamo-nos com estas concessões, esperando que a iniciativa particular e o bom senso das classes directamente interessadas a ellas correspondam.

O artigo 6.° envolve uma reserva que tem em vista evitar ainda outra sophismação do espirito d'este projecto de lei. O estado proporciona ás emprezas os meios d'ellas construirem economicamente, para que as rendas sejam baixas e a compra das casas accessivel ás classes menos abastadas; qualquer outro modo de venda, que não seja o indicado no n.° 2.° do artigo 2.º do projecto, poderia sem duvida produzir grandes beneficios para as emprezas, mas não satisfazia aos fins da protecção concedida pelo estado; ora os interesses particulares das emprezas protegidas são legitimos e respeitaveis, quando constituirem unicamente o meio de realisação das idéas d'esse projecto de lei.

Não nos parecem difficeis de apurar as sommas que deverão ser embolsadas pelo estado, na hypothese do venda não consentida por este projecto de lei.

Os artigos 7.° e 8.° não carecem de explanações.

Emquanto ao artigo 9.° julgâmol-o nmito importante. Concedido ás emprezas, não só o beneficio de serem consideradas municipaes as obras das ruas dos novos bairros, mas ainda garantida a compra dos terrenos applicados para ruas e logradouros publicos por metade do seu custo effectivo, seria possivel, embora não seja provavel, um grave abuso.

Como é sabido, a abertura de uma rua em boas condições produz immediatamente um augmento de valor, mais ou menos consideravel, nos terrenos marginaes; assim as emprezas poderiam applicar na construcção das casas economicas uma pequena fracção do seu terreno, exigindo, á sombra da lei, os sacrificios dos municipios.

Eis o que se evita com a disposição do artigo 9.°; sem comtudo privar as emprezas de um beneficio importante, como é o de excesso de valor da decima parte do terreno livre, que póde ser escolhido nos pontos melhor situados.

Temos por esta fórma esclarecido o espirito e a letra do projecto de lei; era este trabalho tanto mais necessario quanto é uma questão nova que vae ser apresentada ao parlamento portuguez, e mal conhecida ainda pelo publico, que é necessario interessar em tentativas d'esta ordem.

Antes, porém, de terminarmos, seja-nos consentido encarar uma ultima face da questão, que se nos antolha importante, porque, estudando-a, não só tivemos em vista esclarecer o parlamento, como nosso fim principal, mas ainda colher todos os elementos que possam sobre ella chamar a attenção publica.

Qual será approximadamente o preço por que póde sair o metro quadrado coberto na construcção de casas económicas em Lisboa e suas cercanias?

Comprehende-se que este elemento é de grande importancia, porque, tanto menor for o preço do metro quadrado, menor será a importancia da renda e da annuidade de amortisação no caso da compra da casa.

Como questão previa convém saber qual o systema de construcção de casas que nos parece preferivel, se o das casas de muitos andares, se o das casas de um só morador agrupadas.

O primeiro systema, innegavelmente, póde proporcionar construcções muito economicas; deve mesmo ser preferido em certas condições, quando, por exemplo, o terreno é mui caro e correm por conta das emprezas a construcção, a conservação e a limpeza das ruas; em geral, porém, difficulta a acquisição das habitações pelos inquilinos, e obriga-os a uma vida intima e commum, quasi sempre inconveniente, não consentindo alem disso que cada familia ou locatario tenha o seu pateo, elemento tão importante para a salubridade das habitações pobres e commodidade dos moradores.

Por estas ultimas rasões, que para nós são decisivas e porque nas construcções realisadas pelas emprezas, que se organisarem sob a protecção d'esta lei, se não dão as condições que indicam a conveniencia do systema das casas de muitos andares, somos de opinião que se deve preferir o segundo systema, isto é, o das casas de um só inquilino, dispostas em grupos; por esta fórma se poderão obter construcções, se não tão economicas, pelo menos muito pouco mais despendiosas do que pelo primeiro systema.

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Isto posto, vejamos se por alguns dados podemos: determinar com certo rigor o custo provavel do metro coberto nas construcções economicas.

A empreza Silva, Esteves, Lopes & Compa., até 1880 construiu assás economicamente no Bairro de Campo de Ourique um certo numero de casas de andares e barracas; muito superiores aliás em commodidades, grandeza e acabamento áquellas que devem ser construidas nas condições d'este projecto de lei:

A despeza correspondente, foi: 1:789m2,20 de terreno occupado a 210 réis .... 375$732
Construcção das casas e barracas, comprehendendo a administração technica .... 56:201$625
56:577$357

A superficie coberta em differentes pavimentos era de 6:526m2,80, portanto o custo medio por metro coberto elevou-se a 8$670 réis em numeros redondos, ou a 8$610 réis para a construcção propriamente dita.

A companhia lisbonense de fiação e tecidos, como se deprehende do mappa que anteriormente apresentámos, obteve construcções por um preço ainda mais diminuto:

Despendeu em terrenos 933m2 X 2$000 réis .... 1:866$000
Construçção .... 18:200$000
20:066$000

sendo a superficie coberta, nos differentes pavimentos, de 2:722 metros quadrados, a despeza com o metro coberto foi apenas de 7$475 réis, ou de 6$685 réis, não entrando em linha de conta com o valor do terreno. Deve observar-se que a construcção das casas da companhia, principalmente dos quatro primeiros grupos, deixa alguma cousa a desejar, o que obriga a uma conservação annual despendiosa, é até certo ponto explica a extrema economia da construcção d'aquelles grupos relativamente ao quarto, muito melhor construido.

Em vista d'estes factos, que exclusivamente apresentâmos, por serem nacionaes, porque aliás ser-nos-ia facil exemplificar com o preço de construcções d'esta especie em paizes estrangeiros, e considerando os beneficios concedidos pelo estado ás emprezas, suppomos, sem grave receio de erro, que ellas poderão elevar casas agrupadas em excelentes condições por 7$500 réis a 8$000 réis o metro coberto, comprehendendo o valor do terreno.

Se, como não é provavel, a tentativa d'este projecto de lei não produzisse effeito algum, então aconselhariamos a formação de uma empreza constructora á similhança das buildings-societies inglezas.

Sem por fórma alguma querermos entrar n'um desenvolvido estudo, que aliás deverá ser feito antes de se tentar uma empreza d'esta ordem, daremos uma succinta idéa do que são estas sociedades em Inglaterra onde o seu numero em 1878 expedia 3:000.
A building society, sociedade constructora, é formada por um certo numero de individuos, que semanalmente contribuem com uma pequena somma a fim de se proporcionarem reciprocamente capital barato para a beneficiação ou construcção de casas economicas.

Os resultados d'estas associações em Inglaterra têem sido admiraveis; em 1866, em Birmingham, existiam perto de 9:000 casas levantadas por associações constructoras, formadas por cerca de 10:000 asspciados, em grande numero operarios, cujas receitas annuaes montavam a 6.750:000$000 réis 1.
Em 1866, n'esta mesma cidade, seis sociedades tinham 14:973 membros. As suas contas, liquidadas em 1 de junho, manifestavam 2.272:000$000 réis de quantias recebidas desde a sua fundação, e 2.524:000$000 réis emprestados sobre hypothecas.

Em 1861 calculava-se que em toda a Inglaterra as sociedades constructoras teriam cerca de 100:000 associados, subscrevendo annualmente com 7.875:000$000 réis, tendo um capital representado em hypothecas sobre as casas construidas de 27.000:000$000 réis.

Em 1867 suppunha-se que tinham um numero dobrado de membros, tendo recebido 49.500:000$000 réis e pessuindo em hypothecas um capital de 36.000:000$000 réis. Actualmente o numero de associados eleva-se a 750:000, dos quaes um grande numero são proprietarios de pequenas casas, ou estão em vesperas de o ser.

D'estes dados podemos concluir a importancia d'estas sociedades constructoras, e o bom exito da maior parte d'ellas. Vejamos rapidamente como ellas funccionam.

Quando a sociedade, em virtude das quotisações semanaes e das restantes origens de receita, possue um capital sufficiente, compra um terreno espaçoso e em boas condições para a construcção das casas.

As casas, apenas terminadas, são immediatamente cedidas aos socios, mediante qualquer dos seguintes processos:

1.° Pelo sorteio.

2.° Successivamente pela inscripção.

3.° Em praça e por licitação.

O favorecido pela sorte, porque é este o systema que vae prevalecendo nos buildings-societies, recebe a casa correspondente, que hypotheca pelo seu valor á sociedade como garantia do cumprimento das suas obrigações, pagando um juro modico por esse capital alem da quota semanal que continua a satisfazer até ao final da sociedade, isto é, a concessão da ultima casa ao ultimo membro não contemplado pela sorte.

Dado este facto, os saldos que existem são igualmente divididos por todos os associados, e a sociedade dissolve-se tendo produzido os seus resultados.

Sem querermos entrar na organisação economica e financeira d'estas sociedades, diremos apenas que as suas receitas provém de varias origens:

1.ª As quotas semanaes.

2.ª Os juros do capital hypothecado.

3.ª Os depositos (differença da taxa paga é d'aquella por que o capital se reproduz).

4.ª O producto das multas, entradas, etc.

Sendo alem d'isso evidente que similhantes sociedades podem construir com a maior economia.

Poder-se-ia entre nós tentar uma sociedade, constructora d'esta especie? Parece-nos que sim, comquanto saibamos que no nosso paiz as difficuldades são maiores, já porque o capital é mais caro, já porque está amortecida entre nós, ou jamais existiu, a iniciativa individual.

Alem d'isso o nosso operario é por via de regra desconfiado, quando para fazer prosperar uma tentativa d'esta ordem se exige intelligencia e sciencia da parte dos directores ou administradores, confiança e paciencia da parte dos associados.

Ainda assim desejariamos ver tentado este assumpto, se por outra fórma não conseguirmos construir casas economicas; e, se a tentativa fosse seria, aconselhariamos a protecção do estado até onde fosse rasoavel e justa.

O principio da associação carece de ser apreciado e comprehendido para na pratica produzir os seus esplendidos, e per vezes inacreditaveis, resultados; entre nós este poderoso instrumento das sociedades modernas ou tem sido empregado com fins demasiado politicos, e a politica no sentido estreito e partidario da palavra deve importar pouco ás classes trabalhadoras, e proletarias, ou tem caido em mãos inexperientes e inhabeis.

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1 Achâmos estes dois tão importantes, que citâmos a obra de onde os extrahimos: Da situação dos operarios em Inglaterra, pelo conde de Paris, edição de 1884; pag. 171.

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É certo que o principio da associação constitue um grande remedio para o pauperismo, mas é certo tambem que depende em grande parte das qualidades e conhecimentos dos associados. O egoismo estreito, a desconfiança sombria, a jactancia insulsa e vasia, outros tantos defeitos que não influem consideravelmente na vida individual, destroem completa e rapidamente a vida associada, impedindo o principio de funccionar regularmente; n'este caso o principio de associação, não só é pernicioso para o individuo, mas até certo ponto é perigoso para a ordena publica.

Terminâmos n'este ponto a nossa, porventura, longa exposição, tendo apresentado as idéas e as opiniões que nos suggeriu o estudo d'este importante problema social.

Maduramente o estudámos, e cremos que o apresentamos digno da discussão parlamentar.

Se a tentativa que este projecto de lei representa produzir, como é de esperar, o desejado resultado, o parlamento que o approvar terá certamente feito um grande serviço ao paiz.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a conceder ás emprezas, que se organisarem para a construcção de casas destinadas á habitação das classes laboriosas e menos abastadas, mediante o pagamento de rendas não superiores em Lisboa e Porto e nas suas immediações a 40$000 réis por anno e nos restantes centros do paiz a 25$000 réis por anno:

1.° Isenção da contribuição predial por espaço de vinte annos.

2.° Isenção de contribuição de registo, quanto aos terrenos para esse fim adquiridos.

3.° A faculdade de escolherem nas mattas nacionaes as madeiras que lhes convierem e que sem prejuizo para o estado poderem ser cortadas.

a) Para este eifeito as emprezas requisitarão até 31 de julho de cada anno os volumes de madeira que desejarem obter; se os volumes pedidos forem superiores aos que o estado póde fornecer, far-se-ha um rateio entre os pedidos das differentes companhias.

b) As requisições das emprezas designarão o numero e os typos das casas que pretendem construir com as madeiras requisitadas; reservando-se alem d'isso o governo a faculdade de fiscalisar o emprego das madeiras, que fornecer a cada empreza;

c) As madeiras serão cedidas ás emprezas por um preço de matagem inferior em 25 por cento ao fixado pela ultima praça.

Art. 2.° As camaras municipaes, nos concelhos em que se construam bairros nas condições d'esta lei, reembolsarão as emprezas da metade do custo effectivo dos terrenos, que forem applicados para abertura de ruas, praças e logradouros communs e publicos, cujas obras serão consideradas municipaes.

Art. 3.° Em compensação d'estas vantagens concedidas pelo estado serão as emprezas obrigadas pelos seus estatutos:

1.° A alugar as casas ou divisões por uma renda nunca superior a 8 por cento do seu custo effectivo, comprehendendo n'elle o valor do terreno, durante um periodo de vinte annos;

2.° A permittir que os inquilinos possam, por meio de annuidades accumuladas n'uma taxa jamais inferior a 6 por cento, tornar-se proprietarios das casas ou divisões, que habitarem, pelo seu custo effectivo, comprehendendo o valor dos terrenos, com um prémio de construcção em beneficio da empreza nunca superior a 10 por cento d'aquelle custo e valor dos terrenos.

a) Para este effeito as emprezas estabelecerão tabellas de amortisação por trimestre para os periodos de quatorze, dezoito e vinte e dois annos.

b) Na hypothese de morte ou impossibilidade physica do inquilino, e quando a sua familia ou legitimo herdeiro não possa sustentar o contrato, ser-lhe-hão entregues as prestações pagas, accumuladas em metade da taxa e nos mesmos periodos por que a empresa tiver contratado a venda.

3.° A crear caixas economicas, em que possam ser depositadas quaesquer quantias, desde o minimo de 50 réis, com juros contados dia a dia, numa taxa nunca inferior a 4 por cento, e capitalisação trimestral;

4.° A permittir o pagamento antecipado das rendas por mez, por trimestre ou por semestre;

5.° A não consentir a sublocação das casas ou divisões, rescindindo immediatamente os contratos de aluguer, aos que praticarem aquelle acto.

Art. 4.° Para as casas ou habitações, cuja renda for contratada nos termos do n.° 2.° do artigo precedente, o periodo da isenção do imposto predial será elevado a vinte e cinco annos.

§ unico. A concessão d'este artigo caduca logo que o contrato de venda seja annullado ou rescindido; n'este caso a empreza reembolsará o estado das sommas correspondentes ao imposto predial, que deixarem de ter sido pagas por mais de vinte annos.

Art. 5.° Aos inquilinos, que unicamente pela fórma indicada no n.° 2.° do artigo 2.° se tornarem proprietarios, concederá o governo, provada a acquisição das habitações, 50 por cento do imposto sobre renda de casas, que annualmente houverem pago, capitalisadas estas sommas annuaes na taxa de 5 por cento e isenção do imposto de registo.

Art. 6.° As vantagens concedidas ás emprezas cessam logo que a venda das casas ou habitações se realise por processo differente do indicado no artigo 2.°, ou seja feita a outrem que não seja o inquilino residente desde o começo do contrato; devendo neste caso a empreza embolsar o estado das sommas não pagas em virtude dos n.ºs 1.°, 2.° e 3.° do artigo 1.° accumulados na taxa de 6 por cento, e o novo proprietario ficará sujeito ao pagamento da respectiva contribuição de registo.

Art. 7.° A entrega das casas aos inquilinos, que se tornarem proprietarios d'ellas pelo meio indicado no artigo 2.° n.° 2.° será feita em boas condições de conservação; se sobre este assumpto se levantar contestação entre o novo proprietario e a empreza proceder-se-ha a uma vistoria arbitral de tres peritos, um nomeado pela empreza, outro pelo interessado e o terceiro pelo governo.

O resultado d'esta vistoria será presente ao ministro das obras publicas, que resolverá definitivamente sobre a contestação.

Art. 8.° Os projectos das edificações e planos dos bairros serão submettidos á approvação do governo, devendo satisfazer ás condições de boa exposição, salubridade, perspectiva, solidez, capacidade e hygiene; o governo fiscalisará os trabalhos da construcção, approvará os contratos de venda e as tabellas de fixação das rendas e amortisação, a fim de que as condições d'esta lei sejam rigorosamente attendidas.

§ 1.° Os estatutos das emprezas que se organisarem nos termos desta lei serão igualmente submettidos á approvação do governo sem embargo do que dispõe a lei de 22 de junho de 1867.

§ 2.° Os typos das casas serão acompanhados de medições e orçamentos desenvolvidos e completos.

Art. 9.° As emprezas só poderão vender ou empregar na construcção de casas de renda superior á fixada nesta lei, até um decimo da superficie dos terrenos, que possuirem, descontada a que for applicada para abertura de ruas, largos e logradouros publicos.

Art. 10.° A approvação pelo governo dos planos da bairros, das edificações e dos typos das casas constitua para todos os effeitos legaes declaração de urgencia e do utilidade publica.

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Art. 11.° A auctorisação concedida ao governo pela presente lei vigora por espaço de tres annos a contar da data da sua promulgação.

Art. 12.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 16 de maio de 1884. = O deputado, Augusto Fuschini.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me sejam enviados, com urgencia, os seguintes documentos:

I. Copia textual do primitivo contrato feito pelo governo com o Comptoir d'Escompte, de Paris;

II. Copia das acclarações feitas ao mesmo contrato, durante a gerencia do sr. Barros Cromes, como ministro da fazenda. = O deputado pelo circulo 23, Almeida Pinheiro.

2.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, me sejam enviados, com urgencia, os seguintes esclarecimentos:

I. Copia da correspondencia e telegrammas trocados entre o mesmo ministerio e o governador civil de Castello Branco, durante o ultimo período eleitoral e directa ou indirectamente referentes ás eleições;

II. Copia da correspondencia e telegrammas trocados entre o mesmo ministerio e o governador civil de Bragança, desde 21 de maio até 15 de julho do anno proximo passado;

III. Nota da data de expedição pelo mesmo ministerio e de recepção no governo civil de Bragança, das comumnicações respeitantes ao decreto de 3 de julho do anno proximo findo e que exonerou o respectivo governador civil. = O deputado pelo circulo 23, Almeida Pinheiro.

3.° Roqueiro que, pelos ministerios dos negocios ecclesiasticos e do ultramar, me sejam enviados, com urgencia, os seguintes documentos:

I. Nota das publicações feitas durante os ultimos dez annos, pelos prelados diocesanos, de quaesquer documentos emanados da Santa Sé e que não tenham obtido o beneplácito regio ao tempo da publicação;

II. Copia de quaesquer correspondencias, consultas ou outras peças officiaes que taes publicações illegaes tenham provocado e que constem nos mesmos ministerios. = O deputado pelo circulo 23, Almeida Pinheiro.

4.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me sejam enviados, com urgencia, os seguintes documentos:

I. Copia das representações dirigidas a Sua Magestade pelas camaras municipaes do districto de Villa Real relativamente ao caminho de ferro de Foz-Tua a Mirandella, e das informações, consultas e despachos relativos a taes petições, com indicação das datas de entrada d'essas representações no mesmo ministerio;

II. Nota estatística das despezas feitas com os estudos de quaesquer caminhos de ferro, com a indicação do pessoal technico empregado n'esses estudos, e dos vencimentos abonados a esse pessoal pelas verbas especiaes do orçamento geral do mesmo ministerio ou por despachos especiaes, e com designação das extensões estudadas;

III. Nota estatística da producção, consumo, importação e exportação dos diversos concelhos dos districtos de Villa Real e Bragança durante os ultimos dez annos;

IV. Nota dos engenheiros e mais pessoal technico actualmente ao serviço dos caminhos de ferro por conta do estado, seus vencimentos e situação actuaes;

V. Relação nominal do todos os engenheiros e mais pessoal technico, actualmente considerados como pertencentes ao ministerio das obras publicas, sua graduação ou classificação, vencimentos ordinarios e extraordinários, situação, antiguidade no serviço do mesmo ministerio, habilitações litterarias, verbas do orçamento por que são pagos os seus vencimento de qualquer natureza, e finalmente, notas biographicas que constem dos assentamentos do mesmo ministerio. Incluam-se n'esta relação, alem da engenheiros e dos conductores de 1.ª e 2.ª classe, os conductores auxiliares, os contratados e o pessoal technico empregado em todas as direcções geres e suas dependencias do mesmo ministerio ou de outros ministerios e o pessoal ao serviço de emprezas particulares com licença do governo;

VI. Mappa demonstrativo das despezas auctorisadas pelo mesmo ministerio para a direcção de obras publicas do districto de Bragança nos annos economicos de 1882-1883, 1883-1884 e 1884-1885 e das despezas effectuadas pela mesma direcção até hoje em virtude d'essas auctorisações. = O deputado pelo circulo n.° 23, Almeida Pinheiro.

5.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me sejam enviados, com urgencia, os seguintes esclarecimentos:

I. Copia do processo de exoneração do escrivão de fazenda de Macieira de Cambra, Francisco de Lacerda Esgueira Bacellar;

II. Copia de quaesquer outros papeis ou documentos que posteriormente a essa exoneração tenham sido apresentados no mesmo ministerio e dos despachos respectivos, incluindo um requerimento feito pelo referido Cerqueira de Bacellar, pedindo se lhe declare o motivo da exoneração para apresentar a sua defeza;

III. Nota estatística dos varejos feitos em diversos estabelecimentos desde 1 de julho do anno passado até hoje, indicando-se se esses estabelecimentos estavam ou não avençados com relação ao imposto do real de agua, a natureza e valor das apprehensões feitas e a importancia liquida resultante em beneficio da fazenda publica;

IV. Copia authentica das propostas apresentadas ao governo para a realisação do ultimo emprestimo auctorisado por lei. = O deputado pelo circulo n.° 23, Almeida Pinheiro.

6.° Requeiro que, com a maior urgencia, sejam enviadas á camara, pelo ministerio da justiça, as seguintes informações:

I. Se pela auctoridade administrativa dos concelhos de Chaves e Mirandella foram enviados aos respectivos juizes do direito ou agentes do ministerio publico quaesquer autos ou informações officiaes sobre o resultado da diligencia realisada na povoação de Nantes, na noite de 4 do corrente, onde foram presos seis cidadãos, e pelo resultado de diligencia feita na povoação de Valle Telhas, anteriormente ao dia 7 do corrente, cercando se com tropa a casa de um cidadão;

II. Data em que essas communicações foram entregues aos mencionados magistrados. = O deputado, Eduardo J. Coelho.

7.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviados a esta camara, com a maxima urgencia, os seguintes documentos ou informações officiaes:

I. Motivos da diligencia ordenada pelo administrador do concelho de Chaves, e por elle executada, cercando-se com tropa de infanteria e cavallaria a povoação de Nantes em noite de 4 do corrente mez;

II. Relação dos indivíduos presos, e se foram entregues ao poder judicial e por quem foram soltos;

III. Copia do officio, telegrammas ou requisição do administrador de Chaves ao administrador do concelho de Mirandella, para que este cercasse a casa de um cidadão na povoação de Valle Telhas, diligencia que se realisou em um dos dias d'este mez anterior ao dia 7 do corrente; relação da força que foi encarregada d'esta diligencia, qual a casa do cidadão cercada por essa força publica; hora em que a diligencia começou, isto é, horas em que a casa foi cercada, e tambem as horas em que a auctoridade

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administrativa entrou n'ella e copia do auto que ahi foi lavrado;

IV. Informação das respectivas auctoridades administrativas, se em resultado das diligencias acima referidas, fizeram ao poder judicial as competentes communicações e data em que foram feitas. = O deputado, Eduardo J. Coelho.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.º Declaro que por motivo justificado não pude comparecer a algumas sessões. = Miguel Tudella.

2.º O sr. Antonio de Castro Pereira Côrto Real encarrega-me de participar a v. exa. e á camara que, por motivo justificado, não tem podido comparecer ás sessões nem comparecerá a mais algumas. = José Frederico Pereira e Costa.

Para a acta.

O sr. Frederico Costa: - Mando para a mesa a declaração justificativa das faltas que tem dado o das que dará ainda a algumas sessões o sr. deputado Antonio de Castro Pereira Côrte Real.

Vae publicada no logar competente.

O sr. Germano de Sequeira: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei que contém apenas um artigo, para interpretação do artigo 40.° § 1.º da lei de 21 de maio de 1884, combinado com o § 6.º do mesmo artigo 40.°

O § 1.º da lei pune os magistrados judiciaes e do ministerio publico, que nos círculos em que exercem auctoridade e onde não forem candidatos, espalhem cartas, proclamações ou manifestos eleitoraes, ou angariem votos, com a perda do emprego, prisão de um a seis mezes e suspensão dos direitos politicos por dois annos.

O § 6.º preceitua que as penas enunciadas n'este artigo sejam impostas em processo correccional.

Esta doutrina não foi a que certamente presidiu á mente dos legisladores e da camara quando a lei se discutiu, e apenas resultado de lapso, pois que os magistrados judiciaes e do ministerio publico têem pelas leis vigentes fôro excepcional onde são julgados, e o processo correccional só existe para a primeira instancia.

E como seria o juiz da primeira instancia julgado por delictos eleitoraes no tribunal da relação, onde não vigora o processo correccional?

Seriam tambem os juizes da relação e os do supremo tribunal julgados correccionalmente?

E o mesmo com relação aos differentes agentes do ministerio publico.

Este projecto tem apenas por fim tomar assento a respeito da doutrina sobre que versa, que é no meu entender a jurídica e verdadeira, e procurar por uma interpretação authentica do parlamento os graves inconvenientes na execução dos referidos paragraphos do citado artigo.

Serei talvez o menos competente para levantar estas incoherencias da lei, e se o faço assim é porque muito confio na benevolencia da camara.

A lei de 21 de maio de 1884, em parte em vigor e em parte não, lei in partibus, presta-se a outras duvidas que agora não discuto, protestando fazel-o em occasião opportuna em que tambem mostrarei as rasões porque não sou de opinião que os recursos eleitoraes sejam julgados pelo poder judicial.

Nada mais direi por agora.

O projecto ficou para segunda leitura.

O sr. Miguel Tudella: - Mando para a mesa uma nota justificando algumas faltas minhas ás sessões da camara.

Vae publicada no logar competente.

O sr. Almeida Pinheiro: - Mando para a mesa sete requerimentos, pedindo ao governo diversos documentos e informações.

A notavel baixa dos nossos fundos, assim como os meios empregados para se conseguir essa baixa, meios que são mais ou menos conhecidos de todos, suggerem-me algumas considerações que reputo da mais alta importancia, mas que só desejo apresentar á camara depois de obter os esclarecimentos relativos aos contratos com o Comptoir d'escompte.

Consta-me que alguns d'esses documentos foram já impressos e estão publicados, mas tambem é verdade que me tem sido impossível obter o relatorio onde elles se contêem, por ter, segundo me consta, a edição esgotada.

Peço, portanto, a v. exa. que mande expedir estes requerimentos e espero que
serão satisfeitos com urgencia.

Os requerimentos vão publicados na secção competente.

O sr. Eduardo Coelho: - Mando para a mesa dois requerimentos, pedindo diversas informações e documentos, pelos ministerios da justiça e do reino.

Peço a v. exa. que se digne dar-lhes o devido destino.

Vão publicados a pag. 164 d'este Diario.

O sr. Cardoso Valente: - Já nas duas ou tres ultimas sessões desejára tomar a palavra antes da ordem do dia, para chamar a attenção do governo sobre um assumpto que se me affigura grave e de grande importancia para o concelho que tenho a honra de representar n'esta casa. Mas, sr. presidente, o governo obstina-se por tal fórma em nos privar do prazer da sua presença, esconde-se com tanto cuidado aos olhares profanos d'esta camara, que eu, certamente pela minha inexperiencia das cousas parlamentares, quasi me vou convencendo de que é um alto favor de s. exa. o que eu suppunha ser um indeclinavel dever dos ministros - ouvir e attender as justas reclamações que o paiz lhes faz por intermedio dos seus representantes. (Apoiados.)

Sem duvida, era uma injustiça que eu fazia aos srs. ministros, attribuindo-lhes o dever de comparecem n'esta camara; porque, de outra maneira, elles de certo viriam aqui, pelo menos, algumas vezes.

Em todo o caso eu, accentuando perante a camara a falta de s. exa. visto que nenhum está presente appello para o Diario das sessões como a unica maneira de levar ao conhecimento do governo o assumpto de que em poucas palavras me occuparei.

A 11 d'este mez teve logar em Villa Nova de Gaia uma reunião de grande numero de cidadãos d'aquelle concelho a fim de representarem ao governo contra o avultado emprestimo de 110:000$000 réis que a respectiva camara municipal intenta realisar nas condições mais desgraçadas para os interesses d'aquelle municipio.

É possível que o governo não tenha ainda conhecimento d'isto. Provavelmente não o tem; mas é por isso mesmo que eu chamo n'este momento a sua attenção para esta gravíssima questão.

O meeting realizado em Villa Nova de Gaia foi concorridissimo, e, segundo informações particulares que tenho por fidedignas, encontravam-se ali cidadãos de todos os pontos do concelho e de todas as cores políticas, que, pondo de parte as suas affeições partidarias, protestavam energicamente contra, a ruinosa administração municipal da actual vereação.

E, de facto, sr. presidente, são muitos e são graves os erros de administração d'aquella camara e dão a baixa medida do pouco cuidado e da, nenhuma seriedade com que ella considera os interesses do concelho.

Contratos de empreitadas e fornecimentos feitos particularmente, em segredo, á porta fechada, contra a expressa disposição do artigo 370.° do codigo administrativo; despezas pagas sem estarem devidamente auctorisadas e li-

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quidadas, nos termos dos artigos 129.° e seguintes do mesmo codigo; contratos de expropriações não auctorisadas tambem; quantias mais ou menos importantes desviadas da sua legal applicação; um favoritismo revoltante, fazendo construir obras de exclusivo proveito particular com grande prejuizo e não menor sacrifício dos interesses geraes do concelho; estes e outros erros, se é este o nome que lhes devo dar, bastariam de per si para desprestigiar a actual vereação municipal de Gaia, retirando-lhe a confiança dos municipes, á qual não póde d'este modo ter direito algum.

Estes erros, sr. presidente, são já de per si bastantes para mostrar claramente que a camara de Gaia não procede como deve, e que se torna necessario e urgente um acto qualquer da auctoridade superior que evite a continuação d'estes factos. Mas ha mais, sr. presidente; e eu, para não tomar mais tempo á camara, e para a dispensar do incommodo de me ouvir, vou ler alguns periodos da representação que aquelle meeting lavrou, e que foi dirigida ao governador civil do Porto. Por essa leitura poderão v. exa. e a camara fazer uma justa idéa da louca administração d'aquelle município.

(Leu.)

D'estes factos, que acabo de expor a v. exa. e á camara, resalta immediatamente a necessidade de prover de remedio a estes males, que são já um pessimo inconveniente, e que podem trazer de futuro consequencias funestissimas para os povos d'aquelle concelho. Uma syndicancia imparcial e justa aos actos da camara de Gaia seria, sem prejuízo para ninguem, de grande vantagem para ella e para o concelho que a reclama.

Seria tambem um acto de justiça, um exemplo de moralidade que o governo daria, e que eu peço em nome dos interesses que aqui me cumpre defender.

Associando assim o meu ao pedido dos povos d'aquelle concelho, cumpro um dever de consciencia, embora não tenha a ingenuidade de suppôr que tão justa reclamação seja attendida e satisfeita.

Tenho dito.

O sr. Sebastião Centeno: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 92 de 1884, que tem por fim crear um julgado na freguezia de Santa Catharina da Fonte do Bispo, concelho e comarca de Tavira. = Barbosa Centeno.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Presidente: - A hora está muito adiantada, vae passar-se á

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

O sr. Santos Viegas: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer prorogar a sessão até se votar o parecer ácerca da eleição da Madeira.

Consultada a camara decidiu affirmativamente.

O sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição das commissões de guerra e negocios externos, que serão compostas, cada uma, de 11 membros, em virtude de resoluções anteriores.

Convido os srs. deputados a formularem as suas listas, e para escrutinadores os srs. Alfredo Barjona e Pedro Diniz.

Feita a chamada e corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado em cada uma das urnas 60 listas, saindo eleitos para a commissão de guerra os srs.:

Antonio Alfredo Barjona de Freitas .... 57 votos
Antonio José d'Avila .... 59 votos
Antonio Manuel da Cunha Bellera .... 58 votos
Antonio Joaquim da Fonseca .... 57 votos
Caetano Pereira Sanches de Castro .... 60 votos
Cypriano Leite Pereira Jardim .... 60 votos
José Alves Pimenta de Avellar Machado .... 60 votos
José Frederico Pereira da Costa .... 59 votos
José Gama Lobo Lamare .... 58 votos
Joaquim José Coelho de Carvalho .... 58 votos
Sebastião de Sousa Dantas Baracho .... 59 votos

Tiveram votos os srs.:

Luiz José Dias .... 2 votos
Antonio Ribeiro dos Santos Viegas .... 1 voto

E para a commissão dos negocios externos e internacionaes os srs.:

Antonio Maria Pereira Carrilho .... 59 votos
Antonio de Sousa Pinto de Magalhães .... 59 votos
Conde do Thomar .... 59 votos
Francisco Augusto Florido do Monta e Vasconcellos .... 60 votos
Henrique da Cunha Mattos de Mendia .... 59 votos
João Marcellino Arroyo .... 60 votos
Luiz Leite Pereira Jardim .... 60 votos
Manuel da Assumpção .... 60 votos
Pedro Guilherme dos Santos Diniz .... 60 votos
Tito Augusto de Carvalho .... 59 votos
Visconde das Larangeiras (Manuel) .... 60 votos

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer sobre a eleição da Madeira

O sr. Presidente: - Vae passar-se á segunda parte da ordem do dia, que é a continuação da discussão do parecer sobre a eleição da Madeira.

Tem a palavra o sr. Elias Garcia para continuar o seu discurso, começado na ultima sessão.

O sr. Elias Garcia: - Não pude concluir no ultimo dia de sessão o que tinha a dizer com respeito a esta eleição, e a camara sabe que só o não fiz não foi por minha vontade. Vou agora ver se consigo ser tão resumido, tão breve como desejava sel-o na ultima sessão, para concluir da narração dos factos que successivamente enumerei, como mo parece que se deve decorosamente concluir.

Tinha chegado ao exame dos trabalhos eleitoraes na assembléa da Ribeira Brava, mas ha de recordar-se a camara de que n'essa occasião disse que me tinha escapado uma observação ácerca do um caso occorrido na assembléa de Canhas.

Por isso, antes de entrar no exame ou na apreciação dos factos occorridos na assembléa da Ribeira Brava, referirei os que me escaparam quando tratei d'aquella assembléa.

Peço para este ponto a attenção da camara.

Acabaram os trabalhos na assembléa de Ganhas, ou antes, acabou a recepção das listas, passou-se á contagem d'ellas, e, concluído este trabalho, fez-se a confrontação.

Vejamos o que diz a acta da assembléa primaria:

"... com o masso de listas dentro na forma que lá tinham sido fechadas e declarou o presidente que se ia continuar nos actos eleitoraes, convidando ainda os eleitores que quizessem votar para o fazerem, e como se não apresentassem mais eleitores alguns para votar, o presidente declarou encerrada a votação nos termos do artigo 7.° da carta de lei, etc."

Depois lê-se:

"... na uma verificou-se ser o numero igual ao das descargas feitas nos cadernos do recenseamento."

E depois:

"... edital que foi affixado immediatamente na porta da casa da assembléa declarando o numero das mesmas listas."

Mas v. exas., pelo que li, não conheceram qual era o numero de listas. Diz se aqui que o numero das descargas é igual ao numero das listas, diz-se que o numero das

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listas foi designado no edital affixado á porta da igreja; mas não se diz qual foi o numero d'essas listas.

Perguntarei por isso, não só á illustre commissão de verificação de poderes como formulou o seu parecer, mas devo notar tambem que não sei como a assembléa de apuramento pode conhecer qual o numero de listas que entraram na uma n'esta assembléa a fim de proceder ao apuramento.

A acta original não o diz. Tomei todo o processo e fui ver se entre os documentos enviados para a assembléa de apuramento estava, na assembléa de Canhas, o edital em que se tinha consignado qual o numero de listas entradas, porque ao menos encontrava um documento pelo qual se conhecesse qual o numero do listas entradas na assembléa primaria de Canhas.

Tenho aqui a relação dos documentos enviados para a assembléa de apuramento, ou antes, como a lei manda, ao presidente da assembléa, em que se diz:

"Relação dos papeis relativos á eleição para deputados na assembléa de Canhas do concelho da Ponta do Sol do circulo do Funchal.

"Copia authentica do acto da eleição.

"Um caderno dos eleitores d'esta assembléa com as notas de descarga dos votantes.

"Seis folhas de papel com o apuramento dos votos.

"Eu João José Coelho, secretario da mesa, a escrevi e assigno."

Quer dizer, que não se encontra no processo eleitoral da assembléa de Canhas, nem nas actas, nem em nenhum documento annexo ao processo, qual o numero de listas que effectivamente entraram na urna.

Desejaria saber como é que a assembléa de apuramento apurou e como é que a illustre commissão de verificação de poderes entendeu que o calculo da assembléa de apuramento estava bem feito.

Recorrendo ao mappa em que está a votação, na assembléa de Canhas, vejo os candidatos Sant'Anna, Teixeira e Vieira cada um com 512 votos, o que corresponde a 512 listas, e os candidatos Arriaga, Latino e Theophilo com 100 votos cada um, o que corresponde a 105 listas.

Se eu sommo 105 listas com 512, acho 617, e talvez procedesse assim a assembléa de apuramento. Mas é evidente que esta maneira de proceder não serve, porque nós não devemos deduzir dos votos expressos o numero de listas, visto que a lei exige e preceitua muito terminantemente que se declare qual o numero de listas, e que não só se consigne este numero no edital, mas na acta, e que d'esta se tirem tres copias.

Por consequencia, vê-se bem que na assembléa de Cannas falta este elemento indispensavel para o calculo, e a falta d'elle póde originar apreciações que não são de certo favoraveis á genuinidade da eleição.

Eu não me alongo na apreciação dos factos porque me basta cital-os. Depois tirarei por ultimo uma conclusão summaria a respeito d'elles.

Na assembléa da Ribeira Brava já aqui se notou a circumstancia de que na acta não se relatava a intervenção da força armada; e hoje é fóra de toda a duvida que a intervenção da força armada se deu. Essa intervenção é notória, e prova-a um documento que foi aqui lido; prova-a uma communicação feita por um official mandado depois dos acontecimentos áquella assembléa. Portanto a acta esconde, occulta um facto que é de todo o ponto importante.

Agora notemos mais que na assembléa da Ribeira Brava a eleição começou no domingo, e os acontecimentos deploraveis que ali se deram, tiveram logar na tarde d'esse domingo. No dia seguinte ás duas horas da tarde acabavam as duas horas de espera, e recebendo depois apenas algumas listas, ás cinco horas da tarde, dizia o presidente da assembléa que se encerravam os trabalhos, o que quer dizer, ou pelo menos induz a crer, que havia o intento de não conhecer qual era o resultado do escrutinio, por isso que se afastava o momento em que se devia começar esse mesmo escrutinio. Depois, na assembléa de apuramento, não appareceram os portadores das actas originaes, mas a acta original appareceu n'essa assembléa. E como? Eu peço a attenção da camara para este ponto. Apenas se installa a assembléa de apuramento apresenta immediatamente o presidente da assembléa os processos que recebeu, diz a lei; depois seguem-se os portadores a apresentar as actas que foram incumbidos de levar ali; e depois segue-se o administrador do concelho a apresentar tambem os processos que lhe foram remettidos na conformidade da lei.

V. exa. sabe que as leis de 1852 e 1859 ordenam que se façam quatro actas: uma é entregue aos escrutinadores para serem portadores d'ella, outra é enviada ao presidente da assembléa de apuramento, outra ao administrador do concelho, e a ultima ao presidente da camara. Por consequencia, na assembléa de apuramento deviam apparecer tres actas.

Mas os escrutinadores da assembléa da Ribeira Brava, que deviam ser os portadores da acta original, não compareceram, como já aqui se disse, e é bem sabido.

A assembléa de apuramento não se impressionou com isso, não tratou de investigar da sua ausencia.

Mas a lei tambem acautela o modo de proceder quando faltam algumas actas, e mesmo na acta da assembléa de apuramento se menciona que essa acta original appareceu, e eu vou ler o que n'ella se diz:

"E tendo o presidente da assembléa apresentado fechadas e lacradas as copias das actas que recebêra das assembléas primarias, na conformidade do artigo 77.° § 1.° do decreto de 30 de setembro de 1852, assim como os portadores as actas originaes e o administrador do concelho as copias que existem em seu poder, comprehendendo a acta original da assembléa da Ribeira Brava, que tambem lhe foi enviada e apresentou..."

Ora já v. exa. vê, que a lei diz que a acta original esteja nas mãos de um individuo e a copia esteja em poder de outro; mas a acta original foi apresentada pelo administrador do concelho, que era exactamente aquelle que não a devia apresentar! Este facto é significativo e mostra como todos os incidentes se vão sucessivamente apresentando para mostrar de uma maneira bem evidente e clara as irregularidades e as nullidades, direi mesmo, que se encontram em todo este processo eleitoral.

Acontece mais, que na assembléa da Ribeira Brava o numero de eleitores que votou é extraordinariamente reduzido. Ao passo que o numero de eleitores é de 1:425, apenas 418 são os votantes, o que mostra que a eleição aqui foi, ao inverso do que succedeu nas outras assembléas, mui pouco concorrida e não póde explicar-se esta pouca concorrencia senão pelo procedimento havido no dia 29, em que os morticinios e fuzilamentos fizeram afugentar os eleitores d'aquella assembléa, e por consequencia contribuiram para enfraquecer extraordinariamente a votação e para tirar ao suffragio a genuinidade de que absolutamente carece.

Agora acrescentarei mais, que o parecer da commissão, que é apenas copia do que diz a acta da assembléa de apuramento, consigna que o numero total de votantes foi de 14:650.

Se effectivamente fosse este o numero, e se todos os eleitores votassem em tres nomes, porque em mais não podem, o numero de votos expressos devia ser o triplo de 14:650, isto é, 43:950.

Ora, ha uma singularidade!

Be nós sommâmos todos os votos consignados no parecer da commissão de verificação de poderes, por terem recaido nos candidatos, desde os que são attribuidos ao sr. Manuel José Vieira, que é o primeiro, até aos que se attribuem ao sr. Antonio José Ennes, que é o ultimo nome, a somma é exactamente igual a tres vezes 14:650, o que quer dizer, que esta somma total de votos expressos representa o triplo do numero dos eleitores. E d'este modo dirão:

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- Ahi está manifesta a genuinidade da eleição.

As listas são de tres nomes, os votantes foram 14:650.

Tres vezes 14:650 dá exactamente o numero que está aqui expresso.

Mas este numero é evidentemente falso, porque eu já disse que na assembléa de Sant'Anna succede estar a acta viciada, por isso que não se podia dar a votação que ali se encontra.

Por consequencia não estava lá similhante numero.

Quer v. exa. saber o que succedeu na assembléa de Camara de Lobos, que durou tanto tempo, e onde por consequencia parece que devia haver todo o cuidado e esmero nos trabalhos?

Eu leio o que diz a acta na parte que refere os cidadãos votados:

"Dr. Manuel José Vieira, com .... 1:016 votos
"Conselheiro Pedro Maria Gonçalves de Freitas, com .... 1:013 votos
"Henrique de Sant'Anna e Vasconcellos Moniz de Bettencourt, com .... 1:012 votos
"Manuel de Arriaga, com .... 684 votos
"José Maria Latino Coelho, com .... 680 votos
"Joaquim Theophilo Braga, com .... 679 votos
"Padre José Joaquim de Senna Freitas, com .... 6 votos
"Dr. João Augusto Teixeira, com .... 5 votos
"Dr. Fernando Maria de Almeida Pedroso, com .... 5 votos
"Dr. José de Saldanha de Almeida e Moura, com .... 5 votos
5:105

Aqui está o resultado da votação ao sexto dia.

Ora, a somma destes votos todos dá 5:10õ. Quantos foram os eleitores n'esta assembléa? 1:697. Tres vezes 1:697 são 5:091.

Quer dizer, n'esta assembléa não podia haver mais do 5:091 votos; pois aqui estão mais 14, o que quer dizer que houve alguem que votou, não em tres, mas em quatro nomes.

Portanto está aqui denunciado de uma maneira bem evidente o vicio e o defeito, ao passo que talvez em outra occasião se pretendesse dissimular este vicio e este defeito.

Conclusão de tudo isto: temos nas assembléas de Ganhas e de Camara de Lobos factos irregularissimos.

Ponho estes factos irregularissimos de parte, porque não preciso d'elles para o meu calculo. Vamos simplesmente ás assembléas de Sant'Anna e da Ribeira Brava.

Na primeira ha vicios manifestos, evidentes, claros, que não podem negar-se, e que só os póde negar quem quizer negar a luz do sol.

Na assembléa da Ribeira Brava acontece que a votação foi necessariamente enfraquecida pela intervenção da força publica, pelos fusilamentos que ali se deram e por uma serie de factos que já aqui relatei e que escuso de repetir.

Por consequencia, o que é evidente é que n'estas duas assembléas taes irregularidades se praticaram, que é impossivel a quem conscienciosamente examinar este processo deixar de chegar á conclusão de que a eleição deve ser annullada, tanto na assembléa de Sant'Anna como na assembléa da Ribeira Brava.

Vamos a ver o processo que havemos de seguir para conhecer os resultados d'esta annullação.

V. exa. deve ter notado que n'esta analyse me tenho servido simplesmente do que dizem os documentos. Não invento, não phantasio numeros nem factos, nem os exagero; revelo-os, conto-os com toda a singeleza e com toda a serenidade, tão pacifico quanto se póde ser quando se está a examinar um processo tão eivado de irregularidades e de vicios.

A jurisprudencia parlamentar para o caso de annullação da eleição em qualquer assembléa já foi estabelecida por esta camara no circulo das Caldas.

N'esse circulo, a commissão de verificação de poderes encontrou uma irregularidade ou uma nullidade, ou como lhe queiram chamar; e o que fez? Armou-se de um vigor extraordinario na defeza da lei, e apenas viu essa irregularidade disse logo que a eleição da assembléa de Peniche devia ser annullada. Depois trouxe o parecer a esta camara e disse: Aqui está a votação que tiveram estes candidatos na assembléa que deve ser annullada. Aqui está o numero de votos que devem ser deduzidos ao sr. Manuel Pinheiro Chagas, que foi o mais votado n'este circulo. Aqui está o numero de votos que devem ser computados ao immediato para ver se effectivamente isto invalida a eleição.

O sr. Alfredo Peixoto: - V. exa. dá-me licença para o interromper?

O Orador: - Com todo o gosto.

O sr. Alfredo Peixoto: - A responsabilidade dessa doutrina é minha e dos nossos collegas que assignaram esse parecer; ainda não é da camara, que só votou a conclusão do parecer que propunha que fosse proclamado deputado da nação o sr. Pinheiro Chagas.

Não declino essa responsabilidade; acceito-a inteira; estou prompto a sustentar essa doutrina, que é a verdadeira; mas v. exa. não póde argumentar como se ella tivesse sido approvada por esta camara, porque ainda não houve votação sobre essa parte do parecer.

O Orador: - Vejo que o meu illustre collega não quer que eu invoque a sua auctoridade.

O sr. Alfredo Peixoto: - A minha de certo; mas naturalmente de pouco lhe serve.

O Orador: - Naturalmente não quer que diga a esta camara que ella ao votar este parecer não fez outra cousa se não desconhecer a auctoridade do relator. (Riso.) Provavelmente é o que quer dizer.

Devo por incidente contar um caso á camara.

O illustre relator, permitia-me que lhe diga, porque eu o respeito muito, é de uma extraordinaria infelicidade.

S. exa. relatou o parecer ácerca da eleição de Lisboa; fel-o, dou-lhe os parabens, e muito minuciosamente.

S. exa. examinou, buscou, procurou e investigou, fez tudo; e n'um dos trechos do seu parecer diz, e diz muito bem:

"Chamo a attenção da camara para este ponto." Quer v. exa. saber o que succedeu? É que o parecer, depois de impresso, distribuiu-se aqui em um certo dia. Pouco depois pediu-se a dispensa do regimento, e decorridos dez minutos, era votado, e a sessão encerrada. Aqui está como a camara attendeu ás solicitações do meu illustre collega. (Riso.)

Quer v. exa. saber o que resulta d'esta desattenção para os que estudam e trabalham, como o nosso illustre collega? E que, quando aquelles eleitores se reunirem outra vez em uma assembléa de apuramento, e quizerem ver como a camara dos deputados resolveu certos pontos para os guiar nos seus trabalhos, terão occasião de ler as palavras escriptas por s. exa., e observarão que s. exa. teve, permitta-me que lho diga, a imprudencia de dizer que essa assembléa tinha gasto seis sessões em trabalhos impertinentes.

Quem é impertinente? serão elles, ou esta camara com as suas impertinencias, que se reduzem a abafar o debate e a não resolver as questões, lançando assim a desordem, a anarchia e a confusão nas assembléas eleitoraes? Os eleitores querem saber qual é a lei em que vivem, e as commissões e o parlamento não lhes dizem nada. Para que é então que os legisladores aqui se reunem?

E dizem que n'aquella assembléa se levantaram questões impertinentes! Não são impertinentes, são justas e necessarias. Contra a falta de cumprimento das disposições legaes é que eu reclamo.

E não me digam que não posso invocar esta jurisprudência. Em primeiro logar a camara, quando vota um pa-

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recer como este, é evidente adopta as conclusões; o que está no parecer e que leva á conclusão fica tambem approvado, porque não se comprehendia que se chegasse a uma dada conclusão se os considerandos provassem o contrario ou fossem inexactos.

Por que rasão se diz no parecer que a eleição do circulo do Funchal deve ser approvada? Não se póde chegar a esta conclusão sem o estudo e sem o conhecimento dos factos.

Eu abri este parenthesis nas minhas considerações pela interrupção do illustre deputado, ao qual peço desculpa se por acaso faltei á muita consideração que por elle tenho. Mas eu tomei esta jurisprudencia para mim, porque é justa e porque se o não fosse tambem a condemnava.

De mais, permitta-se-me que diga tambem alguma cousa com relação ao modo por que se tem procedido nesta casa a respeito da eleição no circulo do Funchal. Seis ou sete individuos apressaram-se a pedir que a eleição fosse ao tribunal especial, mas esse numero cresceu apenas houve conhecimento verdadeiro das irregularidades que na eleição se haviam dado; logo que um certo numero de srs. deputados conheceu ou esteve em condições de perceber das irregularidades que se deram, elles pediram que o processo fosse ao tribunal.

Emquanto as irregularidades não eram conhecidas, não havia o numero necessario de deputados que assignasse o requerimento para o processo ir ao tribunal; mas desde que uma summaria indicação das irregularidades foi exposta perante a camara, não houve duvida em encontrar quem assignasse o requerimento. Portanto, a illucidação é necessária para se conhecer o processo, e não é sem o examinar que se póde dar um voto consciencioso.

Mas, como eu ia dizendo, a eleição da assembléa de Sant'Anna está evidentemente viciada; ninguem o póde contestar, e portanto, entendo que, estando viciada, é do decoro da camara annullar esta eleição.

A acta da assembléa eleitoral da Ribeira Brava tambem está viciada; ali os eleitores foram opprimidos, foram mesmos fuzilados e taes factos se deram, que os membros da mesa se envergonharam de ir á assembléa de apuramento, commettendo ainda a falta de pegarem no documento que a lei confiara á sua guarda, e entregarem-n'o á auctoridade que, segundo a lei, não tem a confiança devida, porque se a lei confiasse exclusivamente na auctoridade, não mandava confiar a guarda da acta original a dois membros da mesa eleitoral.

Na assembléa da Ribeira Brava deve igualmente ser annullada a eleição, e vejamos quaes as conclusões que daqui se tiram.

Temos, portanto, de abater á votação que têem os candidatos Sant'Anna, Teixeira e Gonçalves a votação que tiveram n'estas assembléas em que a eleição deve annullar-se; assim temos:

Sant'Anna:

Na assembléa da Ribeira Brava .... 228
Na assembléa de Sant'Anna .... 475
703

Teixeira:

Na assembléa da Ribeira Brava .... 228
Na assembléa de Sant'Anna .... 1:170
1:398

Gonçalves:

Na assembléa da Ribeira Brava .... 224
Na assembléa de Sant'Anna .... 1:170
1:394

As votações d'estes candidatos foram:

[Ver tabela na imagem]

E aos candidatos Arriaga, Latino e Theophilo devemos acrescentar a differença da votação que tiveram para a votação total n'estas assembléas, que não é, como no caso da assembléa de Peniche, a votação de todos os eleitores.

Assim temos que acrescentar na Ribeira Brava a differença de 1:425 para 190 ou 1:235, e em Sant'Anna a differença de 1:428 para 99 ou 1:323. D'este modo temos:

[Ver tabela na imagem]

O que apresenta o resultado da eleição completamente deslocado, porque o numero de votos dos candidatos republicanos é superior ao dos candidatos monarchicos, os srs. Sant'Anna, Teixeira e Gonçalves.

O que se disse contra isto?

Pelo que respeita aos numeros não se disse nada, referiram-se simplesmente factos isolados.

Disse-se aqui, que na assembléa de Camara de Lobos se tinham alongado os trabalhos para evitar as desordens e a acção dos desordeiros, e eu disse e repito agora que isso é uma pura invenção, que pela primeira vez se manifesta nesta casa; porque o sr. governador civil do Funchal communicando ao governo o que se passou durante todo o acto eleitoral, nada diz com respeito a esta manifestação dos desordeiros em Camara de Lobos.

E note-se que o sr. governador civil não é escasso em dar noticias.

Eu já o notei, e v. exas. vão saber o que diz o sr. governador civil do Funchal com respeito á assembléa de Ponta do Sol.

Diz o governador civil no relatorio-informação para o governo:

"Na Ponta do Sol não houve eleição se terem retirado atterrados pela população presidente da commissão de recenseamento, e as pessoas nas circumstancias de poderem ser chamadas a constituir a mesa..."

Vejam v. exas. como procedem os cavalheiros que estão á testa das commissões de recenseamento!

Todos nós sabemos que os homens que devem compor estas commissões são homens respeitados nas localidades, quaesquer que sejam as suas opiniões politicas, pois estes homens fugiram aterrados!

E o sr. governador civil não se tinha esquecido d'elles, porque tinha para lá mandado uma força de nada menos do que de 62 praças, o que era muito mais do que o administrador pediu, porque este apenas requisitara 40 praças!

Imagine-se o que não aconteceria se o sr. governador civil não manda uma força maior.

Lamento que uma auctoridade superior escreva um trecho d'estes n'um officio, em que o governo, que não está aqui presente, é instruido de como os factos se passam; e lamento não só que este paiz tenha aquellas auctoridades, mas tambem este governo.

Chegando a este ponto, tendo apresentado os factos como elles se encontram no processo eleitoral, e os numeros como elles são, posso dizer que o meu intento foi simplesmente demonstrar que esta eleição foi viciada.

Aqui disse-se que os partidos monarchicos se tinham reunido contra o partido republicano!

Pouco me importa que os partidos monarchicos se re-

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170 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

unam, pouco me importaria mesmo, que os partidos monarchicos nos vencessem, e se o conseguissem pela boa disposição das suas forças, pelos processos lícitos de combate, porque effectivamente eram mais peritos na arte licita d'estas luctas, então inclinava-me, porque reconhecia a sua sciencia para o combate e nós sabemos que na guerra é a sciencia que triumpha; em verdade, porém, não foi assim.

Eu disse que o agrupamento dos elementos monarchicos ou distribuirá as suas forças de uma maneira desleal, ou se tinha feito a distribuição de maneira leal, a votação vinha mostrar que a lealdade não fora mantida; e porque eu os suppunha lealmente reunidos, induzia da desigualdade da votação que a eleição fôra viciada.

Assim nas assembléas primarias houve irregularidades, viciações, vexames, e até fusilamentos; na assembléa de apuramento desprezo e infracção da lei. E na camara dos deputados o que vimos? Que a lei, em virtude da qual se procedeu á eleição, foi classificada de obscura, e de inexequível, chegando a perguntar o sr. Marçal Pacheco, quando pretendia demonstrar o erro em que a camara cairia, se approvasse o requerimento para que a eleição fosse ao tribunal, chegando a perguntar, repito, se era serio apresentar-se um tal requerimento no momento em que ia votar-se o parecer, e quando s. exa. dizia ser já conhecida a opinião da camara, como quem queria dizer que nós não podemos adoptar o melhor alvitre, sem corrermos o risco de ser classificado como menos serio o nosso procedimento.

Mas o que vejo eu quando olho para a constituição do estado? Que as leis são discutidas e votadas nesta e na outra casa do parlamento, e depois apresentadas ao chefe do estado, que póde dizer que não quer sanccional-as.

Se eu d'esse a esta disposição da carta a denominação de menos séria o que diriam os illustres deputados?

Então é serio que duas camaras se inclinem diante de um poder, que não discuto agora, e não é serio que uma camara antes de votar, animada unicamente do desejo de conhecer a verdade, acceite o requerimento?

Eu desejo ser sempre reverente para com v. exa., sr. presidente; todavia permitta-me que lhe diga, que, tendo sido v. exa. o primeiro a apresentar a questão previa, lembrando a disposição do artigo 145.° do nosso regimento, como se fosse o limite alem do qual não podiamos passar, que era conveniente que no exercício das funcções que lhe estão incumbidas tivesse igualmente bem patente todos os artigos do regimento.

Antes do artigo 145.° está o artigo 131.° que diz:

"As commissões da camara nunca emittirão juízo sobre a materia nos pareceres cuja conclusão for ou pela incompetencia da camara ou pela remessa ao governo."

Seria então prudente e acertado, no caso de haver protestos, que as commissões de verificação de poderes, na duvida em que estavam de ser a camara incompetente, por se poder apresentar requerimento analogo ao que se apresentou, se abstivessem de emittir parecer. Fôra para desejar que v. exa. lhe suscitasse a observancia d'este artigo 131.°

Disse-se aqui que até ao começar da discussão do parecer era licito apresentar-se o requerimento para que o processo fosse enviado ao tribunal especial.

Mas assim como se entende hoje que a apresentação do requerimento foi inopportuna, allegando-se que já estava começado o debato e conhecida a opinião da camara, quem sabe se mais tarde alguem dirá que um requerimento no mesmo sentido não póde ser recebido apenas está lavrado o parecer da commissão, por ser conhecida a opinião da maioria, visto que o parecer é elaborado por uma commissão eleita por essa mesma maioria.

Tal é a confusão fatal a que chegámos por uma interpretação que eu não quero classificar agora.

Á vista dos factos occorridos tanto nas assembléas primarias como na de apuramento e do modo como elles se desdobraram, pergunto se esses factos constituem, como já aqui só disse, um romance republicano, ou se não lhes será melhor applicada a denominação de tragedia monarchica?

Ha de dizer-se que n'este logar todos foram concordes em declarar que os eleitores da ilha da Madeira estavam descontentes, que os eleitores d'aquella terra formosíssima tem sido vexados e opprimidos, que elles nunca tiveram confiança, nem n'este governo nem nos governos anteriores, mas que por uma ironia pungentissima do destino esses eleitores trouxeram aqui eleitos livremente por elles, os representantes dos governos que os tinham opprimido e vexado.

Esses nossos concidadãos repetirão diante dos triumphadores, diante d'esta camara, o conhecido trecho: Ave, Cesar, morituri te salutant.

O sr. Teixeira de Vasconcellos (relator): - Antes de fazer uso da palavra tenho a dizer ao illustre deputado o sr. Dias Ferreira, que pediu a palavra antes de mim, que não tenho duvida alguma em ceder-lhe o meu direito de relator e fallar depois de s. exa.

O sr. Dias Ferreira: - Não, senhor; eu fallarei depois.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: - Sr. presidente, v. exa. e a camara acabam de ouvir o discurso apaixonado em que o sr. Elias Garcia revelou um profundo espirito de investigação, e em que elle empregou uma paciencia fóra de toda a comparação para procurar malsinar quasi todas as actas, não protestadas, das assembléas do circulo do Funchal, de modo a produzir uma profunda impressão nos srs. deputados contra a validade d'aquella eleição.

S. exa. começou a primeira parte do seu discurso por apresentar umas pequenas faltas, umas irregularidades leves, umas lacunas de muito pequena consideração, a que deu apenas o valor do poderem produzir no seu espirito algumas duvidas, a que aliás não marcou os limites nem a extensão.

Depois s. exa., como bom estrategista, reduziu o seu campo de acção, reuniu as suas forças de ataque e voltou-as todas contra duas assembléas, a de Sant'Anna e a da Ribeira Brava.

O facto que s. exa. accusa com relação á assembléa de Sant'Anna seria realmente um facto gravíssimo se s. exa. não caísse no equivoco de uma má apreciação dos numeros que vem na respectiva acta.

Como de certo é esta a accusação mais grave, como é esta a que deve ter produzido peior impressão no animo d'esta assembléa, eu peço licença para ler a parte da acta que foi lida pelo sr. Elias Garcia e em que s. exa. encontrou erros gravíssimos que o levaram a declarar que a mesma acta estava viciada, porque, na sua opinião, n'aquella assembléa se tinham contado quatrocentas e tantas listas a mais do aquellas que realmente tinham entrado na urna.

Tenho a observar que esta acta é lithographada, e que sobre esta circumstancia innocente e legal s. exa. fez largos reparos, apresentou injustas considerações, em que se descobre evidentemente a preoccupação calculada de robustecer o seu ataque com futilidades que de certo não escaparam ao espirito illustrado d'esta assembléa.

Como é, diz s. exa., que ha actas lithographadas e apparecem outras sem serem lithographadas?

Porque esta desigualdade?

Que explicação póde ter este facto?

Pois não observâmos nós que n'esta eleição apparecem muitas actas sem serem lithographadas?

Este facto perfeitamente legal era origem de uma grave suspeita, no espirito de s. exa., com relação á regularidade e boa fé com que se procedeu em todos os actos eleitoraes!!

Extraordinario!

Realmente é um gravíssimo symptoma para a validado da eleição, esta circumstancia bem notavel!

Não sei bem, não comprehendo qual seja o fundamento

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logico d'esta apreciação; não sei mesmo, se a assembléa acompanhara o illustre deputado n'esta deducção caprichosa e pueril, perfilhando a suspeição com que s. exa. enferma a validade da eleição e a genuinidade dos trabalhos eleitoraes.

Mas o que sei é que isto revela uma falta completa de bons e sabidos argumentos para combater com vantagem a validade da eleição do Funchal e os fundamentos do parecer em discussão.

Pois não se entreteve s. exa., no seu longo e artificioso discurso, a dizer-nos que na acta da assembléa de Santa Maria se marcava ou se designava a hora em que tinham principiado as duas horas de espera, mo acontecendo o mesmo com as actas do Funchal, Caniço e Santa Cruz, onde se não vê a hora em que se principiaram a contar as duas horas de espera!

Não achou s. exa. estes factos extremamente abusivos e censuraveis! Não viu s. exa. com o seu olho fino e penetrante motivo mais que sufficiente para suspeitar d'estas irregularidades! Não viu s. exa., em factos tão secundarios, a intenção malevola, por parte da mesa, de adulterar o significado do acto eleitoral! Como tudo isto é estranho e até extravagante! Pois não reparou s. exa. tambem que n'umas assembléas o acto eleitoral terminou ás seis horas da tarde e n'outras ás cinco, e não foi tudo isto objecto de grandes reparos e de duvidas crueis para a validade do acto eleitoral!

Considerada assim a critica e o exame de um processo eleitoral, não ha nenhum, nem haverá nunca um só que mereça a approvação d'esta assembléa. Pois não tinha s. exa. para fundamentar a sua accusação esse volumoso protesto geral em que se accusam irregularidades de toda a ordem, gravissimas violencias, em que se narram factos de natureza graves e em que se diz que foram expulsos das assembléas e inhibidos de votar para cima de 300 eleitores, em que se accusam os actos mais extraordinarios e condemnaveis, e v. exa. passou por cima d'este protesto, assim como sobre elle passou o sr. Consiglieri Pedroso, sem tropeçarem n'elle, sem repararem que tinham n'elle o mais forte parapeito e o mais abundante arsenal para fazerem as suas arremettidas contra o parecer e contra a validade do acto eleitoral!

Pois v. exa. lança mão da sua investigação perspicaz, fina, de quem está muitissimo habituado a considerar documentos d'esta ordem, para notar que em umas partes apparecem actas lithographadas, em outras não, que umas eram azues e outras brancas! (Apoiados.)

Pois s. exa. tem a seu favor este campo vastissimo para as suas accusações, e tem a pacientissima lembrança de rebuscar nas actas das assembléas, em que não appareceram protestos, lacunas d'esta natureza e factos d'esta ordem!

S. exa. quiz-nos dar a final uma prova da sua sagacidade, da sua investigação minuciosa e da sua vista de longo alcance.

Sendo isto, não perdeu o seu tempo, porque eu sou o primeiro a admirar-lhe o trabalho e a paciencia.

Mas voltemos ao seu grande baluarte, á acta da assembléa de Sant'Anna, e vamos ver como o illustre orador, tão versado na sciencia dos numeros, caíu n'um equivoco flagrante e que dou origem ao seu extraordinario calculo. Esta acta é lithographada e nos seus dizeres communs é inteiramente igual ao que se diz em todas as actas d'esta natureza.

N'ella se diz que, tendo terminado o escrutinio, o presidente procederá á contagem das listas, á sua confrontação com os cadernos das descargas, procedendo-se depois ao apuramento dos votos.

Ora, como na acta vem impresso o anno de 1884, por causa da citação da lei d'esse anno, e como os trabalhos eleitoraes não findaram n'aquelle dia, o secretario poz «sim digo de 1884 e procedendo-se á contagem das listas no dia seguinte, verificou-se que entraram na urna 1:428 listas».

Ora, o sr. E Sins Garcia, quer que o numero do anno 1884, seja o numero de listas contadas no primeiro dia da eleição, quando é certo que pelo artigo 10.° da lei de 21 de maio de 1884, a contagem das listas só se faz no ultimo dia da eleição, depois do escrutinio encerrado e quando se vão ultimar os trabalhos eleitoraes. Donde resulta que não podiam haver duas contagens de listas para se poder dar e observar o caso extraordinario apontado por s. exa.

Depois, não se fallando nos dizeres impressos, no numero de listas, mas no anno em que se procedeu á eleição, diga-me s. exa. a quem se refere aquelle digo escripto pelo secretario e que, repetindo o numero do anno de 1884, serviu para mostrar que havia ainda outros trabalhos a fazer antes de seguir e aproveitar os dizeres impressos, que suppõe que a eleição durou só um dia?

Pois, s. exa., como o secretario escreveu «digo, sim de 1884», e nos dizeres impressos se referiu á contagem das listas, tirou a conclusão absurda de que 1884 era o numero de listas e não o numero do anno, como se no impresso se podesse pôr o numero de listas que houvesse de entrar n'aquella assembléa!

É preciso que notemos, senhores, que n'estes dizeres suppõe se o escrutinio se encerrara no primeiro dia da eleição, que os trabalhos se concluiram n'aquelle dia, que se fez a contagem das listas e o confronto das listas com as descargas, que se fez o apuramento dos votos, emfim se tinham concluido todos os actos eleitoraes: os dizeres lithographados partem d'essas hypotheses, referem-se a todos estes factos que acabo de citar.

(Leu.)

Note-se bem, este de 1884, refere-se ao anno; refere-se ao anno da lei citada; e sabe v. exa. porque? Porque a lei eleitoral não diz - que terminados os trabalhos no primeiro dia se proceda á contagem das listas e ao confronto d'essas listas com os cadernos das descargas; a nova lei eleitoral, como já observei, no seu artigo 10.° diz, e peço desculpa á camara de a incommodar com a leitura de uma cousa que ella conhece ...

O sr. Elias Garcia: - Isso não foi alterado.

O Orador: - Eu cito um artigo da lei; e é por este artigo que nós nos devemos regular.

(Leu.)

Já vê v. exa. que pela letra expressa da nova lei eleitoral a assembléa não é obrigada a proceder á contagem, nem ao confronto das listas com os cadernos das descargas; essa operação faz-se antes do principio do apuramento; depois que se dá por terminado o escrutinio e n'esta assembléa só no segundo dia é que se procedeu á contagem e confrontação do numero de listas com as descargas, se procedeu ao apuramento dos votos.

Sendo assim, fica destruido todo o equivoco e o numero das listas fica sendo aquelle que a acta nos indica no segundo dia da eleição, e depois que se procedeu á sua contagem.

S. exa., que gosta tanto das actas lithographadas, acaba de ver e apreciar os equivocos a que ellas podem dar margem.

Agora, digo eu, acautelemo-nos das actas lithographadas, que podem dar logar a interpretações tão extravagantes como as fez o illustre orador a respeito d'esta que estou a apreciar.

É verdade que o sr. Elias Garcia deixou logo de principio mostrar que não confiava de mais na sua curiosa interpretação.

Mas não deixou de notar triumphantemente que esta expressão «equivoca» podia dar logar a reparos. Como! Pois não está a acta tão clara e tão conforme com as disposições legaes. Mas s. exa. leva mais longe o seu proposito e querendo triumphar, malgrais tout, disse: ponhamos mes-

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mo fóra do combate, fóra do campo, fóra da minha critica apreciaria este numero de 1884 como representando a primeira contagem porque me satisfaço, para mostrar os vicios d'esta acta em acceitar os resultados da ultima contagem, que foi de 1:428 listas, dizendo: que este numero de listas não está em harmonia com a votação que tiveram os candidatos d'aquella assembléa.

Eu vou provar a v. exa. e á assembléa que tal asserção é infundada, que o exacto calculo apresentado pelo sr. Elias Garcia é errado e que o meu é verdadeiro, porque exprime a verdade e porque se harmonisa inteiramente com a base.

Vejamos: O numero de listas entradas na uma foi de 1:428, sendo o circulo do Funchal plurinominal e tendo de ser eleitos quatro deputados, é claro que cada lista deve conter tres nomes, de modo que o numero de votos será igual ao numero de listas, multiplicado por tres.

Esta multiplicação dá o numero de votos e que portanto é de 4:284.

Ora como o sr. Gonçalves de Freitas teve 1:170 votos, o sr. Teixeira 1:170, o sr. Vieira 1:170, o sr. Sant'Anna 475, os republicanos 297, e mais 2 votos a dois outros cidadãos, tudo isto sommado dá o numero de 4:284, que é exactamente o resultado da multiplicação do numero de listas pelo numero de votos.

Divida v. exa. agora este numero por tres que é o numero de votos que cada lista contém e verá como lhe dá o numero de 1:428, igual ao numero de listas entradas n'aquella assembléa.

E era com calculos tão pouco seguros que s. exa. pretendia chegar ao resultado violento e injusto de contar o excesso de votos cantados caprichosamente por s. exa. ao deputado republicano, naturalmente ao mais votado, porque isso melhor lhe convinha.

O sr. Elias Garcia: - Eu já esperava exactamente por esse calculo de que tres vezes o numero das listas era exactamente o numero de votos expressos; mas é ahi positivamente que está a fraude ou que esta se fez, sendo os votos o triplo das listas.

V. exa. sabe que o numero de votos é o triplo do numero de listas, quando cada eleitor vota em tres nomes; mas se effectivamente a distribuição de votos não faz pressentir ou não permitte essa votação, a fraude dá-se.

Imagine v. exa. que tinham votado 111 eleitores, e que succedia virem 300 votos para um individuo, 30 para outro e 3 para outro. Estes 333 eram o triplo de 111...

O Orador: - O que é facto é que a maneira por que se dividiram os votos mostra evidentemente que não podiam ter entrado na urna listas com tres nomes.

O sr. Presidente: - Eu peço ao sr. relator que se dirija para a mesa a fim de evitar estas interrupções.

O Orador: - A interrupção do sr. Elias Garcia eu tento apenas dizer que s. exa., com uma intelligencia tão fecunda como tem, com a grande pratica que terá d'estes trabalhos eleitoraes e que junta a tudo isto a grande vantagem de ser um mathematico distincto, admira que no socego do seu gabinete não fizesse um calculo real e verdadeiro e que eu, pobre relator da commissão, que não sou mathematico, me veja em grande confusão, em grande embaraço.

Desde que se appella para a arithmetica para mostrar que uma eleição está ou não viciada, que um individuo devia ter votado em tres ou devia ter votado em dois nomes, ou que devia ter votado só em um para que só assim d'esse um certo resultado; n'este campo vejo-me realmente embaraçado para sustentar uma lucta inutil com s. exa. Mas o que é certo, o que a arithmetica não nega é que pela acta vê-se claramente que da parte de s. exa. houve um equivoco quando confundiu a data do anno com o numero de listas.

O que é certo é que a acta, dizendo que tinham entrado na urna 1:428 listas e sendo de 4:284 o numero de votos que os candidatos obtiveram, este numero de votos confere perfeitamente com o numero de listas entradas; de maneira que este argumento de s. exa. é evidentemente erroneo e nada prova a favor da these apresentada; de maneira que este argumento que o illustre deputado achou tão solido e com tanta robustez, que podiamos assentar sobre elle uma decisão que ía tirar os votos áquelles que os receberam, para os entregar áquelles que não lograram obtel-os na urna, digo eu que esse argumento admittido por nós, seria dar um valor demasiadamente arbitrario e elastico ás considerações, á arithmetica facciosa de s. exa. para que nós, perante a clareza da acta caíssemos na prepotencia de ir tirar aos individuos, que mereceram no suffragio popular os votos que lhes conferiam, para os ir entregar aos candidatos opposicionistas. Estranha arithmetica! Esquesita democracia.

S. exa. passou depois á analyse do que se deu na assembléa de Ribeira Brava, e sentiu, em phrases violentas e apaixonadas, os acontecimentos desgraçados e lastimosos que ali se deram.

Mas s. exa., que levantou aqui a voz, em outra altura do debate, suppondo-nos a todos nós bastantes parciaes e bastante apaixonados, para que procedessemos de modo a evitar a macula de uma duvida permanente sobre a legitimidade do nosso veredictum sobre o processo d'esta eleição; s. exa., que foi o primeiro a reclamar que este processo saísse d'este ambiente tumultuoso, irrequieto e apaixonado para as regiões elevadas e serenas, onde estanceia a justiça imparcial do tribunal especial; s. exa. que foi o primeiro a advogar esta idéa, tinha sobre si a grave responsabilidade de ser absolutamente imparcial, sereno e frio no modo de adduzir a sua argumentação em contrario aos considerandos do parecer e á genuinidade da eleição de que se trata.

Era este o exemplo que eu esperava ver seguir pelos impugnadores do parecer; era este o exemplo que eu esperava ver seguido e observado por s. exas.; era esta a lição de imparcialidade e isenção politica que eu esperava receber dos meus nobres adversarios.

Mas o que foi que s. exa. fez?

Como foi que s. exa. apreciou os factos mais graves que se deram na assembléa de Ribeira Brava?

Attribuiram-se, porventura, esses factos a combinações preparadas e de ante-mão estabelecidas e resolvidas para se affugentar da uma os eleitores d'aquella assembléa, por meio de um golpe de força e de um acto sanguinario!

Isto está provado?

Ha algum documento que auctorise a proceder d'esta fórma no julgamento que aqui se faz d'este processo eleitoral?

S. exa. que o diga, mas eu tenho visto aqui o estranho caso de pedirem os documentos para se não servirem d'elles, depois de os terem pedido, e de outros documentos fazerem uso sómente da parte que mais convém, occultando se o resto! (Apoiados.)

Pois a acta da assembléa da Ribeira Brava não nos diz cousa alguma sobre os tumultos que houve n'aquella assembléa, tumultos que obrigaram a intervenção da força armada?

S. exas. declaram que esses tumultos existiram, que essa intervenção se deu e não dizem mais nada!

Pois o documento do major é verdadeiro n'aquelle ponto e no resto é falso!

Esses documentos não dizem porque os tumultos existiram e a rasão porque a força armada teve de intervir?

Pois esse documento do major não diz que esses tumultos foram apaziguados sem a intervenção violenta da força e sem que a força precisasse de lançar mão das armas para os suffocar?

Pois o relatorio do major...

V. exa. póde recolher se em sua superioridade e fazer pouco caso da minha argumentação; mas eu escutei a

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v. exa. com respeitosa attenção e creio que as ponderações que estou a apresentar á camara não devem maguar a v. exa., e mesmo porque d'ellas nasce a rectificação de factos menos verdadeiros e que convem serem apresentados para justificação da minha defeza. (Muitos apoiados.)

O sr. Consiglieri Pedroso: - Isso não vem nada para o caso.

O Orador: - S. exas. indicam esses factos que julgam importantes e nós devemos servir-nos tambem das indicações que esse documento nos dá para saber até que ponto essa intervenção e esses primeiros tumultos influiram ou não no tumulto, que deu origem a uma scena de sangue.

Por esse documento eu vejo, que um mal intencionado, vendo que o presidente da mesa rasgava um bilhete, e depois de o ter lido, o arremeçava ao chão, levantou a voz de que o presidente rasgava as listas, que deviam entrar na urna. Pelo menos, um protesto geral apresenta este facto passado na assembléa da Ribeira Brava como sendo a causa do tumulto que houve n'aquella assembléa e o relatorio do major diz que a origem d'esse tumulto foi o facto intencionalmente mal apreciado e que eu acabo de referir á camara. De modo que o relatorio já citado prova que nem houve abusos nos trabalhos eleitoraes e que a intervenção da força armada se fez por uma fórma regular e pacifica, de modo a não se poder suspeitar que ella podesse intimidar ou affugentar os cidadãos da uma ou a estorval-os no seu direito de suffragio. A intervenção da força armada feita por esta fórma não opprime, nem amedronta, pelo contrario garante a liberdade.

É necessario que não esqueça tambem que a intervenção se deu naturalmente quando os trabalhos eleitoraes se tinham suspendido durante os officios religiosos.

N'aquella assembléa a eleição coincidiu com uma das primeiras romarias da ilha da Madeira e é preciso que saibamos, que ao mesmo tempo que se procedia á eleição procedia-se ao acto religioso, que commemorava o dia de S. Pedro, de maneira que a mesa nem sempre proseguia ininterruptamente nos seus trabalhos...

O sr. Consiglieri Pedroso: - Isso é que não diz o documento.

O Orador: - ... e é esta a rasão porque na acta se não menciona este facto.

E necessario observar e lembrar á camara que no dia 29 de junho se faz em Ribeira Brava a festa de S. Pedro, que é uma das mais concorridas de toda a ilha e por isso é-me licito suppor que, tendo de interromper os trabalhos por algumas vezes, durante o sacrificio da missa o tumulto e a intervenção da força se dessem n'um d'estes intervallos. Alem d'isso não descubro que conveniencia ou que interesse havia para a mesa não relatar na acta este incidente que nada enfermava o acto eleitoral e que de modo algum melindrava o presidente da mesa.

(Interrupção.)

O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado que não interrompa o orador.

O Orador: - Se esta circumstancia não vem mencionada em nenhum documento, pelo menos é plausivel e eu via confirmada por quem devia saber dos factos succedidos.

Mas continuemos, não interveiu tambem a força armada na assembléa de Ganhas para apaziguar um tumulto que fôra provocado por um grupo de populares não eleitores; não foi mencionado este facto na acta e todavia ninguem aqui disse que este acontecimento invalidava o acto eleitoral ali realisado.

Porque é então que a mesa da asssembléa de Ribeira Brava não procedeu do mesmo modo?

Naturalmente pelas circumstancia que já apontei.

Alem d'isso pela acta da constituição da mesa d'aquella assembléa vê-se que os seus membros foram eleitos pela assembléa por acclamação; e d'este facto tiro eu o seguinte dilemma: ou o partido republicano era tão insignificante que, não tendo por si a quarta parte dos eleitores, não póde obter para a si a garantia de se fazer representar na mesa, e n'este caso as violencias eram um luxo desnecessario, ou era tal a confiança que elles mereciam a todos os eleitores sem distincção de partido, que fica por este facto prejudicada toda a suspeita malevola que se queira levantar contra elles.

E d'este modo a omissão do tumulto na acta não é um vicio que a prejudique, mas um esquecimento facil de dar-se.

Como se póde conceder que os membros de uma assembléa eleita por unanimidade, porque ali a minoria nem se quer disputou o direito de representação que a lei lhe faculta, quizessem praticar uma illegalidade, não lhe chamo illegalidade, mas uma falta, pelo desejo de a praticar?

Não ha motivo para considerar os factos por esta fórma.

Pois o relatorio do major diz-nos apenas isto?

Pois não acrescenta mais alguma cousa que tem importancia para provar que o partido republicano em algumas assembléas não sê apresentou sereno e impassivel, como se apresenta sempre em frente da uma quem tem a consciencia de que vae cumprir um dever, e sustentar uma causa legal e justa?

Quanto ás horas de terminarem os trabalhos das assembléas, faz o sr. Elias Garcia considerações ás quaes a camara dará o peso que quizer.

Disse s. exa. que n'uma assembléa os trabalhos terminavam ás cinco e em outras ás seis; que n'umas assembléas se marcava a hora a que começára a marcar-se as duas horas de espera, e que em outras não se fallava n'isto; que n'umas assembléas a eleição se fizera e acabára n'um espaço de tempo rasoavel e que n'outras se demorára por largo espaço de tempo, e estranhou tambem que na assembléa da Ribeira Brava os trabalhos n'um dia se concluissem ás cinco horas da tarde.

Mas a rasão por que n'esse dia os trabalhos concluiram ás cinco horas, fôra porque, saíndo uma procissão da igreja a essa hora, era natural que todos se retirassem a tempo de poderem acompanhar a procissão; e o presidente da mesa, vendo que não havia inconveniente em terminar a essa hora os trabalhos, suspendeu-os até ao dia seguinte. Não sei que veneno haja n'isto.

Mas diz s. exa. - isto dá occasião a suspeitas e a duvidas; mas n'esse campo das duvidas e das suspeitas podemos ir tão longe quanto a nossa imaginação o permittir, podemos ir até ao ponto de contrariar os factos da mais completa e perfeita realidade. Mas poder-se-ha assim argumentar?

Creio que não.

Mas agora vamos ao ponto grave, que é o conflicto que se deu na assembléa da Ribeira Brava, conflicto que todos lamentamos, porque não ha ninguem que tenha satisfação era ver correr o sangue dos seus concidadãos, em ver produzir orphãos e viuvas, e isto muitas vezes por idéas erradas com que os mal intencionados lhes imbuiram o espirito, fazendo ver ao povo rude e soffredor um futuro e um bem estar melhor do que aquelle que o presente lhe dá. As theorias sobre o regimen agrario concorreram poderosamente para que a lucta eleitoral revestisse um caracter feroz e aggressivo.

O conflicto deu-se de um modo singular e antes de descrever o modo por que se deu, reputo necessario observar que uma das cousas que mais preoccupou o illustre deputado o sr. Consiglieri Pedroso no seu discurso foi a parte em que disse que as auctoridades ou o governo tinham preparado um systema de terror, de antemão combinado e realisado nas proximidades da eleição com o fim de afugentar da uma os timidos republicanos. Esse systema tão tenebroso consistiu em mandar para as assembléas eleitoraes força armada para manter a ordem e para assegurar a liberdade de todos.

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Mas, diga-nos s. exa.: quaes foram as violencias e as ameaças praticadas pelos soldados? Diga-nos: quaes foram os actos menos regulares pelos quaes se possa suspeitar sequer que podessem influir no animo dos povos? Sobre isto nada nos disse.

Fica, pois, de pé sómente a consideração de que a simples presença dos soldados bastava para produzir o terror! Mas tem porventura algum valor uma tal supposição, principalmente quando vimos que na assembléa da Ribeira Brava os populares estavam tão receiosos dos soldados que os insultaram e os aggrediram ás pedradas, tentando atacar o quartel?

Vamos adiante.

O facto que s. exa. mais accentuou foi a proximidade em que a força publica foi aquartelada do logar da assembléa; e disse s. exa. que o local em que a força foi aquartelada está comprehendido, tanto pela letra como pelo espirito da lei, no que a mesma lei chama recinto da assembléa.

Ora, rasoavelmente nós não podemos suppor como recinto da assembléa senão a parte interior do edificio em que funcciona a assembléa, e a parte exterior em que o presidente da assembléa póde exercer a sua acção fiscal, porque, como todos sabem, ao presidente da assembléa compete, por lei, manter a liberdade dos eleitores e fazer a policia da assembléa, e para isto não se póde alargar muito o espaço exterior do edificio a que a lei chama recinto da assembléa.

E o illustre deputado ha de concordar que o local onde estava aquartelada a força publica não estava tão proximo da assembléa que não houvesse uma rua que o separava do espaço que circunda o templo, e que alem d'isso havia uma parede que vedava a casa que serviu de quartel, ficando portanto o quartel installado de forma que os soldados não podiam ser vistos pelos eleitores, nem lhes podiam infundir terror com a sua feroz presença.

E digo infundir terror, admittindo que na altura em que estamos da civilisação um soldado possa infundir terror em pessoas que estão constantemente a ver soldados e a defrontar-se com elles com armas desiguaes, porque realmente não comprehendo como um camponez possa avançar desarmado para um soldado que tem uma espingarda na mão, arriscando a vida temerariamente, e tenha ao mesmo tempo medo do soldados porque elles estão aquartelados a uma certa proximidade da assembléa! Não sei como explicar estes factos de uma tão flagrante contradição.

Mas o que é certo é que o quartel onde foi installada a força publica estava n'uma casa de quinta, toda cercada por um muro, que evitava completamente que os soldados n'ella aquartellados podessem ser vistos pelos que estavam no recinto da assembléa; e por consequencia, é claro que isto nada podia influir para amedrontar os animos e afastar da uma os eleitores.

Se, porém, se quizer dizer que as scenas de sangue que, pela força das circumstancias, tiveram logar n'aquelle local, influiram para atemorisar os povos d'aquellas freguezias, e que elles, por um motivo de desgosto, não quizeram concorrer á uma no dia seguinte, isso é natural, e não serei eu que o negue; mas não dizer que se mandou a força armada de proposito para infundir terror áquelles povos que vivem nos campos, como se elles nunca tivessem visto luzir á luz do sol uma bayoneta, affirmar isto, quando é sabido de todos que n'aquella ilha ha frequentes scenas de sangue em quasi todas as eleições que ali têem havido, do que se conclue que não foi n'esta eleição a primeira vez que se mandaram soldados para as assembléas eleitoraes.

Não se póde dizer, por consequencia, que foram os meios violentos, nem as pressões, que seriamos os primeiros a condemnar, se tivessem existido, que fizeram entrar as listas na urna.

E depois s. exa., o sr. Consiglieri Pedroso, que foi á Ilha da Madeira, ao seio dos seus correligionarios politicos ouvir a historia fiel d'estes acontecimentos, teve apenas dois argumentos de auctoridade para comprovar este quadro de horrores, para legitimar esta urdidura paciente e brilhante que s. exa. fez de tal quadro de terrores, que na sua opinião influiram no resultado da eleição.

Não quero cançar a attenção da camara, mas antes de concluir, direi que a eleição na assembléa de Sant'Anna correu regularmente, e creio ter affirmado pela leitura da acta que o numero de votantes está em relação com o numero de votos que entraram na urna.

Desejava saber quaes as rasões que havia para se dizer que os eleitores que faltaram na assembléa da Ribeira Brava eram republicanos. Quem os obrigou a não voltar no dia seguinte a exercer o seu direito eleitoral? De que documentos consta essa violencia ou essa prohibição? De documento algum, nem s. exas. aqui o apresentaram.

Repito, não quero cansar a attenção da camara, e limito-me a notar dois factos mais importantes, áquelles com que o sr. Elias Garcia fez a conclusão do seu discurso.

Disse s. exa., que dois deputados tinham affirmado que na ilha da Madeira era geral o descontentamento contra todos os partidos monarchicos, e isto levava-o a notar á camara a estranha contradição de serem mal vistos estes partidos e de saírem triumphantes da urna!

Ora eu não vejo que o raciocinio de s. exa. seja verdadeiro, porque um dos deputados que se fez echo d'esse desgosto e que se mostrava igualmente desgostoso do procedimento de todos os monarchicos para com aquella ilha, era monarchico, o que prova que nem todos os desgostosos se separaram da monarchia.

Termino, declarando que, não me parecendo procedentes os argumentos com que o illustre orador fundamentou a conclusão do seu discurso, qual era, de se contarem os votos dos menos votados na assembléa de Sant'Anna e na assembléa da Ribeira Brava ao candidato republicano, entrego a resolução d'este pleito á camara, que procederá n'esta conjunctura segundo o seu espirito de justiça e como costuma proceder sempre.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - Convido os srs. deputados Bernardino Machado e Ponces de Carvalho a introduzirem na sala o sr. deputado Simões Dias, que se acha nos corredores da camara.

Foi introduzido na sala e prestou juramento.

O sr. Avila: - Mando para a mesa a seguinte:

Participação

Participo a v. exa. que se constituiu a commissão de guerra, escolhendo para seu presidente o sr. conselheiro Sanches de Castro e a mim, participante, para secretario, havendo relatores especiaes. = Antonio José d'Avila.

Em nome da mesma commissão, peço que lhe seja aggregado o sr. deputado Figueiredo Mascarenhas.

Consultada, a camara assim se resolveu.

Mandou-se consignar na acta a participação.

O sr. Barbosa Centeno: - Mando para a mesa as seguintes:

Participações

1.ª Participo a v. exa. e á camara que se acha constituida a commissão do ultramar, tendo eleito presidente o sr. Scarnichia, secretario o sr. Tito de Carvalho e havendo relatores especiaes. = Barbosa Centeno.

2.ª Participo a v. exa. e á camara que se acha constituida a commissão de marinha, tendo eleito presidente o sr. Scarnichia, secretario o sr. Pedro Diniz e havendo relatores especiaes. = Barbosa Centeno.

Para a acta.

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O sr. Dias Ferreira: - Em obediencia ao regimento leio a minha moção de ordem, que é a seguinte:

«A camara resolve que se proceda a inquerito a respeito dos factos occorridos na assembléa da Ribeira Brava por occasião da ultima eleição de deputados, guardando-se em todo o caso o disposto no artigo 4.° § 2.°, e no artigo 5.° § 1.° da lei de 21 de maio de 1884, e continua na ordem do dia.»

Começo por declarar aos meus collegas que pediram e desejam usar da palavra, e á camara, que tem a sessão prorogada até se votar este assumpto, que não se assustem, porque em poucas palavras justificarei a minha opinião ácerca do parecer sujeito ao debate.

Não gasto agora tempo a discutir se a Madeira está rica ou se está pobre; se a sua situação agraria é prospera ou difficil; se a circumscripção judicial está ou não feita de harmonia com os interesses dos povos; se os partidos lá se colligaram todos contra um, ou se cada um se bateu, auxiliado só das suas proprias forças. Tudo isso póde vir ainda á téla da discussão; mas agora é completamente estranho ao debate. (Apoiados.)

A unica cousa a averiguar n'este momento é se a eleição de deputados a que se procedeu em 29 de junho de 1884 no districto da Madeira está ou não valida. (Apoiados.)

Nada mais e nada menos.

Houve era varias assembléas d'aquella ilha irregularidades eleitoraes?

Houve mesmo irregularidades em todas as assembléas?

Ainda essas irregularidades não são objecto do debate, senão quando affectarem a essencia do acto eleitoral, e portanto a validade da eleição.

Tudo o mais é pura perda de tempo.

As faltas não essenciaes, que porventura accuse o processo eleitoral, faltas de que não são isentos, nem os processos eleitoraes, nem os administrativos, nem os judiciaes, mas que não affectem a essencia do acto, podem dar occasião a discursos brilhantes e a orações distinctas, que deleitem o auditorio e attraeam a opinião, mas não podem influir no debate sujeito á apreciação da assembléa.

Por isso eu tomo em conta unicamente os factos graves que occorreram n'uma assembléa eleitoral, e que devidamente averiguados podem importar a nullidade da eleição ou eleições em que porventura influa a votação d'aquella assembléa. Para este fim proponho um inquerito a respeito dos acontecimentos que se deram na assembléa da Ribeira Brava. Não me permittem os meus principios liberaes preferir as asseverações do relatorio do major, do governador civil, ou de qualquer agente do poder executivo, ás asseverações authenticas das actas eleitoraes, feitas por elementos populares ali collocados em nome da lei. (Apoiados.) Seria contra os principios liberaes a jurisprudencia de que as informações dos agentes do poder executivo, ou dos delegados do governo, haviam de prevalecer sobre o teor de documentos authenticos, lavrados por corporações populares para isso auctorisadas por lei.

Careço portanto de um inquerito rigoroso a respeito dos factos occorridos na assembléa da Ribeira Brava para poder pronunciar-me contra as declarações constantes das actas firmadas pelas mesas eleitoraes.

Nem todos os factos referidos como indicadores de ter sido essencialmente viciado o acto eleitoral são de uma alta importancia para a apreciação da validade da eleição.

Não me faz, por exemplo, grande impressão o facto de terem sido pronunciados varios individuos pelo juiz de direito da comarca, como implicados nos tristissimos acontecimentos, occorridos n'aquella assembléa, porque o juiz de direito para lavrar o despacho de indiciação é obrigado a cingir-se ás provas ou indicios dos autos; e nada mais facil do que alcançar testemunhas, e testemunhas apaixonadas, principalmente em processos eleitoraes.

Não pretendo, pois, tirar argumento valioso do despacho do juiz de direito da comarca da assembléa da Ribeira Brava, que indiciou alguns populares.

N'outra consideração, porém, tenho eu o facto de haverem sido condemnados pelo jury alguns dos réus pronunciados.

Quando o jury, n'um paiz em que a benevolencia publica para com os delictos eleitoraes é proverbial, chega a condemnar n'estes processos, não póde duvidar-se da existencia de delinquentes e de delictos.

Escusado é discutir de onde partiram os attentados contra a legitimidade do acto eleitoral.

Queixam-se dos republicanos os monarchicos, e queixam-se dos monarchicos os republicanos.

Mas n'esta mesma divergencia dos dois grupos está o accordo em que factos graves, que poderiam prejudicar a verdade da eleição, se deram n'aquella assembléa.

Escusado é pensar em descriminar os delinquentes, e em liquidar as responsabilidades dos diversos partidos que entraram na lucta. Para apreciar a validade da eleição basta averiguar se houve violencias, que porventura affectassem a essencia do acto eleitoral.

Tambem é da mais alta importancia o facto de ter deixado de concorrer á uma grande numero de eleitores na assembléa da Ribeira Brava, facto devido, a julgar pela discussão parlamentar, aos tristissimos acontecimentos que ali occorreram.

Faltaram os eleitores, por se acharem impressionados pelas mortes que houve na assembléa da Ribeira Brava?

Deixou esse grande numero de eleitores do concorrer á urna, receiando que os populares, exaltados pela paixão politica, lhes pozessem em risco a vida?

Cada um dos illustres deputados que fallou attribuiu a responsabilidade d'estes factos aos seus adversarios.

Mas em todo o caso, os discursos dos illustres deputados, que fallaram por um e outro lado, deixaram a impressão de que a assembléa da Ribeira Brava não poderá dar diploma valido a ninguem.

Como, porém, todos aquelles factos sejam insuficientes para com segurança nos podermos pronunciar contra o que das actas consta, proponho que se proceda a um inquerito n'aquella assembléa, a fim de podermos averiguar com inteiro conhecimento de causa, de que lado está a rasão e a verdade.

E n'este ponto não posso deixar de confessar a minha surpreza, por os nossos collegas, deputados republicanos, aliás tão esclarecidos e illustrados, tratando-se d'esta eleição, recusarem tão tenazmente o inquerito.

Os protestos juntos ao processo eleitoral, e a discussão parlamentar, denunciam a necessidade de um inquerito rigoroso e largo para apreciar a verdade dos factos, inquerito que eu restringiria á assembléa da Ribeira Brava, porque é com respeito a este collegio eleitoral, que se apontam factos graves que podem influir na validade da eleição.

Ora como o tribunal especial de verificação de poderes não póde ordenar inqueritos fóra do continente, é evidente que a remessa do processo para aquella estação excluia toda a idéa de inquerito; e sem o inquerito não póde a eleição ser invalidada.

Todos sabem que a ultima lei eleitoral n'este ponto não teve a minha cooperação.

Fiz-lhe a mais energica e decidida opposição.

Mas essa opposição não diminue um ápice o meu respeito pelas disposições n'ella comprehendidas, desde que foram votadas pelo parlamento e sanccionadas pela corôa. (Apoiados.)

É obrigação de todos nós respeitar as leis, seja de quem for a iniciativa, desde que forem promulgadas com todas as formalidades legaes. (Apoiados.)

Não podia, pois, proceder se a inquerito ácerca dos factos Decorridos na ultima eleição de deputados na ilha da

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Madeira, desde que o processo eleitoral tivesse de ser remettido para o tribunal especial de verificação de poderes, e sem esse inquerito nenhum tribunal poderia decidir contra ás asseverações constantes das actas das assembléas eleitoraes.

Nenhum tribunal, por certo, qualquer que fosse a sua constituição, se atreveria a preferir ás actas eleitoraes, que são documentos authenticos, as informações do major, do governador civil, ou as declarações dos protestantes.

Sr. presidente, eu disse em poucas palavras a minha opinião a respeito da eleição da Madeira, propondo que se proceda a um inquerito rigoroso na assembléa onde occoreram factos gravissimos, adiamento este que não prejudica as eleições em que não possa influir a votação d'aquella assembléa.

E ditas estas palavras permitta-me a camara que eu aproveite a occasião para algumas explicações a que me julgo obrigado por um dever de cortezia para com esta assembléa, e para com alguns dos meus collegas individualmente.

Começo por me referir a uma asseveração do illustre deputado, que eu muito respeito, o sr. Consiglieri Pedroso.

S. exa. na sua brilhante oração ácerca da eleição da Madeira fez-me a honra de citar umas phrases, que disse ter-me ouvido noutra parte, e n'outra tribuna.
Essas phrases eram que os candidatos ministeriaes na ilha da Madeira tinham sido eleitos em algumas assembléas com listas levadas á uma nos canos das espingardas.

Devo, em primeiro logar declarar do modo mais terminante e positivo, que, quando fallei na tribuna a que alludiu o illustre deputado, foi para me ouvirem, e que sempre que fallo em qualquer logar publico é para ser ouvido, e nunca para engeitar as minhas phrases ou as minhas opiniões, das quaes tomo inteira a responsabilidade.

Mas este privilegio, acceito-o só para mim, sem com isso auctorisar a jurisprudencia de se argumentar no parlamento com discursos proferidos n'outra tribuna onde se não tomam notas authenticas do que se diz. (Apoiados.)

Acceita a doutrina contraria á minha, com o mesmo direito poderiam ámanhã invocar-se, n'esta ou na outra casa do parlamento, as opiniões verbaes proferidas pelos juizes de direito de primeira instancia, pelos juizes da relação e pelos conselheiros do supremo tribunal de justiça, no exercicio das suas funcções; e desde que um affirmasse e outro negasse, sem haver notas authenticas para decidir a questão, a situação dos dois contendores tornava-se extremamente difficil. (Apoiados.)

Comquanto pois me não pareça extremamente correcto argumentar no parlamento com discursos proferidos n'outra tribuna, onde não se tomam notas authenticas do que se diz, acceito para mim uma excepção, e acceito-a com todo o favor para o illustre deputado, que a mim se referiu.

Asseverou o meu illustre collega, segundo eu veririquei nos Diarios das nossas sessões, que tinha gravadas na memoria as palavras que eu disse.

Eu não posso, sem faltar a todos os deveres de cavalheirismo, contestar esta asseveração, porque não tenho hoje gravada na memoria nem uma das palavras que então disse.

A unica cousa que eu sei é que, se empreguei tal redacção, não queria empregal-a.

Os meus discursos não costumam ter a feição de discursos de personalidades.

E aquella formula de dizer importava uma offensa gratuita a cavalheiros que eu respeito, e de alguns dos quaes me honro de ser amigo, offensa tanto mais reprehensivel, quanto que não era necessaria para a defeza da causa que eu patrocinava.

Repito, não me lembro do que disse. Apenas poderia dizer que não disse, porque o não queria dizer. (Riso.)

Sem por fórma alguma trazer para aqui a discussão d'esse julgamento, e unicamente como explicação á referencia que me foi feita, cumpre-me declarar que eu allegava que o réu devia ser absolvido, porque o estado de exaltação politica em que devia achar-se um partido a quem a nova lei eleitoral privára de representação pelo circulo capital da Madeira, e onde a eleição fôra acompanhada de lastimosos acontecimentos, inspirára ao meu cliente um artigo, sim violento, mas dictado pelo amor da patria, o que excluia toda a idéa de intenção criminosa, elemento essencialmente constitutivo da criminalidade.

No entretanto, o que eu prometto é nunca empregar similhantes phrases, por via das variadas descomposturas que ellas me têem rendido. (Riso.)

Surprehendido com esta referencia procurei o jornal, de que era redactor principal o cavalheiro que eu defendi, onde vem um extracto, comquanto muito deficiente, do meu discurso, extracto que não é da minha responsabilidade, porque nem o vi, nem o revi.

Pois, apesar de deficiente, vem felizmente n'esse extracto o ponto da referencia, e vem redigido assim:

«Estranhou que se negasse a faculdade de se fazer a prova a um jornalista que accusava os delegados do poder executivo de abusarem da força armada a ponto de serem fusilados sete homens, porventura levando os soldados nas pontas das bayonetas massos de listas para fazerem entrar nas urnas.»

O que ali se diz, pois, é que eu estranhei que se não admittisse a prova a um jornalista que accusava estes factos gravissimos.

Podia, portanto, ter-se enganado o illustre deputado no que julgou ouvir-me.

Em todo o caso a versão do Século é mais conforme ao que devia ser o meu pensamento.

Tambem vou dizer a minha opinião a respeito do requerimento apresentado n'esta casa para ser enviado o processo da eleição ao tribunal especial de verificação de poderes.

No meu entender, o requerimento, desde que é assignado por quinze deputados, eleitos ou com os poderes já verificados, não póde ser discutido, nem indeferido.

Desde que os quinze deputados, inspirados na sua consciencia, ou no seu patriotismo, julgam conveniente requerer que o processo eleitoral seja enviado ao tribunal especial de verificação de poderes, não está no poder da camara deferir ou indeferir. O requerimento ha de necessariamente ter seguimento.

Dir-se-ha que esta providencia importa uma exautoração parlamentar. Estas considerações, porém, tinham logar por occasião da discussão da lei, mas n'essa occasião só eu, e mais ningeém, levantei a minha voz a favor dos principios liberaes.

O que, porém, ha de cumprir-se é o que está na lei, quer as disposições d'ella tendessem quer não a exautorar o prestigio parlamentar.

O requerimento foi apresentado em occasião opportuna. A lei diz expressamente «logo que assim tenha sido requerido».

A lei não diz «se o requerimento for apresentado antes da discussão, ou antes da camara principiar a tomar conhecimento do processo».

«Logo que assim tenha sido requerido» significava no meu tempo o mesmo que «em toda e qualquer occasião que tenha sido requerido». Entretanto a camara resolveu na sua alta sabedoria interpretar estas palavras por modo inteiramente opposto, interpretação que eu respeito, como me cumpre.

Mas o processo não podia ir para o tribunal especial de verificação de poderes, pela simples rasão de que esse tribunal não existe senão no papel. Votasse a camara como votasse, que o processo não podia ir para o tribunal porque este não existe. (Apoiados.)

Se a camara tivesse decidido que o processo fosse para

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o tribunal especial de verificação de poderes, eu sempre queria ver para onde v. exa. o havia de mandar. Para o supremo tribunal de justiça não, porque a lei o manda remetter ao tribunal especial de verificação de poderes depois d'este constituido. Queriam que o processo ficasse a dormir até que o tribunal fosse constituido e regulamentado. Ninguem de certo teria a coragem de sustentar esta opinião, Sem a constituição e regulamento do tribunal especial de verificação de poderes nenhum processo para ali póde ser enviado.

Quando vierem á téla do debate as questões politicas, eu terei occasião de dizer o motivo por que se creou o tribunal especial de verificação de poderes, e porque se creou para não ter execução.

A ultima lei eleitoral fez na legislação então vigente innovações, das quaes as mais importantes foram a creação do tribunal especial de verificação de poderes, e a entrega ao poder judicial das execuções fiscaes, e das escusas do recrutamento. A entrega das execuções fiscaes á competencia judicial ficou dependente de regulamento. O exercicio das funcções do tribunal especial ficou dependente, não só da constituição do tribunal, mas de regulamento, e de regulamento feito pelo mesmo tribunal depois de constituido.

Até hoje ainda ninguem se lembrou de mandar um processo de execução fiscal para os tribunaes ordinarios, que aliás estão já constituidos e até regulamentados.

E se tivessse havido vontade de cumprir este preceito da lei, bastava mais um paragrapho ou artigo para as execuções fiscaes serem desde logo entregues á competencia do poder judicial.

Tanto o legislador quiz que só fosse cumprido desde logo o que respeitava ao recrutamento militar, que no artigo 43.°, para tirar todas as duvidas, consignou o preceito de que as disposições da lei quanto ao recrutamento militar começavam de vigorar sem dependencia de regulamento.

Logo as disposições da lei sobre o julgamento das execuções fiscaes pelo poder judicial, e sobre o exercicio de funções do tribunal especial de verificação de poderes, não podiam executar-se independentemente do regulamento. Só o recrutamento militar é que, independentemente do regulamento, entrava na esphera do poder judicial.

Eu ataquei violentamente as disposições da referida lei que creavam um tribunal judicial para verificar as eleições, como attentatorias dos principies liberaes, porque n'esta tribuna, como em toda a parte onde posso fazer ouvir a minha voz, sustento o principio de que as questões politicas vão para as corporações populares, e só o conhecimento dos direitos privados para os tribunaes judiciaes.

Em virtude dos meus principios não havia circumstancia que me obrigasse a subscrever ao requerimento apresentado pelos illustres deputados, respeitando aliás a consciencia e o patriotismo com que procederam.

Acrescento ainda que não basta um simples regulamento para poderem ser julgados pelo tribunal especial de verificação de poderes os processos eleitoraes, e que, sem uma nova lei complementar da lei eleitoral vigente, nenhum processo irá para esse tribunal.

No estado actual de cousas, antes de constituido o tribunal, v. exa. nem sabe a quem ha de dirigir o processo, nem a casa para onde o ha de mandar.

Estas faltas ainda se remedeiam com a constituição do tribunal e com a publicação do regulamento.

O que o regulamento porém já não póde fazer é crear os empregados auxiliares do tribunal, como o escrivão ou secretario, que póde lavrar os termos do processo.

Os empregos publicos não podem ser creados senão por lei, e a nomeação é do poder executivo.

Mais. Podem os juizes accumular as funcções de verificação de poderes com o exercicio das suas funcções ordinarias nos tribunaes a que pertencem?

É uma questão de competencja, que só a lei, e não o regulamento, póde decidir.

Se o tribunal não julgar o processo dentro do praso pela camara marcado, e a camara não quizer prorogar esse praso, póde ella avocar a si o processo?

Só uma lei nova pode resolver este ponto, omisso na lei vigente, por se tratar de uma questão de competencia, que excede as faculdades regulamentares.

Na propria ilha da Madeira, de cuja eleição estamos tratando, foi creado um tribunal commercial em 1850, que durante vinte e tres annos esteve apenas no papel, porque só em 1873 é que foi installado; e ninguem se lembrou, durante aquelle periodo, de, pelo facto de estar decretada a creação do tribunal commercial, mandar para a porta do respectivo edificio as causas commerciaes, á espera que o tribunal fosse installado para as processar e julgar.

Devo ainda dar a v. exa. e á camara a grata noticia de que, se este tribunal especial de verificação de poderes chegasse a funccionar, eu me encarregava de o inutilisar, com pequena despeza, com meia folha de papel sellado do 60 réis! Era quanto me bastava para averbar todos os juizes de suspeitos!

Apresentados os artigos de suspeição, quem era o juiz competente para deferir aos termos da suspeição?

Morria o processo, porque nem a camara o podia avocar, nem o tribunal o podia julgar.

Ficam assim prevenidos os apaixonados d'esta instituição para proporem a reforma da reforma, sob pena de nunca verem realisado o seu intento.

E tenho concluido.

(O orador foi comprimentado.)

Foi lida e admittida á discussão a moção de ordem do sr. José Dias Ferreira.

O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Mando para a mesa, por parte do meu collega o sr. ministro do reino, a seguinte

Proposta

Em conformidade do disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo do Sua Magestade pede á camara dos senhores deputados da nação portugueza a necessaria permissão para que o sr. deputado conselheiro Anselmo José Braamcamp, vogal effectivo do supremo tribunal administrativo, possa accumular, querendo, as funcções legislativas com a do emprego dependente do ministerio do reino, que exerce em Lisboa.

Secretaria de estado dos negocios do reino, em 19 de janeiro de 1885.= Augusto Cesar Barjona de Freitas.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Consiglieri Pedroso.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Peço a v. exa. que tenha a bondade de me dizer quem é que está inscripto a favor do parecer.

O sr. Presidente: - Estão inscriptos ainda os srs. Teixeira, Sant'Anna e Alfredo da Rocha Peixoto, e contra, o sr. Elias Garcia.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Como eu vejo inscripto depois do mim o sr. Teixeira, e como é possivel, quasi certo, que eu não torne a tomar a palavra n'este debate, peço a v. exa. que consulte a camara se permitte que esse cavalheiro use agora da palavra, fallando eu depois.

O sr. Presidente: - S. exa. pretendo que, alterando-se o ordem da inscripção, se conceda agora a palavra ao sr. Teixeira.

Vou consultar a camara.

Consultada resolveu-se negativamente.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, a camara está já cansada d'este debate (Apoiados) e eu pela minha parte encontro-me cansadissimo; de fórma que em

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dez minutos ou no maximo, em um quarto de hora, direi tudo quanto tenho a dizer na presente occasião!

Mas antes de entrar no assumpto devo á camara uma explicação.

Comprehendem v. exas., srs. deputados, que um melindro de simples delicadeza me levou a fazer o pedido que acaba de ser rejeitado. Desde o momento, com effeito, em que um dos deputados eleitos pela Madeira e que ainda não havia tomado a palavra, se achava inscripto; desde o momento em que o debate, estando já prorogado por uma fórma violenta, podia um momento para o outro terminar; não desejava eu de fórma alguma, por um lado, que a palavra não podesse chegar ao sr. deputado eleito, e por outro lado, que fallando, não pudesse, da nossa parte, alguem responder ás suas observações. É este o motivo porque fiz o pedido a que infelizmente a camara entendeu não dever annuir.

Sr. presidente, felicito-me e felicito a hora em que pronunciei n'esta casa as phrases que chamaram ao debate o sr. conselheiro José Dias Ferreira, e felicito-me, sr. presidente, por ter n'esta questão por minha causa, intervindo, segundo a sua própria declaração, este illustre parlamentar, embora, com mágua minha o digo, essa intervenção não correspondesse ao que eu esperava, por se ter esquivado tão distincto homem de estado a tomar n'ella uma posição decisiva.

Em todo o caso, porém, não deixará de certo de ser grato para a camara o ter ouvido tão auctorisada palavra, sempre eloquente e sempre escutada com attenção, mesmo quando mais se retrahe e se furta a largas explanações.

Invertendo a ordem natural da minha replica, conceda-me, pois, v. exa., sr. presidente, que pela muita deferencia que tenho pelo orador que me precedeu, eu não demore por mais tempo as explicações que lhe devo.

Permitta-me o nobre deputado que lhe diga, que, se me referi aqui ás suas palavras, foi, em primeiro logar porque estava perfeitamente convencido de que tinham por s. exa. sido assim pronunciadas.

Declaro mesmo, sr. presidente, que esta illusão da minha parte, visto que s. exa. acaba de dizer á camara que taes palavras não proferiu, ou, pelo menos, não tivera intenção de as pronunciar, declaro que esta illusão foi partilhada por mais alguem. Eu posso mostrar, quando se encerrar a sessão, ao meu nobre amigo e não terei mesmo duvida em lhe chamar mestre n'estes debates, poderei mostrar a s. exa. jornaes em que se citam textualmente as palavras que citei; mas isso não vale agora absolutamente nada, bem o sei, depois da declaração de s. exa.; foi illusão tambem d'esses jornalistas, illusão que partilhei!

No entretanto, se o sr. Dias Ferreira não pronunciou taes palavras, era bem digno de as ter dito, pela grande verdade que ellas encerram, e pelo conhecido horror do illustre deputado a todo o genero de violencias eleitoraes!

É este o maior elogio que posso fazer a s. exa.

Mas, sr. presidente, qualquer que tenha sido a causa, felicito-me por vir encontrar na discussão o sr. Dias Ferreira, porque encontro finalmente diante de mim um homem!

Até aqui tenho batalhado apenas com sombras, e combates assim cansam muito! Sombra foi com effeito o sr. relator, e sombra ou espectro o sr. deputado pela Madeira.

S. exas. simplesmente declamaram e declamaram por fórma que o seu unico argumento acaba de cruelmente ser lançado por terra pelo orador que me precedeu, e que embora talvez approve a eleição de que se trata, sem piedade reduziu a pó a unica rasão allegada pelos seus defensores!

Effectivamente a que póde resumir-se todo o discurso proferido pelo deputado eleito o sr. Pedro Gonçalves de Freitas? A leitura do despacho de pronuncia de um certo numero de individuos accusados de haverem provocado os tumultos da Ribeira Brava.

Disse o sr. Dias Ferreira, e o sr. deputado eleito sabe-o muito bem, que um despacho de pronuncia não significa sempre culpabilidade, nem mesmo a circumstancia de se entrar na cadeia, até por crimes communs, antes de uma sentença proferida, o póde significar, pelo menos legalmente.

O sr. Pedro Gonçalves não ignora este facto, de certo!

Portanto, toda a argumentação d'este deputado cáe por terra, como um mal engendrado castello de cartas ao mais leve sopro.

Se ha alguem n'esta camara que, depois do que se tem passado, esteja sereno ainda em presença do debate era que nos achâmos ha quasi um mez empenhados, deve ter ficado bem surprehendido pela inversão dos papeis attribuidos aos contendores que se hão degladiado n'esta malfadada questão.

Suppunha-se, com effeito, que os deputados do partido republicano, de quem se tem escripto tão extraordinarias apreciações, viessem, como unica defeza da sua causa, levantar era declamações ou invectivas mais ou menos apaixonadas a memoria d'essas victimas caídas na Ribeira Brava; viessem fallar sómente do sangue derramado, viessem apontar, em fim, como supremo recurso da sua argumentação, todos esses factos que, não deixando de ser verdadeiros, nem sempre têem uma prova palpavelno campo legal.

Esperava-se, pelo contrario, que os homens que vinham da Madeira trouxessem as provas authenticas e legaes da validade da sua eleição, e que essas provas confundissem aqui as declamações dos deputados republicanos, ingenuos de mais, segundo se dizia, para luctarem com a habilidade consumada dos advogados dos morticinios!

Mas com grande espanto, sr. presidente, vimos todos e póde contemplal-o a camara, que são os deputados republicanos que citam os factos, que apresentam os documentos, que recorrem ás disposições da lei, que estudam finalmente as minucias d'este volumoso processo; e que são os deputados monarchicos, esses que se atrevem a fallar do romance republicano, que vem com declamações, que se porventura não fossem criminosos pelas tristes allusões que contêem áquellas pobres victimas da sua odienta perseguição seriam apenas banaes, ridiculas, fóra de proposito e perfeitamente deslocadas, pela fórma como o debate tem sido conduzido pela opposição republicana!

O que nos disse o deputado da Madeira com aquella voz funebre e arrastada, que parecia inspirar-se no remorso das scenas que estava descrevendo?

Concordou em todos os pontos com o que dissera o deputado republicano, e não só concordou nas questões de facto, mas até n'uma apreciação em que eu não esperava que s. exa. fosse tão explicito; pois a proposito d'ella fez declarações que não sei se teriam sido agradaveis a todos os grupos monarchicos que têem assento n'esta casa.

Refiro-me á apreciação feita por s. exa. relativamente ás causas do incremento do partido republicano na ilha da Madeira.

Como reconheço que a camara está cansada, e eu cansadissimo, nada direi com respeito a esta singular opinião, de quem se proclama livremente eleito pelo povo madeirense; limitando-me apenas a perguntar ao sr. Gonsalves de Freitas e ao sr. relator da commissão, que foram os dois unicos deputados que pretenderam atacar, embora levemente, as asserções dos deputados republicanos, que importa para o caso da validade da eleição, que os tumultos fossem promovidos pelos republicanos ou pelos monarchicos?

Tem, porventura, a nossa legislação vigente alguma disposição especial em que se determine que não importa nullidade para os actos eleitoraes os tumultos praticados pe-

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los republicanos, admittindo, por hypothese, como eu já agora admitto, para mostrar bem o absurdo sustentado, que tivessem sido elles os culpados?

Gregos e troianos, senhores, concordam, com effeito, que houve irregularidades, que houve desordens, que interveiu a força publica na assembléa da Ribeira Brava.

Que importa, para o caso da validade legal da eleição, que fossem os republicanos os criminosos, já que assim o quereis?

Isso é um ponto, que havemos de liquidar mais tarde, que os proprios tribunaes já estão até liquidando, que influe com certeza no valor moral da eleição da Madeira, mas que nada tem que ver com o seu valor legal, que é nullo, que vós não podeis cobrir com votação de especie alguma!

Pergunto, é serio, visto que já se empregou aqui esta expressão, o procedimento d'esta camara approvando a eleição do circulo do Funchal, quando ha a affirmação categorica dos deputados republicanos, affirmação corroborada pelos proprios deputados eleitos pela Madeira, de que houve a intervenção da força publica, e de que o acto eleitoral correu illegal e violentamente?

Quereis dizer, repito para que me comprehendam bem, que a responsabilidade d'estes acontecimentos pertence ao partido republicano? Pois bem!

Mas, dado que assim seja, pergunto novamente, ha alguma lei que diga que as perturbações feitas pelos republicanos não importam a nullidade da eleição?

Aqui está o que se deduz da argumentação do sr. deputado pela Madeira. E aqui está o ponto capital do debate, resolvido unanimemente quanto á existencia do facto, o que só importa para o caso, embora divirjam os pareceres quanto ás apreciações.

Disse mais o sr. relator alguma cousa que ainda aqui não fôra mencionada; foi até uma novidade que s. exa. deu á camara.

Referiu uma circumstancia ou occorrencia que não vem apontada, nem nos documentos, nem nos foi contada tão pouco pelo sr. deputado eleito Pedro Gonçalves, que aliás vindo da Madeira a não callaria se fosse exacta.

Admira, com effeito, que os srs. deputados por aquella ilha, sendo da localidade, e vindo argumentar com a sua auctoridade propria, não adduzissem o facto apresentado pelo sr. relator da commissão - de que a interrupção dos trabalhos eleitoraes não fôra occasionada pela intervenção da tropa, mas tinha tido logar na occasião em que da igreja saíra uma procissão ou cirio.

Não quero, srs. deputados, pesar o valor d'este argumento, que não passa de uma das muitas ingenuidades do sr. relator, e que só serve para mostrar bem á camara o cuidado e a seriedade com que a illustre commissão de verificação de poderes estudou o processo de que nos estamos occupando.

Basta apontar as futeis rasoes com que se nos responde! E o futuro um dia fará justiça inteira sobre o verdadeiro julgamento d'esta causa e sobre os que na sua discussão tomaram parte importante!

Para esse futuro, que é a voz imparcial da historia, eu appello; já que diante do tribunal que me escuta todas as rasões são perdidas.

Que mais posso eu dizer effectivamente? V. exa. viu que no primeiro dia que subi á tribuna para discutir esta eleição vim para aqui rodeado de documentos: estou hoje arrependido de o haver feito!

Valeu bem a pena, na verdade, as longas noites de consciencioso estudo que passei sobre este triste processo!

Valeu bem a pena, na verdade, estar a levantar uma a uma essas violencias, essas irregularidades o essas fraudes, para que a tudo isto se respondesse com meras allegaçoes, sem fundamento e sem prova, e por fórma que nada esclarecem!

Portanto agora estou aqui sem documentos.

E que documento a favor da nullidade e da annullação da eleição da Madeira poderá apresentar-se, que valha o discurso do sr. Pedro Gonçalves!?

Por isso, se quando pela primeira vez tomei a palavra n'este assumpto, estava convencido que esta eleição estava nulla, hoje é minha convicção que a camara, sem decretar a sua propria condemnação, não póde por fórma alguma approval-a.

A eleição da Madeira deve ser annullada!

São os discursos dos srs. deputados que pretenderam defendel-a, que tornaram bem patente esta necessidade!

E cabe-me n'este momento responder a uma phrase do sr. Dias Ferreira, phrase na apparencia inspirada por altos principios democraticos, mas sem valor algum na hypothese em questão, como passo a demonstral-o.

Disse s. exa. que, quando para se infirmar a validade das actas de uma assembléa primaria se apresentassem documentos emanados da auctoridade administrativa ou militar, elle daria sempre a preferencia aos documentos procedentes da corporação popular e democrática, querendo assim significar que, na sua opinião, a acta da assembléa da Ribeira Brava não fôra viciada adrede, conforme eu demonstrei com provas irrefutaveis.

Eu felicito, sr. presidente, o illustre ex-ministro e porventura futuro ministro muito em breve no meu paiz; felicito-o por professar uma opinião tão avançada e que tanto está de accordo com o meu proprio modo de sentir; felicito-o, e oxalá que s. exa., quaesquer que sejam as conjuncturas politicas em que venha a encontrar-se, nunca se esqueça d'esta declaração que tão categoricamente acaba de fazer á camara e de que eu tomo cuidadosa nota!

Quando, porém, eu dizia e o provei que as actas das assembléas da Ribeira Brava e de Canhas estavam viciadas em vista dos documentos, não disse que estes documentos emanados de uma corporação popular haviam sido falsificados simplesmente em virtude da declaração dos funccionarios administrativos ou militares. Disse apenas que estas declarações, insuspeitas para a maioria, vinham confirmar o que estava escripto e largamente demonstrado no protesto geral apresentado á assembléa de apuramento, isto é, o que se affirmava num documento tambem emanado do povo!

Póde, portanto, o sr. Dias Ferreira, sem de modo algum, nem de leve, ferir os seus bem entendidos escrupulos democraticos, prestar inteira fé á asserção de que as actas das assembléas da Ribeira Brava e de Canhas foram viciadas.

De um lado temos um documento que parte de uma assembléa popular, mas do outro ternos tambem um genuino documento do povo, com a circumstancia, porém, d'este segundo ser confirmado por expressa declaração official. E se para o nobre deputado a asserção dos funccionarios do governo nunca póde invalidar o que parte de uma assembléa popular, parece-me no entanto que s. exa. não levará tão longe os seus escrupulos democraticos, a ponto de negar a taes declarações mesmo o valor de uma simples confirmação. Eu, que sou republicano, confesso que não me sinto n'este ponto tão intransigente!

Vou concluir porque não quero ser infiel á minha palavra, embora tivesse o exemplo do sr. Dias Ferreira que, dizendo fallaria dez minutos, fez um brilhantissimo discurso. Mas, como não posso offerecer á camara, impaciente por que termine este debate, ao menos tal compensação, vou desde já terminar.

E terminando direi, - e são estas as minhas unicas palavras, e são estas as ultimas palavras do partido republicano - a eleição da Madeira está nulla. Deve, portanto, proceder-se a nova eleição!

A eleição da Madeira está nulla, srs. deputados, como o confirmam não só os nossos discursos, mas principalmente o discurso que em resposta aqui foi proferido pelo unico representante da Madeira que fallou!

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Estava esta questão annunciada ha seis mezes; nós os deputados republicanos, collocados em circumstancias tão desfavoraveis para a poder sustentar, cumprimos a nossa palavra; e aquelles que deviam vir defender-se ou penitenciar-se das gravissimas responsabilidades que sobre elles pesam, uns ficam na Madeira á espera de noticias e não têem a coragem do vir aqui partilhar dos incommodos da lucta a que se aventuraram os seus collegas mais audazes; outros vem e apenas se limitam a declamações, revolvendo com impiedade as sepulturas que lhes deviam ser sagradas, e depois fogem para não ouvirem a replica; finalmente outros emmudecem, como se alguma sinistra apparição n'este momento lhes tivesse tomado a falla! E não tinha eu rasão em dizer, srs. deputados, que apenas havia combatido com sombras? Sombras ou antes phantasmas, que nunca pude colher ás mãos, porque sempre se mo escaparam!...

Para mim, a eleição da Madeira está nulla, e sustento integralmente a minha proposta.

Não tenho duvida em acceitar o inquerito proposto pelo sr. Dias Ferreira, mas por fórma nenhuma preterindo o pensamento da minha moção, e ampliado a todas as assembléas.

É necessario o inquerito faça-se, se póde fazer-se depois de tantas provas de parcialidade; mas o facto é que esse inquerito não prende a nossa liberdade de acção, nem tem nada que ver com um facto que lhe deve ser completamente estranho, isto é, com a annullação da eleição da Madeira.

Escuso agora de levantar de novo o argumento a que se referiu o sr. Elias Garcia, pois são os proprios deputados eleitos que, pela bôca do sr. Pedro Gonçalves, vem dizer a esta camara que a Madeira tem aggravos de todos os governos monarchicos sem distincção de partidos ou de personalidades.

E é depois de uma declaração desta ordem, que elles só atrevem a dizer-nos que são os livres eleitos do povo madeirense, pedindo á camara que vote depressa, porque não podem estar mais tempo á espera da decisão.

Só alguma cousa fosse necessaria ainda, bastavam taes palavras para que nós dissessemos e comnosco todo o paiz «annulle-se a eleição, porque a Madeira não mandou ao parlamento os seus verdadeiros representantes!»

Só isto não se fizer, srs. deputados, aquella infeliz ilha será ferida nos seus direitos politicos, porque durante o interregno parlamentar, que para ella vae abrir de, estará orphã da sua legitima representação!

Tenho dito.

O sr. Caetano de Carvalho: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.

Assim se resolveu.

O sr. Fuschini: - Requeiro a v. exa. que tenha a bondade de mandar ler os nomes dos deputados que estavam inscriptos para fallar sobre esta questão.

O sr. Presidente: - Estavam inscriptos os srs. Teixeira, Sant'Anna Vasconcellos, Rocha Peixoto, Elias Garcia e Fuschini.

Ha duas moções, uma do sr. Consiglieri Pedroso, que é uma substituição á conclusão do parecer, e outra do sr. Dias Ferreira, que a mesa entende ser um additamento.

Vae ler-se a conclusão do parecer para se votar.

O sr. Carrilho: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara, se quer votação nominal sobre este parecer.

Assim se resolveu.

O sr. Dias Ferreira (sobre o modo de propor): - Não tenho agora occasião de examinar os artigos do regimento d'esta casa, mas tenho lembrança de que as emendas se votam antes dos pareceres das commissões; ora eu mandei para a mesa uma proposta, que é uma emenda ao parecer da commissão, e portanto parecia-me regular e conveniente que se votasse primeiro essa minha proposta, no caso que o regimento a isso se não opponha.

O sr. Presidente: - É verdade, como diz o sr. Dias ferreira, que, segundo o regimento, as emendas votam-se antes dos pareceres; mas como a mesa classificou a proposta apresentada por s. exa., não como emenda, mas sim como um additamento, por isso entendo que primeiro deve ser votado o parecer.

O sr. Dias Ferreira: - Oh, sr. presidente, votar a eleição da Madeira para em seguida se resolver a respeito do inquerito equivale a fuzilar um individuo e formar-lhe o processo depois!!!

A mesa póde classificar como entender as propostas que se apresentam, mas deve fazel-o, segundo a natureza d'ellas. A minha proposta é, por sua natureza, uma questão prévia, porque pede um inquerito.

No entretanto roqueiro a v. exa. que consulte a camara obro o modo como entende a minha proposta, e se ella resolver que se vote primeiro o parecer do que a questão prévia, curvar-me-hei perante a sua decisão.

O sr. Presidente: - A mesa, repito, entendeu que a proposta do sr. Dias Ferreira, desde que não seguiu os tramites de um adiamento, agora só póde ser considerada como additamento; em todo o caso, como da resolução da mesa ha sempre recurso para a camara, vou consultal-a, como s. exa. pede, sobre a classificação que se deve dar á mesma proposta.

Consultada a camara, assim se resolveu.

Fez-se a chamada.

Disseram approvo os srs.: Agostinho Lucio, Garcia de Lima, Alfredo da Rocha Peixoto, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, Sousa e Silva, A. J. da Fonseca, A. J. d'Avila, Cunha Bellem, Moraes Machado, Carrilho, Santos Viegas, Sousa Pavão, A. Hintze Ribeiro, Urbano do Castro, Pereira Leite, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, conde de Thomar, Cypriano Jardim, Correia Barata, Mártens Ferrão, Mattos de Mendia, J. A. Pinto, Scarnichia, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Teixeira de Sampaio, Amorim Novaes, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, Dias Ferreira, José Frederico, Lobo Lamare, J. de Oliveira Peixoto, Luiz de Lencastre, Luiz Ferreira, Reis Torgal, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro Diniz, Rodrigo Pequito, Sebastião Centeno, Tito de Carvalho, visconde de Alentem, visconde de Ariz, visconde das Laranjeiras, visconde de Reguengos, Ferreira de Mesquita, Mouta e Vasconcellos e Luiz de Bivar.

Disseram rejeito os srs.: Almeida Pinheiro, Fuschini, Elias Garcia, visconde do Rio Sado e Consiglieri Pedroso.

O sr. Presidente: - Está approvado o parecer por 59 votos contra 5.

A proposta do sr. Consiglieri Pedroso, como é uma substituição, ficou prejudicada.

Agora vae ler-se o additamento mandado para a mesa pelo sr. Dias Ferreira.

Leu-se.

É a seguinte:

Proposta

Proponho como emenda ao parecer em discussão o seguinte:

A camara resolve que se proceda a inquerito a respeito dos factos occorridos na assembléa da Ribeira Brava por occasião da ultima eleição de deputados, guardando-se em todo o caso o disposto no artigo 4.º, § 2.°, e no artigo 5.°, § 1.°, da lei de 21 de maio do 1884, e continua na ordem do dia. = Dias Ferreira.

O sr. Avelino Calixto: - Peço a v. exa. que tenha

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a bondade de consultar a camara se quer votação nominal sobre esta proposta.

Não houve vencimento.

Passando-se á votação da proposta do sr. Dias Ferreira, foi rejeitada.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã, é a discussão da resposta ao discurso da corôa.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Rectificação

Na sessão de 17 de janeiro, a pag. 146, col. 1.ª, lin. 44, onde se lê = Mas vejamos a votação = leia-se = Mas vejamos a votação. A acta diz; «Dr. Manuel José Vieira, com 1:170 votos; conselheiro Pedro Maria Gonçalves de Freitas, com 1:170 votos; dr. João Augusto Teixeira, com 1:170 votos; Henrique de Sant'Anna e Vasconcellos Moniz de Bettencourt, com 475 votos; Manuel de Arriaga, advogado, com 91 votos; José Maria Latino Coelho, lente, com 99; Joaquim Theophilo Braga, lente, com 99 votos, e Manuel Joaquim Figueira, com 2 votos».

Redactor = S. Rego.

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