SESSÃO DE 18 DE JANEIRO DE 1866 103
suas funcções que adquiriu a impossibilidade de continuar a fazer serviço, numa idade, que não é muito provecta, mas que vae alem dos quarenta annos, não sei em que condições de equidade e de justiça se podem applicar os preceitos da lei relativamente á aposentação com o ordenado por inteiro. (Apoiados.)
Outra aposentação illegalissima, a de um funccionario que se chama Bernardo de Carvalho, o qual, diz s. exa., foi aposentado com o ordenado por inteiro sem ter o tempo marcado na lei.
Quanto melhor não era que s. exas. pedissem primeiro os documentos e viessem depois accusar o governo! (Apoiados.)
Este empregado não foi aposentado com o ordenado por inteiro, foi aposentado com dois terços e mais 21/2 por cento ao anno, em relação a vinte e dois annos de serviço, o que é uma disposição perfeitamente conforme com o que está preceituado na lei. (Apoiados.) É assim que a lei manda contar para a aposentação, e foi assim que este funccionario se aposentou. (Apoiados.)
Depois esse indivíduo foi empregado, é verdade, em trabalhos de escripturação ou de copia em uma repartição fiscal externa, por isso que a lei permitte que se aproveitem os trabalhos dos empregados reformados, quando elles estejam em condições de os prestar.
Terceira aposentação, e esta então é revoltante e iniqua.
O empregado José Jacinto Correia, creio eu, aposentado com o ordenado por inteiro. Ora este empregado foi dado na relação por equivoco como aposentado, mas não foi aposentado, e está no exercício das suas funcções.
Aqui estão as illegalidades, aqui estão os excessos de poder, aqui estão as iniquidades do ministro da fazenda, desse vampiro que suga o sangue dos guardas.
Pois façamos causa commum, mas a bem da verdade dos factos e a bem do paiz; não venhamos desvirtuar urna reforma cujo alcance para o paiz póde ser de grande importância; não venhamos inventar factos que se não deram, unicamente para fazer exclamações contra o ministro da fazenda, que tem a consciencia de haver procurado cumprir o seu dever. Cumpram os illustres deputados tambem o seu, e quando entenderem que em qualquer cousa eu tenho faltado ao que a lei me impõe, venham arguir-me, na certeza de que hão de encontrar a verdade, e reconhecer que, só a bem do interesse publico tenho procedido como ministro da fazenda.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
(S. exa. não reviu as notas tachygrapliicas do seu discurso.)
O sr. Presidente: - Tenho de conceder a palavra alternadamente, e por isso peço aos srs. deputados que se inscrevam contra ou a favor do procedimento do governo. O primeiro sr. deputado que está inscripto é o sr. Franco Castello Branco. E a favor ou contra?
O sr. Franco Castello Branco: - A favor.
O sr. Presidente: - O sr. Barros Gomes?
O sr. Barros Gomes: - Contra.
O sr. Presidente: - O sr. Arroyo?
O sr. Arroyo: - A favor.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Barros Gomes.
O sr. Barros Gomes: - Diligenciarei seguir passo a passo na sua argumentação, tanto quanto as minhas forças parlamentares, alias débeis, mo permittirem, o sr. ministro da fazenda, que não duvidou declarar perante a camara, ser a reforma a que ligara o seu nome, a mais vasta, mais completa, e não sei se acrescentou a mais perfeita de quantas até agora têem sido entre nós publicadas em matéria de serviços aduaneiros.
Ora, não serei eu, por certo, quem conteste a gloria que a s. exa. advenha por haver publicado providencias que abrangem o inteiro regimen fiscal, mas, seja-me relevado o acrescentar que ficaria bem ao illustre secretario d'estado o não esquecer que homens houve como Mousinho da Silveira em 1833, e mais recentemente em 1864 o sr. conde de Valbom, que ácerca de alfândegas alguma cousa decretaram, que não póde facilmente ficar no olvido, pois representa organisações que subsistiram por largo período de annos, e em grande parte tinham de amoldar-se a formulas e processos de administração inteiramente novos. (Apoiados.)
Não insistirei, porém, neste ponto, que se prestava á rhetorica, de que não desejo usar. Não fallarei por isso de vampiros e outros monstros mais ou menos fabulosos, nem lançarei mão de outros brilhantes artifícios de eloquência parlamentar, a que todos vimos o sr. ministro da fazenda soccorrer-se, na propria occasião em que protestava contra o abuso da rhetorica. Nem sequer recorrerei às comparações imaginosas e até poéticas com que s. exa. amenisou o seu discurso, recordando-me aliás as acerradas ironias de que o sr. Hintze Ribeiro me fizera alvo, por haver em tempo e na outra casa do parlamento, recorrido a idêntica comparação, fallando no ténue nevoeiro, que o raio do sol desfazia, dissolvendo-o lentamente no azul do firmamento.
S. exa., que prega hoje uma doutrina muito commoda para si, pedindo á opposição que se grupo em torno da sua pessoa e lhe dê força, e que procedia todavia, de modo bem, diverso quando se sentava nestes bancos, veio aqui alludir á minha pallida e modesta comparação, não lhe soffrendo o animo que, até em outro recinto, o pobre ministro da fazenda dessa epocha se permittisse a fantasia de mostrar um vislumbre sequer de imaginação que nunca poderia de certo igualar ou offuscar a de s. exa. (Riso.)
Começou o sr. ministro notando uma supposta contradicção em que se collocára o meu illustre amigo e collega o sr. Luciano de Castro, declarando que desejava por um lado cingir-se ao que era propriamente o assumpto principal desta discussão, isto é, o procedimento do sr. ministro da fazenda para com empregados humildes e modestos como o são os guardas da fiscalisação externa das alfândegas; apressando-se por outro lado a emittir a sua opinião sobre algum dos decretos por s. exa. publicados.
Devo antes de tudo demonstrar que não existiu tal contradicção.
O sr. Luciano de Castro discutiu única e exclusivamente a questão do procedimento do sr. ministro da fazenda no que respeitava às demissões e perseguições movidas contra os guardas da fiscalisação externa das alfândegas, mas a par disso s. exa. aproveitou com o melhor fundamento a primeira occasião que teve de usar da palavra nesta casa para levantar bem alto um protesto contra o procedimento do governo, que abusara da auctorisação conferida pelo parlamento, exorbitando d'ella pela publicação de reformas para o que não lhe foram nem lhe podiam ter sido conferidos poderes.
Ainda mais, s. exa., como homem pertencente a um partido liberal, levantou tambem um protesto enérgico contra as providencias promulgadas por simples alvedrio do sr. ministro da fazenda, no decreto n.° 5, e em virtude das quaes algumas das garantias individuaes mais essenciaes são offendidas de um modo gravíssimo. (Apoiados.)
Protestou contra isto, e justificadamente o fez. Não discutiu os decretos, apressou-se a aproveitar a primeira occasião em que usava da palavra para levantar um brado um protesto enérgico contra essa exorbitância de poder, contra esse attentado que feriu a liberdade. (Apoiados.)
E alem do mais de modo algum nos convinha, e por muitas rasões, entrar desde já no exame desses decretos, que constituem um dos elementos principaes para apreciar a maneira por que o governo procedeu no uso das faculdades que lhe forem delegadas pelo poder legislativo.
Trata-se de uma auctorisação importante que lhe fora conferida, e o parlamento faltaria a um dos seus deveres mais elementares se por acaso deixasse de procurar discutir o uso que foi feito dessa auctorisação. (Apoiados.)