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N.º 11

SESSÃO DE 20 DE JANEIRO DE 1897

Presidencia do exmo. Sr. Antonio José da Costa Santos

Secretaries - os exmos. srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
Abilio Augusto de Madureira Beça

SUMMARIO

Antes da ordem do dia, leu-se e approvou-se a acta. - Deu-se conta do expediente, tendo segunda leitura dois projectos de lei: do sr. Boavida, equiparando os vencimentos do professor de hebraico na universidade aos dos demais professores; do sr. visconde do Ervedal da Beira e outros, isentando a camara municipal da Guarda do pagamento de quaesquer impostos sobre o material destinado a illuminação electrica da mesma cidade. - O sr. Aarão de Lacerda patrocina uma representação dos empregados menores da academia polytechnica, e apresenta um projecto de lei sobre a divisão das assembléas eleitoraes de Moimenta da Beira. - O sr. Sousa Avides apresenta um projecto de lei sobre os proprietarios urbanos. - O sr. Mello e Sousa porticipa a Constituição da commissão do commercio o artes. - O sr. Jayme Pinto faz participação de se ter constituido a commissão administrativa da camara, e insta pela remessa de documentos que pediu, relativos a soccorros a naufragos. - O sr. Carneiro de Moura faz diversas considerações sobre a prevenção de desastres no trabalho, respondendo-lhe o sr. ministro das obras publicas. - O sr. Fratel desiste da palavra por não estarem presentes os srs. ministros do reino e da marinha, a quem desejava dirigir algumas perguntas. - O sr. conde de Anadia justifica as faltas que deu por incommodo de saude. - O sr. Simões Baião apresenta um requerimento e uma representação dos distribuidores telegrapho-postaes do districto de Lisboa. - O sr. Adriano Monteiro manda para a mesa uma representação dos distribuidores telegrapho-postaes de Evora. - O sr. Adolpho Guimarães justifica as suas faltas.

Na ordem do dia, continua a discussão da resposta ao Discurso da Corôa, faltando os srs. Teixeira de Sousa, Luciano Monteiro (relator) e Dias Ferreira, que fica com a palavra reservada.

O sr. presidente declara que a proxima sessão é na segunda feira, 25.

Abertura da sessão - Ás tres horas e meia da tarde.

Presentes á chamada, 43 srs. deputados. São os seguintes: - Aarão Ferreira de Lacerda, Abilio Augusto de Madureira Beça, Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Adriano da Costa, Antonio de Almeida Coelho de Campos, Antonio Barbosa de Mendonça, Antonio Candido da Costa, Antonio José da Costa Santos, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Antonio Velloso da Cruz, Arthur Alberto de Campos Henriques, Carlos de Almeida Braga, Conde de Anadia, Francisco José Patricio, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jayme Arthur da Costa Finto, Jeronymo Osorio de Castro Cabral e Albuquerque, João Lopes Carneiro de Moura, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, José Adolpho de Mello é Sonsa, José Coelho Serra, José Eduardo Simões Baião, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Joaquim Aguas, José Marcellino de Sá Vargas, José Mendes Lima, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Licinio Pinto Leite, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Manuel de Bivar Weinholtz, Manuel Joaquim Ferreira Marques, Manuel Joaquim Fratel, Manuel de Sousa Avides, Theodoro Ferreira Pinto Basto, Visconde do Ervedal da Beira, Visconde da Idanha, Visconde de Palma de Almeida e Visconde de Tinalhas.

Entraram durante a sessão os srs.: - Conde de Valle Flor, Francisco Rangel de Lima, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Candido da Silva, Jacinto José Maria do Conto, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, José Dias Ferreira, José Freire Lobo do Amaral, José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa Junior, José dos Santos Pereira Jardim, Luiz Maria Pinto de Soveral, Luiz de Mello Correia Pereira Medello, Manuel Augusto Pereira e Cunha e Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho da Cunha Pimentel, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alfredo de Moraes Carvalho, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio de Castro Pereira Côrte Real, Antonio Hygino Salgado de Araujo, Antonio José Boavida, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Dias Dantas da Gama, Augusto Victor dos Santos, Bernardino Camillo Cincinnato da Costa, Conde de Pinhel, Conde de Tavarede, Conde de Villar Secco, Diogo José Cabral, Diogo de Macedo, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Guiherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Ignacio José Franco, Jayme de Magalhães Lima, João Alves Bebiano, João José Pereira Charula, João Marcellino Arroyo, João Maria Correia Ayres de Campos, João da Motta Gomes, João Rodrigues Ribeiro, Joaquim do Espirito Santo Lima, Joaquim José de Figueiredo Leal, José Antonio Lopes Coelho, José Bento Ferreira de Almeida, José Correia de Barros, José Joaquim Dias Gallas, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Gomes da Silva Pinheiro, José Teixeira Gomes, Julio Cesar Cau da Costa, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Luiz de Sampaio Torres Fevereiro, Manuel Bravo Gomes, Manuel Francisco Vargas, Manuel Pedro Guedes, Manuel Thomaz Pereira Pimenta de Castro, Marianno Cyrillo de Carvalho, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Quirino Avelino de Jesus, Romano Santa Clara Gomes, Thomaz Victor da Costa Sequeira, Visconde do Banho, Visconde de Leite Perry, Visconde de Nandufe e Wanceslau de Sousa Pereira de Lima.

EXPEDIENTE

Segundas leitoras

Projecto de lei

Senhores: - A lei de 14 de julho de 1880 desmembrou a cadeira de hebreu do quadro dos estudos do lyceu e annexou-a, para todos os effeitos, á faculdade de theologia da universidade, arbitrando a gratificação annual de 200$000 réis ao lente que fosse encarregado de a reger.

A lei, porém, de 1 de setembro de 1887 estabeleceu a gratificação mensal de 43$000 réis, a titulo de venci-

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mento de exercicio, a todos os lentes e professores dos estabelecimentos de instrucção superior.

Como excepção unica, o professor de hebreu recebe mensalmente a quantia de 16$000 réis para assim remunerar um serviço inteiramente analogo ao que é prestado no mesmo estabelecimento por todos os seus collegas!

O delegado da faculdade do theologia no conselho superior do instrucção publica, durante a sessão plenaria de 1880, apresentou a seguinte proposta: « O lente de theologia que reger a cadeira de hebreu, receberá a gratificação mensal do 43$000 réis, nos termos da lei de 1 de setembro de 1887».

Esta proposta foi plenamente approvada. Até hoje, porém, não se adoptou providencia alguma a tal respeito.

É por isso que a faculdade de theologia, n'uma represeutação dirigida ao governo de Sua Magestade em março do proximo preterito anno, fundamenta largamente a justiça d'essa reclamada providencia.

De facto, o professor da lingua hebraica tem as mesmas habilitações legaes, está sujeito aos mesmos regulamentos, obedeço ao mesmo horario, subordina-se á mesma disciplina, tem, n'uma palavra, os mesmos encargos que todos os seus collegas da universidade.

Só a remuneração é differente.

Pede por isso o dever da justiça e da igualdade perante a lei, que se adoptem providencias que remedeiem os inconvenientes expandidos, e por este ponderoso motivo tenho a honra de submetter á vossa esclarecida deliberação e sabio criterio o seguinte:

Art. 1.° O professor de hebreu na universidade de Coimbra fica equiparado nos seus vencimentos aos demais lentos! o professores do mesmo estabelecimento, para os effeitos e nos termos da lei de 1 de setembro de 1887.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, um 19 de janeiro de 1897. - O deputado, Antonio José Boavida.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de instrucção superior.

Projecto de lei

Senhor: - A camara municipal da cidade da Guarda, por escriptura de 7 de julho de 1896, sanccionada por decreto do 15 du outubro do mesmo anno, contratou com Francisco Pinto de Balsemão a illuminação electrica da mesma cidade.

Por uma das condições d'aquelle contrato a mesma camara obrigou-se a solicitar do poder legislativo a isenção de direitos para todo o material que for importado para installação e serviço do fornecimento da referida illuminação.

A camara municipal acaba de representar n'este sentido, pedindo uma providencia legislativa.

O pedido é justissimo, e deve a elle satisfazer-se pelas mesmas rasões que tem motivado a satisfação de outros de igual natureza.

O material necessario para a installação e serviço da illuminação electrica não pode ser fabricado em Portugal, o d'ahi resulta o terem-se concedido, tanto no continente como no archipelago, muitas isenções identicas.

A montagem da luz electrica para a illuminação da cidade da Guarda representa um importante melhoramento, e para que se leve a effeito preciso se torna, em cumprimento do contrato, obter a referida isenção.

Por tudo isto, senhores, vimos apresentar ao vosso illustrado exame o seguinte projecto de lei:

Artigo l.° É o governo auctorisado a conceder a isenção de direitos, ou de quaesquer impostos locaes, durante um anno, a datar d'esta lei, a todo o material para illuminação publica a luz electrica, com destino a cidade da Guarda, e posto a despacho na respectiva alfandega.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos deputados, 19 de janeiro de 1897. - Visconde do Ervedal da Beira = Amandio Eduardo da Motta Veiga - Conde de Pinhel = Jeronymo Osorio de Albuquerque.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

O sr. Aarão de Lacerda: - Cabe ás commissões de recenseamento a divisão das assembléas primarias, devendo sempre ter em vista a facilidade de communicação, e, portanto, subordinar a divisão que estabeleçam as condições topographicas da localidade.

Nem sempre as commissões obedeceram inteiramente ao pensamento do legislador, e isso se deu, por exemplo, no concelho de Moimenta da Beira, séde o parte constituinte do circulo n.° 49.

Para modificar, com vantagem, a divisão feita n'esse concelho, mando para a mesa um projecto de lei que, primeiramente, vou ler.

(Leu.)

Como estou com a palavra, aproveito a occasião para declarar a v. exa. e á camara que lancei na caixa das petições uma representação dos empregados menores da academia polytechnica do Porto, pedindo que os seus vencimentos o gratificações sejam equiparados aos dos empregados do igual categoria da escola polytechnica de Lisboa.

Nada ha mais justo.

Invocam tambem os peticionarios, em sou favor, o argumento de que os empregados menores dos institutos industriaes e commerciaes têem melhor remuneração.

O serviço do pessoal menor é mais penoso na academia polytechnica do Porto do que na escola polytechnica de Lisboa.

Na academia ha uma grande frequencia, um numero mais consideravel de cadeiras, e o numero de empregados é muitissimo restricto.

Julgo, não podendo comtudo affirmar, que a este pessoal era concedida uma gratificação de serviço, e creio que essa gratificação lhe foi retirada quando estava no poder o ministerio chamado «ministerio de salvação publica».

Desejei informar-me. Não quiz, porém, demorar o andamento da representação.

O ministerio do salvação, presidido pelo sr. conselheiro José Dias Ferreira, tratou com verdadeira crueldade algumas corporações devotadas á instrucção publica. É um facto para mim bom pouco comprehensivel, pois que o sr. Dias Ferreira é um dos professores que mais illustraram a cathedra universitaria.

Desculpe-me a camara este desabafo. Sou, porém, um professor da academia polytechnica, e foi este um da estabelecimentos scientificos que mais soffreu com a impiedade de s. exa.

Rogo a protecção da camara para o pedido exarado na representação.

O projecto de lei ficou para segunda leitura.

O sr. Sousa Avides: - Sr. presidente, mando para a mesa um projecto de lei relativo ás associações de propritarios urbanos.

Em conformidade com o regimento, procedo á sua leitura.

(Leu.)

Ficou para segunda leitura.

O sr. Mello ê Sousa: - Participo a v. exa. e á camara que se constituiu a commissão de commercio, elegendo para seu presidente o sr. Antonio Adriano da Costa, e a mim, participante, para secretario.

O sr. Jayme Arthur da Costa Pinto: - Participo a v. exa. e á camara que se constituiu a commissão administrativa, nomeando-me seu thesoureiro.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para per-

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guntar a v. exa., sr. presidente, se já vieram do ministerio da marinha uns documentos pedidos no anno passado, relativos á commissão de soccorros a naufragos.

Peço a v. exa. o favor de saber se esses documentos já vieram, e, se não chegaram ainda, rogo a fineza de instar novamente pela sua remessa.

O sr. Carneiro de Moura: - Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas, que tantas provas tem dado de subido interesse pelo operariado, para a fiscalisação protectora do trabalho nacional.

Os accidentes do trabalho repetem-se, e é preciso evital-os e remedial-os tanto quanto seja possivel.

S. exa. já tem o seu nome vinculado a um diploma regulamentar que bastante o honra, e que mostra quanto s. exa. se empenha em proteger a classe trabalhadora; mas esse diploma que já algumas providencias apresenta sobre, o assumpto a que me refiro, não remedeia, comtudo, por completo, a questão.

A sua realisação nem sempre é perfeita: má em Lisboa onde a vigilancia é maior, é pessima nas provincias, porque ahi parece que nem se pensa que o operario tem uma vida preciosa a defender.

E seria muito para desejar que o sr. ministro das obras publicas apresentasse ao parlamento uma proposta de lei, tornando responsaveis os empresarios pelos desastres occorridos no trabalho.

Só assim se dará aos trabalhadores uma certa garantia de futuro que não têem e cuja falta lhes amargura a penosa vida que arrastam.

O operario, com o salario incerto e baixo, vae vivendo sem saber se terá o pão de ámanhã; é uma situação afflictiva. Faça-se por esta classe tudo. Ao menos garanta-se-lhe a vida que arrisca no trabalho.

Os desastres que o podem victimar, alem de ser obrigada a precaução nas obras e a inspecção preventiva dos perigos, deverão ser cobertos pela responsabilidade dos empresarios.

Assim ter-se-ha dado uma certa garantia de vida a essa classe immensa, que nas officinas, nas construcções e no campo moureja o pão de cada dia em beneficio de todos.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Campos Henriques): - Pedi a palavra para declarar ao illustre deputado que o regulamento, a que s. exa. se refere, ao mesmo tempo que estabeleceu um conjuncto de regras e princípios tendentes a evitar os accidentes de que se trata, também estabelece a fiscalisação que se deve exercer n'esse assumpto.

Essa fiscalisação depende dos directores de obras publicas dos respectivos districtos, e em Lisboa e Porto é dependente dos engenheiros da camara municipal e do pessoal technico que trabalha debaixo das suas ordens.

É claro que, quaesquer que sejam os regulamentos, quaesquer que sejam as disposições tendentes a prevenir esses accidentes, em absoluto, há de sempre havel-os, porque dependem de milhares de circumstancias.

Em todo o caso, para que as disposições d'esse regulamento sejam rigorosamente observadas, quer em Lisboa, quer no Porto, quer nos outros concelhos do reino, darei as ordena mais terminantes.

Ainda, devo dizer a s. exa., sobre o assumpto para que chamou a minha attenção, que é meu intuito apresentar á camara um projecto de lei sobre os incidentes do trabalho.

O sr. Luciana Monteiro: - Peço a palavra para mandar para a mesa o seguinte

Requerimento

Peço nota das inscripções que se acham averbadas a favor da caixa geral de aposentação, com a designação dos respectivos numeros e valores nominaes. = Luciano Monteiro.

Mandou-se expedir.

O sr. Fratel: - As considerações que desejava fazer dizem respeito a negocios que correm pelo ministerio do reino e da marinha.

Peço a v. exa. que me reserve a palavra para quando estiverem presentes os srs. ministros das referidas pastas.

O sr. Carneiro de Moura: - Uso da palavra simplesmente para agradecer ao sr. ministro das obras publicas a resposta que me deu e o cuidado que mostra ter pela classe do operariado.

O sr. Conde de Anadia: - Mando para a mesa uma justificação de faltas.

É a seguinte:

«Declaro a v. exa. e á camara que faltei ás ultimas sessões por incommodo de saude. = O deputado por Vizeu, Conde da Anadia.»

Para a secretaria.

O sr. Simões Baião: - Mando para a mesa uma representação e o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio do reino (direcção geral de instrucção publica), me seja enviada copia dos seguintes documentos:

1.° Requerimento do professor do lyceu de Leiria, Joaquim de Oliveira Rino Jordão, de 24 de julho de 1891 pedindo o terço do seu ordenado por diuturnidade de serviço, documentos com que o instruiu e despacho n'elle exarado;

2.° Officio do reitor do lyceu de Leiria, de 11 de agosto de 1891, informando sobre aquelle pedido;

3.° Officio do governador civil de Leiria, de 18 de agosto de 1891, informando sobre o mesmo pedido;

4.° Exame de sanidade feito ao mesmo professor no lyceu de Leiria, em 26 de outubro do mesmo anno;

6.° Parecer de 29 de outubro de 1891 sobre o mesmo pedido da secção permanente do conselho superior de instrucção publica. = O deputado, Simões Baião.

Mandou-se expedir.

A representado vae for extracto no fim da sessão.

O sr. Adriano Monteiro: - Mando para a mesa a seguinte representação.

Vae por extracto no fim da sessão.

O sr. Adolpho Guimarães: - Mando para a mesa a seguinte justificação de faltas;

«Participo a v. exa. que faltei ás primeiras sessões d'esta camara por motivo de doença. = O deputado, Adolpho Guimarães.»

O sr. Presidente: - Visto não haver mais ninguem inscripto, vae passar-se á

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão de resposta ao discurso da corôa

O sr. Teixeira, de Sousa: - Sr. presidente: Está em discussão a resposta ao discurso da corôa. Pensar-se-ha que eu venho justificar o meu voto pelo motivo de ter assignado o parecer da commissão. Devo declarar muito francamente, que apenas aproveito esta opportunidade para tratar da questão economica, cumprindo um dever que á minha consciencia impuz. Não tenho a preoccupação de apresentar um plano; desejo apenas fazer um protesto, mansissimo, contra a politica juridica, tratando uma questão de capitalissima importancia, a questão economica, embora por modo summario e breve, para não abusar da paciencia da camara,

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108 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O discurso da corôa chamou a nossa attenção para os assumptos economicos; eu correspondo a esse appello, certo de que não direi cousas novos nem oonseguirei agradar a todos os interesses.

Sr. presidente: Eu não venho atacar nem defender a obra do governo. Não a ataco, pela simples rasão de que só tenho motivos para louval-a; não a defendo, porque brilhantissimamente a defebdeu o sr. Hintze Ribeiro em o posta ao sr. Dias Ferreira. O governo recebeu uma herança criçada de difficuldades; a fazenda publica arruinada e em bancarrota, graves difficuldades com os credores da divida externa, a anarchia na administração, a ordem publica sem merecer confiança a ninguem, o exercito por organisar a indisciplinado, as colonias desmanteladas, sem marinha em circunstancias de nos servir, pelo numero de navios de guerra, para assegurar a nossa soberania nos vastos dominios ultramarinos, o credito perdido,(Apoiados) mas, graças a acção do governo do sr. Hintze Ribeiro, graças ao seu trabalho perseverante e patriota, o orçamento do estado está equilibrado, regulada a situação com os credores, reformados e morigerados os nossos costumes politicos, a ordem publica absolutamente segura e garantida, o exercito engrandecido e levado a fazer echoar pelos sertões africanos o antigo e glorioso nome dos portuguezes. Os estaleiros gemem lá fóra para a organisação da nossa marinha de guerra, e a nossa diplomacia restitue-nos ao conceito do mundo, ora dando a ilha da Trindade á segunda patria dos portuguezes, ora resolvendo, com honra para todos, difficuldades internacionaes, que um mediano bom senso por parte dos delegados do governo no ultramar poderia ter evitado (Apoiados). Mas está tudo feito? Nem o governo o affirmou. A situação financeira está consideravelmente melhorada, mas o estado economico do paiz, se por um lado accusa melhoria, porque o deficit economico actual é inferior ao que foi em 1891, por outro não deixa de inspirar cuidados, porque as reservas do oiro estão muito reduzidas, quasi esgotadas.

Tudo o que vou dizer obedece a uma serie de raciocinios que visam uma conclusão que formularei. Posso errar na interpretação de elementos officiaes que consultei, mas v. exa. absolver-me-ha pela intenção. Ha necessidade de regularisar a situação dos cambios? Ha necessidade, é mesmo urgente, dizia hontem o sr. Hintze Ribeiro. Eu vou dizer porquê e como.

Está na mesa o orçamento geral do estado e equilibrado. Felicito por isso o governo e especialmente o sr. Hintze Ribeiro, por ver coroado de exito o seu perseverante e intelligente trabalho (Apoiados).

Os governos têem-se preoccupado quasi exclusivamente com as finanças do thesouro, tentando equilibrar o orçamento, luctando uma vezes contra a fatalidade das circumstancias, que lhes impõem novas e avultadas despesas, outras com a munificencia de um ou outro ministro, para quem uma rigorosa economia na administração dos dinheiros publicos é cousa de somenos importancia.

Não me parece que esta seja a melhor orientação para desembaraçar o paiz do consideravel desequilibrio economico com que está a braços.

Eu reconheço as vantagens do equilibrio do orçamento: affasta difficuldades na satisfação dos encargos do thesouro, levanta o credito, mas não basta para regularisar os cambios, o que deve constituir a nossa maior e melhor aspiração economica (Apoiados). A minha opinião, e que a ninguem quero impor, é que ou conseguimos restabelecer em breve e em bases firmes o equilibrio economico ou tristes dias esperam o nosso paiz.

Todos reconhecem a necessidade de regularisar os cambios, mas pouco se aponta, pouquissimo se faz para conseguir este desideratum. Alguns centos de contos de réis em oiro lançados nas nossas praças, quer provenham de uma operação de credito, quer da venda de quaesquer titulos na posse do estado, quer da iniciativa bancaria, apenas affastem o desenlace da crise que nos envolve. É preciso que a regularisação dos cambios assente no equilibrio economico, quando ao importações não excedam as exportações. Fóra d'isto, são expedientes de ephemeros effeitos, que só poderiam ser considerados quando houvesse a segurança de que a breve trecho seria augmentada a importação do oiro para satisfazer as necessidades, do paiz, o que n'este momento nada faz prever. (Apoiados.)

Sr. presidente, desde largos annos é manifesto o desequilibrio economico do nosso paiz, embora os seus effeitos se não fizessem sentir pelo motivo de repetidas operações de credito lançarem nas nossas praças o oiro que exportavamos. Accentuou-se, sobretudo, depois que a phylloxera destruiu os vinhedos do Douro, produzindo a escassez, reduzindo a proporções minimas a producção do incomparavel vinho d'aquella região, que li fóra tinha facil e compensadora collocação. Repetidas operações de credito trouxeram e oiro sufficiente para o paiz e o thesouro poderem satisfazer os seus encargos do estrangeiro, escondendo o que hoje tão perigosamente nos ameaça.

Cessaram as operações de credito, e tanto bastou para ser consideravelmente reduzido o stock de metaes preciosos, facto da mais alta importancia, como v. exa. e a camara melhor do que eu comprehendem.

Desde 1861 a 1864 a importação de metaes preciosos excedeu a exportação, e por tal fórma que em 1864 tinhamos um saldo ou stock na importancia de 7:352 contos de réis. Inverteram-se as cousas de 1865 a 1870, a exportação de metaes preciosos excedeu a importação, do que resultou haver n'este periodo um deficit de 6:267 contos de réis. Havia, portanto, em 1870 um saldo apparente na importancia de 1:095 contos do réis. De 1870 a 1890 a importação de metaes preciosos volta a exceder a exportação, e a tal ponto que em 1890 tinhamos um saldo de 65:915 contos de réis.

Estalou a crise em 1891. A drenagem de oiro foi logo consideravel, como passo a demonstrar.

Exportação de metaes preciosos no periodo de 1891 a 1895:

Annos Oiro Prata

1891 29.707:000$000 96:000$000

1892 9.093:000$000 251:000$000

1893 6.775:000$000 154:000$000

1894 3.604:000$000 279:000$000

1895 2.099:000$000 209:000$000

50.273:000$000 989:000$000

Como v. exa. vê a exportação de oiro desde 1891 a 1895 foi na importancia de 50:278 contos de réis, acompanhada da exportação de 989 contos de réis de prata.

Vejâmos qual foi a importação de metaes preciosos no mesmo, periodo de 1891 a 1895, para depois vermos qual é o saldo ou stock que existia em 1895.

Importação de metaes preciosos no periodo de 1891 a 1895:

Annos Oiro Prata

1891 3.721:000$000 4.547:000$000

1892 1.477:000$000 2.282:000$000

1893 935:000$000 594:000$000

1894 549:000$000 276:000$000

1895 906:000$000 236:000$000

7.588:000$000 7.965:000$000

Vê-se, sr. presidente, que a differença entre a exportação e importação do oiro, desde 1891 a 1895, foi, a favor da primeira, na importancia de 42:690 contos de réis, e que a differença entre a exportação e importação de prata, no mesmo periodo, e a favor da segunda, foi na importancia de 6:976 contos de réis.

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0 deficit de metaes preciosos, no periodo que estou apreciando, foi, pois, de 35:714 contos de réis.

Mas em 1890 havia, um saldo de metaes preciosos, na importancia de 65.915 contos de réis; logo, o saldo d'aquelles metaes, no fim de 1896, estava reduzido a 30:201 contos de réis.

Sr. presidente eu não encareço a gravidade d'este facto, que a camara por demais comprehende. Basta dizer que, se por um lado temos um consideravel deficit, commercial, que obriga á salda de soturnas importantes em oiro, por outro o governo, as companhias do tabaco, do gaz, de Ambaca, das aguas de Lisboa, e a companhia real dos Caminhos de feiro têem de satisfazer annualmente no estrangeiro os seus encargos e em oiro, na importancia de alguns mil contos de réis. (Apoiados.).

Se o remedio não vier de prompto, haverá oiro apenas para um tempo muita, curto e de certo á custa de enormissimo agio que evidentemente, crescerá á medida que as reservas d'este metal se approximarem do esgotamento (Apoiados.)

Eu não quero, sr. presidente, levar exclusivamente á conta da falta dos vinhos do Bouno e á queda de exportação dos vinhos de pasto a depreciação da nossa moeda: ás condições geraes da Europa e o cambio do Brazil põem para isso uma parte muito importante; a Europa deixando comprar o seu oiro, a ponto de saírem para os Estados Unidos da America do norte, nos primeiros onze mezes de 1896, 500.000:000 francos em oiro, o cambio do Brazil difficultando a calda de capitães, que viriam engrossar as refervas das nossas praças. Não me resta, porém, duvida de que o enorme deficit de cereaes e o decrescimento na exportação de vinhos explicam o desquilibrio, que, em minha opinião, tristes dias nos prepara, se o futuro se não for já, prevenindo. Póde ser deficiencia de um cerebro mal organisado, como de certo, o é o meu, mas eu não comprehendo como o nosso paiz possa, viver tranquillo a importar de 5:000 a 6:000 contos de réis de trigo, ao mesmo tempo que as exgortações não crescem a ponto, de cobrir tão consideravel deficit d'aquelle cereal.

A situação dos cambios já torna, difficil a nossa vida economica; mas quem nos assegura que os cambios se não agggravarão? O consideravel deficit commercial por um lado, as pequenas reservas de oiro por outro, fazem prever que os cambios se aggravarão e que o desenlace da crise nem se fará esperar muito, nem deixará de ter para o paiz perigosas consequencias. Não quero ser propheta de cousas Más, mas a verdade, manda que se diga, que é preciso cuidar; com perseverança do dia da ámanhã. Para isso é preciso que os governos se preoccupem pouco com a popularidade, e chego a dizer, é que talvez pareça heresia, que o paiz talvez venha a precisar de um governo, cujos ministros precisem ser guardados por esquadrões da guarda-municipal.

Governar é transigir, mas quando os povos se encontram em condições normaes. Póde transigir-se com princípios politicos, mas não póde haver transigencia com o augmento das despezas publicas, nem com o desleixo pelos assumptos economicos Um artigo a mais ou a menos na carta é cousa de somenos importancia, a par da capitalissima importancia do problema economico, que todos; põem; mas que ainda não foi resolvido.

Sr. presidente, o que se passa com os operarios das obras publicas em Lisboa mostra como a indole, de uma parte dos nossos homens publicos é affastar as difficuldades do dia de hoje, esquecendo, por vezes, o que devem a si como portuguezes e ao paiz, que resignadamente soffre todos os sacrificios.

Dentro da area do municipio de Lisboa trabalham cinco mil operárioss que gastam ao estado mais, de. 1:000 contos de réis em cada anno. Fazem-se obras, desfazem-se obras, sem qui isso corresponda a necesisdade reconhecida. (Apoiados.)

Sr. presidente, tão rico está o thesouro publico, que lhe não faça differença gastar mais de 1:000 contos de réis em cada anno? Pois em nome da necessidade de rigorosas economias votámos aqui uma lei, que, fóra de casos extraordinarios, não consente que se abra um palmo de estrada, e podemos gastar annualmente mais de 1:000 contos de réis em obras inuteis? Demais, sr. presidente, se é mau gastar quantiosas sommas em obras inuteis, peior do que isso serão as consequencias que de tal estado de cousas derivarão. Os operarios emigram da provincia para a capital, constituem aqui familia, apegam-se aos cafés, nos quinos, aos variados vicios de uma cidade populosa. Quando não houver trabalho para dar-lhes, quando as circumstancias do thesouro não permittirem a prodigalidade dos ministros das obras publicas, o que pensa v. exa. que acontecerá? Os operarios hão de protestar violentamente, hão de ser callados pela força armada, e Lisboa, esta bella cidade, tão encantadora quanto tranquilla, passará a ser theatro de desordens que lá fóra têem tomado consideravel incremento.

E, todavia, o remedio é facil. Ao passo que, por força de tal regimen, o orçamento do ministerio das obras pudicas está perturbado, a ponto de se deverem mais de 1:000 centos de réis aos, empreiteiros - aos empreiteiros a quem ha um anno foram pagos, integralmente os seus creditos por um emprestimo contrahido no banco de Portugal - é feliz o que vir construir, um metro de estrada ou correr o taboleiro de uma ponte.

As estradas estão arruinadas, e em vesperas do perdição completa, o que representa para o paiz o prejuizo de muitos mil contos de réis. Mas o socialismo do estado em que vivemos não permitte que se expulsem os operarios? Pois bem; mandem-nos para as provincias, onde farão trabalhos uteis e proveitosos e se não quizerem sair e perturbarem a ordem publica, o governo sabe como ella se mantem, e d'isso tem dado exuberantes provas, o que faz honra ao sr. ministro do reino. (Apoiados.}.

Eu não quero ser desagradavel ao sr. ministro das obras publicas, e muito menos ao governo. Não me animam propositos de menos confiança em um governo do meu partido, que eu, desde, que sentei praça em politica, tenho acompanhado com dedicação e que só deixarei quando tomar a resolução de abandonar por completo as cousas politicas. (Apoiados.)

Tenho a maior e mais absoluta confiança no governo, de que fazem parte amigos pessoaes meus que me prendem ao partido regenerador ou melhor, á politica activa. Isto não impede, porém, que eu, em minha consciencia, diga o que penso d'esta grave conjunctura de que só sairemos triumphantes quando os sete homens, do governo se resolvam a cortar profundamente pelas despezas publicas e a fomentar a riqueza nacional.

Eu deixo de lado, ponho, de parte por agora a reducção das despezas publicas, tantas vezes promettida nos programmas do governo e tão poucas vezes executada. Desde Melgaço até ao Algarve toda a gente reconhece que n'um periodo de vaccas magras não se póde viver senão com despezas magrissimas. Todos os governos têem promettido fazer profundas reducções nas despezas publicas. Uma têem cumprido, como o actual governo, e ainda como o do sr. Dias Ferreira, mas outros têem governado como o grande capitão da lenda, esquecendo muitas vezes o que devem a si como portuguezes e a quem sob sua responsabilidade os levou aos conselhos da corôa.

A reducção das despezas publicas é para logo que os governos a isso se disponham; já o mesmo não se póde dizer da questão economica. O equilibrio economico só d'ahi a annos póde estar restabelecido. É preciso preparal-o desde já, lançar-lhe desde já as bases. Mas como? Esperando o desenvolvimento das nossas colonias? Aguardando a melhoria do cambio de Brazil? Triste sorte será a nossa se adormecermos embalados n'esta fagueira mas illusoria

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110 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

esperança. O cambio do Brazil obedece a circumstancias economicas e politicas, que nada faz prever que se modifiquem para breve. O ultimo anno colonial mostra como só n'um periodo mais ou menos remoto as nossas possessões ultramarinas poderão influir sensivelmente no equilíbrio economico. É certo que o estado economico das nossas provincias ultramarinas tem melhorado, sobretudo depois de 1891. Affirmou-o hontem o sr. presidente do conselho e é verdade; mas tambem é certo que desde 1894 para cá se desenha uma crise que não deve passar desapercebida ao nosso espirito e á nossa consideração. A reexportação das mercadorias das provincias ultramarinas é representada nos annos de 1894, 1895 o 1896 nos seguintes algarismos, para que eu peço a attenção de v. exa.:

Reexportação de mercadorias das provincias ultramarinas:

Annos Valor em centos de réis

1894 7:123

1895 6:300

Differença 823

Como v. exa. vê, a reexportação de mercadorias das provincias ultramarinas decresceu de 1894 para 1895 na importancia de 823 contos de réis.

Vejamos o que se passou no primeiro semestre de 1896, a que correspondem os elementos estatisticos publicados, e comparemol-o com igual periodo do anno anterior:

Annos Valor em contos de réis

1895 (primeiro semestre) 4:019

1896 (primeiro semestre) 3:841

Differença 178

Como v. exa. vê, o movimento de reexportação de mercadorias das provincias ultramarinas diminuiu do primeiro semestre de 1895 para o primeiro semestre de 1896, de 178 contos de réis.

Calculando para o segundo semestre, o decrescimento será de 356 contos de réis de 1895 para 1896, e de 1:179 contos de réis do 1894 para o anno findo.

São eloquentes estes algarismos. Se por um lado moderam os nossos enthusiasmos ácerca da influencia decisiva dos colonias no desequilibrio economico, pelo outro devem chamar a attenção do governo para o movimento commercial das nossas provincias ultramarinas e determinal-o a empregar uma serio de medidas de effeitos certos e seguros para cortarem pela raiz e ao nascer a crise que ali se desenha. (Apoiados.)

Vê-se, sr. presidente, que só nós e por nós no continente, podemos conseguir o almejado equilibrio. Mas como? Intuitivamente, augmentando as exportações e reduzindo as importações, em que o trigo figura com uma cifra aterradora.

Não vae longe a epocha, sr. presidente, em que nós exportavamos uma consideravel porção de cereaes; não são passados muitos annos desde que nós importavamos uma quantidade relativamente pequena de trigo. Governavamo-nos com o trigo nacional, com o milho e com o centeio, e, francamente, o numero dos fracos, dos anemicos e dos tuberculosos não era superior ao de hoje. As populações ruraes alimentavam-se exclusivamente do milho e do centeio, e o trigo, como v. exa. sabem, entrava nas mesas como alimento de luxo. Hoje o trigo passou das cidades mais populosas ás aldeias mais insignificantes.

A abundancia do oiro tudo permittia sem maiores difficuldades.

Eu. sr. presidente, que não tenho a idade de Mathusalem, recordo-me de, em terras de população densa e rica, como a Regua, não panificarem o trigo.

Hoje passou das cidades mais populosas aldeias mais humildes; hoje passou das classes mais ricas menos favorecidos da fortuna, do que resultou um enorme [...] de trigo, que pesa consideravelmente para o [...] economico. Isto não é uma affirmação gratuita [...]. Desde 1838 a 1855 exportámos cereaes e farinhas no valor de 6:000 contos de réis. Póde-se avaliar pelos seguintes algarismos, que traduzem a importancia da exportação de cereaes:

Annos Hectolitros

1846 135:000

1849 222:000

1854 309:000

1865 188:000

Estalou a crise de 1855, crise que se manifestou principalmente no Minho, e ao mesmo tempo manifestou-se o gosto pela cultura da vinha e da oliveira, que era mais facil e compensadora; e então passou-se a importar trigo, mas veja-se a differença que na entre a quantidade de trigo que se importava n'essa epocha e a que se importa hoje.

Importação geral do trigo:

Annos Valor em contos de réis

1889 1:589

1870 1:681

1871 1:177

1872 1:250

1873 970

1874 1:068

Pois, em 1894 importámos trigo na importancia de 4:178 contos, e em 1895 na de 5:530 contos!

Quer dizer, não são passados muitos annos depois que nós importavamos uma quantidade relativamente pequena de trigo, mas hoje importâmos cerca de 5:000 a 6:000 contos de réis por anno, que temos de pagar em oiro.

Insignificante seria o damno se ao mesmo tempo as exportações crescessem, por modo a cobrirem tão consideravel deficit de cereaes, mas infelizmente não é assim. É certo que o movimento geral de importação e exportação tem augmentado, o que traduz uma melhoria consideravel das nossas forças economicas, mas é certo tambem que a exportação não tem crescido por fórma a dar segurança de que ha de cobrir o deficit do excesso de importação, sobretudo a quantidade consideravel de trigo que temos de importar.

Vou ler uma nota extrahida da documentos officiaes, das exportações que se fizeram de 1885 a 1896.

Exportação nacional e nacionalisada:

Annos Valor em contos de réis

1885 24:130

1886 25:827

1887 21:240

1888 23:446

1889 23:344

1890 21:538

1891 21:397

1892 24:631

1893 23:408

1894 23:912

1895 26:971

A media da exportação nos onze annos, a que se refere a nota que acabo de ler, é de 23:566 contos de réis.

Por esta nota que acabo de ler, vê-se que apenas se salientam nos ultimos annos as exportações nacional e nacio-

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SESSÃO N.º 11 DE 20 JANEIRO DE 1897 111

nalisada de [...] e 1895; eu direi d'aqui a pouco a signi[...] factos têem.

[...] a exportação realisada nos primeiros seis mezes [...].

Exportação nacional e nacionalisada de janeiro a julho nos annos de 1895 e 1896:

Annos Valor em contos de réis

1895 (primeiro semestre) 15:223

1896 (primeiro semestre) 15:508

Excesso 285

Accusa este facto uma melhoria nas nossas condições economicas? Incontestavelmente, como o disse o sr. presidente do conselho; mas cobre-se o perigo que nos resulta de importar 6:000 contos de réis de trigo?

Não, porque a exportação, ao mesmo tempo que cresceu n'esta importancia, foi no seu augmento excedido pelo augmento na importação, como v. exa. vê pelos seguintes algarismos.

Importação para o consumo de janeiro a julho dos annos de 1895 e 1896:

Annos Valor em contos de reis

1895 (primeiro semestre) 23:297

1896 (primeiro semestre) 24:282

Excesso 985

Mas como as exportações, nacional e nacionalisada, excederam em 285 contos de réis, segue-se que o deficit economico de 1895 para 1896 foi aggravado em 700 contos de réis.

Mas vejâmos que significação tem o facto de se ter salientado a exportação realisada em 1892 e 1895.

A de 1892 corresponde a exportação de 16:000 pipas de vinho compradas no Douro pela casa Henry Burnay & C.ª, que por isso foi extraordinariamente avolumada n'esse anno.

Vejâmos se o excesso de exportação realisada em 1895 traduz diminuição no deficit commercial.

Exportação nacional e nacionalisada:

Annos Valor em contos de réis

1895 26:971

1894 23:912

Excesso 3:059

Infelizmente, este excesso foi coberto pelo que houve na importação para consumo, como se vê dos seguintes algarismos.

Importação para o consumo:

Annos Valor em contos de réis

1894 35:666

1895 39:853

Excesso 4:187

De 1894 para 1895 a exportação nacional e nacionalisada cresceu na importancia de 3:059 contos de réis; no mesmo periodo a importação para consumo cresceu na importancia de 4:187 contos de réis. Quer dizer, o deficit economico de 1894 para 1895 foi avolumado na importancia de 1:128 contos de réis, o que não é evidentemente proprio para termos demasiada confiança no futuro, se desde já não tomarmos as mais serias precauções. (Apoiados.)

Mas desejo pedir especialmente a attenção de v. exa. é da camara para o que se passa relativamente a vinhos.

Li a v. exa. uma nota do total da exportação realisada desde 1885 até 1895; vejâmos agora como figuram os Vinhos no total das exportações.

Exportação de vinho desde 1885 a 1895:

Annos Valor em contos de réis

1885 14:834

1886 16:883

1887 11:359

1888 12:946

1889 12:034

1890 10:897

1891 11:122

1892 13:432

1893 11:246

1894 9:748

1895 11:291

A media da exportação de vinhos, desde 1885 a 1895, é na importancia de 12:344 contos de réis; quer dizer 52 por cento das exportações.

Vê-se por isto que o vinho é o nosso principal elemento de exportação, porque o resto, com excepção da cortiça e de animaes vivos, figura em quantidade insignificante.

Peço a attenção de v. exa. para a comparação, dos algarismos que figuram na exportação dos vinhos de diversos annos:

Annos Valor em contos de réis

1886 16:883

1894 9:748

Diminuição 7:135

Veja v. exa. a gravidade que tem tão consideravel queda na exportação de vinhos.

Pôde dizer-se que em 1894 não exportámos mais vinho porque a colheita tinha sido escassa. Já o mesmo senão póde dizer da exportação de 1893, que corresponde á colheita muito abundante de 1892.

Annos Valor em contos de réis

1886 16:883

1893 11:246

Diminuição 5:637

Tal estado de cousas não se modificou em 1895, como se vê da seguinte comparação:

Annos Valor em contos de réis

1886 16:883

1895 11:291

Diminuição 5:592

A diminuição na exportação de vinhos é real e firme, como v. exa. vê. (Apoiados.)

Aqui é que está o inimigo, sr. presidente. Aqui é que está a gravidade da nossa situação economica, e é opinião minha que mais facil é modifical-a pelo augmento na exportação de vinhos do que pelo arroteamento dos terrenos do Alemtejo, sem capitães e sem braços, e com a segurança ainda de, pela natureza da terra, a producção ser insignificante.

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112 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Grave erro commettemos em 1894 não permittindo a importação dos vinhos hespanhoes, á similhança do que fez a França, antes de reconstituir os seus vinhedos, destruídos pela phylloxera. O resultado foi exportarmos pouco e caro. Ja a carestia nos trouxe a concorrencia dos vinhos hespanhoes, mas a abundancia fez que os nossos vinhos fossem substituidos em grande parte por aquelles no mercado do Brazil, o mais importante para os nossos vinhos communs. Acerca d'este facto não póde haver duvidas desde o momento em que se sabe que no anno de 1892 exportámos para o Brazil 101:760 pipas, e em 1894 apenas 59:038, isto é menos 42:722 pipas.

Mas poderemos nós rehaver o mercado brasileiro?

Poderemos procurar abrir mercados novos, sobretudo para os vinhos communs?

Em minha opinião isso é muito difficil.

N'este ponto devo dizer que erradamente pensam os que julgam que da simples vontade ou habilidade dos governos depende o restabelecer mercados antigos ou abrir mercados novos. (Apoiados.)

O erro que commettemos em 1894 fez com que a Hespanha tomasse em grande parte o logar dos nossos vinhos communs.

Por outro lado o Perú, o Chili, o Uruguay e a republica Argentina estão produzindo tão grande quantidade de vinhos communs, que ameaçam até trazel-os para a Europa.

Poderá modificar esta nossa situação um tratado do commercio com o Brazil?

Incontestavelmente; mas nem temos que dar em troca da protecção pautal aos nossos vinhos, nem podemos vencer a fatalidade das circumstancias politicas.

Que poderemos dar ao Brazil em troca da protecção pautal aos nossos vinhos communs?

O café? O cacau? A borracha?

Não, porque isso seria a ruína completa das nossas colonias!

Por outro lado, a doutrina de Monroo tem ali hoje, mais do que nunca, calorosos apaixonados, hoje, mais do que nunca, domina toda a politica e toda a economia dos povos americanos.

Se por um lado temos difficuldade em fazer tratados de commercio, com preferencia sobre os vinhos hespanhoes, não podemos pensar, quando os povos americanos melhorarem as condições de fabrico dos seus vinhos, em que o Brazil dê preferencia aos nossos sobre os americanos.

Os nossos vinhos têem especial acceitação na Allemanha, mas não podem luctar com a concorrencia dos vinhos italianos e dos vinhos hungaros, que gosam de um grande favor pautal.

Poderá modificar-se esta situação com um tratado de commercio com a Allemanha?

Evidentemente; mas para fazer esse tratado que vantagem poderemos dar em troca?

O alcool? Mas isso representaria a ruina da viticultura dos vinhos communs, seria o maior prejuizo, da mais alta gravidade que se poderia fazer ao paiz. (Apoiados.)

Por outro lado, sr. presidente, será um erro pensar que depende da habilidade e da vontade do governo vencer a difficuldade das circumstancias politicas que leva a Allemanha a conceder favor pautal aos vinhos italianos e hungaros, aos vinhos das suas alliadas. (Apoiados.)

Vejâmos o que se passa com relação aos mercados da Africa.

O sr. Tancredo do Casal Ribeiro, em viagem do propaganda pela Africa do sul, conseguiu vender facilmente os vinhos que para ali levou.

Sou o primeiro a reconhecer a importancia dos serviços prestados por este distincto funccionario do estado, mas devo declarar, com franqueza, que me não enthusiasma o resultado de tal missão, que, repito, não podia ser mais intelligentemente dirigida.

O sr. Tancredo do Casal Ribeiro vendeu facilmente os nossos vinhos. Porque? Por que eram bons e baratos. (Apoiados.) Eram vinhos escolhidos, eram vinhos da exposição, pois que á exposição de Johannesburg eram destinados, a que não concorremos por melindres diplomaticos com o Transvaal; eram baratos, porque foram transportados por conta do estado até Lourenço Marques.

Póde o commerciante apresentar nos mercados de Africa vinhos de qualidade superior, como os que foram apresentados pelo sr. Tancredo do Casal Ribeiro; não póde, porém, apresental-os ali em iguaes condições de preço, porque o commerciante, ao custo e ao seu lucro, tem do addicionar a despeza de transporte que os vinhos vendidos pelo sr. Casal Ribeiro não pagaram. E o que digo é confirmado pelas insistentes queixas dos commerciantes de vinhos em Lourenço Marques.

Mas snpponhâmos que os nossos vinhos expulsam das nossas colonias das custas oriental e occidental de Africa todos os outros. Poderemos pensar que o indigena, o preto põe de parte a aguardente para fazer uso do vinho mais ou menos alcoolico? É um grave erro suppol-o, sr. presidente.

Pois as melhores estatisticas das nossas colonias das costas oriental e Occidental de Africa não dão mais do que 50:000 brancos, o que póde constituir a população da cidade de Braga, e não influiria no futuro vinicula, nem poderia influir consideralvente no futuro economico que a população da capital do Minho bebesse ou deixasse de beber vinho.

D'ahi, sr. presidente, a minha opinião ha pouco emittida de que nem é facil restabelecer os mercados antigos, nem é facil abrir novos mercados.

Ao passo que se dá este facto, de uma importancia extraordinaria, a producção do vinho cresce espantosamente, facto cuja significação a ninguem deve escapar.

Assim em 1890 a colheita foi de 3.000:000 de hectolitros ou sejam 600:000 pipas, em 1894 não foi superior, mas já em 1895 foi de 6.000:000 ou sejam 1.100:000 pipas, e, dado o desenvolvimento que as plantações de vinha têem tido no nosso paiz, não é exagerado calcular em 1.300:000 pipas a colheita de 1896.

Sr. presidente, a producção em 1896 terá sido do 1.300:000 pipas de vinho, para fazer face a uma exportação que em 1890 de 127:000 pipas, em 1894 de 112:000, em 1895 de 118:000!

Vejâmos, sr. presidente, excluido o consumo no paiz, qual a quantidade de vinho disponivel para a exportação.

O sr. Hintze Ribeiro, no relatorio com que precedeu as propostas de fazenda que no anno passado apresentou á camara, calculou de 80 a 85 litros a capitação de consumo de vinho no continente.

Não sei quaes as bases de que s. exa. se serviu para obter este resultado, mas tenho tanta confiança nas qualidades de trabalho e de intelligencia do sr. Hintze Ribeiro, que o acceito como absolutamente verdadeiro.

Calculando assim o vinho disponivel para exportação, diminuindo-lhe o consumo interno, nós chegamos a um resultado tristissimo para a nossa cultura viticola.

O consumo no paiz terá sido em 1896 de 600:000 pipas de vinho.

Ficam 700:000 para fazer face a uma exportação, que em 1890 foi de 127:000 pipas, em 1894 de 112:000, em 1895 de 118:000!

Que futuro nos espera, sr. presidente? Que futuro espera a viticultura dos vinhos communs?

Que fará a tão consideravel excesso de vinho? Queimal-o? Mas em que ha de ser empregada a aguardente, quando a producção de vinhos licorosos é exigua o quando a aguardente de vinho não póde luctar com a concorrencia do alcool industrial, que, em ultima analyse, custa menos 30 por cento do que a aguardente do vinho?

Sr. presidente, a consequencia é o vinho commum ficar

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nas adegas, como hontem, em carta publicada em varios jornaes de Lisboa, o affirmava o ar. visconde de Ribeira Brava, quando dizia que a colheita de 1896 está intacta nas adegas!

Pois, sr. presidente, ao passo que isto se dá com os vinhos communs, não ha vinhos do Porto authenticos, genuinos, que cheguem para as necessidades da nossa exportação; ha vinhos communs a mais, ha vinhos do Porto a menos.

Augmentar a exportação de vinhos do Porto é salvar o paiz da grande enfermidade que ameaça feril-o de morte.

Para isso é preciso augmentar a producção de vinhos licorosos, que lá fóra têem facil e compensadora collocação; para isso é preciso augmentar a producção e exportação dos vinhos do Douro, levantando o nome do vinho do Porto á altura do seu antigo credito e vencendo, pela qualidade, a concorrencia das imitações. (Apoiados.)

Parece-me que a resolução do nosso problema economico está no Douro; mais do que isso, é minha opinião que só no Douro ella se encontrará.

E parece extraordinario que estejamos a fazer enormes sacrificios para acalentar a esperança da nossa regeneração economica pelas colonias, quando temos á mão remedio seguro.

Não ha duvida que a exportação de vinhos do Porto tem decrescido. Não quero dizer que nas estatisticas das alfandegas não appareça uma cifra relativamente importante de vinhos do Torto, exportados pela barra do mesmo nome; mas nem essa exportação attinge a que foi outr'ora, nem produz o oiro que outr'ora produziu, porque os vinhos exportados, são, na sua maior parte, baixos, de 18 a 25 libras a pipa. Digo-o alto e bom som, tenho a coragem de o dizer, a maior parte d'esses vinhos são baixos e maus.

A exportação dos vinhos do Porto manteve-se mesmo quando a producção no Douro faltou quasi por completo. Começaram então a preparar-se vinhos maus, e hoje que o Douro começa a produzir, posso affirmar a v. exa. que os vinhos d'aquella região só são utilisados para adubo. E porque se fez isto? Evidentemente por uma necessidade commercial: Chegou-se lá fóra ao convencimento de que o vinho do Douro genuino, authentico, tinha desapparecido, e o consumidor não tendo a segurança da anthenticidade do vinho que lhe vendiam, imitação por imitação preferia a mais barata.

Mas todas as vezes que lá fóra apparece vinho do Douro genuino, authentico e velho, vende-se e vende-se facilmente por preços que variam entre 60 a 200 libras por pipa, pago em muito boas esterlinas.

A affirmação que eu fiz ha pouco, que a exportação de vinhos do Porto não attinje em quantidade a que foi nem produz, o oiro que produzia outr'ora, não é uma affirmação gratuita: e senão, vejamos;

Exportação de vinhos dó Porto:

Annos: Hectolitros Valor em contos de réis

1872 270:778 7:306

1873 273:622 7:095

1874 286:490 6:990

1875 324:270 9:046

1876 314:689 7:793

1877 328:993 8:555

1880 334:283 6:537

1881 297:193 5:936

1882 317:622 5:655

1883 351:971 6:299

1884 322:698 6:045

1885 347:872 6:292

1886 401:428 7:226

1893 259:285 5:962

1894 241:086 5:416

1896 272:509 6:343

Valor em hectolitro em réis:

1865 30:000

1875 27:000

1885 18:000

1895 23:000

Pelo valor de 30$000 réis o hectolitro a exportação produziria em:

Contos

1886 12:042

1883 10:878

1895 8:175

O producto foi, como v. exa. viu na nota que ha pouco li, muito inferior.

Eu concordo em que foi uma necessidade a preparação de vinhos do Porto baixos para entreter a exportação, emquanto no Douro o vinho faltou quasi por completo.

O que posso dizer a v. exa. é que a preparação d'esses vinhos baixos passou de uma necessidade a um vicio, o até ha casas exportadoras de vinhos do Porto que se dão lá delicia de ir ao estrangeiro fabricar a imitação dos vinhos que nos armazens de Villa Nova de Gaia prepararam, facto este, sr. presidente, que tem a maior e a mais extraordinaria importancia.

A proposito, dê-me v. exa. licença para contar um caso ue não e confidencial, porque, se foi presenciado por mim, foi tambem presenciado por muitas dezenas de pessoas e que teve logar no verão do ultimo anno, na associação commercial do Porto.

Dizia-se que os mercados estrangeiros e especialmente os mercados inglezes estavam inundados de imitações de vinhos de Porto, imitações tão baixas, tão boas e tão baratas, que ou nós perdiamos por completo a exportação do vinho do Porto baixo, ou tinhamos de o baratear, barateando a materia prima ou o alcool n'elle empregado. Contou-se este facto insistentemente, appareceu referido nos jornaes noticiosos do norte e em alguns jornaes de agricultura. Tanto bastou para que o presidente d'aquella respeitavel associação pedisse á camara de commercio de Londres uma collecção de amostras d'essas imitações, e logo que as obteve, solicitou o comparecimento de alguns viticultores do Douro para assistirem ás provas, como ponto de partida, para estudar os meios mais proficuos para defender os seus interesses, que elle dizia gravemente ameaçados. N'essa occassião ali se expozeram, sr. presidente, o Valladolid-Porto, o Tarragona-Porto, o Valencia-Porto, o Hamburgo-Porto, etc., Portos de varios typos, especies e procedencias.

Eu devo dizer a v. exa. que, á excepção de uma, essas imitações são ignobeis zurrapas, que nem pelo preço da agua podiam fazer concorrencia aos nossos vinhos do Porto baixos e medianos. Havia, porém, entre essas amostras, uma para o preço de 12 libras a pipa, encascado e a bordo, que não podia de certo fazer concorrencia aos nossos vinhos do Porto finos, nem aos vinhos do Porto medianos, mas que podia fazer concorrencia aos nossos vinhos do Porto muito baixos. Grosso, rasoavel bouquet e 22 graus de acool. Quer v. exa. e a camara saber quem era que para os mercados inglezes exportava esse vinho, quem o ali vendia? Era uma casa exportadora de vinhos do Porto, que tem armazens em Villa Nova de Gaya e que á sombra do commercio do vinho do Porto tem feito uma avultada fortuna!!

Se as amostras enviadas pela camara do commercio de Londres eram authenticas, não menos authentica era a nota que as acompanhava, mencionando os nomes das casas exportadoras;

Eu não quero, sr. presidente, que se diga, que eu faço uma affirmação gratuita e que não esteja largamente dis-

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seminada no publico, e por isso vou dar conta a v. exa. das informações de varios consules, colligidas pelo sr. José Taveira de Carvalho, administrador da companhia vinicola do norte de Portugal, o que se acham publicadas em uma memoria inserta no Boletim da commissão central promotora do commercio de vinhos e azeites:

Informação do nosso consul em Londres, em 1876:

«O facto mais notavel, e, segundo a opinião de um correspondente do Porto, mysterioso, com relação ao negocio de vinhos do Porto, é o exportarem-se d'ali constantemente vinhos de uma marca muito inferior áquella que o mercado da Inglatera está habitado a receber d'aquella procedencia.»

Referindo-se á substituição dos vinhos do Douro, diz o sr. Taveira de Carvalho:

«O que bem esclarece a informação consular é a depressão dos nossos vinhos occasionada pela sua inferior qualidade.

«N'essa epocha a phylloxera, que assentara os seus arraiaes no Alto Douro em 1862 ou 1863, já havia produzido notaveis devastações. Grande numero de quintas, das do producção mais grada, tinham perecido, e o nosso temperamento meridional, facil em exagerar o que desconhece, sem lhe importar com as consequencias, como ainda ha dois dias se viu com a epidemia que reinou em Lisboa, procedeu da mesma fórma na dezoito annos, e os jornaes não se cançaram de dizer que a famosa região duriense, unica que póde produzir o vinho do Porto, se achava totalmente aniquilada.

«Uma parte do nosso commercio, ouvindo tocar a trombeta do juizo final para o nobilissimo paiz vinhateiro do Douro, a patria do Koh-i-Noor das bebidas fermentadas, como lhe chamou o conselheiro Aguiar julgou-se perdido, e, voltando a face do oriente para o meio-dia, introduziu nas suas lotaçães vinhos de localidades em que os havia com abundancia, mas que não eram do Douro. Facto perfeitamente analogo ao que hoje se está passando com a introducção no Brasil dos vinhos hespanhoes como portuguezes, e que daria as mesmas funestos consequencias, se a reação contra tal processo não fosse mais forte que a de então, e se os proprios consumidores não repellissem, como felizmente estão repellindo, esta falsificação actual.

«Os exagerados noticiarios dos nossos jornaes tinham echo em Inglaterra, e a lenda, já vulgar n'este paiz, de que o vinho do Porto era um licor que se podia preparar com qualquer sumo de uva, e até sem elle, tomando corpo, dou logar a que os Spanish-Port, os Roussillon-French-Port, os Port-Catalonia, os Cabe-Port e os Portos de Hamburgo, principiassem a ter uma vida completamente desafogada no imperio britannico.»

Ha mais ainda, sr. presidente. Eu não me abalançaria a referir factos mais graves, se elles não constassem de documentos officiaes.

No mesmo Boletim, que me tenho referido, encontra-se uma interessante informação dada pelo sr. barão de Roussado, nosso consul em Liverpool, em 1884, para que peço a attenção de v. exa. e, sobretudo, do governo.

Eil-a.

«O falsificador é o maior inimigo com que lucta o commercio de nossos vinhos; a falsificação, que nos prejudica diminuindo immediatamente a nossa exportação, vae tambem augmentando o descredito dos productos. Os vinhos de Tarragona vendem-se aqui sob a etiquette de vinhos do Porto. Os especuladores de má fé têem levado a impudencia até ao ponto do remetterem para o Porto o vinho fortificado, depositando-o ali sob um pretexto qualquer, e expedindo-o depois para Inglaterra, a fim de vir mencionado no manifesto, e acompanhado das formalidades aduaneiras com que mais facilmente illudem os consignatarios.

«O digno director da alfandega d'aquella cidade tem procurado evitar a fraude, mandando pôr a oleo nos tampos dos cascos a designação de vinho estrangeiro; e ainda ultimamente o mesmo funccionario me preveniu officialmente de que tinham sido ali despachados, com destino a Liverpool, 60 cascos com vinho procedente de Hamburgo, nos tampos dos quaes s. exa. mandára pôr a designação alludida.»

Avalie, sr. presidente, da enormidade do escandalo contido n'esta informação!

Imitações do vinho do Porto houve-as em todo o tempo, mas estas imitações foram sempre vencidas pela qualidade excellente, incomparavel e unica do nosso vinho da Douro. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu conheci o Douro antes da phylloxera destruir áquella grande riqueza. Não era apenas no valle do Douro que se produzia o incomparavel vinho do mesmo nome; produzia-se nas margens de todos os seus confluentes, desde o Sabor até á Regua.

Não era uma região restricta como muitos suppõem. É uma região constituida na margem direita do Douro pelos concelhos de Mezão Frio, Regua, Villa Real, Sobrosa, Alijó, Murça, Carrazede de Anoiães e Moncorvo, e na margem esquerda pelos concelhos de Lamego, Armamar, Taboaço, Pesqueira e Foscôa.

Caiu o Douro na mais desoladora das situações. D'aquella região, formosissimamente alcandorada, que desde o mais fundo dos seus valles até á mais elevada das suas montanhas, não tinha um palmo de terra que não fosse aproveitado pela agricultara, ficaram apenas os montes escalvados e nús; e a alegria de uma região uberrima, onde não havia ninguem pobre, foi substituida pela mais desoladora das tristezas. A emigração fez o resto; arrancou a maior parte da população e lançou-a no Brazil, fazendo confranger o coração a quem visitava as formosas aldeias dorienses.

Não teve o auxilio do estado, não pedia capitães emprestados, matou a fome como pôde, lá foi ensaiando a plantação das videiras americanas, e n'um esforço extraordinario e quasi incomprehensivel, o Douro procura restaurar-se com as suas proprias forças. (Apoiados.}

Já no meio de extensas regiões aridas apparecem encantadores casis de vinhas replantadas, que dão a melhor impressão ácerca das qualidades d'aquella gente que tão valentemente soube resistir á desgraça que a feriu. (Apoiados.) Infelizmente, porém, o seu esforço não produziu resultados completos. Sem ter elementos seguros para o calculo, creio que a replantação do Alto Douro não vae alem de 5 por cento. É pouco para as necessidades da nossa economia, e, todavia, é preciso arrancar ao xuto duriense os filões de oiro que o phylloxera escondeu.

Mas como? Será heresia pedir o auxilio do estado? Não me parece. Será heresia pedir ao governo que contraia: no banco de Portugal um emprestimo minimo de 6:000 contos de réis pelo juro do seu contrato para os emprestar aos proprietarios do Douro, isolados ou constituidos em syndicatos agricolas, emprestimo reembolsavel, a curto praso e cobravel pelo processo das contribuições geraes do estado e cuja applicação seja devidamente fiscalisada?

Eu tenho a opinião de que só assim se póde augmentar a producção dos vinhos do Douro e a exportação de vinhos genuinos do Porto; só assim poderemos obter o equilibrio economico, sem o qual havemos de succumbir da lucta.

É maravilhosa a transformação do capital n'aquella região.

6:000 contos de réis emprestados ao Douro em papel do banco de Portugal, trariam uma plantação de 40:000 milheiros de vinha, que, á producção media de 3 pipas por cada milheiro, produziriam 120:000 pipas, que, vendidas pelo preço minimo de 100$000 réis, dariam 12:000 contos de réis em oiro

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Não ha duvida de que, se conseguissemos isto teriamos resolvido com a maior satisfação e com o mais completo exito o nosso problema economico. Ao mesmo tempo tomariamos as medidas attinentes a obstar á plantação da vinha em terrenos que para isso não são proprios, de onde resultaria o affastar-se o barateamento de vinhos communs e facilitar a cultura dos cereaes. Nada mais facil do que por meio de um imposto oneroso conseguir que a vinha não fosse plantada, senão em terras que a tivessem tido. Mas é isto contra os principios?

É menos liberal e vae ferir os interesses dos proprietarios do sul, os unicos que podem estender as suas vinhas a terrenos que não as tenham tido? Longe d'isso, parece-me que n'isto está a unica salvação da viticultura das vinhas communs e, portanto, a unica salvação da viticultora do sul; porque ao mesmo tempo que se replantava o Douro e se prohibia a plantação da vinha em terrenos que não a tivessem tido, dariamos, protecção á aguardente nacional, por meio de um imposto prohibitivo para o alcool estrangeiro e para o alcool industrial.

Prende-se isto com a questão do alcool, que muitas vezes tem sido posta e que não foi resolvida. Tambem me proponho e resolvel-a. Não admira. É caso para dizer, tantas cabeças quantos conselhos. - A questão do alcool é grave - prende com importantes interesses da industria, do commercio e da agricultura, com interesses importantes do estado, e prende com hygiene publica, mas a solução não apparece; exhibem-se complicadas estatisticas, montões de algarismos e a solução continua a brilhar pela sua ausencia.

O norte pensa do modo diverso do sul, a real associação da agricultura divide-se, o conselho do commercio fez o mesmo, e até o sr. Hintze Ribeiro, cujas superiores qualidades de estadista eu admiro, discreteando largamente n'esta casa no anno passado ácerca do alcool, deixou a resolução ao parlamento. Na sua essencia a questão do alcool é muito simples.

Alguns negociantes do Porto querem o alcool barato para baratear os vinhos que exportam; os proprietarios do sul querem alcool caro para manter o preço dos vinhos que queimam. Fóra d'isto não ha meio termo. Eu não vou tratar da questão do alcool, porque só por si daria uma discussão especial, muitissimo importante; não me dispenso porém, de dar a minha opinião, embora muito resumida.

O sr. Presidente: - Em cumprimento do regimento tenho a observar a s. exa. que é decorrida uma hora depois que está no uso da palavra.

Vozes: - Falle, falle,

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara póde s. exa. continuar no uso da palavra.

O Orador: - Dizia eu que não venho tratar da questão do alcool, mas dar a minha opinião.

Porque pedem uns a abolição por completo dos direitos de importação do alcool estrangeiro?

Porque pedem outros a redacção dos direitos de 1$920 a 1$200 por decalitro, e porque pedem ainda outros o drawback do alcool empregado nos vinhos para exportar? Eu faço a maior justiça á sinceridade das intenções com que são feitos esses pedidos, mas devo declarar que não posso acompanhar os impetrantes.

Dê-me s. exa. licença para fazer a confissão geral dos meus peccados ácerca do alcool. Até ha um anno, fui caloroso adversario da livre importação do alcool estrangeiro pelas rasões seguintes, que resumo para não abusar da attenção da camara e para me collocar dentro do regimento: primeira, porque a importação livre trazia a ruina complete dos viticultores dos vinhos communs (apoiados); segunda, porque a livre importação faria perder ao thesouro uma receita importante; terceira, porque o alcool industrial, por melhor que seja, esconde sempre uma boa parte do valor natural dos vinhos em que é empregado.

Posso assegurar que ha um alcool tão inpuro que dá sempre ao vinho um sabor indelevel a petroleo.

Há um anno, porém, mudei de opinião, porque no meu espirito fez profunda impressão o que se dizia da concorrencia de morte que as imitações faziam nos nossos vinhos do Porto baixos. Eram ellas tão boas e tão baratas - que
ou nós barateavamos o vinho do Porto ou a sua exportação acabava. Para o baratear era, preciso baratear a materia prima - o vinho - ou o alcool n'elle empregado.

Na alternativa decidi-me pelo barateamento do alcool, porque exiguos são os preços por que são comprados os vinhos do Douro.

Mas, o facto que presenceei na associação commercial do Porto, e que já ha pouco referi, fez-me convencer: primeiro, que as imitações são asquerosas bebidas que não podem fazer concorrencia aos nossos vinhos de mediana qualidade; segundo, que o barateamento do alcool apenas conseguiria trazer para cá, para as vizinhanças, do rio Douro, as fabricas das imitações de vinho do Porto que se acham largamente disseminadas pela Hespanha.

Não seria em Valencia que se faria o Valencia-Porto, em Terragona que se faria o Terragona-Porto, mas fabricar-se-iam muito perto do Douro, com esta, aggravante: não tinham diante de si as difficuldades que vêem, de ser imitação; haviam de vender facilmente essas zurrapas, porque haviam de poder passal-as como vinho genuino e authentico, exactamente como aquelles commerciantes que mandavam para o Porto vinhos artificiaes de Hamburgo, para de lá sairem depois com a respectiva marca.

E aqui está a rasão por que mudei inteira e absolutamente de opinião ácerca da tributação do alcool.

Hoje tenho a opinião arreigada de que só com alcool industrial caro podemos, melhorar as qualidades de vinho do Porto por obrigar ao emprego da aguardente de vinho. Imposto prohibitivo sobre o alcool estrangeiro e tributação especial sobre o alcool nacional, são ainda condições essenciaes e indispensaveis para salvar a viticultura dos vinhos communs. (Apoiados.)

Mas como poderá compensar-se o prejuizo que o estado soffre, abolida esta importante receita, qual é a que lhe vem do alcool importado?

Oh! sr. presidente, a receita em 1896 já não foi como á de 1893, decresceu consideravelmente; más, grande ou pequena, é facilmente compensado esse prejuizo por uma tributação nas fabricas de aguardente de vinho por uma tributação especial nas fabricas de alcool industrial nacional; pelo restabelecimento da contribuição predial, que no Douro está completamente annullada, o que é importantissimo, e, sobretudo, porque o governo se vê livre do enorme despendio que faz com o agio, para solver os encargos que tem no estrangeiro, quer os proprios, quer os da camara municipal de Lisboa. (Apoiados.)

Assim, ácerca da questão economica, entendo que o problema se resolveria; emprestando ao Douro 6:000 contos de réis, distribuidos pelos seus viticultores, isolados ou constituidos em syndicatos agricolas, reembolsados a curto praso e cobrados pelo processo das contribuições geraes do estado; - creando um imposto oneroso sobre a plantação de vinha em terras que nunca a tivessem tido; lançando um imposto prohibitivo sobre o alcool estrangeiro; lançando tributação especial e prohibitivo ás fabricas de alcool industrial nacional, fixando o preço maximo da aguardente de vinho, restabelecendo a contribuição predial na região do Douro.

Aqui tem v. exa. as minhas opiniões ácerca da questão economica. Podem parecer lunaticas, mas poderão ter tambem alguma cousa de acceitavel; o que digo em todo o caso é que ellas correspondem a uma convicção e a uma sinceridade, que ninguem poderá pôr em duvida. (Muitos apoiados.)

É preciso muita coragem e muito energia para resolver e pôr em execução este meu modo de ver?

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Pois tenho a convicção de que, pondo em pratica este plano, não apparecerão difficuldades que sejam superiores ás que podem ser vencidas pelos dirigentes do governo.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado,)

O sr. Luciano Monteiro: - Discorda do orador antecente, em primeiro logar, no que respeita á idéa do se emprestarem 6:000 contos de réis ao Douro.

Se tal se fizesse, viriam logo, e com muita rasto, os proprietarios do Alemtejo pedir que se lhes emprestassem 10:000 contos de réis para o desenvolvimento dos montados productores da cortiça, que constitue um ramo de exportação superior ao do vinho do Porto, porque não póde ser substituida, como o vinho.

O governo não podia, com justiça, dizer-lhos que não. Portanto, a theoria do sr. Teixeira de Sousa é errada, ou daria logar a injustiças.

Melhor seria, a seu ver, desenvolver a producção do trigo no Alemtejo, para se chegar ao equilibrio economico. O trigo teria consumo certo no paiz, evitando-se assim a entrada de trigo exotico, emquanto que o vinho podia não ter collocação no estrangeiro. D'este modo diminuia, com certeza, a importação, o que dava o mesmo resultado que daria o augmento de exportação.

Também não está do accordo com as observações do sr. Teixeira de Sousa, com referencia á despeza que se está fazendo com a classe operaria em Lisboa. Entende que o governo tem obrigação de manter a ordem, e não a manteria, talvez, porque a fome é negra, se não procedesse como tem procedido, fornecendo trabalho aos operarios que d'elle necessitam.

O que lhe parece é que talvez fosse melhor, o não julga isto impossivel, fazer um contrato com fornecedores, de modo que estes fornecendo o material, e dando o estado a mito de obra, se construissem casas baratas, empregando-se os operarios disponiveis n'essas construcções.

Voltando á questão dos vinhos, sustenta que, acima de tudo o que é necessario é o ensinamento para se crearem typos baratos, e a nomeação de agentes consulares bem remunerados. A boa remuneração é indispensavel, e se para isso escasseiam os meios, esta difficuldade desapparecerá, se o governo sensatamente tomar a deliberação de supprimir os commissarios regios. E no seu entender, ê urgente que a tome, no interesse do mesmo governo e do paiz.

Entende que o equilibrio economico não se póde conseguir exclusivamente com os recursos do continente. É preciso que para elle venham tambem os recursos das provincias ultramarinos.

Já que não póde realisar-se a sua idéa de conservar apenas Angola, abandonando-se por qualquer fórma as outras colonias, deve fazer-se com que ellas dêem o mais possivel.

Referindo-se de novo aos 6:000 contos de réis indicados pelo sr. Teixeira de Sousa, declara estar convencido que nem 6 por cento d'essa quantia chegaria á terra.

Conclue sustentando que o que todos devem fazer é empregar esforços para que augmente e se desenvolva a producção de artigos que possam ter collocação no estrangeiro e para fazer com que o estrangeiro os acceite.

(O discurso terá publicado na integra, em appendice a esta sessão, guando s. exa. o restituir.)

O sr. Dias Ferreira: - Não vou referir-ma aos discursos dos meus illustres collegas que acabam de fallar, porque pedi a palavra simplesmente para replicar, o mais rapidamente que me seja possivel, ás considerações feitas pelo sr. presidente do conselho na resposta ao meu discurso.

Mas antes de entrar propriamente no debate, permitia-me v. exa. que eu diga á camara, que acceitei plenamente, sem a mais pequena duvida, a declaração do sr. ministro dos negovios estrangeiros, de me não ter mandado os documentos relativos ás negociações diplomaticas com a Allemanha sobre o conflicto com o consul allemão em Lourenço Marques, por não haver na secretaria taes documentos em rasão de não terem sido escriptas as negociações

A resposta demorada do sr. presidente do conselho sobre este incidente deixou-me a impressão de que eu não teria sido sufficientemente claro; e qualquer hesitação minha sobre a verdade da declaração feita pelo sr. ministro da negocios estrangeiros seria uma incorrecção, que eu não praticaria com ninguem, e muito menos n'este logar.

Eu teria deixado de tomar segunda vez a palavra, se o sr. presidente do conselho se tivesse limitado a responder ao meu discurso.

Mas o sr. presidente do conselho, no intuito de certo do accentuar bem claramente os seus serviços ao paus, entrou n'uns promenores e n'um desenvolvimento das difficuldades que encontrou no seu advento ao poder, e das resoluções definitivas que deu a essas questões, que eu não poderia deixar passar em julgado essas considerações sem faltar aos meus deveres de homem publico.

No meu discurso tratei, não da situação politica a que presidi, mas da situação do paiz. Foi a situação do paiz que me preoccupou, porque estou na convicção profunda de que o nosso estado é gravissimo, e de que cada vez se toma mais necessario que os homens da governação publica se dediquem com o maior cuidado ao exame sereno e imparcial das questões, que prendem intimamente com a vida nacional.

Tambem reputo mau processo amesquinhar os recursos do paiz.

O paiz tem ainda os recursos sufficientes par vencer a situação difficil em que se encontra, posto que á custa de grandes e violentos sacrificios.

Não contando, nem póde confundir-se nunca o paiz com os governos.

Portugal, com o seu clima, com o seu solo e com a sua situação geographica, só poderá ser victima de desastres irreparaveis, por falta de juizo e de energia dos governantes.

O que o paiz não tem é governo com as forças precisas para o levantar da situação difficil e muito difficil que o esmaga.

Mas não são em todo o caso inexhauriveis os recursos da nação. Esses recursos têem limites, como tudo o que é humano.

Tão angustiosa considero eu a crise que atravessamos, que reputo chegada a hora da necessidade absoluta do concurso de todos para resolver os gravissimos problemas da governação publica.

Ninguem me tira do meu animo a convicção profunda, que eu vejo confirmada pelas palavras dos illustres oradores que me precederam, de que o estado do thesouro é não só grave, mas gravissimo, e até perigoso.

Não me resta a mais pequena duvida de que, á custa de grandes esforços e de prolongada persistencia, poderemos resolver as difficuldades que estão embaraçando cruelmente o nosso viver economico e financeiro. Mas para isso é preciso que esteja á frente dos negocios um governo patriotico, e que esse governo seja eficazmente auxiliado pelo povo.

Madame Stãel, de todos conhecida como escriptora do primeira ordem, n'um preambulo sobre uma das immortaes obras de Guizot, celebre homem d'estado francez e escriptor eminente, cujas doutrinas politicas aliás não perfilho, porque elle era conservador à outrance e eu sou extremamente liberal, dizia que uma nação que tivesse homens como Guizot nunca poderia morrer.

Applico o dito a Portugal. Desde que a nação tenha o governo de que precisa, desde que o parlamento tome a serio a administração publica, preoccupando-se com os interesses do paiz; e só com os interesses do paiz, e desde que se po-

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nhã de parte o que em Portugal se chama a politica ou a politicagem indigena, para se tratar unicamente das questões financeiras e das questões economicas, não póde duvidar-se da resolução dos nossos problemas.

Não se resolvem n'uma semana, n'um mez ou n'um anno, nem com a mesma facilidade com que se resolveriam n'outro tempo. Mas ainda se resolvem sem grandes contratempos, e ainda se evita uma derrocada ruidosa, congregando-se os esforços de todos no interesse da salvação publica.

Ninguem se illuda com vãs esperanças, Ninguem espere por clixires. A questão economica e financeira já se não resolve sem muito tempo e sem muito juizo.

Mas antes de entrar propriamente na parte financeira preciso de dizer ao sr. presidente do conselho e aos seus collegas, com respeito á liquidação do incidente de Lourenço Marques, que me parece tão extraordinario o direito internacional que os alastres ministros adoptaram na satisfação á Allemanha, como o direito publico constitucional, que tem sido o seu norte na governação interna.

O caso de Lourenço Marques é uma questão finda; e muito pouco se preoccupou o paiz com a resolução que lhe deu o governo. É do nosso caracter affligirmo-nos excessivamente diante de uma difficuldade a vencer, e, removida a difficuldade bem ou mal, voltarmos logo ao estado habitual do descanso e da tranquilidade.

O facto, porém, de estar liquidado o incidente internacional, não me impede, nem sequer me dispensa de lavrar o meu protesto, em nome dos bons principios liberaes, contra o direito publico externo que o sr. presidente do conselho hontem professou n'esta camara.

Considerou o sr. presidente do conselho a questão como de governo a governo, por ter sido insultado, não o consul, mas o consulado allemão, que gosa do privilegio da exterritorialidade.

Não é, porém, o caracter de exterritorialidade que no caso determinava uma solução internacional.

Não ha satisfações de governo a governo senão quando ha offensas de governo a governo.

Uma explosão de patriotismo na vizinha Hespanha, sobretudo em Madrid, por via da questão das Carolinas, produziu graves desacatos á legação allemã.

Até os escudos da legação, foram quebrados, e não sei mesmo o perigo que correria o pessoal da legação se não fosse guardado pela força publica.

Lembrou-se, porventura, o governo allemão dá exigir do governo á espanhol satisfação publica pela offensa e desacato á sua legação em Madrid?

Nem á necessidade de satisfação se referiu sequer a imprensa europêa!

E porque? Porque o governo hespanhol, que era quem representava a nação, não tinha compromettida, nem n'um apice, a sua responsabilidade n'um desacato, que fôra apenas a manifestação patriotica de um grande sentimento nacional.

Outro facto não menos saliente nem menos ruidoso. O ultimo rei de Hespanha, fazendo caminho por Paris no regresso da sua viagem á Allemanha, foi seriamente enxovalhado por uma parte, felizmente muito pequena, do povo de Paris, na presença do presidente da republica e dos respectivos ministros, que tinham ido esperar D. Affonso XII á estação do caminho de ferro; e a Hespanha não exigiu por isso satisfação ao governo francez.

Pela nossa legislação não são punidas officialmente, por mais graves que sejam, as offensas pela imprensa a soberanos estrangeiros sem requisição dos respectivos governos.

Se ahi for injuriado ou diffamado nos jornaes o imperador da Allemanha ou o soberano de outro qualquer paiz, não tem o ministerio publico competencia para promover a punição d'essas injurias sem a requisição do governo do soberano ofendido.

O sr. presidente do conselho, na sua argumentação, foi o primeiro a reconhecer a falsa posição em que collocou o paiz.

Apontou s. exa. o facto de ter entrado em porto francez um navio de guerra inglez e de ter saído sem haver salvado á bandeira franceza, do governo francez se ter queixado d'esta falta de cortezia para com uma nação amiga, e de a Inglaterra ter mandado uma esquadra a um porto francez saudar a bandeira da França.

Mas isto é o contrario do que Portugal fez. O governo portuguez não mandou comprimentar a bandeira allemã em porto allemão.

Para o exemplo da Inglaterra colher fôra necessario que o governo francez tivesse mandado um navio a aguas inglezas, e que ahi o navio inglez saudasse a bandeira franceza antes do navio francez ter salvado á bandeira ingleza.

Emfim a ultima questão internacional de Lourenço Marques foi, como tantas outras, uma questão desgraçada para nós.

Tenho a convicção profunda de que os srs. ministros andaram primeiro desleixadamente e depois precipitadamente; porque a principio não tomaram as providencias necessarias para evitar a reclamação allemã, e depois accederam, sem mais exame, á reclamação feita pelo governo imperial.

Continúo acompanhando o sr. presidente do conselho na ordem em que respondeu ás minhas considerações.

Desculpou-se s. exa. de me não ter enviado a nota da divida fluctuante, com a circumstancia de não poder obrigar o banco de Portugal a concluir o seu balanço dentro de praso certo.

A desculpa porém não procede. Quando os srs. ministros me substituiram nos conselhos da corôa, bastaram-lhe tres dias para organisar a nota da divida fluctuante que eu deixei, e para a fazer publicar logo no Diario do governo, publicação que eu achei regularissima e digna de applauso, porque bom é extremar as gerencias de cada gabinete, e a situação da divida fluctuante é dos melhores titulos da boa ou da má administração financeira dos governos.

Em fevereiro de 1893 não foram precisos mais de tres dias para se publicar a nota da divida fluctuante, hoje não são sufficientes oito dias para se fazer igual publicação!

Se o governo não podia dizer-me precisamente qual a divida do thesouro nas contas correntes com o banco de Portugal e com outros estabelecimentos, podia mandar-ma approximadamente, como fez em 1893.

A nota da divida fluctuante em 22 de fevereiro de 1893 representada em 18:000 contos de réis, numeros redondos, com respeito a contas correntes não era definida, e pelo contrario era computada approximadamente. Também agora, se o sr. presidente do conselho tivesse tido vontade de mandar-me a nota, teria feito precisamente como em 1893! Enviar-me-ía a nota da divida approximadamente em relação ás contas correntes.

Desde que o governo confessou no discurso da corôa que havia augmentado a divida fluctuante externa, eu precisava, para exacta apreciação da situação financeira, de conhecer o montante da divida externa não consolidada. Eu condemno, como condemnei sempre, o systema de contrahir divida fluctuante no estrangeiro, que nos obriga a desembolsos a prasos curtos é a grandes encargos com o premio do oiro.

Por isso tendo encontrado, ha minha entrada para o ministerio, 7:000 contos de réis de divida fluctuante no estrangeiro, tratei logo de a amortisar, e deixei-a reduzida a 1:554 contos de réis.

O sr. presidente do conselho declara que a não augmentou muito, porque está em 1:567 contos de réis.

Mas se pouco elevou a divida externa, desforrou-se e com usura na divida interna!

Era de 18:000 contos de réis a divida fluctuante que eu deixei, comprehendendo a interna e a externa; e, graças

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118 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

a Deus, já em 30 de novembro ultimo attingia a importante somma de 32:600 contos de réis, que com os 800 contos de réis do augmento na conta do banco de Portugal publicada em dezembro, faz subir a cifra a muito mais 83:000 contos de réis!

Devo prestar fé aos documentos apresentados ás côrtes pelo sr. presidente do conselho, que nos dava o orçamento saldado n'estes ultimos annos, e apenas um pequeno deficit, no primeiro anno do gerencia do actual ministerio, de certo porque prendia ainda no ultimo anno de minha administração!

O certo é que, tendo subido a conta da divida fluctuante de 18:000 a 33:000 contos de réis, isto é, na somma do 15:000 contos de réis em menos de quatro annos, e tendo-se feito em larga escala venda de titulos, o deficit em cada um d'estes quatro annos foi de certo superior a 4:000 contos de réis!

Ora, asseverando o sr. presidente do conselho que não tem havido deficit, e mostrando as contas que, alem das receitas do estado, se tem obtido por emprestimo e por venda de titulos quantia superior a 17:000 contos de réis, sou forçado a concluir que o governo tem armazenadas ou collocadas as sommas obtidas por emprestimo o por venda de papeis, como thesouro de guerra!

A Allemanha quando venceu a França na guerra de 1870, não procurou só montar um exercito numeroso e bem organisado para poder dizer que com as armas na mão só temia a Deus na terra. Tratou tambem de desenvolver largamente a sua industria e o seu commercio a ponto de estar hoje fazendo concorrencia séria á Inglaterra e á França.

Se Strasburgo está militarmente occupada, está tambem provida de todos os melhoramentos materiaes e moraes, como se fôra uma cidade extremamente affeiçoada ao imperio.

Mas não se limitou Bismarck a reformar o exercito, e a desenvolver a industria e o commercio. Tendo recebido a fabulosa somma do 900:000 contos, como indemnisação de guerra, collocou a maior parte d'essa quantia em condições de a poder aproveitar utilmente a de prompto no caso de se envolver em lucta de novo com a França, ou com outra nação poderosa.

Portanto desde que as receitas pelas informações officiaes têem chegado para as despezas, que o mesmo é não ter havido deficit, estou desconfiado de que o governo tem igualmente collocados, e a bom juro para o thesouro, os 15:000 contos de réis de augmento da divida fluctuante e o producto dos papeis de credito vendidos, para conjurar qualquer assalto á soberania nacional, ou solver opportunamente os encargos da nação!

E feita esta declaração passemos a outro assumpto.

Tendo eu ponderado que ninguem concorrêra á operação dos 3:000 contos de réis sobre as obrigações dos tabacos, senão as duas casas, Fonseca £ Vianna, e Burnay £ C.ª contestou o sr. presidente do conselho a minha affirmação do facto, referindo-se também a uma proposta assignada por João da Fonseca Cruz.

Porém um de nós está enganado, ou s. exa. ou eu, e esta questão de facto quero eu deixar bem liquidada.

Que dizia a proposta de João da Fonseca Cruz?

«O comité de Paris, que represento, tomará o total do emprestimo na importancia de 9:000 contos do réis em oiro, ao preço de 415 francos por obrigação, mediante a commissão de 2 1/2 por cento. Sobre esta mesma proposta, terei a communicar mais alguma cousa a v. exa., ainda hoje, segundo um telegramma que acabo de receber de Paris, n'este momento. Esta minha proposta está por emquanto garantida pelos banqueiros de Paris, os srs. E. Samuel & C.ª

Lisboa, 1 de outubro de 1896. = João da Fonseca Cruz.»

Esta proposta portanto não era definitiva, porque não era completa emquanto o concorrente não fosse communicar ao ministerio da fazenda o telegramma que declarava ter acabado de receber do Paris.

Mas tendo o director geral de thesouraria, escripto no final do documento «não só recebeu a communicação a que se allude n'esta proposta», era claro que a proposta não podia dizer-se completa, porque dependia de uma communicação que o proponente devia fazer ao ministerio da fazenda, e se tal communicação se não fez, a proposta caducára, e era como se nunca tivesse sido apresentada.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Não desejava tomar novamente a palavra, e por isso peço licença, porque o meu intuito é unicamente esclarecer o illustre deputado sobre este ponto preciso de facto.

A nota que está ahi no fim d'esse documento, escripta pelo director geral da thesouraria, é unicamente para certificar a quem a ler, que effectivamente, alem d'essa proposta, nada mais veiu por parte do respectivo concorrente que eu podesse trazer á camara, e que, por consequencia, eu mandára os documentos todos que havia sobre o assumpto. De mais a proposta foi considerada completa tal como ahi está, e ainda independentemente de qualquer additamento que porventura poderia ter vindo, mas que não veiu. Ficou completa como proposta do emprestimo, nos termos precisos em que se apresentou. O que se não fez foi juntar nenhuma outra ás condições que ahi se formulam. Que ficou completa, consta da correspondencia existente no meu ministerio.

O sr. Presidente: - A hora deu. Se v. exa. não quizer ficar com a palavra reservada, tem ainda meia hora para concluir o seu discurso.

O Orador: - Apesar de não ter muito que dizer, preferia que v. exa. me reservasse a palavra para a sessão seguinte.

O sr. Presidente: - Sim, senhor.

A ordem do dia para ámanhã é a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Documentos mandados para a mesa n'esta sessão

Representações

Dos terceiros distribuidores telegraphos-postaes do concelho de Evora, pedindo para serem elevados á categoria de segundos distribuidores com seu respectivo vencimento.

Apresentada pelo sr. deputado Adriano Monteiro e enviada ás commissões de fazenda e de obras publicas.

Dos distribuidores telegrapho-postaes de Lisboa, pedindo melhoria de situação.

Apresentada pelo sr. deputado Simões Baião e enviada ás commissões de fazenda e de obras publicas.

Justificação de faltas

Participo a v. exa. que faltei ás primeiras sessões d'esta camara por motivo de doença. = O deputado, Adolpho Guimarães.

Declaro a v. exa. e á camara que faltei ás ultimas sessões por incommodo de saude. = O deputado por Vizeu, Conde da Anadia.

Para a secretaria.

O redactor = Sergio de Castro.

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