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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 70

Cabo Verde, o campo unico da nossa colonisação propriamente dita. (Apoiados.) A Africa portugueza fôra, e continuava a ser depois da perda do Brazil, um viveiro de braços para as fazendas e plantações do Novo Mundo. Só no meado do presente seculo, pela creação do conselho ultramarino, pela fundação do estabelecimento de Mossamedes e pelo effeito da viagem de Brochado ao plan'alto meridional de Angola, ia começar para nós, no continente negro, o cyclo da colonisação moderna. Assignaram esta epocha factos do grande tomo, entre os quaes sobresáem, a meu ver, a instituição da benemerita Sociedade de Geographia de Lisboa, em 1875, novas occupações nos dois lados da Africa, a expansão administrativa atravez dos sertões, a restauração do apostolado missionario civilisador, gloriosas expedições scientificas e militares, a abertura de caminhos de ferro a novas estradas e o esboço de um vasto organismo economico livre, com feitorias, roças e centros europeus. Reentravamos assim na senda do nosso destino, apesar das muitas conflagrações que vinham agitando, neste periodo, a Guiné, Angola, e Moçambique, sobretudo as de Bolor, Cassange, Dembos, Bihé, Zambezia, Inhambane e Lourenço Marques. E apesar tambem das amarguras e perdas territoriaes que fomos experimentando, desde a conferencia de Berlim, que, em 1885, principiou a partilha geral da Africa, até ás notas diplomaticas de 1894 que pozeram termo a questão luso-germanica!

E tendo-se já avançado muito n'esse caminho, que vemos agora diante de nós? Que se apura dos melhores elementos de informação apresentados pelos nossos governadores, viajantes, missionarios e africanistas de todas as especies? Tira-se a conclusão rigorosa de que, em Cabo Verde, na Guiné, em S. Thomé, em Angola e em Moçambique, esta a base real de um grande, rico e forte imperio portuguez.

Cabo Verde é uma colonia de povoação perfeita, que devo entrar no regimen administrativo das ilhas adjacentes e póde ter uma larga producção e um commercio notavel, se lhe modificarmos o systema pluvial, pela arborisação das serras, desenvolvermos a agricultura, fomentarmos as industrias extractivas e melhorarmos a navegação de cabotagem.

A Guiné apenas póde ser uma colonia de plantação, com algumas feitorias, por meio de uma boa companhia soberana, podendo-se grangear braços na propria Guiné, na Liberia e na Serra Leoa, explorar em larga escala os productos tropicaes e tirar do solo as proprias subsistencias necessarias para os serviçaes e fazendeiros.

S. Thomé, typo completo de colonia de plantação; S. Thomé, que em 1894 teve uma importação de 944 contos de réis e uma exportação de 1:563 contos; S. Thomé, que apesar d'isso, tem ainda baldia metade da sua area cultivavel; S. Thomé, se toda esta entrar em exploração, se o maior campo for consagrado às grandes culturas tropicaes e se for bem resolvida a questão do trabalho, não com chinas, como se quiz tentar, mas apenas com prelos da costa de Kru, do Dahomé, de Angola e de outros pontos da Africa, póde ler um movimento mercantil seis, sete ou oito vezes maior o que seria maravilhoso, porque se trata de um simples monticulo de terra na immensidade do oceano.

Angola, cuja superficie é de mais de 1 milhão de kilometros quadrados; cuja população é de mais de 20 milhões de habitantes, pois só o sertão de Benguella tem 10 milhões; cuja balança mercantil pesou, em 1893, 12:500 contos de réis de mercadorias; Angola é destinada a uma larga colonisação mixta, como o Brazil, com fazendas e rocas na região costeira e nas bacias do Zaire e do Quanza e nucleos de povoação branca no planalto meridional, Ganda, Hanha, Quillenges, Humpata e Huilla até ao Bihé e o Cumene, podendo ella só constituir um grande imperio e ter sem muita demora uma producção mineira, agricola e industrial de muitas dezenas de milhares de contos de réis, pela affluencia de europeus e de capitaes e pela abertura de vias férreas e estradas carreteiras.

Moçambique, pouco menor do que Angola, e mais fertil ainda, já com um movimento mercantil de 6:300 contos em 1894, servira tambem para uma colonisação mixta, com centros mineiros, feitorias, roças e estabelecimentos europeus, tendo terrenos immensos para os generos tropicaes de grande exportação e possuindo ainda em Quelimane, Beira e Lourenço Marques os maiores emporios futuros da Africa austral, as portas do commercio do Nyassa, da Zambezia, da Mashonia, de Manica, da Matabelelandia e do Transvaal.

Se nos correrem favoraveis os ventos internacionaes, se houver uma boa orientação governativa, se o paiz quizer cumprir a sua missão historica, Portugal poderá ter ainda um cyclo de grande gloria e até mais riqueza do que em qualquer outra epocha, embora não possa ter já o poderio e o peso que teve outr'ora na balança da Europa, no concerto das nações, no equilibrio do mundo.

Ahi está, sr. presidente, o que se conclue, a meu ver, dos livros e relatorios mais importantes dos ultimos cincoenta annos acerca da nossa Africa, monumentos que deviam ser simplificados n'uma só obra digna de ser meditada pelo paiz inteiro. E n'essa missão historica, n'esse destino evidente, nesse designo da Providencia Divina, está a força moral que da consistencia, já aos motivos patrioticos e politicos da expedição a Moçambique, já aos jubilos, apotheoses e commettimentos que deviam ou devem ainda coroar as suas victorias assumpto de que desejo occupar-me rapidamente no meu discurso.

Sr. presidente, a glorificação dos heroes deve sempre traduzir-se em dois grandes factos honrosos e proficuos. O primeiro é a consagração dos seus feitos no coração da patria e nos marmores da historia; o segundo é a merecida utilisação das suas victorias pelos seus concidadãos. Aquelle é a affirmação do jubilo, do enthusiasmo, da gratidão e do civismo, nas manifestações do povo e nos monumentos legados a posteridade; este é a rapida transformação do sangue do campo da batalha em agua viva do campo da civilisação. De um lado, uma inflammação louvavel de sentimentos nobres e justos na alma da sociedade e no espirito do historiador; do outro, uma obra da intelligencia e da vontade dos estadistas, dos homens publicos e de outros servidores leaes da nação.

Associo-me inteiramente ás manifestações festivas que vêem sendo feitas, desde a de 17 de fevereiro de 1895 em Ponta Vermelha, até ás que estamos presenceando ainda, tal é a significação que o meu espirito deve ligar aos actos bellicos de Marracuene, do Incomati, de Magul, de Magudo, de Coolella, da Manjacaze, do Limpopo e de Chaimite. Acho justo que d'aqui a pouco os nossos historiadores introduzam, no livro de oiro da vida nacional, uma pagina ardente consagrada ao heroismo dos expedicionarios. Eu mesmo vou lembrar já os grandes factos que justificam essa glorificação. Mas ao mesmo tempo cumpre-nos notar e satisfazer as exigencias da nova situação de Inhambane e Lourenço Marques, alias a apotheose seria incompleta e porventura offensiva. (Apoiados.)

Sr. presidente, a acção das nossas armas no sul de Moçambique tem um valor que por vezes se não conhece ou se não reconhece, por motivos diversos, que não vale a pena agora determinar. Olhe-se, comparativamente para a situação, não só do Lourenço Marques, mas tambem de Inhambane, em 1894 e 1896, faça-se o mesmo quanto ao proprio paiz, considerado internamente e em face da Europa colonial, e ver-se-ha que esse esforço bellico teve um effeito de tal ordem, no ultramar, na metropole e no estrangeiro, que seria um erro, uma ingratidão, uma deshonra até, não se utilisar, como nos for possivel, o campo das nossas ultimas victorias. (Apoiados.)

Bem se póde hoje dizer. sr. presidente, que nos fins de 1894 havia em Moçambique uma rebellião, em parte la-