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SESSÃO DE 18 DE JANEIRO DE 1886

Presidencia do exmo. sr. Ignacio Francisco Silveira da Mota

Secretarios os exmos. srs.

João José d'Antas Souto Rodrigues
Joaquim Augusto Ponces de Carvalho

SUMMARIO

Dá-se conta do seguinte: 1.° Um officio do ministerio da fazenda, accusando a remessa de 190 exemplares do relatório e declarações do tribunal de contas, sobre as contas geraes do estado, dos ministerios, da junta do credito publico, das gerencias de 1882-1883 e 1883-1884, dos exercicios de 1881-1882 e 1882-1883, e supplementares dos exercicios de 1877-1878 a 1880-1881; 2.° Um officio da presidencia da camara dos dignos pares, participando que o sr. Jayme Constantino de Freitas Moniz, director geral das repartições da camara dos senhores deputados, tomou assento n'aquella camara, como par eleito; 3.° Tres officios da presidencia da camara dos dignos pares, participando que os srs. José Frederico Pereira da Costa, Pedro Augusto Franco e Lopo Vaz de Sampaio e Mello, que na presente legislatura foram membros da camara dos senhores deputados, tomaram assento n'aquella camara como pares eleitos; 4.º Um officio da presidencia da camara dos dignos pares, participando que em sessão de 16 do corrente ficou installada a mesa d'aquella camara, tendo sido eleitos secretarios os dignos pares Eduardo Montufar Barreiros e Francisco Simões Margiochi; e vice-secretarios os dignos pares conde da Ribeira Grande e Antonio José d'Avila. - Prestaram juramento, na qualidade de supplentes á presidencia da camara, os srs. Pedro Augusto de Carvalho e Baima de Bastos. - O sr. Luciano Cordeiro, por parte da commissão parlamentar de emigração, apresenta os trabalhos que a commissão conseguiu fazer desde a sessão passada, para se imprimirem. - O sr. Germano de Sequeira apresenta uma representação da camara de Mafra, e reforça os seus considerandos com algumas observações. - O sr. Pereira dos Santos apresenta um projecto de lei prorogando o praso para a construcção dos paços do concelho de Figueira da Foz, nuns terrenos que lhe foram concedidos. - Apresentam requerimentos os srs. Sebastião Centeno, por parte do sr. Alfredo da Rocha Peixoto, Mariano de Carvalho e Pereira dos Santos. - O sr. Emygdio Navarro chama a attenção do sr. ministro da fazenda para o facto de descaminho de direitos de certa importancia, denunciado num jornal do Porto. - Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - Foram apresentadas justificações de faltas dos srs. Alfredo da Rocha Peixoto, Pinto de Mascarenhas, Baima de Bastos, Mariano de Carvalho e Manuel Correia de Oliveira. - O sr. Arthur Hintze Ribeiro declarou que assistiu á sessão de 13 do corrente, tendo sido incluído na relação dos que não compareceram. - O sr. Luciano de Castro requereu que se generalisasse o debate em relação ao incidente dos guardas fiscaes levantado na sessão anterior pelo ar. Elvino de Brito. - Este requerimento foi approvado. - Em seguida usou da palavra o sr. Luciano de Castro. - Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - Fallaram tambem sobre a questão os srs. Barros Gomes e Franco Castello Branco, que ficou com a palavra reservada.

Abertura - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada - 64 srs. deputados.

São os seguintes: - Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Alfredo Barjona de Freitas, Antonio Candido, Garcia Lobo, Moraes Sarmento, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Santos Viegas, A. Hintze Ribeiro, Augusto Poppe, Pereira Leite, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Conde de Thomar, E. Coelho, Emygdio Navarro, E. Hintze Ribeiro, Fernando Geraldes, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Silveira da Mota, Baima de Bastos, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, Amorim Novaes, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Luciano Cordeiro, Luiz Ferreira, Marcai Pacheco, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Pedro Roberto, Barbosa Centeno, Pereira Bastos, Vicente Pinheiro, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Torres Carneiro, Sousa e Silva, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Cunha Bellem, Jalles, Carrilho, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Seguier, Urbano de Castro, Fuschini, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, Elvino de Brito, Estevão de Oliveira, Correia Barata, Wanzeller, Frederico Arouca, Sant'Anna e Vasconcellos, Costa Pinto, J. C. Valente, Melicio, Searnichia, J. A. Neves, Simões Ferreira, Dias Ferreira, José Luciano, José Maria Borges, Simões Dias, Júlio de Vilhena, Luiz de Lencastre, Reis Torgal, Luiz Jardim, Luiz Osorio, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Rodrigo Pequito, Tito de Carvalho e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Pereira Côrte Real, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Pereira Borges, Fontes Ganhado, Sousa Pavão, Augusto Barjona de Freitas, Ferreira de Mesquita, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão do Ramalho, Barão de Viamonte, Bernardino Machado, Carlos Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Ribeiro Cabral, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Vieira das Neves, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Martena Ferrão, Guilhermino de Barros, Matos de Mendia, Franco Frazão, Ribeiro dos Santos, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, Correia de Barros, Borges de Faria, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Bivar, Luiz Dias, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Martinho Montenegro, Miguel Tudella, Pedro Correia, Dantas Baracho, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Da camara dos dignos pares do reino, participando a organisação da mesa d'aquella camara, para a actual sessão legislativa.
Á secretaria.

2.° Da mesma camara, participando que o exmo. sr. Lopo Vaz de Sampaio e Mello, que na presente legislatura foi membro da camara dos senhores deputados, tomou assento em sessão de 16 do corrente na camara dos dignos pares, como par eleitto.
Á commissão de verificação de poderes.

3.° Da mesma camara, participando que o exmo. sr. Pedro Augusto Franco, que na presente legislatura foi membro da camara dos senhores deputados, tomou assento em sessão de 16 do corrente na camara dos dignos pares, como par eleito.
A commissão de verificação de poderes.

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4.° Da mesma camara, participando que o exmo. sr. conselheiro Jayme Constantino de Freitas Moniz, director geral da repartição da camara dos senhores deputados, tomou assento em sessão de 16 do corrente na camara dos dignos pares como par eleito.
Á secretaria.

5.° Da mesma camara, participando que o exmo. sr. José Frederico Pereira da Costa, que na presente legislatura foi membro da camara dos senhores deputados, tomou assento em sessão de 16 do corrente na camara dos dignos pares, como par eleito.
Á commissão de verificação de poderes.

6.º Do ministerio da fazenda, acompanhando 190 exemplares do relatorio e declarações do tribunal de contas, sobre as contas geraes do estudo, dos ministerios e da junta do credito publico, das gerencias de 1882-1883 e 1883-1884 e dos exercicios de 1881-1882 e 1882-1883 e supplementares dos exercicios de 1877-1878 a 1880-1881.
Mandaram-se distribuir.

REPRESENTAÇÃO

Da camara municipal da villa de Mafra, pedindo a conservação do regimento de artilheria n.° 4, n'aquella villa, e que, quando isso não seja possivel, seja para ali transferido um dos regimentos da capital.
Apresentada pelo sr. deputado Germano de Sequeira, e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.º Roqueiro que, pelo ministerio das obras publicas, me seja enviada com urgencia uma nota sobre os systemas de tarificação que estão em vigor em todas as vias ferreas do paiz, tanto as exploradas pelo governo, como pelas companhias, comprehendendo as denominações das referidas tarifas, e a indicação do processo seguido para a sua approvação pelo governo.
Requeiro igualmente uma. nota do pessoal especialmente encarregado de fiscalisar a exploração commercial dos caminhos de ferro explorados pelas companhias, com designação das suas attribuições especiaes. = J. G. Pereira dos Santos.

2.° Requeiro que com urgencia sejam remettidos a esta camara, pelo ministerio dos negocios do reino, os seguintes documentos relativos ao observatorio astronomico da universidade de Coimbra:
I Relação nominal dos lentes substitutos das cadeiras de astronomia e mechanica celeste, 5.ª e 7.ª da faculdade de mathematica, que têem sido propostos para o logar de terceiro astronomo pelo conselheiro director actual do mesmo observatorio, ou por quem o tenha substituido legalmente em quaesquer impedimentos, com as copias dos officios em que taes propostas tenham sido feitas e com as notas dos impedimentos que tenham, para qualquer das mesmas propostas, determinado a substituição do conselheiro director actual do referido observatorio;
II. Relação nominal dos lentes substitutos das mesmas cadeiras, que durante o governo do conselheiro director actual do referido observatorio, não tenham sido propostos por este funccionario para o mesmo logar de terceiro astronomo do referido observatorio, nem por outro funccionario que tenha substituido o mesmo conselheiro director em qualquer impedimento;
III. Relação nominal dos ajudantes do mesmo observatorio, que tenham sido nomeados provisoriamente em virtude de propostas do conselheiro director actual do referido observatorio, ou de quem o tenha substituido legalmente por qualquer impedimento do mesmo funccionario, com as copias das mencionadas propostas e com as notas dos impedimentos que tenham, para qualquer das mesmas propostas, determinado a substituição do conselheiro director actual do mesmo observatorio;
IV. Relação nominal dos ajudantes do mesmo observatorio que tenham sido nomeados definitivamente, por meio de concurso, durante o governo do actual director do mesmo observatorio;
V. Relação nominal dos ajudantes do mesmo observatorio, tanto nomeados por concurso e definitivamente, como provisórios, desde que este mesmo estabelecimento principiou a funccionar até que foi confiado ao governo do actual director;
VI. Relação nominal de todos os empregados, de qualquer categoria, que tenham sido nomeados para qualquer logar ou serviço, ordinário ou extraordinario, permanente ou temporário, durante os ultimos dez annos com a nota dos vencimentos ou das gratificações que tenham recebido, no mencionado observatorio. = O deputado, Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.

3.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada com urgencia a esta camara uma relação de todos os indivíduos que foram admittidos na guarda fiscal desde 14 de dezembro até o presente, indicando-se a respeito de cada um d'elles os documentos que apresentou para a sua admissão. = Mariano de Carvalho.

4.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada com urgencia a esta camara uma relação de todas as propostas para inversão de fundo, externo em fundo interno, apresentadas no decurso do armo findo, indicando-se a respeito de cada uma a data da sua entrada e a data em que se realisou a entrega dos títulos convertidos dos respectivos interessados. = Mariano de Carvalho.
Mandaram-se expedir.

NOTAS DE INTERPELLAÇÃO

1.ª Requeiro que seja prevenido o sr. ministro dos negocios do reino de que pretendo interpellal-o ácerca do estado do observatorio astronomico da universidade de Coimbra.

2.ª Requeiro que seja prevenido o sr. ministro dos negocios ecclesiasticos de que pretendo interpellal-o ácerca do ensino da theologia nos seminários diocesanos. = O deputado, Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.
Mandaram-se expedir.

DECLARAÇÃO

Declaro que, tendo o meu nome sido incluído na relação dos deputados que não compareceram á sessão do dia 13 do corrente, não é isso exacto, pois que a ella assisti desde o seu começo. = Arthur Hintze Ribeiro.
Para a acta.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Participo a v. exa. e á camara, que o sr. deputado José Soares Pinto de Mascarenhas tem faltado às sessões por motivo justificado. = O deputado, Ponces de Carvalho.

2.ª Declaro que por doença tenho faltado desde o dia 5 do mez corrente, às sessões desta camara, e que pelo mesmo motivo não poderei concorrer com regularidade aos trabalhos da actual sessão legislativa. = Baima de Bastos.
3.ª Declaro que por incommodo de saude ou por motivo de serviço publico faltei a algumas das anteriores sessões. = Mariano de Carvalho.

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4.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto não tem comparecido a algumas sessões e faltará a mais algumas por motivo justificado. = O deputado, Barbosa Centeno.

5.ª Participo a v. exa. e á camara, que o illustre deputado Manuel Correia de Oliveira tem faltado ás sessões e continuará a faltar a mais algumas por motivos justificados. = Reis Torgal.
Para a acta.

O sr. Presidente: - Antes de conceder a palavra aos srs. deputados, que se acham inscriptos para antes da ordem do dia, convido os srs. deputados Pedro de Carvalho e Baima de Bastos a prestarem juramento como supplentes á presidência e vice-presidencia d'esta camara.
Prestaram juramento.
O sr. Luciano Cordeiro: - Mando para a mesa os trabalhos que poderam ser feitos e escolhidos pela commissão parlamentar para estudar a emigração, nomeada o anno passado.
Estes trabalhos reduzem-se apenas ás respostas obtidas ao questionário que foi dirigido ao ministerio do reino, ou às diversas repartições dependentes d'elle.
Este questionario era longo, e tinha estudos interessantissimos com relação ao estado da situação económica do paiz.
Acha-se aqui respotas, relativas a tres ou quatro districtos, o que já constitue por si uma collecção extremamente interessante. O outro questionario que a commissão dirigiu ao ministerio da marinha e ultramar, e que facilmente podia ter obtido resposta pelo mesmo ministerio, porque dizia respeito a assumptos da repartição interna d'aquella secretaria d'estado, a commissão até hoje ainda não obteve resposta alguma, e essa parte dos seus trabalhos está suspensa e prejudicada.
Peço a v. exa. consulte a camara sobre se permitte a publicação d'estes documentos, pois que elles constituem um subsidio importante para o estudo de differentes questões que mais tarde hão de vir á tela da discussão.
Approvada a publicação.
O sr. Pereira dos Santos: - Mando para a mesa um projecto de lei, que peço a v. exa. para enviar á commissão respectiva.
Mando tambem para a mesa uma requerimento para ser, satisfeito pelo ministerio das obras publicas.
O sr. Sebastião Centeno: - Por parte do meu amigo e collega o sr. Rocha Peixoto, mando para a mesa o seguinte: uma justificação de faltas, um requerimento pedindo varios esclarecimentos e duas notas da interpellação, uma ao sr. ministro do reino, e outra ao sr. ministro da justiça.
Espero que v. exa. lhes dará o destino conveniente.
O sr. Arthur Hintze Ribeiro: - Tendo lido no Diario das sessões de 13 o meu nome como não tendo comparecido á sessão, e tendo eu estado presente, mando para a mesa a competente rectificação.
O sr. Germano de Sequeira: - Maneio para a mesa uma representação da camara municipal do Mafra, na qual pede que seja destinada para quartel do regimento de artilheria n.° 4 a parte do edificio occupada por aquelle regimento, que ali se acha actualmente, e, quando isso não possa ser, para que essa mesma parte seja destinada para aquartelamento de outro qualquer regimento que se entenda dever ser transferido para aquelle edificio, a que se deve dar o destino conveniente, no intuito de evitar a sua ruina.
Eu já no anno passado tive occasião de fazer aqui algumas ponderações sobre o aproveitamento do edificio no mosteiro do Mafra, e pedi então ao governo que mandasse destinar algumas quantias para serem applicadas aos reparos indispensaveis e urgentes de que aquelle edificio carecia.
O governo achava-se n'essa occasião representado pelo sr. conselheiro Hintze Ribeiro, que prometteu interceder com o sr. presidente do conselho e com o sr. ministro das obras publicas para que effectivamente fosse destinada alguma cousa para reparos n'aquelle edificio.
Estas minhas reclamações foram attendidas, e eu folgo de ver neste momento presente o sr. ministro da fazenda para lhe agradecer o ter intercedido n'este assumpto, de fórma a satisfazer os desejos d'aquella localidade.
Agora torno de novo a levantar a minha voz para que e aproveite aquelle edifício, dando-se-lhe aquelle destino. Já no anno passado eu disse que o mosteiro de Mafra se tornava recommendavel como monumento de arte, recordando ao mesmo tempo as nossas grandezas passadas, e tambem a piedade do monarcha portuguez que o mandou construir.
O edificio tem compartimentos arejados, commodos, e que podem perfeita e hygienicamente ser destinados a aquartelamento de tropas. Alem d'isso Mafra, alem das circumstancias especiaes em que está, dentro em pouco melhorará ainda de condições, porque o caminho de ferro de Torres Vedras, que brevemente se abrirá á exploração, tem uma estação na Malveira, e de Mafra á Malveira são apenas 7 ou 8 kilometros. Por consequencia, qualquer movimento de tropas que se queira fazer póde operar-se com muita presteza e commodidade para o exercito.
Ha ainda outra circumstancia. Mafra tem um terreno dentro da tapada que podia ser aproveitado para hortas, terreno fértil, feracissimo, e que sendo assim aproveitado póde concorrer para a commodidade das tropas ali estacionadas.
Tem, alem d'isso, uma praia, a da Ericeira, que forneço de peixe a localidade.
Mafra é tambem um concelho agricola, e, proporcionalmente, os seus generos alimenticios não são caros.
N'estas circumstancias, aquelle edificio está perfeitamente no caso de ter o destino que a camara municipal pede.
Já tambem no anno passado eu pedi que n'aquelle edificio se levantasse um museu, porque, sendo o mosteiro visitado por nacionaes e estrangeiros, tendo obras de arte de muito valor, tendo ricos marmores o outras pedrarias que revelam a grandeza da epocha em que foi feito, faz, na realidade, dó que esses objectos de arte, como esculpturas, pinturas e paramentos, estejam a perder-se com o descuido, não sendo limpos e arejados devidamente, para que o ar viciado os não corrompa.
N'estas condições, mandando esta representação para a mesa, eu peço a v. exa. que lhe dê o devido destino, tendo em .consideração que este pedido da camara municipal é de toda a justiça e conveniência para o concelho.
E termino pedindo a v. exa. que consulte a camara se, porventura, acha rasoavel que esta representação seja impressa no Diario do governo.
Consultada a camara, consentiu na publicação requerida.
O sr. Mariano de Carvalho: - Mando para a mesa dois requerimentos, pedindo esclarecimentos ao governo, e uma justificação de falias.
O sr. Emygdio Navarro: - Sr. presidente, num jornal do Porto encontro publicado um documento da mais alta gravidade e para o qual chamo a attenção do parlamento; e especialmente do sr. ministro da fazenda.
Pergunto se este documento é authentico e quaes foram as providencias que se adoptaram a este respeito.
Peço licença á camara para ler os nomes proprios que vem n'este documento, porque desde que elles se publicam, nenhuma rasão de melindre pessoal pude haver em repetir esses nomes, para se saber que providencias se deram sobre os factos que ali são mencionados.

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O documento é uma participação dirigida ao sr. administrador geral das alfandegas e diz o seguinte:
«Illmo. e exmo. sr. conselheiro administrador geral das alfandegas. - Sirva-se v. exa. receber a participação seguinte, que apresento hoje ao exmo. sr. presidente da commissão directora da alfandega do Porto, da qual recebi o competente titulo e talão assignado por s. exa. como determina a portaria e instrucções de 5 de abril de 1865.
«Da alfandega de Lisboa saíram desde 1881 a 1883 enormes quantidades de tabacos, às vezes quatro fardos por semana, roubados aos direitos para a fabrica Regalia, sendo despachante Carlos de Carvalho. Alguns conhecimentos conferidos com nomes suppostos, e outros em nome de negociantes diversos. Confrontem-se os manifestos de 1881 a 1883 com os despachos, as ordens dos armazéns, os livros destes, e a receita escripturada. Ahi encontram-se provas evidentes. Recommendo exame severo á escripturação da fabrica Regalia, interrogatorio apertado a todos que n'ella têem servido desde 1881 a 1883. Asseguram pessoas competentes que ha dinheiros saídos que não condizem com tabacos entrados e são os que correspondem aos direitos roubados. Pelo mesmo systema do tabaco foram roubados aos direitos muitos milhares de kilos de assucar, que foram remettidos para os Açores por Ben Saude, dono d'elle, o que facilmente se lhe prova; bem como o roubo dos direitos do tabaco, de que elle é auctor.
«A maior parte de um carregamento de petróleo depositado por Ben Saude em armazem novo, que para isso preparou, foi tambem roubado aos direitos pelo seu dono Ben Saude.
«Fizeram-se bilhetes falsos para justificar algumas saídas do mesmo petroleo.
«Desde 1882 a 1883 ha quatorze carregamentos completos de fava roubados aos direitos por Ben Saude.
«Não foram escripturados estes carregamentos.
«Basta confrontar com a escripturação de armazens e das entradas dos navios.
«Provas claras:
«Todos esses roubos de direitos montam a 200:000$000 réis approximadamente.
«Com a aptidão e zelo que todos reconhecem em v. exa., tudo isto estará provado em poucos dias.
«Não posso sair do Porto em consequencia do meu mau estado de saude, mas aqui aguardo as ordens de v. exa. Asseguro que não ha difficuldade alguma em provar o que deixo dito.
«Illmo. e exmo. sr. conselheiro administrador geral das alfandegas, José da Costa Gomes. - Porto, 27 de novembro de 1880. = Agostinho Luiz Antonio Honorato, aspirante da alfandega do Porto.»
Esta accusação, como a camara comprehende, é da mais alta gravidade, e eu peço ao sr. ministro da fazenda que me informe sobre as providencias que tomou com relação a este facto.
No mesmo jornal vem tambem uma declaração de que o participante Agostinho Honorato tinha em tempo pedido auctorisação para examinar a escripturação da alfandega de Lisboa, que este exame ou inspecção lhe fôra facultado, e que em certa altura se lhe retirou a auctorisação para continuar esse exame.
Pergunto, portanto, ao sr. ministro da fazenda se este documento é authentico, e se effectivamente deu entrada na administração geral das alfandegas esta participação, quaes foram as providencias que se tomaram, e se effectivamente foi facultado a este funccionario o exame da escripturação da alfândega de Lisboa, sendo-lhe depois retirado.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - A primeira pergunta do illustre deputado responderei que é facto que á administração geral das alfandegas foi enviada uma denuncia no sentido da que s. exa. acaba de ler.
Não tenho tão presentes os termos em que essa denuncia veiu para a administração geral das alfandegas, para que possa affirmar que foram precisamente esses, mas é certo que foi dada no sentido que s. exa. acabou de dizer.
Desde que isto se fez, eu mandei proceder ás averiguações necessarias para se poder instaurar qualquer processo sobre esses desvios. Essas averiguações não findaram, posso assegurar a s. exa. que ainda se está procedendo a ellas, e tambem posso affirmar a s. exa., com a auctoridade que me dá, não simplesmente o meu nome como homem, mas a minha posição como ministro, que seja quem for que estiver implicado num processo de tamanha gravidade, será processado na conformidade das leis vigentes, e punidos os delinquentes, se os houver. (Apoiados.)
Em relação á segunda, para que s. exa. chamou a minha attenção, direi que não tenho conhecimento de que ao aspirante Honorato tivesse sido facultado, durante certo tempo, o exame de determinados documentos, e depois lhe tivesse sido retirada essa faculdade.
O que posso dizer a s. exa. é que desde que uma denuncia é recebida em termos precisos, claros e categoricos, a minha obrigação, como ministro, é mandar proceder ás averiguações necessarias, e quando se reconheça que ha fundamento sufficiente para qualquer processo, depois mandal-o instaurar e seguil-o até final, em harmonia com a legislação em vigor.
O sr. Luciano de Castro: - Em primeiro logar desejava fazer um requerimento. Esse requerimento é para que v. exa., sr. presidente, proponha á camara se quer que o incidente levantado na ultima sessão se generalise, a fim de que todos os srs. deputados que quizerem tomar parte n'elle o possam fazer. Depois de votado o requerimento, peço a v. exa. que me conceda de novo a palavra.
O sr. Presidente: - O artigo 86.° do regimento diz que haverá uma inscripção para antes da ordem do dia para apresentação de representações, propostas ou projectos de lei, ou para se mandar para a mesa notas de interpellação. Entretanto o incidente a que se refere o sr. deputado Luciano de Castro é de tal modo importante, que não hesito em consultar a camara sobre se consente que elle se generalise, abrindo-se para esse fim uma inscripção na conformidade do artigo 90.° do mesmo regimento.
Consultada a camara resolveu afirmativamente.
O sr. Presidente: - Está, portanto, aberta a inscripcão sobre este incidente, e tem a palavra o sr. Luciano de Castro.
O sr. Luciano de Castro: - Agradeceu ao sr. presidente e á camara o terem tomado em consideração o seu requerimento.
Depois das proporções que havia tomado o incidente relativo aos guardas fiscaes, e desde que se levantavam duvidas graves sobre tão importante assumpto, era conveniente para todos, governo, maioria e opposição, que sobre elle se fizesse toda a luz.
Por isso não hesitára em fazer o seu requerimento, e agradecia á camara o tel-o approvado.
Estranhou que por parte do governo e da maioria se não oppozesse replica alguma á argumentação categórica do sr. Elvino de Brito.
S. exa. não fizera declamações vagas, não fizera accusações mais ou menos apaixonadas; estivera referindo factos e apresentando as provas.
Parecia que ao governo e á maioria cumpria tomar a palavra para responder a estas accusações.
E ainda esperava que por parte da maioria e do governo se desse uma resposta digna a todas as accusações fundamentadas do sr. Elvino de Brito.
Chamava a attenção da camara para o facto citado pelo sr. Elvino de Brito, de não ter o governo deixado publicar em ordem do exercito a reforma da guarda fiscal, logo em seguida á publicação de todos os decretos.
Só depois de apparecer a reforma da reforma; só depois

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d'aquelle decreto ter sido profundamente alterado, é que se fez a publicação d'elle na ordem do exercito.
Porque se fizera isto? Houvera duvidas? Houvera discussão entre o sr. ministro da fazenda e o sr. ministro da guerra? Tivera medo o governo, porque o decreto primitivo havia escandalizado os brios do exercito?
A camara precisava saber os motivos d'esta demora, e tinha o direito de sabel-os. O sr. Elvino de Brito fizera a pergunta categórica, e elle, orador, repetia-a agora.
Duas questões importantes comprehendia este incidente: a da legalidade com que o governo procedêra no uso da auctorisação que lhe fôra concedida, para reformar os serviços aduaneiros, e a do procedimento d'elle em relação aos guardas fiscaes.
A questão da legalidade é uma alta questão constitucional e por isso não desejava que fosse tratada por incidente. A opposição a iria tratando por meio de successivas interpellações, porque na sua opinião o parlamento não podia deixar de occupar-se d'ella.
Entretanto diria que o procedimento do governo fôra illegal, não só publicando o decreto que se referia á guarda fiscal, mas ainda quando, no uso da mesma auctorisação, publicou a reforma d'aquella reforma, isto é, quando prorogou o praso para o alistamento.
O procedimento do governo fôra illegal, porque tinha um anno para usar da auctorisação, e, uma vez publicado o decreto, estava a auctorisação terminada. Alem disso o sr. ministro da fazenda não podia revogar um decreto por meio de urna simples, portaria.
Parecia-lhe que o sr. ministro da fazenda procedêra assim por medo, quando vira os guardas tomarem a resolução de se dirigirem ao sr. presidente do conselho.
Já a publicação do primitivo decreto fôra illegal, porque a auctorisação tinha a condição de se respeitarem os direitos adquiridos, e o sr. ministro da fazenda, que respeitara os direitos adquiridos de todos os outros empregados, não respeitou os dos guardas.
Dissera o sr. ministro que os guardas não tinham direitos adquiridos, porque estavam á mercê do governo, que os podia demittir sem processo.
Não era assim. O regulamento de 1881 dispunha que os guardas não podiam ser demittidos sem um conselho de investigação.
Demais, os guardas tinham o direito de saírem do serviço quando lhes aprouvesse e esse direito devia ser-lhes garantido.
Tinham tambem os guardas o direito á aposentação, e o sr. ministro impozera-lhes a obrigação de mais oito annos de alistamento para obterem essa aposentação.
Não foram respeitados, portanto, os direitos adquiridos dos guardas. Parecia que outro seria o procedimento do governo se se tratasse de empregados de elevada categoria.
Dissera s. exa. que era conveniente para a disciplina que todos os guardas fossem alistados.
Julgava elle, orador, que, sendo as obrigações as mesmas e mesmas as penas, não havia inconveniente em que os guardas antigos ficassem addidos ao corpo fiscal e só se alistassem os modernos.
Também o governo, num dos seus decretos praticara um dos maiores attentados contra a lei, que se toem praticado neste paiz. Era o decreto que continha disposições que arrancavam ao poder judicial o julgamento dos delictos de descaminhos de direitos e auctorisavam os empregados fiscaes a, sob o pretexto de custodia, applicarem a pena de prisão.
Achava este facto assombroso, porque era privar os cidadãos das garantias que tinham; mas essa questão ficava para mais tarde. Repetia que a opposição havia de fazer todos os esforços para obrigar o governo a dar ao parlamento estreitas contas dos seus actos.
Em relação ao procedimento do governo a respeito dos guardas fiscaes, eram graves as accusações que se faziam.
A primeira accusação era que o governo consentia que os empregados fiscaes alliciassem os guardas com promessas e ameaças; a segunda era que se faziam certas transferencias para obrigar os guardas a alistarem-se ou para castigar os que não se alistassem; e a terceira era que se têem alistado menores.
O sr. ministro negava tudo que a opposição affirmava, e que era aliás affirmado pela imprensa. Entre as affirmativas da opposição e as negativas do governo havia um meio: era o de um inquerito rigoroso. Fizesse-se esse inquérito.
Quanto á alliciação dissera o sr. ministro que era ella um direito; que á propaganda aos guardas para não se alistarem cumpria oppôr a propaganda contraria.
Não havia, porém, nenhuma lei nem nenhum regulamento que auctorisasse esta alliciação.
Admittia-se que os guardas se alistassem voluntariamente, mas irem empregados fiscaes para as provindas alliciarem-nos com promessas e ameaças não se devia permittir, porque nenhuma lei o auctorisa.
Quanto a serem transferidos de localidade alguns guardas, tinha a dizer ao sr. ministro, que as transferencias não eram um direito absoluto do governo, e só podiam ter logar por motivos do conveniencia de serviço, e o sr. ministro devia dizer quaes eram as rasões que o auctorisaram a fazer essas transferencias.
Havia o sr. ministro dito que já estavam alistados 75 por cento dos guardas de que se compunha o corpo da fiscalisação. Mas, sendo elles ameaçados com a transferencia, caso o não fizessem, o que haviam os pobres guardas fazer senão render-se á discrição.
Diante da perspectiva da miseria e das violencias, os guardas íam-se prestando ao alistamento, e portanto, o sr. ministro não podia argumentar com o numero de guardas que já se haviam alistado.
Também não podia deixar de estranhar que o sr. ministro da fazenda viesse- insinuar que a imprensa da opposição era defensora da desordem, porque alguns guardas se lembraram de ir á redacção de algum jornal queixar-se das violencias de que estavam sendo victimas.
Diante da perspectiva da miséria os guardas foram pedir protecção á imprensa e isso não era cousa que se devesse estranhar; mas elles não fizeram desordens, nem assuadas; e não ia muito longe o tempo em que o partido a que s. exa. pertencia se associava aos amotinadores para procurar derribar o governo então existente, e todos se lembravam ainda da moção da gravidade das circumstancias votada na outra camara, a qual abrira ao sr. ministro as portas do poder.
A opposição actual não podia cerrar os ouvidos aos clamores da justiça, e era por isso que levantava a sua voz a favor da classe dos guardas fiscais.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra, guando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro do Fazenda (Hintze Ribeiro): - Folgo de que viesse a esta tribuna o illustre chefe do partido progressista.
Ficam assim mais definidas as responsabilidades; fica assim mais delimitada a questão.
S. exa. entendeu que, investido das altas funcções de chefe de um partido, que se preza de forte e aguerrido, devia descer á estacada, a cobrir com a auctoridade da sua palavra as accusações, que os seus adeptos dirigiam ao ministro da fazenda.
Não tento censural-o por isso.
Lamento só que a primeira questão em que s. exa. tem de fallar aqui como chefe do partido seja uma questão em que s. exa. não póde invocar por si, nem a lei, nem os bons principies de administração, nem a manutenção, que incumbe a todos os estadistas como s. exa., de assegurar a ordem publica, de fazer com que a lei, os principios, e

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os dictames da justiça sejam fielmente cumpridos e observados.
Lamento só que n'esta questão s. exa. se não possa levantar para vir dar força ao governo, para que cada um cumpra o seu dever, para que se organise o serviço, para que se tracem os quadros, para que se possa ir buscar a verdadeira garantia da manutenção das nossas receitas publicas. (Apoiados.)
Mas s. exa., na posição que lhe cabe, veiu a terreno n'este debate como a sua consciencia julgou melhor. Eu faço-lhe inteira justiça.
Quero crer que não seria s. exa. que tomaria sobre si a iniciativa deste debate. Acceitou-o, desde o momento em que elle se havia travado, e a rainha obrigação é responder-lhe de prompto, como o faço, em, todos os pontos do seu discurso, no campo de legalidade e no campo dos factos.
Se s. exa. tem por si a consciencia da justiça da causa que defendo, acredite que não menor consciencia tenho eu, que não menos profunda convicção mo assiste da legalidade dos meus actos e do justo alcança das intenções, que me têem inspirado. (Apoiados.)
E primeiro que tudo, uma explicação. O illustre deputado, estendendo a sua aza de protecção, ou pelo menos os laços do solidariedade com os que o acompanham no terreno político, accusou-me por eu não ter, logo, logo, respondido ao illustre deputado o sr. Elvino de Brito, por se lembrar de que era inteiramente impossivel responder-lhe, desde que s. exa. terminava a sessão fallando; (Apoiados.) sem se lembrar de que não havia na sessão passada uma discussão em ordem, e por consequencia a inscripção morria na própria sessão em que era aberta; sem se lembrar de que só hoje é que se deu uma forma regular ao debate, e de que o ministro, que tem o dever de responder aos que o accusam, não póde comtudo ir adiante das questões que se formulam. (Apoiados.)
Eu responderei ao illustre deputado; mas, respondendo á sua cortezia na invocação de um dictado estrangeiro, dar-lhe-hei tambem: à tout seigneur tout honneur, s. exa. é chefe de um partido. (Vozes: - Muito bem.)
O illustre deputado entra primeiro no terreno da legalidade e, cousa curiosa, exclama s. exa. com a auctoridade de quem está possuido do fundo desejo de sustentar as tradições de um partido e a regularidade do debate em questões de alta importancia e gravidade, exclama s. exa. ácerca do uso que o governo fez da auctorisação que pelo parlamento lhe foi conferida-isso fica para mais tarde, num debate especial, numa interpellação que annunciaremos. Então, com mais largueza, com mais amplitude discutiremos este ponto; agora não. E todavia na primeira parte, a mais importante do discurso do illustre deputado, outra cousa não fez s. exa. senão precisamente discutir o uso que eu tinha feito da auctorisação que me foi concedida, a legalidade dos meus actos, a regularidade da publicação do decreto dentro da auctorisação que o parlamento tinha votado, e por consequencia o direito que me assistia de em nome do parlamento, ter decretado uma reforma nos termos em que a acceitei. (Apoiados.)
Houve, porém, uma phrase, que ao illustre deputado não escapou de certo, porque s. exa. é justiceiro, mas que registo. Foi a confissão de s. exa. de que eu procurara trazer a opposição ao terreno da discussão da reforma.
Quando aqui disseram que eu pretendia furtar-me á discussão dos meus actos, ou á responsabilidade do meu procedimento como ministro, eu citarei as palavras do illustre deputado, em que elle foi o primeiro a reconhecer que quem tinha invocado a conveniencia da discussão sobre uma reforma que eu publicara, sobre a execução de uma lei votada pelo parlamento, fôra eu proprio. (Apoiados.)
(Interrupção do sr. José Luciano.)
E s. exa., que me condemna por ter desviado a questão do terreno dos guardas para a da legalidade dos meus actos, vem discutir os actos que eu pratiquei. (Apoiados.)
Fique, pois, consignado que .eu, longe de procurar illudir as discussões parlamentares, pelo contrario, procuro desviar a attenção da opposição, não sei de que outros assumptos, de certo extremamente graves, para um assumpto extremamente insignificante, o uso que o governo fez de uma auctorisação que lhe foi concedida, e que se desdobra em seis decretos que occupam um volume da legislação. (Muitos apoiados.)
Mas quer s. exa. queira discutir, agora, ou mais tarde num incidente restricto, ou n'uma interpellação mais larga, a reforma das alfandegas; em toda a parte, em qualquer caso que julgue mais conveniente, sobre este assumpto que tão intimamente prende com as responsabilidades que me cabem, muito prompto me encontrará a responder-lhe.
O illustre deputado, discutindo a illegalidade dos actos por mim praticados no uso da auctorisação que me foi dada, começou por citar uma reforma de reforma que eu effectuei, e pergunta com que direito, depois de ter publicado o decreto ácerca da organisação da guarda fiscal, vinha emendar esse acto substituindo-o por um outro. Respondo a s. exa.: com o direito que a lei me deu. (Apoiados.)
A lei é clara, é expressa e diz o seguinte:
«§ unico. A auctorisação conferida nos n.ºs 1.°, 2.° e 4.º d'este artigo só terá effeito durante um anno, a contar da publicação da presente lei, de cuja execução o governo dará conta ás côrtes.»
Esta lei tem a data de 31 de março de 1880. Até 31 de março de 1886 estava dentro do praso que a lei me marca. (Apoiados.) E se não diga-me s. exa. uma cousa.
Quando uma auctorisação é dada pelo parlamento com o caracter de permanente para qualquer regulamento ou para o desenvolvimento de disposições legaes, como se entende? Entende-se que o governo tem a todo o tempo o direito de a modificar por outros regulamentos, ou por outras disposições, e tanto assim que ainda ha pouco no regulamento da lei do sêllo se consignou isso muito expressamente
Pois se isto acontece quando uma auctorisação é permanente, o mesmo succede quando é restricta a um certo praso, dentro d'esse mesmo praso. (Apoiados.)
Essa auctorisação foi dada por um anno, durante um anno subsiste essa auctorisação, assim como subsistiria só ella fosse indefinida. (Apoiados.)
Uma cousa é a legalidade, outra cousa é a conveniencia de um acto qualquer de administração ou de governo.
Sob o ponto de vista da legalidade nada mais tenho a responder a s. exa.; respondo-lhe com a letra da lei. (Apoiados.)
Mas pergunta s. exa. por que motivo não foi publicado mais cedo na ordem do exercito o decreto n.° 4, e porque foi que o governo lhe fez determinadas substituições; e foi fraqueza por parte dó governo, se foi menos harmonia entre os differentes membros do gabinete que firmaram com o seu nome um diploma que houvesse do ser publicado na ordem do exercito, sob a inteira solidariedade da responsabilidade do gabinete.
Em relação ao primeiro decreto que publiquei, concernente á guarda fiscal, deu testemunho o sr. presidente do conselho, levantando-se, para n'uma interrupção dizer o sr. Elvino de Brito, que assumia a plenissima responsabilidade d'esse documento. (Apoiados.)
Mas seria conveniente apoz um decreto ter publicado outro? Esta é a questão.
Se é legal o acto, como creio ter demonstrado, e desde que eu demonstrei que tambem era conveniente, para onde vae a accusação do illustre deputado?
Somme-se como uma nuvem, dessas que passam muitas vezes carregadas de tempestade pela mente dos illustres deputados da opposição, mas que com uma replica se

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esvae immediatamente, deixando ver o horisonte claro e limpo. (Vozes: - Muito bem.)
Ora, era conveniente substituir algumas das disposições d'aquellas leis por outras?
Eu entendi que sim, e direi francamente á camara porque. Não estou aqui para outra cousa.
Eu no segundo decreto não alterei essencialmente disposições que faziam base da organisação do corpo da guarda fiscal.
O pensamento d'essa organisação está traçado no relatorio que escrevi, e do qual fiz preceder a publicação das minhas propostas.
Póde s. exa. ler o relatorio, confrontal-o com as disposições de um ou outro decreto, que não encontrará a mais ligeira disparidade, o que prova que nas bases essenciaes, nos princípios fundamentaes da organisação, não houve a mais ligeira tergiversação, nem a mais ligeira diversidade de pensamento por minha parto.
Mas, sr. presidente, eu, no exercício da auctorisação que me foi conferida, publiquei uma reforma dos serviços aduaneiros e fiscaes.
Não o digo por vaidade, porque quem trabalha não tem vaidade, tem só a consciência do que faz; e quasi sempre acontece que, quanto mais se reflecte sobre qualquer assumpto, mais difficuldades se lhe encontram e mais ha que refazer ou modificar. Mas posso dizel-o, na minha consciencia, com a verdade dos documentos que estão publicados, que essa reforma é a reforma mais larga e mais completa que no nosso paiz se tem publicado em assumptos aduaneiros e fiscaes. (Muitos apoiados.)
E, sr. presidente, ácerca destes diplomas que se publicaram, nenhuma discussão vi eu até ao presente que não incidisse senão sobre a cor ou o typo dos galões que devem usar os empregados da fiscalisação em comparação com os dos officiaes do exercito! (Apoiados.)
Só assim é que vi discutir a reforma. Póde ser que a camara a venha a discutir por outra fórma. É possivel que haja um debate largo, mas até agora, que eu ouvisse, sobre o pensamento fundamental, sobre as disposições que são a base que esta organisação tem, nem a mais leve discussão, nem a mais leve resistencia. (Apoiados.)
Ora o decreto n.° 4 constituo para o corpo fiscal uma organisação militar e concede aos empregados fiscaes graduações militares, porque não podia deixar de as conceder.
Segundo este decreto o corpo da guarda fiscal em tempo de paz está subordinado ao ministerio da fazenda, e ao da guerra para o facto de disciplina militar e da inspecção militar; e em tempo de guerra passa a fazer parte activa das forças do exercito e fica inteiramente á disposição do ministerio da guerra.
Se em tempo de paz o corpo de guardas fiscaes podia passar sem se determinarem as graduações militares, era tempo de guerra era impossivel que deixassem de se dar, não só as categorias fiscaes, mas as graduações correspondentes aos postos que cada um desempenhava. Na hypothese de mobilisação, ha necessidade de que o corpo dos guardas fiscaes seja disciplinado e possa servir para defeza do paiz.
Mas que estas graduações, sejam só effectivas dentro do corpo dos guardas fiscaes, ou tambem nas relações com o exercito em tempo de paz, isso pouco importa.
Se tudo quanto diz respeito ao serviço da fiscalisação se prende com uma continencia, e se a questão está só n'isto, então digo que se compromette a questão, porque a reforma de certo que se não prende com isto. Isto póde fazel-o um espirito pequeno, e não é porque o meu seja grande, e podia fazel-o ainda quem menos amor tivesse á obra que tanto tempo e tanto trabalho custou ao seu pensamento.
Aqui tem o illustre deputado a rasão por que eu fiz a reforma em relação ao corpo da guarda fiscal em dois decretos diversos, sem que se desligassem um do outro, senão em ligeiros pontos que podiam ser modificados sem se alterar o systema, sem se alterar o pensamento que no primeiro estava traduzido.
Foi legal o procedimento do governo? Não sei.
Foi conveniente? Que o diga a consciencia da camara.
Poderá sor proprio de espiritos mais levantados do que o meu, o produzir em unia só peça uma reforma tão importante como é esta; eu contento-me em estabelecer os preceitos que possam dar á formação de um corpo qualquer uma boa organisação, e quando encontro pequenas difficuldades sobre as quaes se póde saltar, não hesito em o fazer, porque acima de tudo estão os grandes interesses do serviço, e quando se trata de os salvaguardar, ninguem se póde prender com pequenos escrupulos.
Mas ainda outra illegalidade. A primeira já vimos qual foi.
E cousa notavel. O que era de esperar, era que a opposição me viesse applaudir por eu ter publicado um segundo decreto com algumas modificações e substituições em relação ao corpo fiscal, visto como algumas disposições do primeiro decreto lhe não foram sympathicas; mas a opposição não discute se as substituições eram ou não convenientes, só produziram bom ou mau effeito; não discute se a organisação do corpo fiscal ficou com menos difficuldades na sua execução.
O que discute só é o acto em si. O acto só pode discutir-se sob o ponto de vista da legalidade, e n'esse terreno demonstrei que o governo, procedendo como procedeu, não commetteu nenhuma illegalidade.
Desde que é assim, fico á espera dos argumentos dos illustres deputados com que venham demonstrar que o procedimento do governo foi, não já illegal, mas inconveniente, e que os actos por elle praticados, longe de emendarem o que era mau, pelo contrario destruiram o que era bom.
Até então congratulo-mo com a minha obra. (Apoiados.)
Segunda illegalidade. O governo não podia ter alterado uma disposição contida num decreto, por uma portaria. O decreto marcava para o alistamento dos guardas o praso de tres mezes, e o governo prorogou esse praso por uma simples portaria.
Ora, o praso para o alistamento não estava consignado na lei. O que estava consignado na lei era a obrigação do alistamento. O praso regulamentar foi simplesmente inserido n'aquelle decreto.
Pois eu tinha o direito de fixar o praso, e não tinha o direito de o prorogar? Pois eu podia dizer que o praso era de três mezes e não podia dizer depois que era prorogado por mais mez e meio? Onde está a illegalidade desde que a lei não me marcava limite absoluto de tempo para o alistamento? Onde está a illegalidade era traçar os limites que me pareceram mais adequados para a boa execução do serviço e mais benevolo para esses guardas, de que s. exas. são os paladinos?
Se se dissesse que eu adoptára aquella resolução para os fazer vergar, para alquebrar ainda mais as suas forças, comprehendia-se a accusação. Mas, pergunto eu, proroguei o tempo além do qual cessava o exercicio das suas funcções?
S. exas. querem que conserve os guardas e condemnam-me por conserval-os! (Apoiados.) Se eu tivesse abreviado o praso, dando o por terminado antes do tempo, comprehendo que me viessem arguir por ter faltado á fé que derivava de um documento qualquer. Mas quando dou mais latitude a um direito que s. exas. invocam, accusar por isso, é accusar por tudo; e quem accusa por tudo, menos rasão tem por si. (Apoiados.)
Fel-o o governo porque teve medo. S. exa. não se referiu de certo a mira. Não vale a pena responder; e apenas bastará dizer a rasão por que o fiz. Quando s. exa. quizer experimentar se o governo emquanto por mim estiver representado tem medo de uma discussão qualquer, experi-

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mente e obterá então uma resposta de facto. (Apoiados.)
Direi, porém, a rasão por que o fiz.
A rasão por que o fiz foi que em 17 de dezembro ainda o alistamento estava muito longe de se poder dizer completo; a rasão por que o fiz foi porque me convenci de que um dos motivos que tinham imperado para elle se não achar completo era a falta de comprehensão dos seus interesses por parte dos guardas, era a falta de uma boa propaganda de idéas, era a falta de se abrirem os olhos aos que não queriam ver, (Apoiados.) aos que eram impellido a não verem, (Apoiados.) em relação ás garantias que tinham pelo que respeitava a este ponto. (Apoiados.)
Entendi que desde que o praso era regulamentar me cabia a mira prorogal-o. (Apoiados.)
Desde que o alistamento não estava completo, e desde que o alistamento era a base da organisação fiscal, entendi que devia manter a reforma a troco de mais algum tempo de prorogação de praso para esse alistamento. (Apoiados.)
Aqui está a rasão por que proroguei o praso.
E a minha previsão não foi absolutamente infundada.
Desde então para cá tem corrido o alistamento e hoje acha-se bem mais adiantado do que n'aquella epocha, bem mais proximo do seu completo.
Os termos em que tem sido feito o alistamento, logo os discutiremos. Por agora fica consignado este facto.
Ainda no terreno da legalidade vem os direitos adquiridos, que encontram um defensor no illustre deputado o sr. Luciano de Castro.
É s. exa. que vem dizer: pois para todos ha direito adquiridos, e só para os guardas fiscaes é que os não ha?
A resposta é facilima.
Os direitos adquiridos só existem para aquelles a quem a lei os concede.
Não sou eu que os invento; é a lei que os define. (Apoiados.)
O que resta saber é se a lei os define para os guardai de alfândega.
Se a lei não define os direitos adquiridos para os guardas da alfandega, não se segue d'ahi que não os defina para outros funccionarios, e o que é facto é que eu, acatando os direitos adquiridos que existem, e não me preoocupando com os direitos adquiridos d'aquelles a quem a lei os não confere, obrei legalissimamente e dentro dos limites da auctorisação que foi dada ao governo. (Apoiados.)
Ora, existem esses direitos adquiridos?
O illustre deputado citou o regulamento de 1881, num artigo em que se diz o seguinte.
(Leu.)
Em primeiro logar está limitada esta disposição aos guardas que foram nomeados posteriormente a 1881.
O illustre deputado vem invocar os direitos adquiridos dos guardas que estão em serviço ha dez ou vinte annos, em virtude de uma disposição que não existia ao tempo da sua nomeação.
Esta disposição está restricta a determinados casos e hypotheses.
Em segundo logar ella está destruída mesmo nesta parte pela lei que fixou os termos em que o governo podia usar da auctorisação.
O que diz a lei?
A lei diz o seguinte:
«Os corpos da fiscalisação terrestre e maritima serão constituidos á similhança dos corpos militares, ficando dependentes do ministerio da fazenda quanto aos serviços fiscaes e aos ministerios da guerra é da marinha quanto á manutenção da disciplina; para este effeito poderá o governo nomear um ou mais inspectores militares.
«Os guardas e empregados menores até chefe de posto serão considerados como praças de pret, alistando-se por oito annos, mas podendo conservar-se por mais tempo e tendo direito á reforma, com ordenado por inteiro, no fim de vinte annos de effectivo serviço fiscal.»
A lei, por consequencia, annulla pela base as organisações anteriores; não se fundava nos principios d'ellas.
E para se manterem os principios da nova organisação é que é esta disposição que tem a auctorisação. (Apoiados.)
Agora pergunto eu, se os corpos da fiscalisação terrestre e marítima tinham de ser constituidos á similhança da organisação militar, qual é o corpo do exercito onde funccionam individuos alistados a par de outros que não se sujeitam ao alistamento?
Quando a lei determina que as praças de pret sejam alistadas por oito annos, posso eu ter em um corpo de fiscalisação indivíduos que nem alistados estão?
Esta é que é a lei, e não posso alterar, porque não é um decreto da minha iniciativa, é uma lei votada pelas cortes.
A auctorisação não foi definida, foi restricta a determinadas bases e são essas que tenho de observar e manter. (Apoiados.)
E essas bases são a constituição do corpo de guardas fiscaes, uma das quaes é que os chefes de posto e guardas sejam considerados praças de pret do exercito. Em que offendo eu os direitos adquiridos, se peço unicamente que os indivíduos se alistem e entrem na ordem prescripta nas disposições legaes, e que constituem um corpo verdadeiramente regular e disciplinado?
Pois então é licito a cada um ficar em um corpo que soffreu uma transformação completa nas suas bases essenciaes, pela maneira como quizer e sem ficar adstricto ao cumprimento dos deveres impostos? É assim que s. exa. entende o cumprimento de uma auctorisação votada pelo parlamento?
E diz s. exa. que não vê inconveniente em que no corpo da guarda fiscal fiquem a par dos individuos alistados outros que o não sejam! Distingâmos bem.
Se eu tivesse annunciado por qualquer fórma que esse era o pensamento da lei, o que acontecia? Acontecia que eu não tinha alistamento dos guardas que existiam, porque é claro que podiam ficar recebendo um determinado vencimento e sem obrigações algumas, e o resultado era que por falta de alistamento caía pela base uma prescripção essencial consignada na lei votada pelo parlamento. Era então assim que eu cumpria a lei? Era inutilisando-a de antemão? Era assim que eu interpretava os desejos da camara quando impunha como obrigação de uma nova reforma a organisação de um corpo fiscal?
Se eu tivesse feito assim, talvez dissessem que eu phantasmagoricamente publicava um decreto com as bases que aqui se votaram, para subrepticiamente deixar aberta uma porta por onde se escapavam os guardas.
Se não se tivesse annunciado isso, desde logo, para que cada um soubesse com que podia contar, acontecia que os que não queriam alistar-se, expirando o praso ficavam conservados com os mesmos vencimentos e direitos dos outros e sem obrigações nem deveres definidos!
Isto era justo e leal?
Havia de para uns estabelecer o alistamento e determinados preceitos regulamentares, deixando os outros com os mesmos direitos e sem obrigações?
Isto era equitativo? Podia nascer do pensamento de alguem que quizesse fazer uma reforma util e benefica para o seu paiz?
Mas ha ainda uma outra illegalidade, é a do decreto n.° 5, que reformou o contencioso fiscal.
S. exa. queixa-se, de que é um absurdo de espirito, de que é uma monstruosidade da parte do governo; mas limitou-se a classifical-o pela fórma que lhe pareceu mais conveniente e deixou para demonstral-o, quando elle vier a discutir-se.
Até agora, emquanto o illustre deputado não provar o contrario argumento ainda com a propria lei, nem quero outra cousa; prefiro muito mais argumentar com a lei do que

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argumentar com a resistencia á lei. Por isso quero igualdade para todos, e a igualdade consiste no alistamento para todos: não quero, como prémio aos resistentes, que se lhes dê a conservação dos seus legares, sem as obrigações a que os outros ficam sujeitos.
A lei diz:
«A rever a legislação repressiva dos contrabandos e descaminhos de direitos, estabelecendo a pena de prisão até dois annos, que será applicada pelo poder judicial nos termos do processo em vigor.
Quer dizer, que em matéria de descaminho de direitos e de contrabando, não se podia estabelecer direito mais adequado. A este respeito o governo preceituou o que entendeu mais harmónico, e quando chegar a occasião de se liquidar a responsabilidade, então a liquidarei.
Pelo que toca ao illustre deputado dizer que a tutela do estado foi até ao ponto do deixar retido em prisão um funccionario, por um praso muito alem daquelle que a constituição marca, responderei ao illustre deputado, que esse praso, nos termos do artigo 17.° § único do regulamento publicado para a execução d'aquelle decreto, e que é o desenvolvimento da sua disposição, é o seguinte:
«Artigo 17.° Se o arguido não depositar ou afiançar logo o maximo da multa, ou ao delicto corresponder pena de prisão, será enviado ao juiz de direito da comarca respectiva, a fim de que este ordene seja guardado em custodia, até que effectue o deposito ou preste fiança judicial ao seu pagamento, sem prejuízo da fiança que houver de prestar para o julgamento criminal.
«§ único. O arguido nunca poderá ser retido por maior praso de tempo que o mareado no artigo 988.° da novíssima reforma judiciaria.»
Aqui está o praso que estabeleci para a detenção, que era o praso que a legislação já prescrevia; não alterei) nem innovei, nem estabeleci praso indefinido; limitei-me exactamente nos pontos que a lei, que vigora sobre o assumpto, determinavam.
Onde está a minha illegalidade?
E em matéria de legalidade nada mais disse o illustre deputado de sua justiça e portanto nada mais tenho que responder-lhe. Agora os factos.
S. exas. têem um desejo vehementissimo, em que os ministros leiam todos os jornaes que se publicam; aggridem tenazmente o governo, quando qualquer ministro se lembra de dizer, que às accusações dos jornaes não tem que responder no parlamento!
Posso ler em qualquer jornal determinadas accusações relativas a actos do meu ministerio, isso não me dá se quer o direito, já não Mio em obrigação, de vir ao parlamento refutar essas accusações; tenho de aguardar, que sejam aqui formuladas, para responder.
A imprensa responde a imprensa, como no parlamento respondem os ministros aos deputados ou aos pares". (Apoiados.) Essas é que são as obrigações constitucionaes; e não invertamos a missão da imprensa, nem a das camarás legislativas. (Apoiados.)
Que eu tenha ou deixe do ter conhecimento dos boatos que lá tora se propalam, é indifferente para s. exas., façam-se echo d'esses boatos e verão como eu lhes respondo.
Diz o illustre deputado: - «o ministro da fazenda nega e nós affirmâmos, logo, inquérito»! Perdão, logo prova; e a prova está nas secretarias.
Peçam os documentos, e eu lhos mandarei. (Apoiados.)
E exclama um illustre deputado que se senta nos bancos superiores: - «ainda hoje foram demittidos quarenta guardas»?!
Nem um. (Riso.)
O sr. Elvino de Brito: - V. exa. quer que eu lhe leia os nomes dos que foram hoje demittidos?
O Orador: - Pôde ler o que quizer.
Demissão de guardas, por não se quererem alistar, absolutamente nenhuma. Affirmo-o á camara.
Que eu possa demittir um guarda nos termos legaes, quando elle, longe de cumprir os seus deveres, pelo contrario, commette qualquer falta que de logar á demissão, isso é um direito que subsiste, nem sequer é um direito, é o cumprimento da lei; (Apoiados.) mas que demittisse um guarda por não se querer alistar?! Nem uma demissão o illustre deputado me pode apontar, a não serem as reclamadas pelos próprios guardas; salvo se o illustre deputado vae até ao ponto de sustentar, que não posso acceitar uma demissão, quando me é pedida?!
Dizia o illustre deputado o sr. Luciano de Castro, que eu castigava com a demissão aquelles que não quizessem alistar-se! Não castigo com a demissão.
Se findos os prasos elles não vierem alistar, o que soffrem, não é punição, é a consequência rigorosa do direito que lhes assiste de se alistarem ou não.
Já sabiam o que lhes acontecia; se queriam alistar-se, ficavam, se não queriam alistar-se, saiam. E um direito, e é a consequência desse direito que motiva, não a expulsão nem a demissão, mas a saída d'esses guardas dos corpos fiscaes. (Apoiados.)
(Interrupção.)
De certo, pois o illustre deputado não vê que desde que se marca um praso para que o alistamento se faça, e desde que dentro desse praso, os guardas se não alistam, a consequencia necessária é serem demittidos?!
Creia o illustre deputado que não interpreta bem a legislação da seu paiz, e que muito tem de aprender em assumptos de administração.
Aqui o quadro tetrico; aqui a nota sentimental; aqui as interjeições lastimosas! A miseria dos guardas, o quadro affectivo dos homens que se vêem sem pão, mendigando para o sustento do sua família e expostos a roubarem para poderem viver!
Quem os impelle para a miséria? Quem é que lhes impõe o abandono? Pois alguém coage-os a deixarem o corpo da fiscalisação?
S. exa. ainda ha pouco me accusava por eu procurar attrahil-os ao serviço e evitar que elles deixassem os logares que lhes dão o pão!
Quem é então aquelle que com mão oppressora os incita para especulações menos justificadas, pretendendo arrancal-os dos logares onde tinham uma existencia condigna, para os entregar ao abandono e ao roubo?
Sou eu que não desejo que elles larguem o serviço; sou eu que não desejo senão que elles entrem na ordem; sou eu que não desejo outra cousa senão que elles sejam um corpo de fiscalisação, regular, methodico e disciplinado, ou aquelles que têem por todos os modos procurado desvirtuar a reforma?
Mas eu, diz o illustre deputado, confesso os factos, confesso os alliciamentos.
Distingamos e esclareçamos esse assumpto.
O que eu confesso é o desejo sincero que tenho, que o alistamento se faça e que os guardas se inscrevam; o que eu confesso e que entendo que podia fazer propaganda em abono da minha reforma e das vantagens que tinham os guardas se se alistassem. Tenho esse plenissimo direito e o testemunho está nessa portaria que publique e que o illustre deputado condemna: portaria em que estão compendiados os preceitos da nova reforma e definidos os direitos e vantagens que assistem aos guardas da alfandega que se alistarem.
Eu argumento com a lei, cito todos os direitos que estão marcados na nova organisação do corpo fiscal.
E sou eu que estou falseando a reforma, que estou negando a verdade, que estou fazendo propaganda subrepticia!
Sou eu do bando dos que só põem em relevo uma ou outra disposição, que applicada em casos extraordinarios e por faltas graves, possa trazer uma demissão!

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A transferencia, diz o illustre deputado, não é arbitraria, tem de ser motivada por conveniencia de serviço.
A transferencia, disse eu na sessão passada, é um direito do ministro, direito de que elle não póde prescindir, sob pena de perigar a disciplina do corpo que elle rege.
Pode alguem negar-me a conveniencia de destacar guardas para a fronteira, quando lá temos um cordão sanitário e quando é necessario reforçar a fiscalisação? (Apoiados.)
Pois não hei de eu poder mandar para lá os guardas que entender conveniente, sob minha responsabilidade? (Apoiados.)
Quanto ao alistamento dos menores disse s. exa.: «Se se satisfizeram todas as condições legaes, bem está 5 mas se não se satisfizeram?»
Mas então comece o illustre deputado por demonstrar que não se satisfizeram as disposições legaes. (Apoiados.)
O illustre deputado comprehende perfeitamente que não hei de ser eu que hei de demonstrar isso; ha de ser o illustre deputado que me ha de apontar a inobservância da lei, para então eu responder á accusação que se me faz.
E emquanto não vierem essas provas eu persisto em dizer que, se alguns menores têem sido alistados, é porque a lei permitte o alistamento de menores; e desde que o permitte, é no cumprimento n'ella que eu o mando fazer. Violências não houve, já o afirmei; reclamações tambem não; factos que sejam attentatorios da moralidade publica ou dos direitos iudividuaes dos cidadãos, não os conheço; e quando mas apontarem, se forem verdadeiros, castigal-os-hei, de contrario convencer-me-hei de que são apenas factos que uma imaginação exaltada póde architectar, mas que não têem fundamento na verdade. (Apoiados.)
E dito isto, passemos por incidente a responder a algumas arrojadas accusações que aqui foram formuladas contra mim na sessão passada, e para as quaes o sr. Luciauo de Castro provocou uma resposta directa da minha parte.
A muitas d'ellas já eu respondi, respondendo ao illustre deputado que me precedeu; a outras ainda não respondi e vou fazel-o agora.
Discutindo a reforma da alfandegas, ou antes, discutindo a reforma da guarda fiscal, porque os illustres deputados querem e não querem discutil-a, deixem para mais tarde essa discussão, mas vão fazendo as suas observações por antecipação, mas discutindo a reforma da guarda fiscal, citou-se do decreto n.° 4 o artigo GG.° § 2.° que diz:
«A praça expulsa do corpo deve ir terminar o tempo de serviço, a que estava obrigada pelo seu alistamento no corpo da guarda fiscal, em um dos corpos do exercito.»
E vê se nisto uma infracção a todos os preceitos até agora observados, uma affronta até para o exercito, que tinha de receber os guardas, e ao mesmo tempo uma dureza para os guardas, que eram condemnados por aquelle preceito! Ora é exactamente o que acontece no corpo da guarda municipal, sem reclamação de ninguém, (Apoiados.) e sem que ninguém jamais entendesse dever considerar isto uma affronta feita ao exercito, e uma dureza imposta aos soldados que delinquiram.
No corpo da guarda municipal ha tambem um alistamento, que é voluntário, por cinco annos. Os soldados que saem- do exercito havendo completado o seu tempo, ou antes de o terem completado, pedem passagem a requerimento seu para a guarda municipal, ficam obrigados a servir durante cinco annos. (Apoiados.) E os vencimentos na guarda municipal são maiores que os das praças do exercito; são 450 réis para os de cavallaria e de 250 réis para os de infanteria. E o que acontece? Acontece que quando delinquem, sem nenhuma espécie de processo, (e aqui ha um processo de investigação), o commandante da guarda municipal retira-os do seu corpo e elles passam a completar no exercito os cinco annos do seu alistamento, embora já tivessem pago o tributo de sangue durante o tempo marcado pela lei, e com os vencimentos de praça de pret do exercito. (Apoiados.)
E nunca se entendeu que isto era uma infracção dos bons principies da organisação militar. (Apoiados.)
Ora, fazendo-se exactamente o mesmo para os guardas da fiscalização que delinquem, com a differença de que para lhes ser applicada a pena de suspensão é necessario que o delicto tenha corrido num processo regular, com culpa formada e mediante um conselho de investigação, é que elles passam para o exercito a cumprir o resto do tempo do serviço até ao praso de oito annos com o vencimento das praças de pret.
Pois, quando isto se dá em relação ao corpo fiscal, que faz parte integrante da força do exercito, levanta-se o illustre deputado muito irado porque isto irá offender o exercito.
E s. exa. leva o seu amor pelos guardas até ao ponto de lamentar a triste sorte dos incorrigíveis, porque os incorrigíveis têem de passar para o exercito. Até este ponto não levo eu os meus sentimentos humanitários.
Depois disto vem uma nota alegre, porque em todas as discussões ha sempre uma nota alegre. Era a do casamento dos guardas. (Riso.)
Ora vejam a minha prepotência, que nem sequer deixava que cada um seguisse os impulsos do seu coração e se ligasse pelo "matrimonio ao objecto do seu culto mais fervoroso! (Riso.)
Até a estes imponho a obrigação de me virem consultar e de me virem pedir auctorisação para contrahirem matrimonio ! Horror! Cousa nunca vista até agora!
Ora na Itália, que tanto a miudo se cita aqui com o exemplo de boa administração, acontece o seguinte:
(Leu.)
Na Itália vão mais longe: exigem que tenham um rendimento de 4 liras, para a auctorisação lhes ser concedida. E comtudo ninguém lá leva os impulsos do seu coração até ao ponto de lamentar os guardas por não poderem contrahir matrimonio sem auctorisação do ministro.
Vejam como são cruéis! São umas feras os homens de Itália que não deixam casar cada um á sua vontade.
Depois da nota alegre, vem a nota tetrica.
Como quasi sempre acontece quando se representa um melodrama, ha primeiro um lever de rideau (Riso). A nota tétrica é a das aposentações. Que horror para o fisco! Que enorme somma despendida com indivíduos que não estavam nas condições legaes para poderem ser aposentados! (Riso) Como exemplo citaram-se três. S. exa. citou nomes e a minha obrigação é responder-lhe com os próprios nomes.
Primeira aposentação illegal a do sr. Raposo de Carvalho, com o ordenado por inteiro, quando tinha menos de quarenta ânuos. S. exa. até descobriu que este funcciona-rio tinha menos de quarenta annos de idade! (Riso).
Vamos ao processo d'essa aposentação. Aqui está o requerimento do sr. Raposo de Carvalho, allegando o seguinte, que se demonstra pelos documentos que estão aqui e que posso offerecer á consideração de s. essas, se os quizerem ver. Argumentem com provas que talvez argumentem melhor. Pelo menos argumentam com mais conhecimento de causa. (Apoiados.)
Os documentos que o referido funccionario indicava eram os seguintes.
(Leu.)
(Interrompendo a leitura.)
Note-se que são actos de administrações differentes, o que tambem tem o seu peso e valor.
(Continua a ler.)
São diplomas officiaes que estão archivados no ministerio e que mostram o bom serviço prestado por este funccionario, reconhecido pelos diversos ministros que toem estado á frente dos negócios da fazenda. (Apoiados.)
Este funccionario tinha vinte e oito annos de serviço. Aqui está tambem um attestado passado por um facultativo, o sr. May Figueira. Se a um homem que apresenta estes diplomas se não póde reconhecer que foi no exercício das

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suas funcções que adquiriu a impossibilidade de continuar a fazer serviço, numa idade, que não é muito provecta, mas que vae alem dos quarenta annos, não sei em que condições de equidade e de justiça se podem applicar os preceitos da lei relativamente á aposentação com o ordenado por inteiro. (Apoiados.)
Outra aposentação illegalissima, a de um funccionario que se chama Bernardo de Carvalho, o qual, diz s. exa., foi aposentado com o ordenado por inteiro sem ter o tempo marcado na lei.
Quanto melhor não era que s. exas. pedissem primeiro os documentos e viessem depois accusar o governo! (Apoiados.)
Este empregado não foi aposentado com o ordenado por inteiro, foi aposentado com dois terços e mais 21/2 por cento ao anno, em relação a vinte e dois annos de serviço, o que é uma disposição perfeitamente conforme com o que está preceituado na lei. (Apoiados.) É assim que a lei manda contar para a aposentação, e foi assim que este funccionario se aposentou. (Apoiados.)
Depois esse indivíduo foi empregado, é verdade, em trabalhos de escripturação ou de copia em uma repartição fiscal externa, por isso que a lei permitte que se aproveitem os trabalhos dos empregados reformados, quando elles estejam em condições de os prestar.
Terceira aposentação, e esta então é revoltante e iniqua.
O empregado José Jacinto Correia, creio eu, aposentado com o ordenado por inteiro. Ora este empregado foi dado na relação por equivoco como aposentado, mas não foi aposentado, e está no exercício das suas funcções.
Aqui estão as illegalidades, aqui estão os excessos de poder, aqui estão as iniquidades do ministro da fazenda, desse vampiro que suga o sangue dos guardas.
Pois façamos causa commum, mas a bem da verdade dos factos e a bem do paiz; não venhamos desvirtuar urna reforma cujo alcance para o paiz póde ser de grande importância; não venhamos inventar factos que se não deram, unicamente para fazer exclamações contra o ministro da fazenda, que tem a consciencia de haver procurado cumprir o seu dever. Cumpram os illustres deputados tambem o seu, e quando entenderem que em qualquer cousa eu tenho faltado ao que a lei me impõe, venham arguir-me, na certeza de que hão de encontrar a verdade, e reconhecer que, só a bem do interesse publico tenho procedido como ministro da fazenda.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
(S. exa. não reviu as notas tachygrapliicas do seu discurso.)
O sr. Presidente: - Tenho de conceder a palavra alternadamente, e por isso peço aos srs. deputados que se inscrevam contra ou a favor do procedimento do governo. O primeiro sr. deputado que está inscripto é o sr. Franco Castello Branco. E a favor ou contra?
O sr. Franco Castello Branco: - A favor.
O sr. Presidente: - O sr. Barros Gomes?
O sr. Barros Gomes: - Contra.
O sr. Presidente: - O sr. Arroyo?
O sr. Arroyo: - A favor.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Barros Gomes.
O sr. Barros Gomes: - Diligenciarei seguir passo a passo na sua argumentação, tanto quanto as minhas forças parlamentares, alias débeis, mo permittirem, o sr. ministro da fazenda, que não duvidou declarar perante a camara, ser a reforma a que ligara o seu nome, a mais vasta, mais completa, e não sei se acrescentou a mais perfeita de quantas até agora têem sido entre nós publicadas em matéria de serviços aduaneiros.
Ora, não serei eu, por certo, quem conteste a gloria que a s. exa. advenha por haver publicado providencias que abrangem o inteiro regimen fiscal, mas, seja-me relevado o acrescentar que ficaria bem ao illustre secretario d'estado o não esquecer que homens houve como Mousinho da Silveira em 1833, e mais recentemente em 1864 o sr. conde de Valbom, que ácerca de alfândegas alguma cousa decretaram, que não póde facilmente ficar no olvido, pois representa organisações que subsistiram por largo período de annos, e em grande parte tinham de amoldar-se a formulas e processos de administração inteiramente novos. (Apoiados.)
Não insistirei, porém, neste ponto, que se prestava á rhetorica, de que não desejo usar. Não fallarei por isso de vampiros e outros monstros mais ou menos fabulosos, nem lançarei mão de outros brilhantes artifícios de eloquência parlamentar, a que todos vimos o sr. ministro da fazenda soccorrer-se, na propria occasião em que protestava contra o abuso da rhetorica. Nem sequer recorrerei às comparações imaginosas e até poéticas com que s. exa. amenisou o seu discurso, recordando-me aliás as acerradas ironias de que o sr. Hintze Ribeiro me fizera alvo, por haver em tempo e na outra casa do parlamento, recorrido a idêntica comparação, fallando no ténue nevoeiro, que o raio do sol desfazia, dissolvendo-o lentamente no azul do firmamento.
S. exa., que prega hoje uma doutrina muito commoda para si, pedindo á opposição que se grupo em torno da sua pessoa e lhe dê força, e que procedia todavia, de modo bem, diverso quando se sentava nestes bancos, veio aqui alludir á minha pallida e modesta comparação, não lhe soffrendo o animo que, até em outro recinto, o pobre ministro da fazenda dessa epocha se permittisse a fantasia de mostrar um vislumbre sequer de imaginação que nunca poderia de certo igualar ou offuscar a de s. exa. (Riso.)
Começou o sr. ministro notando uma supposta contradicção em que se collocára o meu illustre amigo e collega o sr. Luciano de Castro, declarando que desejava por um lado cingir-se ao que era propriamente o assumpto principal desta discussão, isto é, o procedimento do sr. ministro da fazenda para com empregados humildes e modestos como o são os guardas da fiscalisação externa das alfândegas; apressando-se por outro lado a emittir a sua opinião sobre algum dos decretos por s. exa. publicados.
Devo antes de tudo demonstrar que não existiu tal contradicção.
O sr. Luciano de Castro discutiu única e exclusivamente a questão do procedimento do sr. ministro da fazenda no que respeitava às demissões e perseguições movidas contra os guardas da fiscalisação externa das alfândegas, mas a par disso s. exa. aproveitou com o melhor fundamento a primeira occasião que teve de usar da palavra nesta casa para levantar bem alto um protesto contra o procedimento do governo, que abusara da auctorisação conferida pelo parlamento, exorbitando d'ella pela publicação de reformas para o que não lhe foram nem lhe podiam ter sido conferidos poderes.
Ainda mais, s. exa., como homem pertencente a um partido liberal, levantou tambem um protesto enérgico contra as providencias promulgadas por simples alvedrio do sr. ministro da fazenda, no decreto n.° 5, e em virtude das quaes algumas das garantias individuaes mais essenciaes são offendidas de um modo gravíssimo. (Apoiados.)
Protestou contra isto, e justificadamente o fez. Não discutiu os decretos, apressou-se a aproveitar a primeira occasião em que usava da palavra para levantar um brado um protesto enérgico contra essa exorbitância de poder, contra esse attentado que feriu a liberdade. (Apoiados.)
E alem do mais de modo algum nos convinha, e por muitas rasões, entrar desde já no exame desses decretos, que constituem um dos elementos principaes para apreciar a maneira por que o governo procedeu no uso das faculdades que lhe forem delegadas pelo poder legislativo.
Trata-se de uma auctorisação importante que lhe fora conferida, e o parlamento faltaria a um dos seus deveres mais elementares se por acaso deixasse de procurar discutir o uso que foi feito dessa auctorisação. (Apoiados.)

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Mas o que não estamos é habilitados a fazel-o desde já.
Logo nos primeiros dias da sessão actual se pediram deste lado da camara esclarecimentos ao ministerio da fazenda, e esses esclarecimentos ainda cá não estão. (Apoiados.)
Com isto não quero dizer que o tempo decorrido seja o bastante para auctorisar qualquer queixa ou censura da minha parte por não terem esses esclarecimentos sido ainda remettidos aos membros desta camara que os reclamaram.
Não quero dizer tanto.
Alguns de entre elles necessariamente exigem um certo tempo para a sua organisação, a fim de serem presentes á camara com a individuação e particularidades que se exigiam nos requerimentos formulados por mim. e por varios dos nossos collegas.
Não infira, porém, (Testas minhas palavras o illustre ministro que, se decorrer tempo mais do que o rasoavelmente necessario para a organisação de taes esclarecimentos, nós não comecemos desde logo a queixar-nos e insistentemente. (Apoiados.)
Começaremos, creia-o s. exa., porque o parlamento e o paiz deseja e carecem saber qual foi o uso que s. exa. fez, por exemplo, das faculdades extraordinárias que lhe foram conferidas no que respeita a aposentações e reformas, (Apoiados.) para que não venha dizer-se, como exa. o fez, rebatendo, aliás erradamente, os argumentos do sr. Elvino de Brito, que eram fracas as accusações contra si levantadas e que se desvaneciam facilmente, á luz dos documentos.
Venham, pois, todos esses documentos, e ver-se-ha então qual foi a maneira por que s. exa. usou da arma perigosa que lhe fora confiada.
Entretanto desde já lhe poderei declarar que o nosso collega o sr. Elvino de Brito estava perfeitamente no seu direito em affirmar, como affirmou, que s. exa. não respeitara a lei quando aposentou com o ordenado por inteiro o empregado o sr. Raposo de Carvalho.
A critica do meu illustre collega limitou-se a que s. exa. não podia applicar a esse empregado a disposição do artigo 49.° do decreto n.° 4, que preceitua as condições para a reforma dos empregados da guarda fiscal, porque elle, Raposo de Carvalho, não pertencera nunca á guarda fiscal.
Esse empregado, que só podia effectivamente ser aposentado nos termos da antiga legislação, ou ainda nas condições da auctorisação extraordinária conferida ao governo pelo n.° 2.° do artigo 1.° da carta de lei de 31 de março de 1885, a qual não consentia que se desse a aposentação com o vencimento por inteiro a quem tivesse menos de trinta annos de. serviço, caso que se dava com o sr. Raposo de Carvalho.
Podia este empregado ter em seu favor os melhores serviços, e posso asseverar que os tinha bons, porque o conheci como ministro da fazenda.
Sei que era zeloso e intelligente, e que por vezes os ministros o consultavam, e eu fui um d'esses.
Nem venho agora levantar uma qualquer accuasção contra esse empregado; affirmo tão sómente que o sr. ministro da fazenda só por um movimento de generosidade do seu coração, é que o aposentou com o ordenado por inteiro. (Apoiados.)
Os ministros, porém, não estão ali n'aquelles logares para fazer generosidades á custa do contribuinte; estão ali para cumprirem e fazerem, cumprir as leis. (Apoiados.)
Bem sei eu que o cumprimento da lei é o que menos preoccupa a s. exas. E isso recorda-me o que ha pouco succedeu com o sr. Hintze Ribeiro. Creio que s. exa. ata já inventou para seu uso um novo poder, alem dos que tínhamos definidos na carta.
Nós tínhamos já na carta um quarto poder, o moderador, o que constituía uma anomalia com relação á maioria das constituições pois agora ternos na pratica um quinto poder, que eu chamarei o poder interino, que faz com que um funccionario que não póde ser aposentado nos termos da lei o seja de facto interinamente pelo governo, interpretando não sei que sentimentos de generosidade, e á espera de uma confirmação que as camarás venham a dar a esse acto. (Apoiados.)
E a arbitrariedade assim praticada, ou antes o uso desse extraordinário poder interino, nem sequer pôde, na hypothese de que gê trata, defender-se com o argumento de que o serviço publico assim o exigia, porquanto nenhuma conveniência de serviço o aconselhava sequer, e a prova está em que o commercio da cidade do Porto se mostrara satisfeito com as condições em que se achava a alfândega daquella cidade, e o sr. ministro, dissolvendo a commissão administrativa que dirigia aquella casa, lhe dirigia ao mesmo tempo uma portaria louvando-lhe os serviços e exaltando-lhe os méritos.
E noto isto, para que não se diga que o sr. Elvino de Brito, dirigindo a accusaeão. que dirigiu ao sr. ministro da fazenda por não ter cumprido a lei, deixou do ser justo nessa accusacão.
A argumentação do sr. ministro da fazenda não conseguiu pois convencer-nos, e não foi de natureza a justificar o seu appello para que nos collocassemos a seu lado, visto tratar-se, de uma questão de ordem publica.
O sr. ministro está constantemente fallando em ordem publica, e francamente confesso que não vejo neste momento no paiz outra desordem que não seja a que é provocada por s. exa., (Apoiados) e para prova, considere-se o que se está passando neste momento em um dos mais importantes districtos do norte, onde por culposa.iniciativa do governo se estão dando factos que podem vir a ser gravíssimos, (Apoiados) factos de que os srs. ministros, repito-o, são culpados, porque s. exas. não podem declinar a responsabilidade dos actos dos delegados da sua confiança, que nomearam e sustentam. (Apoiados.)
O sr. Mariano de Carvalho: - Ali até os delegados do governo já governam mais do que o próprio governo.
O Orador: - E esses delegados vem para a imprensa declarar que hão de permanecer no seu posto emquanto quizerem, e o sr. Fontes, de quem parecem dispor, se conserve no poder.
E não houve depois disto uma manifestação qualquer de censura para quem assim procedeu, pelo contrario, o que houve, com espanto do paiz inteiro, foi uma portaria de louvor!
O sr. Mariano de Carvalho: - A esses deram-lhe espera, porque não eram guardas da alfandega.
O Orador: - Disse ha pouco o sr. ministro da fazenda que não demittiu nenhum guarda, e eu digo que, se os não demittiu, procurou os meios de provocar o que s. exa. por um euphemismo delicado chamou livre saída.
Eu vou narrar a esse proposito á camara o que agora mesmo me affirmam haver succedido com um pobre guarda que servia ha dois annos na Povoa de Santa Iria.
Foi aquelle homem chamado a Lisboa á presença do inspector, o qual lhe declarou que tinha de alistar-se, e como a resposta fosse negativa, era acto continuo teve ordem de marcha para S. Martinho do Porto.
O guarda pediu que ao menos o deixassem ir á Povoa buscar alguma roupa; pois nem sequer este singelo pedido foi attendido.
E como este desgraçado insistisse em declarar que não se alistaria, disse-se-lhe então «peça a demissão», recusando pedia é desarmado e lavra-se o termo de abandono! (Apoiados.)
«Mas, replica o guarda, devem-me emolumentos e gratificações, que ainda não me pagaram!»
Responde-se-lhe «o que se lhe deve, paga-se, se ficar e se alistar, aliás não!» (Apoiados.}
Estes são os factos, que a imprensa indica; não os pre-

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senceei por mim, inutil é declaral-o, affirma-os, porém, o interessado.
Cumpre, pois, averiguar e sem demora, até que ponto essas queixa? são verdadeiras e justas.
Levantando aqui esta questão, cumprimos o dever de nos tornarmos os protectores d'essa gente humilde, e por forma alguma nos amesquinhâmos attendendo os seus clamores. (Apoiados.)
Se provocassem a desordem, não me veriam, por certo, a seu lado nessas circumstancias, mas emquanto limitarem o seu protesto a dirigir-se aos poderes publicos, a representar, a expor em termos commedidos as suas queixas elles encontrarão aqui alguém que de bom grado se fará echo dessas queixas e desses protestos. (Apoiados.)
Asseverara o meu illustre collega, o sr. Luciano de Castro, que o sr. ministro exorbitara da auctorisação, reformando a sua própria reforma. E s. exa., contestando, citou-nos aqui, como extraordinária novidade, a disposição da lei de 31 de março do anuo findo, em que se declara que, da auctorisação por elle conferida, poderá o governo usar até ao fim de março de 1886; e como e se período não esteja decorrido, quer s. exa. inferir dahi que estava, e, segundo parece, continua a estar perfeitamente no direito de reformar a sua própria reforma, de substituir disposição a disposição, algumas contradizendo-se evidentemente de modo absoluto e completo, e até alterar por uma simples portaria, com a sua assignatura, aquillo que preceituara, pouco tempo antes, em um decreto com força de lei e firmado pelo soberano!!
Em vista de uma tão peregrina interpretação de s. exa. e da extraordinária clareza que o nobre ministro vê na redacção da lei, pergunto porém a v. exa., e a todos nós, para que estamos discutindo!
Quem nos diz que s. exa. tem neste momento, na sua pasta, três ou quatro novíssimas reformas da sua reforma? (Apoiados.)
Achamo-nos assim discutindo uma sombra, temos em face de nós verdadeiros quadros dissolventes que podem estar-se apagando no próprio momento em que procuremos fital-os; mas, sr. presidente, eu julgava que o governo não se fizera para exhibicão de artes magicas, julgava e suppunha que o governo era e devia ser uma cousa séria. (Apoiados.)
Auctorisações legislativas nunca devem ser interpostas senão em um sentido restricto. Esta é a tradição constitucional e a pratica nunca desmentida entre nós. Está na essencia das delegações, essa interpretação restrictiva.
E para citar um entre tantos exemplos eu limito-me a chamar a attenção dos srs. ministros para os termos da auctorisação conferida ao governo em 1869 para reforma dos serviços publicos, dando conta às cortes, aúctorisação conferida sem limitação de tempo, e nos termos amplos do qual caberia a faculdade de continuar a reformar os serviços indefinidamente, uma vez que se desse conta às cortes!
Mas isto é que nunca se entendeu assim. (Apoiados.)
Uma vez feito uso da auctorisação, considera-se que esta caducou, que terminou pelo uso que se fez d'ella, ou bom ou mau, e pelo qual se é responsavel. (Apoiados.)
Isto que se está agora passando não é lógico, não é racional nem acceitavel, é um perfeito abuso, e desse abuso ou infracção é que accusâmos a s. exas. (Apoiados.)
E o argumento, a que s. exa. tambem se soccorreu da auctorisação conferida na lei do sêllo, para codificar e regulamentar as disposições avulsas relativas a esse imposto.
Todos nós sabemos, por infelicidade dos que pagamos, a enorme quantidade de vezes, que a legislação do sêllo tem sido modificada, e como esta contribuição tem estado sujeita a successivas alterações e regulamentos; pois não será racional, natural e lógico que se diga: «codifique-se e fique sempre o governo auctorisado a codificar ás differentes disposições legaes que forem additando ou alterando a primitiva legislação», ao passo que muito expressamente se declara que é unicamente para essa codificação que se dão poderes indefinidos emquanto ao praso de tempo, dentro do qual podem ser usados? E nunca se poderia, pois, comparar essa aúctorisação com a que se refere á alteração completa de serviços públicos tão complexos e importantes, como são os das alfandegas.
E quando o meu illustre collega, apertando mais com s. exas., se referiu ao facto de que á responsabilidade d'esses actos contradictorios e illegaes estavam presaa tambem as assignaturas dos srs. ministros da guerra e da marinha, e ahi vou eu referir-me particularmente ao sr. ministro da guerra, embora saiba que s. exa. lamenta que se lhes dirijam de um modo mais instante, sem se recordar que não póde deixar de ser assim, attenta a importancia da posição política de s. exa., attenta a sua preponderância nesta situação como presidente della; mas, repito, quando o meu collega apertava um pouco mais com s. exa. o sr. ministro da fazenda, sobro o facto da responsabilidade das assignaturas, dos ministros da guerra e da marinha, s. exa. respondia triumphantemente que já na ultima sessão o sr. Fontes se levantara, interrompendo o orador que então usava da palavra, para affirmar a solidariedade ministerial, e declarar que fora com o accordo do ministro da fazenda que se haviam feito no decreto n.° 4 as alterações que tornaram possível a sua final inserção na ordem do exercito.
Mas é precisamente o facto desses accordos diversos de 17 de setembro, e de 9 de dezembro, o que mais chama, attrahe e justifica as nossas criticas. (Apoiados)
Diz-nos o sr. ministro da fazenda: «pois accusam-nos de medo?! Não respondo a esse argumento.» Oh! sr. presidente, em verdade os fortes estão ali, nunca tremeram, nunca procuraram desfazer os attritos contemporisando; nunca angariaram vontades e conquistaram adhesões á custa dos favores do thesouro; elles ali estão impavidos, tendo só em frente e como norma de proceder a idéa da justiça e da rectidão. «Fortes nós. Accusam-nos de fraqueza?! Não respondo, rio-me. Se se trata de medo, aqui estou eu para combater.» (Riso.)
Como é difficil a minha posição em face destas declarações do sr. ministro!
Pela minha parte declaro, que não só o sentimento de sympathia e consideração que tenho por s. exa. me tolheria o lançar-me nesse extremo; mas a deficiência de espirito bellicoso e a completa ausência de sentimentos dó ira, tolhem-me absolutamente o sair daqui com o intuito de provocar s. exa. a um combate singular. (Riso.)
Deixemo-nos, porém, desses combates, são elles apenas consequências da rhetorica de que s. exa. não usa, (Apoiados) e examinemos e desfiemos um pouco esta questão da solidariedade do sr. presidente do conselho, que, de um modo terminante, veiu dizer-nos, o que aliás não era uma perfeita novidade, que aceeita plenamente a responsabilidade e não renega os accordos diversos em que esteve, com o seu collega da fazenda, quanto a esta reforma da guarda fiscal.
Pois é na ordem chronologica desses accordos diversos que nós vemos justamente um signal de fraqueza extraordinária. (Apoiados.)
Pois o ministro da guerra, o chefe do exercito, o representante da forca publica, a quem cumpre, mais do que a ninguém zelar essa corporação, que no brio e na dignidade tem o seu principal esteio, não teria lido, ou não teria avaliado o alcance da reforma que referendara em 17 de setembro?
O sr. presidente do conselho daria porventura a este documento a sua assignatura, com a mesma indifferença com que a deu a uma celebre circular eleitoral aqui muito discutida na sessão passada?

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E se leu esse documento não posso crer como s. exa. justifique o seu accordo em face das modificações que mais tarde fez introduzir no decreto n.° 4.
Diz-nos o sr. ministro da fazenda: «Pois eu havia de fazer questão por uma simples formalidade de continencia? Havia de deixar sacrificar esta reforma que é a mais ampla, a mais perfeita, a mais completa, de quanto se tem publicado, por uma questão de continências?»
Oh! sr. presidente, não se trata de questões de continencia, trata-se de uma questão militar suprema, a do brio da officialidade do exercito portuguez.
O sr. presidente do conselho que foi por tantas vezes ministro da fazenda e que o é da guerra, não saberia como estava organisado o corpo da fiscalisação, o arbítrio e o desacerto com que muitas das nomeações para aquelle corpo haviam sido feitas, a falta de qualidades moraes que só dava em muitos dos homens nomeados para os cargos superiores dessa fiscalisação?
Pois o sr. presidente do conselho, conhecendo tudo isso, não duvidou prestar a sua assignatura, equiparando assim aos officiaes do exercito, gente muita dá qual esta repelliria, como repelliu de facto, por manifestações que, por não virem a publico, não deixaram de vir actuar sobre o governo, o que não tinha medo, mas que se deu pressa em definir as bases do novo accordo, o segundo entre os srs. ministros da fazenda e da guerra, accordo que tornou possivel que o decreto se publicasse na ordem do exercito em dezembro findo.
Ora, eu lamento e profundamente tudo isto, não porque ache que quem pratica um erro não faça bem em emendal-o, e até estou inclinado a dizer que o sr. ministro da fazenda ainda tem desculpa; a quem não posso desculpar é ao sr. presidente do conselho, ao ministro da guerra que BO diz reformador do exercito, e que concedeu levianamente a sua assignatura a este documento, cedendo mais tarde perante um protesto, quando devia em principio ter sido o primeiro a levantal-o.
O sr. Hintze declara, porém, que não cedera diante dos clamores que se levantaram, s. exa. limitou- se a não arriscar a sua reforma por uma questão de continência, não valendo a pena prender-se por tão pouco. Pois bem, dir-lhe-hei eu agora: Não se prenda v. exa. hoje tambem em face da justiça, da lei, da humanidade e dos direitos adquiridos, e dê promptamente uma reparação áquelles que a reclamam, e attenda às supplicas dos guardas que não se podem impor como o exercito, que não representam influencias políticas ou eleitoraes, mas que, se têem por si a justiça, devem ser attendidos ainda que com isso soffra o brilho, ou a symetria da reforma do iilustre ministro.
Mas, disse-nos s. exa. «ainda me accusam por ter revogado por uma portaria algumas disposições de um decreto, quando eu não fiz mais do que prorogar o praso do alistamento ali fixado».
Ora, sr. presidente, nem por se tratar sómente da prorrogação do praso, nem por isso s. exa. deixou de abusar alterando um decreto que tinha força de lei. (Apoiados.)
«Mas essas instrucções, acrescentou s. exa., essas instrucções com que eu acompanhei a portaria, tendiam unicamente a esclarecer os guardas, e abrir-lhe os olhos, a livral-os do desvairamento a que a opposição os queria arrastar; o que eu queria era dar-lhes tempo para que elles, mansa e pacificamente, podessem esclarecer-se ácerca das vantagens, que lhes resultavam do decreto n.° 4; para esse fim unicamente é que publiquei a portaria, para isso a acompanhei com aquellas instrucções.»
Ora sr. presidente, essas instrucções, que deviam abrir os olhos aos guardas, a meu ver fecharam-lhos completamente, negando-lhe certas vantagens, que lhes estavam asseguradas pela legislação anterior, dizendo-lhes - direitos adquiridos não os tendes; chama-lhes a attenção, argumentando para esse fim com os artigos 31.° e 107.° do decreto de 31 de dezembro. Ora o que diz o artigo 31.° desse decreto? Diz apenas:
«As nomeações para os logares de guardas serão por tempo de um armo, findo o qual se tornarão definitivas, se as informações dos chefes fiscaes forem boas.»
Que importância tem isto? Pois elles não sabiam perfeitamente que eram nomeados provisoriamente por um anno e que não servindo bem eram despedidos dentro ou no fim desse prazo?
E hoje, com o alistamento, se elles não servirem bem, não podem tambem ser despedidos, mesmo antes de completarem o praso do alistamento? (Apoiados.) Portanto este artigo não vinha aqui a propósito de cousa alguma.
E o artigo 107.°? Esse dia apenas:
«As penas applicaveis às faltas graves são:
«5.ª Demissão.»
Parece que pelo regimen actual os guardas não podem ser demittidos. Mas diz-se-vós não tinheis até agora forma alguma de processo para serdes demittidos; e acrescenta-se nas instrucções:
«As penas graves (entre as quaes figura a demissão) eram anteriormente applicadas pelos superiores legitimo», sem que o delinquente fosse ouvido e apresentasse a sua defeza; pela nova legislação torna-se necessário, antes da applicação da pena, ouvir o accusado.»
Ora isto ou é profundamente inexacto, ou representa uma culpa muito grave do governo.
Queriam abrir os olhos aos guardas, dizendo lhes que antigamente podiam ser demittidos sem serem ouvidos, quando havia legislação clara e positiva, que determinava que a pena de demissão só podia ser imposta no caso de infracção das disposições regulamentares, por faltas classificadas de graves, precedendo sempre um conselho de investigação! Então os guardas não tinham o direito de ser ouvidos! Escrevera se isto em um documento official destinado a esclarecer os pobres guardas, obsecados pelos artifícios da opposição!
E mencionando-lhe os artigos 31.° e 157.°, esquece-se propositadamente o artigo 160.° que diz do modo mais claro:
«A pena de demissão não poderá applicar-se nos casos de infracção dos preceitos regulamentares sem preceder um conselho de investigação, que formará a base do processo para demissão.
«§ único. Exceptuam-se os casos de flagrante delicto, previstos pelo codigo penal.»
Assevera-se tambem aos guardas que uma das vantagens do alistamento está, em que morrendo ou sendo feridos na defeza dos interesses do fisco, as suas viuvas receberão uma pensão.
Ora, sr. presidente, estas disposições inseridas em verdade, na reforma do sr. ministro da fazenda resultam claramente da lei votada no parlamento e que preceituou que nessas circmnstancias os empregados da fiscalisação externa ou as suas famílias teriam direito a uma pensão. (Apoiados.)
Isto resulta da lei que o preceitua de um modo genérico para todos os empregados da fiscalisação externa, e não sómente para áquelles que se submettessem ao alistamento.
Referi-me á. ultima organização da fiscalisação externa, e por incidente não quero deixar de dizer a esse respeito alguma cousa.
O regulamento que a organisou ficou redigido no ministerio da fazenda, quando dali saí. Outro ministro o publicou, as suas bases, porém, estavam já definidas.
Era caso de dizer como o Mantuano:

«Hos ego versiculos feci, tullit alter honores.»

É certo, porém, que o trabalho a que me refiro foi parcialmente modificado, e que taes modificações lhe contra-

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riaram o espirito, por fórma tal, que me era licito exclamar ao vel-o estampado nas eliminas do Diario do governo o

Quantum mutatus ab illo!

ha pouco referido pelo meu amigo, o sr. Luciano de Castro.
Eu não creava empregados em grande numero para vencerem quantiosos ordenados; (Muitos apoiados.) diminuía pelo contrario o numero de empregados superiores (Muitos apoiados.)
Creava e regularisava a inspecção, mas indo buscar os elementos para a constituir aos próprios quadros dos empregados superiores da fiscalização peia forma menos onerosa contribuinte, sem a creação de legares especiaes, altamente para o remunerados, e concentrando a fiscalisação nos edifícios do Terreiro do Paço. (Muitos apoiados.)
Mas não só n'esse ponto, e importantíssimo, do augmento do funccionalismo, a minha obra foi alterada.
Conservo em meu poder um exemplar impresso desse projecto, e por elle se póde ver a respeito d'esta questão dos guardas, e especialmente da sua demissão, dos processos que só deviam instaurar-lhe, da composição dos conselhos de investigação como eram numerosas as prescripções tendentes a garantir os direitos a esses empregados e a dar força aos agentes humildes do fisco para conseguir que elles não continuassem a ser um joguete das intrigas da política e não estivessem, como teem estado, sujeitos a transferências injustas e a cruéis revindictas. (Muitos apoiados.)
Pois estas disposições desappareceram do decreto de 1881. De todas ellas. só ficou o preceito de que haveria um conselho de investigação, precedendo a demissão dos guardas, mas nada se diz sobre a maneira d'elle funccionar, nem ácerca da sua constituição, e o que o decreto omittiu, nenhum ministro realisou até agora, auctorisando-se o sr. Hintze Ribeiro com esta falta para vir negar perante o parlamento os direitos adquiridos dos guardas, e justificar que estes sejam agora demitddos em massa, aos quarenta, como ha pouco affirmou um illustre deputado, que saberá provar a sua asserção, sem auxilio meu, pois que desembaraçadamente usa da palavra, como por bastantes vezes o tem demonstrado perante a camara.
O sr. ministro da fazenda declarou-nos que não podia deixar de proceder como procedeu, porque tinha necessariamente de empregar todos os esforços para que os guardas se alistassem, e no uso da defeza própria, oppunha propaganda á propaganda. «Aos esforços no sentido da desordem, e do sacrifício d'aquella desgraçada gente iliudida (dizia s. exa.) oppunha eu a propaganda illustrada dos meus empregados fiscaes superiores, propaganda feita pelos processos que ha pouco expuz á camara.» Era aquella propaganda mansa, e pacifica que os mandava para Castello de Vide, sem receberem subsidio de viagem, nem lhes dar tempo para se proverem de roupa. (Apoiados.)
Diz s. exa. que os guardas que têem intelligencia bastante para comprehender o beneficio da nova organisação alistam-se. Os curtos de intelligencia, os que não comprehendem as concepções do illustre ministros, esses não se alistariam nunca, e o que succederia em taes casos, pergunta afflicto s. exa.? Nada succederia de extraordinário, ficavam simplesmente na situação descripta ha pouco pelo meu collega o sr. Luciano de Castro.
O sr. ministro da fazenda soccorre-se a um subterfugio quando prescindindo do corpo da lei de 31 de marco, vá e buscar de entre as bazes a cila annexas, aquella em que se diz que os guardas e empregados menores, até chefe de posto, serão considerados como praças de pret.
Esse preceito só podia applicar aos membros da guarda fiscal, não invalidava nem podia invalidar os direitos adquiridos dos antigos guardas direitos adquiridos que n.° 1.° do artigo 1.° da carta de lei terminantemente mandava respeitar.
«Direitos adquiridos, mas esses não existiam para os guardas», assim exclama o iilustre ministro.
Ora, sr. presidente, pois então um guarda, que apoz um anuo de serviço per effeito de uma nomeação provisoria, é definitivamente nomeado, recebe a competente carta, paga os sólios e emolumentos, tem garantido o direito á aposentação, contando-se-lhe para esse fim inclusivamente o tempo de serviço em qualquer outra repartição do catado, que não póde ser dimittido sem um procceso. pois esto homem, este funccionario não terá direitos adquiridos.
E taes direitos poderão porventura ser annullados por mero arbítrio do governo, arbitrio tanto mais condemnavel quanto se exerce contra gente humilde e desprotegida? (Apoiados.)
Esses servidores do estado, não se alistando, ficavam na situação descripta pelo sr. Luciano de Castro, como já disso. O corpo constituia-se, elles ficavam fazendo parte parte corpo, prestando o serviço que lhes fosso mandado fazer pelos seus superiores; estavam sujeites às mesmas penas disciplinares impostas aos seus camarada, gosavam, porém, dos benefícios da legislação anterior, em virtude da qual haviam sido nomeados; não eram esbulhados do direito da aposentação; não se sujeitavam a ir para a África, como se declara no decreto, nem ao serviço no exercito a que estão obrigados os que toem um caracter perfeitamente militar: tinham finalmente a liberdade de se demittirem regressando a suas casas, logo que assim lhes conviesse.
Tudo isto de modo algum destruía a disciplina do corpo; e portanto não caía por esse facto em ruínas o edifficio alteroso construído pelo sr. ministro da fazenda. (Apoiados.)
Fallou-nos e sr. ministro em notas alegres e notas tétricas, e classificou de nota alegre a que desferiu o nosso collega Elvino de Brito, referindo-se a que o decreto n.° 4 tornara dependente do consentimento de s. exa. o casamento dos guardas.
S. exa. citou-nos, para nos anniquillar, o exemplo da Itália, e acrescentou que na Itália se ia bem mais longo porque se obrigava o guarda a ter a renda de 400 liras para se poder auctorisar o casamento.
Ora, o procedimento da Italia ainda eu comprehendo.
Ha ali um criterio. Mas, entre nós, pergunto agora ao sr. ministro, qual é o criterio por que se ha de aferir a licença para os casamentos dos guardas?
Á que considerações e argumentos de ordem diversa só soccorrerá o ministro para auctorisar o casamento daquelles dentre os 4:000 guardas que se lembrarem de casar?
O nobre ministro vê que a exigência de 400 liras de renda em fundos publicos, é um facto de fácil averiguação para a repartição competente, mas o ministro da fazenda de cá é que não póde apellar para elle.
E ha de n'essas condições, permitir o casamento ao guarda Antonio, accedendo aos seus instantes pedidos, e negal-o ao guarda Joaquim que mostra igual insistência? (Riso.) Esta situação é, na verdade, dolorosa, e summamente difficil. E, embora adversário intransigente em politica do sr. ministro, eu não posso deixar de lamentar os embaraços em que s. exa. se ha de encontrar, e as luctas a que o seu coração bondoso vae ficar sujeito! (Riso.)
Mas deixemos as notas alegres e as notas tétricas, e dê-nos o sr. ministro quanto antes a nota dos empregados aposentados por s. exa., o que importa um gravame novo de centos de contos de réis, não só em ordenados, mas em emolumentos que por uma disposição introduzida pela commissão de fazenda desta casa são agora pagos á custa e pelas forças do thesouro.
Precisâmos sabel-o, mórmente n'esta occasião, em que desgraçadamente os nossos fundos estuo a menos de 44 por cento, em que desgraçadamente em um Diario do governo tarjado de negro, e com a data fatal do dia 13 só nos apresenta a nota da divida fluctuante subindo a perto de réis

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12.000:000$000; precisamos saber, digo, emquanto importara essas aposentações ordenadas pelo governo e em que condições ellas foram dadas, até que ponto se justifica o impellir para a inactividade empregados muitos dos quaes pareceriam validos, e que ainda, mesmo quando não estivessem capazes de todo o serviço activo, podiam ainda assim prestai-o moderado, em vez de ficarem completara ente inutilisados para a communidade.
Bem sei que s. exa. póde responder-me que está já meditando na maneira de extinguir o deficit; eu, porém, louvando-me nas palavras de um amigo da situação, de um estadista por todos considerado (Apoiados.) e que nesta questão é uma auctoridade, vou já prevendo que o déficit nunca poderá descer no anno actual a muito menos de 10.000:000$000 réis.
A auctoridade que o escreveu é tão respeitavel, os argumentos que adduz são tão bem fundamentados, que eu, encostando-me á opinião desse illustre estadista, e sem esperar mesmo pelo que nos dirá o sr. ministro da fazenda, vou desde já suppondo, mesmo porque a nossa doutrina é irmos crescendo sempre no déficit, que o deste anuo ha de ser superior ao do anno anterior, que rastejou por réis 8.000:000$000, e chegará a 10.000:000$000 réis.
Não desejo fatigar a attenção da camara; creio que o sr. ministro se referiu ainda a alguns outros pontos, o particularmente á doutrina do decreto n.° 5 publicado por s. exa; deixarei, porém, a resposta a essa parte do seu discurso para occasião mais opportuna, ou mesmo para collegas meus que têem no assumpto competência que a mim me fallece.
Por ultimo direi apenas que me parece ter conseguido desviar de cima de nós a accusação de desordeiros. Pela minha parte nunca o fui, e espero já agora que assim terminarei a minha carreira publica, não auxiliando senão as reclamações que reputo legitimas, e feitas nos termos legaes, e como não VI até agora que os guardas da alfândega se affastassem deste caminho, aqui estou luctando em favor dos seus direitos offendidos, dos seus justos interesses postergados.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos dos seus collegas.)
O sr. Franco Castello Branco: - (Como o sr. deputado principiou a fallar no fim da sessão, e ficou com a palavra reservada, publicar-se-ha o seu discurso na integra na sessão de 19.)
O sr. Presidente: - Fica a palavra reservada ao sr. Franco Castello Branco.
A ordem do dia para amanhã é a continuação deste incidente.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Discurso proferido pelo sr. deputado Consiglieri Pedroso, na sessão de 11 de janeiro de 1886, e que devia ler-se a pag. 22, col. 2.ª

O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, tendo necessidade de dirigir aos srs. ministro da fazenda, dos negocios estrangeiros e da guerra algumas perguntas sobre assumptos da mais alta importancia, peço a v. exa. me reserve a palavra para quando qualquer destes membros do governo esteja presente.
É desnecessario dizer á camara que me associo completamente ás palavras pronunciadas pelos iilustres deputados, que me precederam, sentindo e lastimando tambem que, apesar da hora tardia a que hoje se abriu a sessão, ainda nenhum dos srs. ministros aqui esteja para corresponder á justa ansiedade da camara em ver s. exas. nos logares que systematicamente timbram, em deixar vazios! (Muitos apoiados.)
Com tristeza reparo que esta sala, apesar de nos apparecer este anno melhorada e com outro aspecto, não corresponde infelizmente nos seus melhoramentos a melhoramentos algum nos hábitos e nos costumes dos representantes do poder, costumes e hábitos que continuam a ser uma edição correcta e augmentada do desleixo por que só tornaram notáveis na sessão passada! (Apoiados.)
Aproveito a occasião de estar com a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei, para o qual peço toda a attenção da camara, e mesmo, se me é licito fazer similhante pedido, para o qual reclamo todo o empenho dos meus collegas da maioria.
Com brevíssimas e singelas palavras justificarei por agora este projecto, pois não só a sua doutrina me parece de todo o ponto indiscutivel, senão que tambem me reservo para mais largas e circunstanciadas explanações, quando o assumpto a que elle se refere entrar em debate publico nesta camara.
(Leu.)
«Artigo 1.° É fixado em nove horas, tanto de verão como de inverno, o dia normal de trabalho para os jornaleiros adultos em todas as officinas, fabricas e arsenaes do estado.
«§ único. A fixação das horas de trabalho em cincoenta e quatro por semana não importa uma correspondente reducção de salário, nem tão pouco a suppressão de um descanso diario de pelo menos, uma hora.
«Art. 2.° É igualmente fixado em nove horas o dia normal de trabalho para todos os jornaleiros adultos, empregados nas direcções de obras publicas dos differentes districtos e em todos os outros serviços análogos por conta do estado.
«§ 1.° Quando, por motivo de urgencia, por qualquer rasão de força maior, ou pela qualidade especial do serviço, os trabalhos tiverem de prolongar-se alem do máximo legal de novo horas por dia, será esse acréscimo do tempo pago á parte como serviço supplementar.
«§ 2.° As empreitadas, tarefas e outras formas de contrato de trabalho, continuarão a regular-se pela legislação em vigor, até que uma lei especial prescreva as condições do seu exercicio.
«Art. 3.° São equiparados ao estado para todos os effeitos da presente lei os districtos e os municipios.
«Art. 4.° Fica incumbido o governo de proceder pelo ministerio das obras publicas a um inquérito com o fim de colligir os ciados indispensaveis para serem applicadas às grandes companhias, desde já, e progressivamente á restante industria particular, as disposições dos artigos 1.° e 2.° e seus paragraphos do presente projecto de lei.
«Art. 5.° O resultado do inquerito a que se refere o artigo antecedente deverá ser presente á camara dos deputados na sessão immediatamente posterior áquella em que tiver sido convertido em lei o presente projecto.
«Art. 6.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
«Sala das sessões da camara, em 10 de janeiro de 1886. = O deputado, Z. Consiglieri Pedroso.»
Prometia ha pouco que justificaria, este projecto de lei apenas com brevissimas palavras, e hei de cumprir a minha promessa, porque nem desejo tomar demasiado tempo á camara, nem é meu intento encetar neste momento uma discussão que terá o seu logar quando o projecto, que acabo do mandar para a mesa, vier acompanhado do parecer da respectiva commissão.
No entretanto algumas considerações são necessárias para justificar a opportunidade da medida legislativa que acabo de ter a honra de apresentar, e que se cifra na reducção do dia normal de trabalho a oito horas úteis, ou nove horas com um descanso de uma hora, o que equivale ao mesmo.
Recorda-se v. exa., sr. presidente, e a camara de que na sessão passada apresentei um projecto de lei de natu-

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reza analoga ao que apresento hoje, o qual tinha por objecto crear no paiz um serviço de inspecção e estatística do trabalho nacional, a fim de que as grandes questões, que mais urgentemente interessam às classes trabalhadoras começassem a solicitar entre nós a attenção dos poderes públicos.
Infelizmente esse projecto, apesar do apparente favor com que julguei vel-o recebido pela camara, e apesar de ter mesmo merecido a alta honra de o sr. presidente do conselho, que nessa occasião se encontrava no seu logar (o que mo acontece hoje, seja dito de passagem), lhe ter dedicado uma especial attenção, chegando até a promctter-me que o tomaria na consideração devida, apesar de todas estas condições á primeira vista favoráveis, o projecto a que me refiro, como tantos outros de interesse publico, ainda jaz no limbo das comissões, á espera que mão compassiva dali o arranque, para uma discussão nesta casa do parlamento.
Em todo o caso o dever estava pela minha parte cumprido, e hoje, assim como hontem, a iniciativa que tomo na proposta de uma legislação do trabalho, significa, como é fácil aliás de deprehender-se, um propósito deliberado e firme de claramente formular perante o parlamento portuguez os problemas economico sociaes, que fazem parte do único programma racional, que póde ter a democracia republicana no actual momento histórico entre nós.
O republicanismo meramente formal ou platónico terminou, com effeito, a sua missão. Os tempos são outros; e eu hei de esforçar-me, quanto era mina caiba, por demonstrar, que as idéas políticas que tenho a honra de representar nesta camara não se limitam, á aspiração vaga e indefinida de uma simples mudança de forma de governo, embora radical, mas que trazem como inevitável consequência e até como indispensável coefficiente de correcção, um conjuncto de medidas de ordem financeira, económica e social, que se justificam pela sua urgencia, a qual é mesmo reconhecida por muitos daquelles que se dizem nossos adversarios.
Ora, entre as questões de ordem social, que chamam mais particularmente a attenção de todos os homens, que põem o seu coração e a sua intelligencia ao serviço da nobre causa dos que soffrem as tristes consequências da organização económica da actualidade, não ha nenhuma tão importante como a da fixação de um dia normal de trabalho.
Todos os que conhecem de perto o viver intimo da nossa industria, que já não é tão pouco importante, relativamente, como a muitos se affigura, ou todos aquelles que, sem directamente o conhecerem, quizerem dar-se ao trabalho de passar a vista pelo inquérito industrial de 1881, o mais completo que temos, apesar de todos os seus defeitos, verão que para a maioria, senão quasi totalidade das industrias portuguezas, o regimen das horas de trabalho é de - sol a sol.
Estas três palavras - sol a sol - representam, sr. presidente, no seu atroz laconismo, uma das mais graves injustiças, e uma das mais insupportaveis oppressões que pezam sobre as classes trabalhadoras do nosso paiz.
Sem que este maldito regimen da escravidão tenha sido abolido, não ha para estas classes possivel redempção social.
A reducção das horas de trabalho a um maximum, que, sem prejudicar as industrias, liberte o trabalhador de um excesso de serviço, que lhe arruina a saúde e lhe aniquila as faculdades de sor intelligente, é a mais justificada, direi mesmo a mais santa das reivindicações do proletariado.
E não julgue v. exa. que é uma declamacão sentimental que estou apresentando para defender a minha these. Não é sob o ponto de vista, de princípios philosophicos quaesquer, que eu levanto esta questão; é baseado nos eternos princípios de justiça, e nas altas conveniências do bem estar nacional e da ordem publica, que eu, como homem politico, reclamo esta reforma.
Sr. presidente, se trabalhar de sol a sol no inverno significa nove horas e meia de serviço, pouco mais ou menos, no verão significa quinze horas e mais de trabalho, muitas vezes rude, e deletério, porque não está cercado das condições hygienicas indispensáveis, que possam, garantir a saúde do trabalhador!
Em Lisboa, e se fallo por agora sómente desta cidade, é porque tenho sido honrado por duas vezes com o mandato de representante da capital, e não me esqueço de que parto desta representação a devo aos votos generosos e desinteressados de alguns milhares de operários; em Lisboa, repito, a situação das classes trabalhadoras é das mais tristes.
E talvez seja nos arsenaes, nas fabricas e nas officinas do estado, onde o regimen é mais condemnavel. Para justificar a opportunidade da apresentação de um projecto de lei que venha pôr termo a este estado de cousas, não invocarei por agora, pois não quero, conforme disse, tomar largo tempo á camara; não invocarei por agora as minuciosas estatísticas que fundamentam todas as asserções que muito succintamente terei a honra de apresentar á camara, quando o assumpto vier á discussão acompanhado do competente parecer, favoravel ou desfavoravel. Será então a occasião appropriada de me servir detidamente dos elementos comprovativos que a este respeito se podem adduzir.
No entretanto, e isto me bastará por hoje, desejo frisar bem três pontos, que são os sufficientes, creio eu, para levar o convencimento da opportunidade da medida que apresento ao espirito de todos os que me escutam.
A fixação de um dia normal de trabalho menor do que o dia de trabalho, que abusivamente está entre nós actualmente em vigor, interessa antes de tudo á prosperidade da industria nacional. Relaciona-se intimamente com a maior productividade do trabalho; promette uma perfeição da mão de obra, desconhecida em grande parte nas nossas fabricas; e prende-se de um modo estreitos graves interesses de ordem política, pela posição que as classes trabalhadoras portuguezas occupam em face da legislação eleitoral do paiz.
Desenvolvamos rapidamente estes diversos aspectos do problema, que nos occupa.
Examinando a productividade do trabalho do operário no regimento de um dia normal racionalmente reduzido, observa-se que esta productividade, apesar do menor numero de horas de applicação, é maior, quer relativa, quer absolutamente considerada, que a productividade do operário sob o regimen arbitrário de um largo dia de trabalho, sem embargo do maior tempo empregado no serviço. Assim a productividade do operário norte-americano, com oito ou dez horas apenas de officina, anda quasi pelo dobro da productividade do operário italiano ou austríaco, apesar de estes últimos terem dias normaes de muito maior duração. O operário inglez produz mais que o operário francez apesar do trabalhar muito menos numero de horas, especialmente depois do Factory and Workshop act (lei das fabricas e officinas), que hoje regula as condições do trabalho n'aquelle paiz.
Tem-se alem disso observado, que a productividade augmenta á medida que o dia de trabalho se approxima das oito horas úteis, que no nosso projecto de lei propomos.
E nem admira que assim seja. Doze ou quinze horas passadas n'uma officina, às vezes mortalmente insalubre, sob o peso dos violentos esforços exigidos pela moderna grande industria, em meio de uma atmosphera escandecida pelo calor das machinas, são o sufficiente para arruinarem a saúde mais robusta e a constituição mais herculea.
E com a saude arruinada o operario ha de necessariamente produzir menos e peior. É com effeito o que dizem as estatisticas.

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Tratemos agora, sr. presidente, da perfeição da mão de obra.
Todos sabem que a organização do ensino profissional é hoje, póde dizer-se, um dogma acceito, pelo menos em theoria, por todas as escolas politicas do nosso paiz.
Todos, sem discrepancia, concordam, que a prompta organisação d'este ensino, melhorará as condições de inferioridade em que se encontra a producção industrial do paiz. Como ha de porém, dar resultado, ou sequer tornar-se possível, um ensino profissional, entre nós, se não consentirmos que aquelles a quem elle tem de aproveitar possam dispor de algumas horas para irem instruir-se nas escolas?
Não é ao operario, moralmente acabrunhado e physicamente exhausto, por um trabalho diario de quinze horas, que se póde pedir a applicação de algum tempo nas escolas profissionaes.
De modo que, sr. presidente, a esta triste servidão da officina é sacrificado o futuro das nossas industrias, desajudadas de todos os esforços, que deviam dar em resultado o successivo aperfeiçoamento da mão de obra.
E por isso que não só Portugal ainda não pôde, até hoje, conquistar o mais restricto mercado alem da fronteira para o seu trabalho, senão que vê o próprio mercado nacional invadido e assoberbado pela mão de obra estrangeira. É esta uma verdade dolorosa que ninguém se atreverá a contestar.
Nos Estados Unidos, sr. presidente, a questão da reducção das horas do trabalho e da fixação de um dia normal começou a debater-se logo na primeira metade d'este século, isto é, quando a industria americana e a grande industria em geral estavam bem longe ainda do attingir o extraordinário desenvolvimento que tiveram depois.
Sirva esta indicação de resposta áquelles que possam achar inopportuno o meu projecto de lei, sob o pretexto especioso de que a industria está ainda entre nós muito atrazada, e de que por consequência não formula por ora similhantes reivindicações.
Foi em 1830 que a reclamação de um dia legal de tralho de dez horas primeiramente se accentuou na grande federação americana, e foi o estado de Massachusetts o que se collocou á frente do movimento, que dentro em pouco ia tornar-se irrestivel, graças aos esforços e ao generoso auxilio de homens tão eminentes como Dana, Channing, Evarett e Greely. Sob a presidencia de Van Buren, era 1840, estava ganho o litigio, pois um decreto presidencial determinou que o dia normal do trabalho em todas as officinas e arsenaes do estado fosse reduzido a dez horas.
Quer dizer, o presidente da grande republica americana com a previsão que é o dom dos verdadeiros estadistas, procurou conjurar, por uma medida do alta justiça, os perigos que porventura se podei iam tornar gravíssimos, a accentuarem se todos os dias reclamações do operariado industrial.
Mas não pararam aqui as reivindicações dos operarios americanos.
De 1840 a 1868, passando-se pela terrível guerra da secessão a exigencia de uma nova diminuição das horas do trabalho foi-se pouco a pouco accentuando, até que em d indo largas, profundas o radicaes reformas políticas, mais 1868, sob a presidência de Andrew Johnson, o successor do grande Lincoln, decretou-se que fosse de oito horas o dia normal de trabalho pata todas as officinas, fabricas e arsenaes que dependessem do estado federal.

dicões de illustração e independência? E como ha de ser possível tal independência e tal illustraeão, quando se passa a existência lit[oralmente esmagado sob um trabalho deprimente de quinze horas diárias?
Pela constituição do paiz, não podia o presidente Johnson decretar esta medida para todos os estados particulares que compõem a federação, mas a victoria decisiva estava ganha, pois o mais alto poder do estado acabava de reconhecer a legitimidade da reducção a oito horas uteis do dia normal de trabalho.
A prova está em que o exemplo era dentro em pouco seguido por tres estados particulares, New-York, New Jersey e Rhode-Island, quer dizer, pelos tres estados que constituem o grupo mais compacto, mais importante e mais adiantado industrialmente d'aquella florescentissima nacionalidade.
Ora, só o estado de New-York, o estado-imperio, conforme lhe chamam do outro lado do Atlântico, póde rivalisar em maravilhas industriaes com a mesma Inglaterra, que tem feito até hoje neste ramo da actividade humana o assombro do mundo!
Mas a propria Inglaterra, apesar da sua feição accentuadamente aristocrática, e comquanto seja o paiz onde talvez mais profundas se encontrem as desigualdades sociaes, a própria Inglaterra, digo, mesmo sob a administração de um governo conservador, de um governo tory, presidido por lord Beaconsfield, isto é, sob a presidência de um governo que ali costuma contrariar as mais legitimas reivindicações populares, não teve duvida em decretar em 1878 o Factory and Workshop act, onde o dia normal de trabalho para os adultos é reduzido a onze horas.
Aqui tem v. exa., sr. presidente, os exemplos que nos vem dos pontos os mais oppostos - da republicana e democratica America e da monarchica e aristocratica Inglaterra!
O proprio centro parlamentar allemão, capitaneado pelo reaccionario Windtshorst, está disposto neste momento a apoiar no Reichstag germanico uma lei de reducção das horas de trabalho.
E depois lembremo-nos, srs. deputados, que uma alta questão de ordem e de conveniência publica nos aconselha, a nós legisladores, a facultar às classes trabalhadoras os meios de se illustrarem, não só sob o ponto de vista profissional, mas ainda sob o ponto de vista dos seus direitos políticos. O regimen eleitoral alarga-se, com effeito, todos os dias, approximando-se cada vez mais do suffragio universal. A cada novo alargamento do suffragio corresponde a entrada para a categoria de eleitores de membros do operariado portuguez. Dentro em pouco mesmo pelo número serão os nossos trabalhadores preponderantes na escolha da camara dos deputados, que é a assmbléa onde devem estar concentrados todos os poderes mais alguns federação americana, e foi o estado da nação. Não ha, pois, um interesse superior em que a que se collocou á frente do movimento, que dentro em encolha dos deputados haja de fazer-se nas melhores condições de illustração e independencia? E como há de ser possivel tal independencia e tal illustração, quando se passa a existencia litteralmente esmagado sob um trabalho deprimente de quinze horas diarias?
Attentem bem, srs. deputados, nesta ultima consideração, que não é de certo das menos importantes.
Não nos assustemos, pois, com estas idéas, que já hoje ninguém se atreve a alcunhar de subversivas; não nos assustemos com estas medidas perante cuja justiça até já se curvam os mais reaccionários governos; não nos assustemos com estes princípios, que são sem duvida a mais nobre reivindicação do nosso século, que o grande Gladstone denominou ha pouco o século dos trabalhadores.
Eu devo ser para a maioria insuspeito levantando aqui esta questão pelas accusações que fizeram ao meu partido apenas entrei nesta camara.
Quando a minha voz se tem levantado n'esta casa pedindo, profundas e radicaes reformas politicas, mais de um illustre deputado dos que se sentam d'aquelle lado (do direito) me t~eem respondido triumphantemente que as sociedades não vivem das violentas crises politicas, que muitas vezes perturbam a ordem estabelecida, sem assegurar um melhor estado de cousas, mas que os povos carecem principalmente de transformações de ordem economica e de ordem social; d'estas transformações que formam o conjunto a que se chama hoje - a politica da observação, a politica dos resultados, a politica nova emfim.
Pois bem! Ahi têem politica nova!
Pois bem! Sou eu que venho pela segunda vez levantar no seio da representação nacional a bandeira d'essa poli-

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SESSÃO DE 18 DE JANEIRO DE 1886 111

tica nova, d'essa politica de observação, d'essa politica de resultados!
Mandando este projecto de lei para a mesa, eu espero que a camara, inspirando-se na alta responsabilidade dos seus deveres o nos principios de alta justiça que dictaram as disposições d'este documento; e seguindo o exemplo do que lá fora constituo o mais nobre diploma dos verdadeiros estadistas e o mais legitimo orgulho dos grandes parlamentos, discutirá este projecto e não o deixará morrer em vergonhoso esquecimento, como praticou com um meu projecto analogo.
Ha um certo numero de reivindicações, sr. presidente, que uma vez formuladas pela consciencia de um povo, mais tarde ou mais cedo hão de ser postas em execução. Por maior que seja a resistencia que encontrem, não ha forças capazes de arredal-as do caminho.
Podem um dia ser supplantadas; póde a sua implantação tardar mais ou menos tempo; mas chega a hora fatal em que todos os obstaculos caem por impotentes e em que ellas necessariamente hão de ser inscriptas como um dos capitulos da legislação, que por todas as formas se lhes quiz fechar.
Ora a reducção das horas de trabalho, e será esta a minha ultima palavra, sr. presidente, é uma d'estas reivindicações!
Tenho dito.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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