SESSÃO DE 18 DE JANEIRO DE 1886 97
d'aquelle decreto ter sido profundamente alterado, é que se fez a publicação d'elle na ordem do exercito.
Porque se fizera isto? Houvera duvidas? Houvera discussão entre o sr. ministro da fazenda e o sr. ministro da guerra? Tivera medo o governo, porque o decreto primitivo havia escandalizado os brios do exercito?
A camara precisava saber os motivos d'esta demora, e tinha o direito de sabel-os. O sr. Elvino de Brito fizera a pergunta categórica, e elle, orador, repetia-a agora.
Duas questões importantes comprehendia este incidente: a da legalidade com que o governo procedêra no uso da auctorisação que lhe fôra concedida, para reformar os serviços aduaneiros, e a do procedimento d'elle em relação aos guardas fiscaes.
A questão da legalidade é uma alta questão constitucional e por isso não desejava que fosse tratada por incidente. A opposição a iria tratando por meio de successivas interpellações, porque na sua opinião o parlamento não podia deixar de occupar-se d'ella.
Entretanto diria que o procedimento do governo fôra illegal, não só publicando o decreto que se referia á guarda fiscal, mas ainda quando, no uso da mesma auctorisação, publicou a reforma d'aquella reforma, isto é, quando prorogou o praso para o alistamento.
O procedimento do governo fôra illegal, porque tinha um anno para usar da auctorisação, e, uma vez publicado o decreto, estava a auctorisação terminada. Alem disso o sr. ministro da fazenda não podia revogar um decreto por meio de urna simples, portaria.
Parecia-lhe que o sr. ministro da fazenda procedêra assim por medo, quando vira os guardas tomarem a resolução de se dirigirem ao sr. presidente do conselho.
Já a publicação do primitivo decreto fôra illegal, porque a auctorisação tinha a condição de se respeitarem os direitos adquiridos, e o sr. ministro da fazenda, que respeitara os direitos adquiridos de todos os outros empregados, não respeitou os dos guardas.
Dissera o sr. ministro que os guardas não tinham direitos adquiridos, porque estavam á mercê do governo, que os podia demittir sem processo.
Não era assim. O regulamento de 1881 dispunha que os guardas não podiam ser demittidos sem um conselho de investigação.
Demais, os guardas tinham o direito de saírem do serviço quando lhes aprouvesse e esse direito devia ser-lhes garantido.
Tinham tambem os guardas o direito á aposentação, e o sr. ministro impozera-lhes a obrigação de mais oito annos de alistamento para obterem essa aposentação.
Não foram respeitados, portanto, os direitos adquiridos dos guardas. Parecia que outro seria o procedimento do governo se se tratasse de empregados de elevada categoria.
Dissera s. exa. que era conveniente para a disciplina que todos os guardas fossem alistados.
Julgava elle, orador, que, sendo as obrigações as mesmas e mesmas as penas, não havia inconveniente em que os guardas antigos ficassem addidos ao corpo fiscal e só se alistassem os modernos.
Também o governo, num dos seus decretos praticara um dos maiores attentados contra a lei, que se toem praticado neste paiz. Era o decreto que continha disposições que arrancavam ao poder judicial o julgamento dos delictos de descaminhos de direitos e auctorisavam os empregados fiscaes a, sob o pretexto de custodia, applicarem a pena de prisão.
Achava este facto assombroso, porque era privar os cidadãos das garantias que tinham; mas essa questão ficava para mais tarde. Repetia que a opposição havia de fazer todos os esforços para obrigar o governo a dar ao parlamento estreitas contas dos seus actos.
Em relação ao procedimento do governo a respeito dos guardas fiscaes, eram graves as accusações que se faziam.
A primeira accusação era que o governo consentia que os empregados fiscaes alliciassem os guardas com promessas e ameaças; a segunda era que se faziam certas transferencias para obrigar os guardas a alistarem-se ou para castigar os que não se alistassem; e a terceira era que se têem alistado menores.
O sr. ministro negava tudo que a opposição affirmava, e que era aliás affirmado pela imprensa. Entre as affirmativas da opposição e as negativas do governo havia um meio: era o de um inquerito rigoroso. Fizesse-se esse inquérito.
Quanto á alliciação dissera o sr. ministro que era ella um direito; que á propaganda aos guardas para não se alistarem cumpria oppôr a propaganda contraria.
Não havia, porém, nenhuma lei nem nenhum regulamento que auctorisasse esta alliciação.
Admittia-se que os guardas se alistassem voluntariamente, mas irem empregados fiscaes para as provindas alliciarem-nos com promessas e ameaças não se devia permittir, porque nenhuma lei o auctorisa.
Quanto a serem transferidos de localidade alguns guardas, tinha a dizer ao sr. ministro, que as transferencias não eram um direito absoluto do governo, e só podiam ter logar por motivos do conveniencia de serviço, e o sr. ministro devia dizer quaes eram as rasões que o auctorisaram a fazer essas transferencias.
Havia o sr. ministro dito que já estavam alistados 75 por cento dos guardas de que se compunha o corpo da fiscalisação. Mas, sendo elles ameaçados com a transferencia, caso o não fizessem, o que haviam os pobres guardas fazer senão render-se á discrição.
Diante da perspectiva da miseria e das violencias, os guardas íam-se prestando ao alistamento, e portanto, o sr. ministro não podia argumentar com o numero de guardas que já se haviam alistado.
Também não podia deixar de estranhar que o sr. ministro da fazenda viesse- insinuar que a imprensa da opposição era defensora da desordem, porque alguns guardas se lembraram de ir á redacção de algum jornal queixar-se das violencias de que estavam sendo victimas.
Diante da perspectiva da miséria os guardas foram pedir protecção á imprensa e isso não era cousa que se devesse estranhar; mas elles não fizeram desordens, nem assuadas; e não ia muito longe o tempo em que o partido a que s. exa. pertencia se associava aos amotinadores para procurar derribar o governo então existente, e todos se lembravam ainda da moção da gravidade das circumstancias votada na outra camara, a qual abrira ao sr. ministro as portas do poder.
A opposição actual não podia cerrar os ouvidos aos clamores da justiça, e era por isso que levantava a sua voz a favor da classe dos guardas fiscais.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra, guando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro do Fazenda (Hintze Ribeiro): - Folgo de que viesse a esta tribuna o illustre chefe do partido progressista.
Ficam assim mais definidas as responsabilidades; fica assim mais delimitada a questão.
S. exa. entendeu que, investido das altas funcções de chefe de um partido, que se preza de forte e aguerrido, devia descer á estacada, a cobrir com a auctoridade da sua palavra as accusações, que os seus adeptos dirigiam ao ministro da fazenda.
Não tento censural-o por isso.
Lamento só que a primeira questão em que s. exa. tem de fallar aqui como chefe do partido seja uma questão em que s. exa. não póde invocar por si, nem a lei, nem os bons principies de administração, nem a manutenção, que incumbe a todos os estadistas como s. exa., de assegurar a ordem publica, de fazer com que a lei, os principios, e