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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

11.ª SESSÃO

EM 16 DE MARÇO DE 1909

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente que consta de officios dos Ministerios do Reino e Estrangeiros e da administração do concelho de Montemor-o-Novo sobre o inquérito vinicola. - O Sr. Brito Camacho realiza o seu aviso previo ácerca do procedimento do administrador do concelho de Abrantes. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho (Campos Henriques). - O Sr. Estevam de Vasconcellos renova a iniciativa do seu projecto de lei sobre accidentes de trabalho, acompanhando-o de largas considerações. - O Sr. Sousa Tavares justifica e manda para a mesa um projecto de lei relativo a um empréstimo para abastecimento de aguas em Beja e tambem para a construcção de um edifício para repartições publicas ou lyceu da mesma cidade. Responde o Sr. Ministro das Obras Publicas (D. Luis de Castro). - O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros mandou para a mesa uma proposta de accumulação e a proposta de lei sobre o tratado de commercio e navegação entre Portugal e a Allemanha. - O Sr. Conde de Paçô-Vieira manda para a mesa o parecer da resposta ao Discurso da Coroa. - Participam a constituição de commissões do orçamento e fazenda, respectivamente, os Srs. Soares Branco e José Cabral. - Mandam para a mesa requerimentos os Srs. Antonio José de Almeida, Archer da Silva, Teixeira de Azevedo, Claro da Ricca e Moreira de Almeida. - Annunciam avisos prévios aos Srs. Ministros da Fazenda e da Marinha, respectivamente, os Srs. Queiroz Velloso e Brito Camacho. - Mandam representações para a mesa os Srs. Mazziotti e Alfredo Pereira.

Na primeira parte da ordem do dia elegem-se as commissões de legislação criminal, de saúde publica, de recrutamento e de guerra.

Na segunda parte da ordem do dia prosegue a discussão do assunto urgente relativo ao empréstimo de 4:000 contos de réis, concluindo o seu discurso o Sr. Egas Moniz, que havia ficado com a palavra reservada, e usam da palavra os Srs. Presidente do Conselho (Campos Henriques), Zeferino Cândido, e Ministro da Fazenda (Manuel Affonso da Espregueira).

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim Mendes Leal

Secretarios os Exmos. Srs.:

João José Sinel de Cordes
Antonio Augusto Pereira Cardoso

Primeira chamada: - Ás 2 e meia da tarde.

Presentes: - 85 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel de Mattos Abreu, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alberto Pinheiro Torres, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alfredo Pereira, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Sérgio da Silva e Castro, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde da Arrochella, Conde de Azevedo, Conde de Mangualde, Conde de Penha Garcia, Duarte Gustavo de Reboredo de Sampaio e Mello, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Ernesto Jardim de Vilhena, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Augusto Pereira, João Correia Botelho Castello Branco, João Duarte de Menezes, João Feliciano Marques Pereira, João Henrique Ulrich, João Ignacio de Araujo Lima, João Joaquim Isidro dos Reis, João José da Silva Ferreira Neto, João José Sinel de Cordea, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Soares Branco, João de Sousa Tavares, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, Jorge Vieira, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Antonio da Rocha Lousa, José de Ascensão Guimarães, José Bento da Rocha e Mello, José Caetano Rebello, José Coelho da Motta Prego, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim da Silva Amado, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Vieira Ramos, José Malheiro Reymão, José Maria de Oliveira Mattos, José Mathias Nunes, José Osorio da Gama e Castro, José Paulo Monteiro Cancella, José Ribeiro da Cunha, José dos Santos Pereira Jardim, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Luis da Gama, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Nunes da Silva, Manuel de Sousa Avides, Manuel Telles de Vasconcellos, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodrigo Affonso Pequito, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomás de Aquino de Almeida Garrett, Visconde de Coruche, Visconde de Ollivã, Visconde de Reguehgo (Jorge), Visconde de Viila Moura.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abilio Augusto de Madureira Beça, Affonso Augusto da Costa, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Alvaro Rodrigues Valdez Penalya, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José de Almeida, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Tavares Festas, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castpo Sampaio Côrte Real, Augusto César Claro da Ricca, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Diogo Domingues Peres, Emygdio Lino da Silva, Junior, Fernando de Almeida Loureiro Vasconcellos, Francisco Cabral Metello, Francisco Joaquim Fernandes, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, Henrique de Mello Archer da Silva, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Carlos de Mello Barreto, Joaquim Anselmo da Mata Oliveira, Joaquim Mattoso da Camara, Joaquim Pedro Martins, José Augusto Moreira de Almeida, José Cabral Correia do Amaral, José Caeiro da Matta, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Maria de Queiroz Velloso, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luis Filippe de Castro ID.), Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Joaquim Fratel, Roberto da Cunha Baptista, Thomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça, Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Alexandre Braga, Antonio Rodrigues Nogueira, Eduardo Burnay, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), João Pereira de Magalhães, João de Sousa Calvet de Magalhães, Mariano José da Silva Prezado, Miguel Augusto Bombarda.

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ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio do Reino, remettendo nota das receitas que se podem considerar privativas do Hospital de Rilhafolles e as despesas com a manutenção do mesmo hospital, nos ultimos tres annos economicos, satisfazendo ao requerimento do Sr. Deputado Miguel Augusto Bombarda.

Para a secretaria.

Do Ministerio do Reino, enviando copia do officio do reitor do Lyceu Nacional Central de Lisboa ao director geral da instrucção publica acêrca dos documentos pedidos pelo Sr. Deputado João Inácio de Araujo Lima.

Para a secretaria.

Do Ministerio do Reino, participando que, não sendo possivel satisfazer ao requerimento do Sr. Deputado José Osorio da Gama e Castro, ficam comtudo á disposição de S. Exa. n'aquella secretaria de Estado todos os documentos do processo de syndicancia relativamente aos actos do professor do Lyceu Nacional da Guarda, José Antonio, da Silva, e do reitor do mesmo lyceu, João Monteiro Sacadura.

Para a secretaria.

Do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, remettendo a relação dos consules de 1.ª e 2.ª classe, com a data de nomeação, fundamento da admissão, nomes e situação em que se acham, pedida pelo Sr. Deputado José Augusto Moreira de Almeida.

Para a secretaria.

Da administração do concelho de Monternor-o-Novo, enviando boletins das freguesias d'aquelle concelho com respeito ao inquerito vinicola, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Visconde de Ollivã.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para antes da ordem, do dia os Srs.: Conde de Paçô-Vieira, por parte da commissão de resposta ao Discurso da Coroa; Estevam de Vasconcellos, Sousa Tavares, Visconde de Coruche, Malheiro Reymão, Ernesto de Vilhena, Oliveira Mattos, Alfredo Pereira, Pereira de Lima e Mazziotti.

O Sr. Conde de Paçô-Vieira: - Pedi a palavra para mandar para a mesa o parecer da resposta ao Discurso da Coroa.

O Sr. Presidente: - Vae a imprimir.

O Sr. Soares Branco (Por parte da commissão de orçamento): - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Communico a V. Exa. e á Camara que a eommissão do orçamento se acha constituida, tendo sido escolhido para presidente o Sr. Rodrigo Pequito e eu participante para secretario.

Foi tambem escolhido para relator geral do orçamento o Sr. Deputado Rodrigues Nogueira, havendo relatores especiaes para os diversos Ministerios. = O Deputado, João Soares Branco.

Para a acta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Brito Camacho para realizar o seu aviso prévio ao Sr. Presidente do Conselho .acerca do procedimento do administrador do concelho de Abrantes para com o cidadão Oliveira Vinagre.

O Sr. Brito Camacho: - Como este aviso prévio foi annunciado ha muitos dias, o Sr. Presidente do Conselho com toda a certeza está habilitado a dar-me todas as informações que tenho a pedir-lhe.

Trata-se muito singelamente de um acto inteiramente arbitrario, de uma arbitrariedade inteiramente inqualificavel, commettida pelo administrador do concelho de Abrantes. Este administrador do concelho fez prender, por seu livre arbitrio, um cidadão que tinha transaccionado com um irmão d'elle, administrador do concelho, e sem que a respeito desse cidadão, o Sr. Oliveira Vinagre, tivesse havido a menor queixa ou denuncia que não fosse, como disse, do irmão do administrador do concelho.

Eu digo do que se trata: trata-se de porcos, e creio que não me levarão a mal, visto que não fui eu que provoquei o assunto. O cidadão Oliveira Vinagre tinha comprado a um irmão do, administrador do concelho alguns porcos no valor de 700$000 réis e havia dado por conta 500$000 réis, mas dois dias antes de acabar de effectuar o pagamento, o administrador do concelho a instancias de seu irmão, que é o que tinha transaccionado com o Sr. Oliveira Vinagre, fez prender esse cidadão. Não se trata de um abuso de confiança, porque o cidadão Oliveira Vinagre transaccionava por sua conta, nada havia recebido de ninguem, e, que tivesse, esse abuso de confiança não podia ser qualificado dessa forma pelo administrador, visto que não havia queixa da parte de ninguem e apenas a solicitação do irmão do administrador movida por odios e despeites. Uma autoridade que assim procede pode continuar no exercicio das suas funcções? Não havia denuncia, como disse, a não ser do irmão do administrador do concelho, que arbitrariamente fez com que esse cidadão, Oliveira Vinagre, pela primeira vez na sua vida, ao cabo de trinta annos de vida honrada, entrasse na cadeia debaixo de prisão.

Sr. Presidente: eu creio que será discutivel em boa philosophia politica o direito que tem cada um de respeitar ou não as leis, mas o que nunca poderá ser discutivel é que uma autoridade a quem justamente compete o acatamento das leis possa infringi-las a seu talante, sobretudo para satisfazer odios e vinganças pessoaes.

Eu, Sr. Presidente, julgo-me no direito de desrespeitar a lei quando a lei não traduza para mim o que eu entendo ser uma prescrição de justiça, mas se eu amanhã fosse autoridade, no dia em que me sentisse em conflicto entre a minha consciencia e a lei, eu optava pela minha consciencia e deixava de ser agente de autoridade. (Apoiados).

Creio que a esta hora o administrador do concelho, que arbitrariamente fez prender o cidadão Oliveira Vinagre, já não está no exercicio das suas funcções, pois é indispensavel que assim seja, e se porventura ainda está, é porque o Sr. Presidente do Conselho não recebeu informações cabaes que o habilitassem a ver bem tudo o que ha de monstruoso no procedimento d'aquella autoridade; mas S. Exa. não pode ter duvida desde hoje que elle procedeu da forma mais arbitraria e illegal.

Sr. Presidente: se porventura nos admittissemos o principio de que é licito ás autoridades, para satisfazer odios, para satisfazer vinganças ou para satisfazer ás solicitações de parentes, o perseguir qualquer que seja, então, Sr. Pre-

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sidente, qualquer cidadão tem o direito de lançar mão de todos os meios, sejam quaes forem, para defender os seus interesses e sobretudo, como no caso presente, para fazer valer os seus principios de honra. (Apoiados).

Lavrado este protesto e dadas estas informações ao Sr. Presidente do Conselho, eu aguardo as explicações de S. Ex.a, e tenho toda a esperança de que S. Exa. me dirá que já foi feita toda a justiça, tendo demittido, como não podia deixar de ser, o administrador do concelho de Abrantes, autoridade despotica e que illegalmente abusou das suas attribuições. (Vozes da esquerda: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Campos Henriques): - Sr. Presidente: em muito poucas palavras, precisas e claras, procurarei responder ao illustre Deputado que acaba de falar.

Apenas tive conhecimento do aviso prévio que S. Exa. me dirigiu, immediatamente pedi pelo telegrapho informações sobre o assunto. Ora as informações officiaes que colhi e que vou dar conhecimento á Camara são as seguintes: Contra o cidadão Oliveira Vinagre havia sido apresentada na administração do concelho de Abrantes queixa pelo crime de abuso de confiança, porquanto este cidadão recebera, tambem segundo informações que tenho, 784$000 réis para entregar a um individuo, entrega que não fez senão da quantia de réis 400$000, gastando em seu proveito o restante.

Ainda, tambem segundo informações officiaes que tenho, foi esse cidadão chamado á administração de concelho e ahi entregou mais a quantia de 100$000 réis, promettendo pagar no dia seguinte a restante quantia que faltava, creio que 280$000 réis.

Fez essa promessa e não só a não satisfez, mas ainda se retirou, fugindo para uma freguesia mais ou menos distante. Ahi foi intimado a comparecer na administração do concelho, onde então um seu filho satisfez por completo a quantia que o pae havia recebido, sendo, portanto, posto em liberdade, não chegando a entrar na cadeia, porque apenas fora detido para averiguações.

São estes os factos de que tenho conhecimento, expostos com inteira verdade e absoluta franqueza, declarando mais que não conheço o administrador do concelho, julgando eu que estas informações que acabo de dar á Camara são conformes á verdade.

Se, em todo o caso, por qualquer meio de prova, se vier a demonstrar que a informação que tive não é conforme com a verdade dos factos, e que essa ou outra qualquer autoridade delinquiu no exercicio das suas funcções, a Camara pode estar certa que eu, sem a menor hesitação, sem olhar a pessoas, farei com que a acção da justiça seja inteira e completa. (Apoiados).

Não estou n'este logar, e principalmente no momento que atravessamos, para attender a interesses partidarios ou a interesses politicos, o meu desejo bem firme é cumprir a lei, garantir a liberdade e manter a ordem. (Apoiados).

São estas as informações que recebi e que posso dar ao illustre Deputado.

O Sr. Brito Camacho (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença? Tenho tanta a certeza de que o Sr. Ministro foi mal informado, que peço seja feito um inquerito por pessoa que offereça todas as garantias de imparcialidade, a S. Exa. e a mim. S. Exa. verá então que as minhas informações são verdadeiras e que as de S. Exa. não teem fundamento algum.

Não houve abuso de confiança, não houve negação ao pronto pagamento, nem sequer cousa parecida; o que houve foi uma transacção commercial, nada mais. Mas admittamos que não são exactas nem as minhas informações nem as de S. Exa., o que peço é que S. Exa. nomeie pessoa da sua confiança para proceder a um inquerito sobre o caso.

O Orador: - Para demonstrar a S. Exa. que o meu desejo é proceder conforme a verdade e a justiça, não tenho duvida em mandar proceder a esse inquerito.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Estevam de Vasconcellos: - Sr. Presidente: envio para a mesa a seguinte renovação de iniciativa:

"Renovo a iniciativa do projecto de lei sobre accidentes de trabalho que apresentei na sessão de 9 de maio de 1908.

Sala das sessões, 16 de março de 1909. = O Deputado, Estevam de Vasconcellos.

Esta questão dos accidentes de trabalho, que pela primeira vez foi levantada no Parlamento português pelo projecto de lei cuja iniciativa renovo, tornou-se para mim uma questão de honra. E desde já garanto que, emquanto tiver assento na Camara, na primeira sessão de cada legislatura em que lhe seja possivel usar da palavra, tornarei a levantá-la, arrostando muito embora com a má vontade e com o desprezo systematico, que as maiorias monarchicas votam a todas as iniciativas dos Deputados republicanos.

Se quisesse desde já tirar os effeitos politicos que esse facto autoriza, facilmente o faria, porque não pode haver maior mystificação do regime parlamentar do que esse desplante e essa sem cerimonia com que ficam archivados no seio das respectivas commissões sem um inicio de estudo, sem a sombra de um parecer, os projectos de lei dos Deputados republicanos. (Apoiados).

O que a tal respeito se passou no ultimo anno foi de uma eloquencia desoladora.

Havia-se iniciado, um novo reinado com as mais categoricas e retumbantes promessas de vida nova; a collaboração dos republicanos em todos os assuntos que se prendem com o problema nacional, havia sido mesmo preconizada como um dever de patriotismo que a gravidade da situação impunha a todos os portugueses que tivessem a consciencia das suas responsabilidades civicas.

Para mais, os republicanos teem sido sempre accusados neste país pelos mais emeritos defensores das instituições, de restringirem a sua actividade á discussão da forma do Governo e a uma obra exclusivamente demolidora;

Tem-se dito e tem-se escrito, com uma insistencia e uma impertinencia verdadeiramente acintosas, que os republicanos portugueses não possuem o chamado senso pratico, que não attendem ás condições do nosso meio social e que não se sabem adaptar a essas condicções, apresentando quaesquer estudos de uma opportunidade apreciavel.

Os Deputados republicanos possuiam todos os elementos para comprehenderem a sinceridade dessa promessa e o valor dessas criticas.

Mas resignadamente, serenamente, acceitaram o repto e submetteram-se á prova.

Deste lado da Camara foram apresentados trabalhos que poderiam ter servido de base á discussão de alguns assuntos de primacial importancia e o orador apresentou um projecto de lei regulando as responsabilidades dos patrões e das empresas industriaes na questão dos accidentes de trabalho.

É uma lei, cuja opportunidade é indiscutivel, cuja necessidade é imperiosissima; é uma lei que em todos os países civilizados tem constituido a primeira étape, o primeiro ensaio das chamadas reformas sociaes. (Apoiados).

As razões deste facto deriva da propria essencia do accidente de trabalho.

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O accidente de trabalho, ainda nos casos mais benignos, produz uma contrariedade insanavel sempre que a victima se encontra desprovida de quaesquer recursos e pode ser para o futuro de um operario ou para a vida de uma familia uma perturbação gravissima, quando produz a incapacidade permanente do trabalhar ou a morte.

É portanto, sempre um contratempo deploravel quando se encara debaixo desse ponto de vista restricto, isto é debaixo do ponto de vista dos interesses de um individuo ou do bem estar de uma familia.

Mas quando se attende á repercussão, que elle pode ter nos "interesses geraes da sociedade, a sua importancia diminue consideravelmente por isso mesmo que é de todos os males sociaes o menos grave pela frequencia com que se produz, e pela duração dos prejuizos, a que dá logar.

Assim é que os accidentes do trabalho contribuem para a morbilidade geral com uma quota minima e raros são os casos em que produzem a morte ou a invalidez.

É o que se conclue de estatisticas elaboradas nos países que primeiramente legislaram sobre o assunto.

Nos primeiros annos de execução da lei os accidentes de trabalho produziram-se nas seguintes proporções relativamente ao numero total dos operarios:

30,32/1000 na Allemanha.
24,17/1000 na Noruega.
200,100/1000 na Finlandia.
17,87/1000 na Suecia.

A percentagem maior de victimas foi portanto de 3,100.

Alem disto a frequencia dos accidentes manifestou-se logo na razão inversa da sua gravidade.

Mais de metade dos accidentes occasionaram uma incapacidade de trabalhar inferior a quatro semanas e os que deram logar a uma incapacidade superior a tres meses não chegaram a constituir 1/7 do numero total.

Os accidentes mais graves, isto é, os que produziram uma incapacidade permanente (total ou parcial) a morte apenas se deram nas seguintes porporções:

4,22/1000 na Allemanha.
4,17/1000 na Finlandia.
3,18/1000 na Noruega.
2,49/1000 na Suecia.

Mas ainda dos accidentes d'esta categoria os que apresentaram maior percentagem foram os que occasionaram a incapacidade permanente parcial.

4,22/1000 na Allemanha.
4,18/1000 na Finlandia.
3,18/1000 na Noruega.
2,49/1000 na Suecia.

Os que se produziram com uma gravidade, isto é, os que deram logar á incapacidade permanente total ou á irreparavel morte ficaram d'esta forma reduzidas a uma frequencia diminutissima.

Isto é claro nos paises em que a lei impõe responsabilidades severas, aos patrões; porque nos paises em que os operarios não teem direito a indemnização alguma os accidentes são, decerto, em maior numero e de maior gravidade.

O Sr. Brito Camacho: - Seria interessante fazer-se um calculo dos accidentes de trabalho que se dão em Portugal.

O Orador: - Não é possivel fazer calculo algum. Uma estatistica sobre accidentes de trabalho apenas se pode fazer com relativo rigor num país que já possue em execução uma lei impondo responsabilidades aos patrões. (Apoiados).

Alem d'isso, todos os serviços de estatistica se encontram completamente descurados no nosso país.

No Discurso da Coroa, decerto por instigação do Sr. Ministro das Obras Publicas, vem a promessa da organização do instituto de reformas sociaes, base essencial para a organização de um serviço estatistico serio da vida social do povo português; mas, da promessa á realização vae uma grande distancia.

Vem a proposito citar o seguinte depoimento do distincto arohitecto Sr. Adães Bermudes sobre os accidentes de trabalho em Portugal:

"Guardadas as devidas proporções pode-se affirmar que em país nenhum se produzem tantos desastres no trabalho como no nosso país.

É raro o dia em que os jornaes não registam acontecimentos desta natureza.
Pois, apesar das disposições dos nossos codigos civil e penai e dos regulamentos de segurança dos operarios, vive-se num regime de quasi completa irresponsabilidade que favorece a reincidencia desses factos, visto que nada se faz para os evitar".

Intuitivamente se conclue desses factos que é relativamente facil á collectividade attenuar os effeitos dos accidentes de trabalho, tornando menos precaria a situação das victimas e reduzindo mesmo a sua frequencia e gravidade.

E por isso não se comprehende como haja paises civilizados, que ainda não possuem um serviço de assistencia publica conjugado com uma organização mutualista que garanta tratamento e assistencia a todos os doentes, como haja mesmo países civilizados que ainda não teem pensado em resolver o problema das aposentações operarias; e como apenas se tenham mantido refractarios á promulgação de uma lei sobre accidentes de trabalho os paises nas condições da Turquia e Portugal, isto é, os países que não assimilam os progressos da sciencia, não sabem valorizar as suas riquezas e não comprehenderam ainda o que a hygiene social pode ser, em resultados fecundos para o bem estar e para a prosperidade de um povo! (Apoiados).

Sr. Presidente: renovando a iniciativa do meu projecto poderia tê-lo alterado, se entendesse que refundido na sua contextura geral ou modificado em alguns dos seus detalhes elle ficaria sendo uma base mais conveniente e mais adequada para a discussão deste importantissimo assunto.

Mas não! Tendo tornado a estudar durante o ultimo interregno parlamentar, mais detidamente, o que sobre a materia se encontra legislado no estrangeiro, tendo meditado bem no que é a vida social do povo português nas suas relações com os poderes constituidos, convenci-me muito pelo contrario de que uma lei de accidentos de trabalho, para ser exequivel no nosso meio, deve ser tão simples, tão summaria e tão deficiente - permitta-me a franqueza - como aquella cuja iniciativa renovo neste momento.

A legislação estrangeira caracteriza-se pela maior ou menor intervenção do Estado e pelas maiores ou menores garantias com que fica salvaguardado o pagamento das indemnizações.

É a velha luta, sempre interessante e palpitante entre os chamados economistas liberaes, condemnando a intervenção do Estado nas suas relações entre o capital e o trabalho e todos os que julgam essa intervenção imprescindivel.

Sintetizando o mais sucintamente possivel o que está estatuido nas leis em vigor, apura-se o seguinte:

País em que existe o seguro obrigatorio por conta do Estado, com prohibição expressa de quaesquer sociedades particulares de seguro. Exemplo: a Noruega.

Países em que o seguro obrigatorio se encontra legislado por intermedio de uma Caixa Nacional administrada pelo Estado, mas em que é permittido aos patrões, me-

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diante uma caução nessa caixa, pagarem elles proprios as indemnizações ou transferirem este encargo para uma companhia particular de seguros igualmente caucionada. Exemplo: a Hollanda e a Italia.

Países em que a seguro obrigatorio se exerce por intermédio de associações mutualistas profissionaes os regionaes sob a fiscalização, do Estado. Exemplo: a Allemanha e a Austria.

Países em que o seguro é facultativo na Caixa Nacional dos accidentes de trabalho ou em companhias particulares, podendo mesmo os patrões liquidar directamente as suas responsabilidades com os operarios e existindo n'aquella caixa um fundo de reserva, constituido por uma contribuição addicional sobre as, industrias para garantia das indemnizações nos casos de falencia. Exemplo: a França e a Belgica.

Países em que a lei se limita a estabelecer os principios do risco profissional e da responsabilidade patronal, não estabelecendo; quaesquer providencias para, garantir o pagamento das indemnizações. Exemplo: a Inglaterra, Dinamarca e Espanha.

O meu projecto de lei pertence: a esta ultima categoria, mas como já accentuei no relatorio que o precedeu elle não traduzia nem traduz, as suas aspirações; obedece apenas ao intuito de ser immediatamente exequivel nas circunstancias actuaes do nosso meio social.

Não, tenho mesmo duvida alguma em confessar com a maior lealdade que de todos; os systemas adoptados o que melhor se coaduna com as tendencias do meu espirito e o que deve dar na pratica resultados mais proficuos é o adoptado na Allemanha e na Austria.

O seguro obrigatorio por couta do Estado, isto é, por intermédio do uma, caixa gerida e administrada pelo Estado constituo, uma organização com todos os vicios burocraticos, com todos os defeitos da centralização, e que muito particularmente não pode estimular á iniciativa individual nem impor-se á confiança publica em países detestavelmente administrados como o nosso.

O regime das companhias particulares de seguro tem dado logar na França a suspeições gravissimas e a conflictos constantes entre os operarios e as companhias, muito especialmente por causa do serviço clinico.

As aggremiações mutualistas da Austria e da Allemanha, constituidas pelos proprios, patrões, umas regionaes, isto é, distribuidas em varias circunscrições, outras profissionaes, agrupando os membros de determinadas industrias, constituem decerto a formula mais efficaz de resolver o problema.

Mas, sendo o seguro obrigatorio, o Estado,, que impõe aoa patrões a sua filiação nessas sociedades, não pode deixar de intervir, mais ou menos directamente, no seu funccionamento, ou, pelo menos, na solução dos conflictos que se venham a levantar.

Por isso na Allemanha o Presidente dos tribunaes arbi-traes é um individuo nomeado pelo Imperador e a Repartição Imperial de Seguros, que funcciona em Berlim e resolve todos os pleitos em ultima instancia, é constituida na sua maioria por representantes do Imperador e do Ministro do Interior.

Na Austria não existe essa repartição imperial que centraliza todos os serviços, mas as proprias caixas (veja-se até onde chega a intervenção do poder central) são administradas por comités constituidos por tres membros escolhidos pelo Imperador, tres pelos patrões e tres pelos operarios e os tribunaes arbitraes são constituidos na sua maioria por delegados do Governo.

Ora eu pergunto á minha consciencia e á consciencia de todos: porventura uma tal organização dará bons resultados, seria sequer toleravel num país como Portugal, onde o caciquismo absorveu de ha muito todas as funcções do organismo social (Apoiados) e onde se tornou corrente essa doutrina ultra torpe de que a politica tudo justifica e absorve, desde as máximas illegalidadea até ás maiores infamias?! (Apoiados). Não ha sombra de pessimismo nestas considerações; um facto bem recente dá-nos a medida exacta da acção desmoralizadora e dissolvente dos poderes, constituidos n'este desgraçado país.

Existem conselhos regionaes constituidos por delegados das associações de socorros mutuo para solução de todos, os conflictos que se levantem n'aquellas associações. As suas deliberações devem ser executadas; pelas autoridades administrativas.

Pois ainda ha poucos meses os membros do conselho regional de Lisboa viram-se forçados a abandonar o exercicio dos seus cargos, porque as autoridades deixaram de dar cumprimento ás suas resoluções, sempre que ellas as contrariavam nas suas politiquices do campanario, nas suas manobras eleiçoeiras!

Que prova mais irrecusavel se poderia apresentar da falencia moral de um regime- politico e da impossibilidade em que os poderes publicos neste país; se encontram, de intervir honestamente na execução, de quaesquer medidas; de caracter social? (Apoiados).

Um dos pontos do meu projecto de lei que provocou maiores reparos em alguns jornaes; monarchicos foi a imposição aos patrões e ás empresas industriaes de todos; os encargos resultantes dos accidentes de trabalho.

Não pode deixar de ser assim! A nação foi do risco profissional, base de todas as leis especiaes sobre aecidentes de trabalho, não admitte a tal respeito a menor duvida. Assim se tem comprehendido; em toda a parte. Se na Allemanha as victimas dos accidentes ficam, nas treze primeiras semanas de tratamento a cargo das, caixas de seguro contra a doença, é porque n'aquelle país os patrões contribuem para estas ultimas caixas com um terço das suas receitas.

Se na Austria os operarios participam, dos encargos do seguro contra os accidentes - num decimo de quotização - quando os seus salarios: não excedem um florim - é porque tambem neste país os patrões contribuem na mesma proporção para o seguro para a doença.

Em Portugal, onde os patrões não contribuem nem para a doença nem para a invalidez dos seus operarios, não ha o menor motivo para que não tomem a si todos os encargos dos accidentes de trabalho.

Sr. Presidente: esta questão ficará posta em termos muito definidos se o meu projecto continuar a dormir o somno das cousas inopportunas no seio da respectiva commissão.

O assunto não se presta a novas mistificações; combater o meu projecto de lei sob o pretexto de que elle não dá ao proletario todas as garantias necessarias é muito simplesmente uma burla, desde que haja o proposito de lhe não dar garantias algumas.

A continuação do actual estado de cousas, sem uma lei que regule as responsabilidades dos accidentes de trabalho, constituirá uma vergonha insanavel para este país e será, a demonstração eloquentissima de que a monarchia em Portugal não pode, não sabe ou não quer attenuar a situação miseranda das classes trabalhadoras! (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Faltando, apenas, um quarto de hora para se entrar na ordem do dia, e, não havendo, por isso, tempo para se realizar mais algum, aviso prévio, vou dar a palavra, segundo a ordem da inscrição, áquelles Srs. Deputados que a pediram.

Tem a palavra o Sr. Sousa Tavares.

O Sr. Sousa Tavares: - Sr. Presidente: mando para a mesa um projecto de lei; antes, porem, de o ler, consinta-me V. Exa., Sr. Presidente, que eu lhe dirija as minhas felicitações pelo honroso logar em que foi investido.

O projecto de lei a que me refiro tem por fim autorizar o Governo a contratar com a Caixa Geral de Deposi-

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SESSÃO N.º 11 DE 16 DE MARÇO DE 1909 7

tos um emprestimo de 12 contos de réis destinado ás obras de canalização para abastecimento de aguas da cidade de Beja.

Peço licença para lembrar ao Sr. Ministro das Obras Publicas que ha uma disposição legal, ao abrigo da qual S. Exa. poderá, se quiser, acudir de pronto á falta de trabalho que ha n'aquella cidade; bastará para isso contratar um emprestimo com a Caixa Geral de Depositos, e desse modo ultimar-se o edificio que se destina a repartições publicas ou para a edificação de um lyceu.

Enviando para a mesa o meu projecto, peço que seja tomado na devida consideração.

(O orador não reviu).

O projecto ficou para segunda leitura.

O Sr. José Cabral (por parte da commissão de fazenda): - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. e á Camara que se constituiu a commissão de fazenda, nomeando seu presidente o Sr. Conde de Penha Garcia e secretario o abaixo assinado. = José Cabral Correia do Amaral.

Para a acta.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (D. Luis de Castro): - Respondendo ao illustre Deputado Sr. Sousa Tavares, devo affirmar a S. Exa. que o assunto me merece todo o interesse, promettendo estudá-lo minuciosamente, a fim de o resolver da melhor forma possivel. (Apoiados).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Wenceslau de Lima): - Mando para a mesa uma proposta de accumulação.

(Leu).

Vou tambem ler e enviar em seguida para a mesa a proposta de lei que approva o tratado celebrado entre Portugal e á Allemanha.

(Leu).

A proposta foi enviada ás commissoes de negocio" estrangeiros, de commerciOf de marinha e de fazenda, e mandada publicar no "Diario do Governo".

Vae publicada no final da sessão n.° 13.

O Sr. Presidente: - E a hora de se passar á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa, queiram faze-lo.

O Sr. Antonio José de Almeida: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Peço me seja remettido, com a maxima urgencia, o mappa de todos os legados e donativos que tenham sido feitos ás escolas de instrucção primaria, devendo nelle vir indicado: o districto em que foram feitos, a sua data, em poder de quem estão e a designação de terem ou não sido cumpridos. = Antonio José de Almeida.

Mandou-se expedir.

O Sr. Brito Camacho: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Desejo interrogar o Sr. Ministro da Marinha sobre abusos que se praticam na execução da escala de embarque, resultando d'ahi prejuizos graves para a disciplina da corporação da armada, alem dos que resultam para os individuos que não teem o favor das estações superiores. = Brito Camacho.

Mandou-se expedir.

O Sr. Queiroz Velloso: - Mande para a mesa o seguinte

Aviso previo

Declaro que desejo interrogar o Sr. Ministro da Fazenda sobre a operação para a compra da prata. = Queiroz Velloso.

Mandou-se expedir.

O Sr. Archer da Silva: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, com a maior urgencia, me sejam enviados pelo Ministerio da Fazenda os seguintes documentos:

Nota da importancia em réis, paga pelo Governo ao Banco Lisboa & Açores pela parte contratada;

Datas em que se effectuaram esses pagamentos e qual o cambio do dia. = Henrique Archer da Silva.

Para a secretaria.

O Sr. Teixeira de Azevedo: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, com urgencia, me seja enviada pelo Ministerio da Justiça copia da proposta dos juizes substitutos da comarca de Loulé, feita pelo presidente da Relação. = O Deputado, J. Teixeira de Azevedo.

Para a secretaria.

O Sr. Claro da Ricca: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Precisando tratar largamente no Parlamento da situação financeira nacional, tanto no tocante ao continente como ao ultramar, requeiro com a maior urgencia:

1.° Nota minuciosa do estado de toda a divida fluctuante em 28 de fevereiro e 15 de março de 1909 e em 31 de janeiro de 1908, discriminando-se os vencimentos, suas datas e juros, tanto nokpaís como no estrangeiro.

2.° Copia de todos os contratos ou propostas ácerca de levantamento de fundos realizados em conta da divida fluctuante externa, tanto no país como no estrangeiro, desde 31 de janeiro de 1908 a 15 de março de 1909.

3.° Idem relativamente á divida fluctuante interna em contas correntes.

4.° Nota dos saldos existentes nos cofres publicos em conta do Thesouro e em conta da Junta do Credito Publico em 31 de janeiro e 28 de fevereiro de 1909.

5.° Idem dos saldos que a Junta do Credito Publico tinha no estrangeiro em 31 de janeiro e 28 de fevereiro de 1909.

6.° Nota do estado dos créditos do Governo no estrangeiro em 28 de fevereiro de 1909.

7.° Idem dos depositos existentes á ordem do Governo no estrangeiro em 28 de fevereiro, de 1909.

8.° Nota dos titulos da divida externa na posse do Thesouro em 28 de fevereiro de 1909, bem como das acções, titulos, obrigações de quaesquer companhias, empresas, etc., de que o Estado seja possuidor por compra, cedencia, donativos, participação ou troca.

9.° Idem da importancia total dispendida com a compra de titulos externos ou quaesquer outros desde 31 de janeiro de 1908 até 28 de fevereiro de 1909.

10.° Idem dos adeantamentos feitos aos Caminhos de Ferro do Estado de 31 de janeiro de 1908 a 28 de fevereiro de 1909, bem como das quantias que os referidos caminhos de ferro teem pago ao Estado desde 1 de julho de 1905 até 28 de fevereiro de 1909 para encontro d'esses adeantamentos.

11.° Nota dos titulos na posse e administração da fazenda em 28 de fevereiro de 1909.

12.° Idem da venda de titulos realizada desde 31 de

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junho de 1908 a 28 de fevereiro de 1909 bem como das vendas contratadas.

13.° Nota dos pagamentos de contas de diversos Ministerios, escriturados em contas de thesouraria, desde janeiro da 1908 a 28 de fevereiro de 1909.

14.° Nota dos adeantamentos feitos á Companhia da Ambaca desde 1 de janeiro de 1889 até 28 de fevereiro de 1909, com a indicação dos despachos Ministeriaes que autorizaram esses pagamentos.

15.° Nota das operações realizadas sobre amoedação da prata desde 1899 a 1909, bem, como do resultado dessas operações tanto na metropole como no ultramar.

16.° Nota das despesas escrituradas á conta das provincias ultramarinas pagas pelo Thesouro na metropole, bem como das quantias que teem sido transferidas de umas provincias para as outras ou para a metropole.

17.° Nota das despesas realizadas com guerras coloniaes desde 1889 até 1909, indicando-se a despesa por cada campanha. = Claro da Ricca.

Mandou-se expedir.

O Sr. Moreira de Almeida: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento.

Renovo, com toda a instancia, o requerimento que fiz em sessão de 1 de julho, do anno passado, para que com a maior urgencia:

1.° Pelo Ministerio do Reino e da Fazenda me seja enviada com toda a brevidade, uma relação nominal e annual dos cidadãos portugueses agraciados com titulos ou quaesquer outras mercês honorificas nos ultimos dez annos.

2.° Que nessa, relação, seja lançada nota respeitante a cada um dos agraciados, da que os impostos que dever á fazenda pela respectiva mercê:

a) Ou foram pagos de pronto.

b) Ou em prestações no numero legal.

c) Ou estão, sendo pagas por esta ultima forma.

d) Ou ainda por qualquer outra forma, requerida e autorizada por despacho declarando-se qual seja.

e) Ou que não foram, pagos por aproveitar ao agraciado qualquer isenção legal por elle allegada em requerimento, para ser dispensado do pagamento ou mencionado no despacho que o agraciou.

3.° Que d'essa relação conste, tambem:

a) Quaes dos agraciados renunciaram ás respectivas mercês.

b) E se alguns e algumas deixaram ter a devida publicação no Diario do Governo e por que razão. = J. A. Moreira de Almeida.

Mandou-se expedir.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á primeira parte da

ORDEM DO DIA

Eleição de commissões

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição conjunta das commissões de saude publica e de legislação criminal.

Convido os Srs. Deputados a formularem as suas listas.

Procede-se á chamada.

O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os Srs. Visconde de Villa Moura e Aurelio Pinto.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna para a eleição da commissão de legislação criminal 59 listas, das quaes 2 brancas, tendo saido eleitos os Srs.:

Alberto Pinheiro Torres .... 57 votos
Alexandra Carreia Telles de Araujo e Alburquerque .... 57 votos
Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa .... 57 votos
Antonio Alves de Oliveira Guimarães .... 57 votos
Artonio Osorio Sarmento Figueiredo .... 57 votos
Conde de Castro e Solla .... 57 votos
José Julio Vieira Ramos .... 57 votos
José Paulo Monteiro Cancella .... 57 votos
Manuel Nunes da Silva .... 57 votos

Para a commissão de saude publica entraram na urna 59 listas das quaes 1 branca, saindo eleitos os Srs.:

Antonio Augusto Pereira Cardoso .... 58 votos
Antonio Rodrigues Costa da Silveira .... 58 votos
Jorge Vieira .... 58 votos
José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior .... 58 votos
José Joaquim da Silva Amado .... 58 votos
Manuel de Brito Camacho .... 58 votos
Miguel Augusto Bombarda .... 58 votos
Sabino Maria Teixeira Coelho .... 58 votos
Visconde de Villa Moura .... 58 votos

O Sr. Presidente: - Vae procede-se á eleição simultanea das Commissõs de recrutamento e de guerra. Convido, os Srs. Deputados a formularem as suas listas.

Procede-se á chamada.

O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os. Srs. Alexandre de Albuquerque e Augusto de Castro.

Corrido o escrutinio, verifica-se terem entrada na urna para a eleição da commissão de guerra 70 listas, sendo 4 brancas e saindo eleitos os Srs.:

Antonio Augusto Pereira Cardoso, com .... 66 votos
Antonio José Garcia Guerreiro .... 66 votos
Antonio Rodrigues Nogueira .... 66 votos
Antonio Rodrigues Ribeiro .... 66 votos
Francisco Xavier Correia Mendes .... 66 votos
João Soares Branco .... 66 votos
José Maria de Oliveira Simões .... 66 votos
José Mathias Nunes .... 66 votos
Lonrenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla .... 66 votos

Para a eleição da commissão do recrutamento entraram na urna 70 listas; sendo 4 brancas e saindo eleitos os Srs:

Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, com .... 66 votos
Antonio de Almeida Pinto da Motta .... 66 votos
Antonio José Garcia Guerreiro .... 66 votos
Francisco Xavier Correia Mendes .... 66 votos
Joio de Sousa Tavares .... 66 votos
Joaquim José Pimenta Tello .... 66 votos
José Mathias Nunes .... 66 votos
Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla .... 66 votos
Roberto da Cunha Baptista .... 66 votos

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para se votar a proposta de accumulação, mandada para a mesa pelo Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Lê-se na mesa. É a seguinte:

Proposta de accumulação

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, pede o Governo á Camara dos Senhores Deputados da Nação

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SESSÃO N.° 11 DE 16 DE MARÇO DE 1909 9

Portuguesa para que o Sr. Deputado José Ribeiro da Cunha, primeiro secretario de legação graduado em chefe de missão de 2.ª classe, accumule, querendo, o exercicio, do seu emprego com as funcções legislativas.

Secretaria de Estada dos Negocios Estrangeiros, 16 de março de 1909. = Wenceslau de Lima.

Foi approvada.

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do assunto urgente relativo ao emprestimo de 4:000 contos de réis

Continua no uso da palavra o illustre Deputado Sr. Egas Moniz, dispondo ainda, do 53 minutos alem do quarto de hora, que o Regimento lhe faculta.

O Sr. Egas Moniz: - Sr. Presidente: ha pouco mais de um anno que o Sr. Espregueira occupa a pasta da Fazenda. Quando saiu do ultimo Ministerio do Sr. José Luciano julgou-se que nunca mais, em situação; alguma do país, ascenderia aos Conselhos da Coroa. (Apoiados da esquerda).

Enganaram-se os que assim pensaram.

As horas de angustia e de dolorosissima tortura em que se debateu a sociedade portuguesa ha pouco mais de um anno trouxe-o de novo, depois de um momento do incertezas e de pussillanimidades, ao Ministerio da Fazenda.

Na ultima sessão, depois da campanha, dos adeantamentos em que o Sr. Espregueira avultou como um dos maiores cumplices, esperou-se que elle abandonasse o poder. Ilusão completa. O Sr. Espregueira foi considerado como indispensavel para o salvamento das finanças portuguesas; O Sr. Espergueira voltou a occupar o logar de que pareceu para sempre arredado.

E é assim, Sr. Presidente, que este Ministro da Fazenda, que só teve uma ambição na sua vida governamental - o fazer emprestimos, realizou, em menos de um anno, quatro operações, que, pelas circunstancias em que foram feitas, pela significação que ellas teem e pelos laços que as une, convém neste momento recordar.

A primeira é a de um avultado suprimento feito, em Parir e que tem como caução a renda dos fosforos, a um juro avultado, operação aqui largamente discutida, na passada sessão.

Em seguida, e no interregno parlamentar, realizou o Sr. Espregueira duas medidas não menos dignas de especial registo.

Uma referente á açquisição: de prata para amoedação, num concurso, em que foi preterido; o Banco de Portugal pelo Banco de Lisboa e Açores, com grandes desvantagens para o Thesouro.

Para bem apreciar essa operação já requeri copia que, infelizmente se está demorando dos respectivos documentos.

Finalmente realizou em 27 de fevereiro ultimo o emprestimo que agora se discute.

Como não desejo fatigar por muito tempo a attenção da Camara, deixo, Sr. Presidente, para momento mais opportuno a apreciação dessas operações. Constato e rememoro esses factos, porque d'elles necessito para poder apreciar o que agora se fez a proposito do novo emprestimo de 4:604 contos de réis, realizado na véspera da abertura do Parlamento, á porta fechada, sem concurso, a um grupo de financeiros em que tem primacial logar o Banco Lisboa & Açores, que tão solicitamente vem acompanhando a vida ministerial do Sr. Espregueira desde o inicio da sua carreira governativa.

O que é esse emprestimo, Sr. Presidente, já aqui for dito e repetido sem que da parte do Sr. Espregueira, ou dos Deputados da maioria houvesse a, menor, contestação quer dos numeros apresentados, quer da factos graves adduzidos e que illaquearam esta desgraçada operação financeira. (Apoiados da esquerda).

Referir-me-hei ainda a esses numeros porque tenho uma correcção a fazer-lhes.

Por este emprestimo é o Ministro da Fazenda obrigado, a criar e emittir 57:552 obrigações de 80$000 réis; cada uma, com juro de 5 por cento ao anno, pagavel aos trimestres.

Sr. Presidente: estas obrigações foram postas á venda para o publico a 75$000 réis. Para os contractadores, pela Tetra, do decreto de 27 de fevereiro, parecia que ficavam a 69$500 réis tendo uma margem de lucros de réis 5$500 por acção; mas, pela letra do contrato ultimamente publicado no Diario do Governo sabe-se, (condição 11.ª), que o Governo, dá de commissão aos contratadores, 2 por cento sobre a importancia effectiva do emprestimo o que reduz aquella importancia a 68$110 réis.

Mas, Sr. Presidente, ha ainda outras deducções a fazer. Esta operação, do emprestimo dura dezoito, meses. Só ao fim d'este prazo de tempo é que o Estado recebe a importancia do emprestimo, visto, o contrato permittir que se pague em prestações, de 10 por cento durante dezoito meses. Mas n'esses dezoito, meses o Estado: paga juros de dinheiro não recebido, porque nesse prazo vencem-se 6 coupons trimestraes de 1$000 réis, ou sejam 6$000 réis. É certo, Sr. Presidente que, se o Estado tivesse, de pagar juro de 5 por cento das prestações recebidas até, ultimar o contrato teria, que pagar 2$553 réis, por obrigação. A differença para 6$000 réis, ou sejam 3$447 réis, é o onus que as mesmas obrigações auferem com essa clausula, do pagamento, em fracções de 10 por cento. Isto é, as obrigações são cedidas a 64$663 réis, numeros exactos. O que é uma taxa de juro para o Estado de 6,18 por cento ao anno.

E nem de outra forma, Sr. Presidente, podem ser feitos os calculos. Isto é, o Estado fica a dever 4:604 coutos, de réis, recebendo apenas 3:721 contos de réis. Uma differença de 883 contos de réis. (Apoiados da esquerda).

E fez-se este emprestimo, Sr. Presidente, dando-se por caução uma das mais importantes receitas do Estado, e fez-se esta desastrada, operação a horas da abertura do Parlamento onde o Ministro podia, ter trazido as bases da contrato a fim de, por elle, serem julgadas e apreciadas devidamente; e fez-se, este contrato, sem concurso, á porta fechada, sem especie alguma de fiscalização; e fez-se até, como sobejamente; d'este lado da Camara, se demonstrassem que o Ministerio da Fazenda estivesse autorizado a fazer esta operação. (Apoiados da esquerda).

Mas este emprestimo, Sr. Presidente, realizado em tão anomalas circunstancias, foi por acaso, devido, a uma imperiosa necessidade de momento? Nem assim seria praticavel, porque não ha condições por mais extraordinarias que sejam, que desculpem, uma illegalidade, um abuso de autorização, uma falta absoluta de seriedade administrativa na maneira de contratar. Mas, Sr. Presidente, seria talvez uma attenuante a sua urgencia? E como a pergunta, accudiu a todos os espiritos, já ella foi dirigida ao Sr. Espregueira. E o Sr. Ministro da Fazenda, com aquella indifferença e passividade que tanto caracterizam a sua carreira parlamentar, respondeu apenas que o emprestimo era necessario para mostrar lá fora que ha credito a dentro do país!

Oh! Sr. Presidente! Como se isso valesse de alguma, cousa! Como se um acto, como estende má administração, nos não depreciasse ou desvalorizasse mais perante o estrangeiro. Fomos assim mostrar-lhe que ha ainda dentro do reino quem empreste dinheiro ao. Estado a 6,18 por cento ao anno! (Apoiados da esquerda).

E qual foi afinal, Sr. Presidente, o fim do emprestimo? Vamos ter novas redes de caminhos de ferro, novas fon-

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tes de riqueza? Nada disso. A operação foi apenas a consolidação de uma pequena parte da divida fluctuante. E comtudo quem ler o decreto de 27 de fevereiro fica convencido, a não ser que repare na assinatura de quem o subscreveu para se pôr de sobreaviso, de que o producto deste emprestimo, ou pelo menos uma grande parte, se vae applicar á construcção dos caminhos de ferro.

É falta da honorabilidade, ou mais portuguesmente, falta de seriedade administrativa que presidiu a todo este contrato. (Muitos apoiados da esquerda).

Basta ler o annuncio que veio inserto em todos os jornaes! Merece até um exame especial.

Tanto n'elle como no decreto de 27 de fevereiro ha a citação em falso da lei de 9 de setembro de 1908, que, como já se demonstrou, nenhuma disposição contém que diga respeito a esta operação e a citação maliciosa da lei de 14 de junho de 1899, que não autoriza o actual emprestimo.

Mas ha mais, Sr. Presidente. Nesse annuncio reclame apresentado ao publico pelo Governo Português para o chamar á subscrição, sem olhar a meios nem a processos, diz-se que os coupons das obrigações serão recebidos pelo seu valor nominal nos pagamentos ao Thesouro. Pois é falso. Basta ler o artigo 10.° do decreto de 27 de fevereiro. N'elle se diz que só serão recebidos "acompanhados das respectivas relações devidamente selladas". (Apoiados da esquerda).

Nesse annuncio faz-se o reclame ao valor da garantia de juro, mas não se exara, Sr. Presidente, como aliás se diz no decreto para que o publico, pouco lido em leis, fizesse as suas contas, que o encargo deste emprestimo é de 242:512$687 réis, que, juntos aos 163:692$480 réis da consignação dos dois emprestimos de 1:500 contos de réis cada um já emittidos, perfazem um encargo para o fundo especial dos. Caminhos de Ferro do Estado de 405:605$167 réis. Isto é, basta que as receitas dos Caminhos de Ferro do Estado desçam ao que foram em 1905-1906 para o fundo especial já não chegar para o encargo. E occultaram-se propositadamente ao publico estes pormenores para elle não poder fazer estes calculos.

E agora, Sr. Presidente, devo eu perguntar: de onde vieram os numeros publicados como sendo o rendimento do fundo especial dos Caminhos de Ferro do Estado no annuncio do Governo? Sabe-se bem que o conselho de administração dos Caminhos de Ferro do Estado é obrigado a enviar ao Tribunal de Contas em 30 de setembro de cada anno (artigo 10.°, § 3.°, da lei de 14 de julho de 1899) as suas contas de gerencia, mas ellas não foram publicadas, ninguém as. conhece, a lei não se cumpre e só agora, Sr. Presidente, é que se aproveitam para ás lançar ao publico sem que ninguém possa garantir a sua exactidão emanada de um exame circunstanciado d'essas contas. (Apoiados da esquerda).

E ser-lhe-hiam feitas as deducções que as leis determinam, taes como as de compra de material, a construcção de lanços de estrada de accesso ás estações de Caminhos de Ferro do Estado e que podem ser constituidas até 500 contos de réis (n.° 3.° do artigo 1.° da lei de 1 de julho de 1903), etc., ou são numeros em bruto e portanto falsos? Ninguem o pode saber, Sr. Presidente. Faltam as provas e pelo que affirma o Sr. Espregueira não se pode lazer juizo seguro. (Apoiados da esquerda).

Mas ha mais ainda, Sr. Presidente, e eis nos chegados ao incidente da Caixa Geral de Depositos, que levou o illustre leader da dissidencia a pôr a questão deste emprestimo como uma questão moral, o que não tem sido vulgar no Parlamento português.

A Caixa Geral de Depositos comprou 13:500 obrigações a 730000 réis aos contratadores do emprestimo. Segundo affirmou o Sr. Espregueira, estas obrigações foram compradas antes de aberta a subscrição. Mas sendo assim, Sr. Presidente, o annuncio que o Governo Português lançou ao publico é uma fraude. A subscrição foi aborta para todas as obrigações: 57:553, mas se já haviam sido passadas 13:600 á Caixa Geral de Depositos só poderia o Governo abrir subscrição para 43:953. Porque enganou o publico? Ou então, que é o mais provavel, não viria a Caixa pela mão do Sr. Espregueira valer aos contratadores já depois de fechado o concurso?

Mas aqui, Sr. Presidente, avulta sobre todas a questão moral.

O Sr. Espregueira podia ceder á Caixa as obrigações pelo preço que as cedeu aos contratadores e não quis fazê-lo. A Caixa foi assim prejudicada na differença que vae, em cada obrigação, de 64$663 réis, em que ficaram aos tomadores, para 73$000 réis, preço por que a Caixa as adquiriu, isto é, em -80337 rois por titulo, o que nas 13:500 obrigações dá um prejuizo á Caixa Geral de Depositos de 113:383$200 réis.

O emprestimo foi feito em condições semelhantes ás do actual. Foi de 2.000:000$000 réis. Para o realizar ficou o Estado a dever 2.700:000$000 réis, ou sejam, 270:000 obrigações de 10$000 réis. Ficaram ao preço ao Banco Lisboa & Açores a 7$400 réis, dando ao tomador um lucro de 25 por cento.

O tomador vendeu-as a 9$350 réis e $0500 réis cada uma. Deu de lucros mais de 500:000$000 réis.

E não sei, Sr. Presidente, se, sobre tal contrato, foi ouvido o Conselho de Ministros dessa época, antes de ser realizada!

Por esse contrato, repito, deu o Sr. Ministro da Fazenda Manuel Affonso de Espregueira, ao Banco Lisboa & Açores, 500:000$000 réis. (Apoiados da esquerda).

Outro contrato: o da prata.

Nesta questão houve tambem duas propostas: uma do Banco Lisboa & Açores, outra do Banco de Portugal Esta dava maiores vantagens ao Estado porque o interessava em metade dos lucros dessa rendosa operação.

Pois o Ministro, servindo-se do pretexto de 1/16 de dinheiro esterlino de vantagem de preço que dava o Banco Lisboa & Açores, entregou-lhe a operação sem olhar aos lucros que dava o Banco de Portugal, sem olhar á situação especial em que o Estado se encontra com esse Banco!

O Banco Lisboa & Açores lucrou com essa operação centenas de contos.

Finalmente, no actual emprestimo o Banco Lisboa & Açores toma com a casa Fonseca, Santos & Vianna, 75 por cento da operação, sem concurso, á porta fechada, nas vesperas da abertura do Parlamento, o que lhe dá um lucro de mais 600:000$000 réis, só a respeito destes dois estabelecimentos de credito.

E isto depois de, em Conselho de Ministros, se resolver que devia reduzir-se a 240:000$000 réis a annuidade do emprestimo e de reduzir a 1 por cento a percentagem de 2 por cento de corretagem, etc.

Em resumo, na vida ministerial do Sr. Espregueira ha tres contratos entregues obscuramente ao Banco Lisboa & Açores com lucros fabulosos, cerca de 1.500:000$000 réis. (Apoiados da esquerda).

Pois bem, Sr. Presidente, ouça V. Exa. e ouça-o a Camara: o Sr. Espregueira é desde 1903 presidente do conselho fiscal deste banco!

Tenho aqui os relatorios. Foi eleito as vesperas da sua ascensão ao poder, antes de fazer o contrato com a Swazilandia.

E não se diga, Sr. Presidente, que a Administração da Caixa Geral de Depositos era credora dos Caminhos de Ferro do Estado. Isso é falso.

O credor era o Thesouro, a Caixa adeantou dinheiro, sim, mas para a divida fluctuante. E foi chamada n'esta conjuntura para valer aos contratadores, nada mais. (Apoiados na esquerda).

Porque não lhe deram as obrigações ao preço dos con-

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tratadores? Porque não desejavam que ella corresse o risco do negocio, diz o Sr. Espregueira.

Mas se a Caixa fica em deposito com 13:500 dessas obrigações, não seria menor o risco se, em vez de as tomar a 73$000 réis, as tomasse a 64$663 réis ? (Apoiados da esquerda).

E não se diga ainda, Sr. Presidente, que o Ministro da Fazenda nada tem que ver com a Caixa.

A proposta foi feita, disse-o aqui o Sr. Espregueira, por seu intermédio. O Sr. Espregueira lançou sobre uma proposta o seu despacho. Tratava-se de um estabelecimento do Estado sob a fiscalização do Ministerio da Fazenda. A constituição do seu conselho fiscal bem o demonstra (artigo 7.° da sua lei organica de 23 de junho de 1897).

Pois o Sr. Espregueira não lhe prestou uma elucidação não lhe apresentou um dado por que pudesse regular-se, e isto antes de aberta a subscrição para o publico.

Lançou apenas, note V. Exa. e note a Camara, laconicamente, este despacho: "Transmitia offerta á Caixa Geral de Depositos".

Foi em virtude desse despacho, Sr. Presidente, que a Caixa foi prejudicada em mais de 113:000$000 réis.

Foi em virtude disso que essa Caixa, que é uma instituição de previdencia, onde existem depositos sagrados por muitas lagrimas e muitas amarguras, cujas prosperidades a tantos interessam e a tantos teem valido, foi desfalcada numa avultadissima somma.

Por isso a opposição tem de reduzir a termos precisos a questão moral, que trouxe a este debate, e que vale mais do que todas as questões legaes que possam discutir-se.

Estas attingiram apenas o Sr. Ministro da Fazenda, aquella dirige-se ao Sr. Manuel Affonso de Espregueira.

Recordarei, em primeiro logar, Sr. Presidente, o contrato, já hoje esquecido, da Swazilandia. Nesse tempo já o Sr. Espregueira odiava os concursos. Convidou apenas dois bancos a concorrer. Entre esses, o Banco Lisboa & Açores. Foi o preferido. O contrato foi assinado em 11 de março de 1905.

Tenho aqui os relatorios.

A accusação é tão grave, Sr. Presidente, que chega a ser dolorosa para mim e eu estimaria que o Sr. Ministro da Fazenda, réu neste momento, se levantasse para...

Eu estimaria mesmo que o Sr. Ministro da Fazenda, réu neste momento (Apoiados da esquerda) se levantasse para me destruir as affirmações, para convencer o país de que ha lealdade governativa, e que não estamos aqui a favorecer entidades financeiras, seja qual for a sua força. (Apoiados da esquerda).

Nesta questão tão grave eu meço bem o alcance das minhas palavras e não faria accusações tão graves, se não tivesse a suspeita, para não dizer a certeza - que a tenho - de que o Sr. Ministro da Fazenda desfalcou os dinheiro publicos em seu favor, visto que foi em favor do banco a que pertence.

Eu aduzo factos que deixo á ponderação da Camara e ao criterio da maioria.

Pretende ainda a maioria defender o Sr. Espregueira?

Faça-o o, partido progressista, onde eu tenho bastantes ligações; lamento sinceramente, como antigo progressista que fui, que tal suceda.

Pretende o Governo solidarizar-se com o Sr. Espregueira em todos estes actos? Fica sendo mais uma sucursal do Banco Lisboa & Açores.

N'esta hora afflictiva em que cae sobre a cabeça de um Ministro a acusação mais grave que se tem feito no Parlamento, eu dirigo-me ao Ministro da Fazenda -porque, afinal de contas, elle ainda é Ministro - e digo-lhe: Sr. Ministro, defenda-se com provas, com factos. Não são, nem as mistificações da maioria, nem a unidade do partido, nem a unidade governativa que hão de salvá-lo da tremenda responsabilidade dos factos a que acabo de referir-me.

Tenho dito.

(O orador que foi muito cumprimentado pela opposição da Camara, não reviu o seu discurso).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Campos Henriques): - Sr. Presidente : triste, bem triste é a época em que vivemos (Apoiados da esquerda), em que a paixão politica desvaira os espiritos, ainda os mais esclarecidos, e como que lhes faz perder a noção da verdade e da justiça.

Acusa-se pela forma mais violenta, lançam-se as acusações mais aceradas, mais veheinentes, crudelissimas até sobre o Governo, e especialmente, sobre o Ministro da Fazenda, sem ninguem sequer se lembrar de que esse Ministro, tão atacado nos seus actos, tão malsinado nas suas intenções, numa hora angustiosa e triste para a pátria portuguesa, quando os mais fortes, os mais potentes, se arreceavam dessa missão, esse homem tão atacado, se esquecia dos seus annos, não se lembrava da sua saude, punha de parte a sua tranquilidade (Apoiados) e quando todos imaginavam que a bancarota era inevitavel, que quasi estava chegado o momento em que o país não podia solver os seus compromissos, esse homem, com a sua dedicação, com o seu trabalho, com a sua intelligencia, com os seus conhecimentos e com as suas relações entre os banqueiros estrangeiros, pouco a pouco ia ganhando confiança para a Fazenda Publica e ia restabelecendo pouco a pouco o credito do país. (Muitos e repetidos apoiados).

E, quando ninguem imaginava que houvesse possibilidade de contrahir um emprestimo para as necessidades do dia, o Sr. Ministro da Fazenda, hoje tão atacado, realiza um emprestimo no país em condições que esse lado da Camara não calculou ainda um encargo superior a 6,8-6,15. (Apoiados).

Contra este contrato tem-se dito tudo. Era um contrato illegal? provou-se á saciedade, sem sombras de duvida, que a autorização existe na lei de 1899; que essa autorização só caduca, só caducará quando estivesse concluida a rede dos caminhos de ferro de Estado. Depois pôs-se de parte a legalidade e o contrato passou a ser inopportuno. Inopportuno! quando por um lado havia a necessidade de restabelecer o nosso credito, quando por outro lado circunstancias angustiosas de algumas regiões do país reclamavam desde já a construcção da rede dos caminhos de ferro, como falta de maxima importancia para o desenvolvimento da riqueza publica! Não sendo illegal, não sendo inopportuno, passa a ser immoral. Mas, immoral porque? Immoral unica e exclusivamente porque á Caixa Geral de Depositos se lhe pagava o que, se lhe devia em obrigações desse emprestimo, que, sendo lançadas ao publico por 75$000 réis, a Caixa recebeu a 73$000 réis.

Diz-se: "mas os negociadores do emprestimo tiveram-nas por preço muito inferior". Mas, digo eu, para obter pelo mesmo preço que obtiveram os negociadores era indispensavel que a Caixa negociasse tambem mettendo-se neste negocio corria os riscos da operação.

Ora, se não podia ser assim, como podia ser? Tomando o Governo as obrigações e passando-as depois á Caixa? Se o Sr. Ministro da Fazenda assim tivesse procedido, mais cruéis haveriam sido as accusações que lhe dirigiriam; e decerto diriam que a operação era uma mistificação porque o Governo lançara os titulos, mas não havia ninguém que os comprasse.

Mas não foi precisamente para isto que eu pedi a palavra.

É certo que o contrato de que se trata foi a Conselho de Ministros e d'elle tem o Governo inteira responsabilidade, não a podia declinar e é da sua obrigação e honra assumi-la por completo, quaesquer que sejam as accusações que sobre o Governo se lancem. (Muitos e repetidos apoiados).

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Esse emprestimo foi discutido em Conselho de Ministros.

Fizeram-se de acordo com o Sr. Espregueira as modificações que pareceram convenientes, o Sr. Espregueira ficou autorizado a Tiegerciar n'aquellas bases, ficou mesmo autorizado a fechar o emprestimo tal como estava consignado, se dos negociadores não conseguisse mais.

O Sr. Espregueira foi correcto em nos dizer que obteve taes modificações, mas não mais.

As responsabilidades recaem não só sobre o Sr. Espregueira, que foi sempre correctissimo, mas por isso mesmo sobre todos nós. (Muitos apoiados).

Assumo inteiras as responsabilidades e não receio que me considerem como agente de qualquer banco, porque a minha vida é garantia da minha honestidade.

O Sr. Egas Moniz: - Apoiado.

O Orador: - Entrei na politica simples juiz de direito; durante annos seguidos tenho occupado estas cadeiras; sou ainda jura de direito e deixando amanhã de ser Presidente do Conselho vou assumir a minha cadeira de juiz na Boa Hora. Não tenho outros proventos senão os que proveem da minha vida honrada. (Apoiados). Tenho sacrificado, talvez, a fortuna de meus filhos, mas lego-lhes um nome honradissimo. (Apoiados).

Sr. Presidente: perdoe-me V. Exa. e a, camara se ponho algum calor nas minhas palavras, mas vivemos numa época em que tudo é conspurcado, em que todas as intenções são malsinadas, em. que um homem publico se vê dia a dia assediado por accusações tão graves e tão fementidas, que revoltam a consciencia publica. Estes brados nascem, por isso, do coração.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador, que foi muito felicitado e abraçado por todos os Deputados da maioria, não reviu o seu discurso).

Estas manifestações levantam alguns protestos do lado da opposição.

O Sr. Presidente: - Peço ordem aos Srs. Deputados.

O Sr. Zeferino Candido: - Não esperava que lhe coubesse a palavra nesta sessão e muito menos que tivesse de fazer uso d'ella depois do Sr. Presidente do Conselho, e deve dizer que S. Exa. faz mal em insistir na estafada cantata de que só se faz opposição por paixão politica.

Reconheceu toda a gravidade e todos os defeitos das operações realizadas o anno passado, mas julgou-as relativamente boas em sua consciencia, porque sabia que as circunstancias eram precarias, difficeis e afilictivas para o país.

Insurge-se contra a actual porque nada a justifica.

O orador pede a seguir a attenção da Camara em nome da gravidade do assunto e depois de condemnar a junção de elementos financeiros para a realização do emprestimo, diz que o contrato é realmente monstruoso, que não é legal, que foi feito para os fins a que se referiu o Sr. Egas Moniz e talvez para acudir ás necessidades do Thesouro e finalmente que em redor d'elle se levanta a questão moral.

Entra ainda na demonstração de que as obrigações entregues á Caixa Geral de Depositos custaram a este estabelecimento 74$100 réis cada obrigação e não 73$000 réis, e como a hora vá muito adeantada pede que lhe seja reservada a palavra para a sessão seguinte.

(O discurso será publicado na integra, quando

O Sr. Presidente: - Fica V. Exa. com a palavra reservada.

Peço a attenção da Camara.

Em virtude do Sr. Ministro da Fazenda ter pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão, vou consultar a Camara sobre se devo ou não conceder a palavra a V. Exa.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Ministro da Fazenda (Manuel Affonso de Espregueira): - Sr. Presidente: não pedi logo a palavra quando o Alastre Deputado o Sr. Egas Moniz se referiu pessoalmente á minha situação no Banco Lisboa & Açores, pela simples razão de que o Sr. Presidente do Conselho havia pedido a palavra anteriormente e portanto não queria antepor-me a S. Exa.

Disse o illustre Deputado que ia fazer uma revelação á Camara e era que eu pertencia a gerencia do Banco Lisboa & Açores.

Ora revelação não pode ser, porque, parece-me, é publico e notorio que fui effectivamente eleito no anno passado para o conselho fiscal do Banco Lisboa & Açores, e digo a V. Exa., com toda a serenidade, que só o soube posteriormente.

Sendo, como é, esse facto conhecido de todos, eu não tinha receio de que se viesse ao Parlamento denunciá-lo, porque, se de qualquer modo eu visse que d'ahi poderia resultar alguma suspeita, tinha um remedio facil: era pedir que não me incluissem na lista.

E já avançada a minha vida e desde os vinte annos que estou ao serviço publico, porque assim considero o que prestei na Companhia Real, para onde entrei quando era necessario um director português para resolver as difficuldades enormes que então se levantavam. (Muitos apoiados).

Tenho a minha consciencia tranquilla e não me arreceio, nem temo que me façam accusações meramente dictadas por interesses politicos.

As minhas funcções no Banco Lisboa & Açores? Mas, Sr. Presidente, os membros do conselho fiscal não teem partilha nos lucros do Banco, teem apenas de verificar o estado da caixa, de dizer se os papeis que se indicam no activo são realmente os que existem em caixa, dando o seu parecer aos accionistas. Não tive transacções por intermedio do Banco Lisboa & Açores, não tomei partilha nos lucros do Banco; não fiz senão desempenhar as minhas funcções, que acceitei a pedido dos accionistas, que quiseram que eu fosse attestar o estado da caixa, como garantia.

Disse o Sr. Egas Moniz que eu tinha preferido esse Banco, fora de concurso. É uma falsidade, é inexacto.

A unica operação em que o Banco entrou, que não fosse por concurso, foi esta.

O Sr. Egas Moniz: - E o emprestimo da Swazilandia?

O Orador: - Não, Senhor.

O Sr. Egas Moniz: - Foram convidados e não se abriu concurso.

O Orador: - Aqui está a inanidade das accusações. Pois se havia uma lei que mandava convidar os bancos, não era isto um concurso?

Alem disso, em contradicção ao que disse o illustre Deputado, eu apresentei ao Conselho de Ministros as condições desse concurso e desse convite, as quaes foram discutidas e apreciadas.

Depois disso houve sem novo concurso, o concurso das obrigações do caminho de ferro. Tambem foram convidados todos os bancos, concorrendo tambem a Companhia dos Tabacos, que tinha de ser ouvida.

Os unicos que apresentaram propostas foram a Compa-

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SESSÃO N.° 11 DE 16 DE MARÇO DE 1909 13

nhia dos Tabacos e o Banco Lisboa & Açores, sendo acceite a da Companhia dos Tabacos.

No immediato concurso foram convidados todos os bancos, comparecendo dois, sendo a proposta do Banco Lisboa & Açores acceite por ser a mais favoravel.

Ora já vê a Camara o que valem accusações desta ordem, ás quaes respondi com a máxima tranquilidade.

Tenho dito. (Muitos e repetidos apoiados).

(O orador não reviu o seu discurso).

O Sr. Egas Moniz: - Peço a V. Exa. Sr. Presidente que consulte a Camara sobre se me permitte que eu use da palavra para explicações.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - São 7 horas, deu por consequencia a hora da sessão se encerrar, mas, o Sr. Deputado Egas Moniz pediu a palavra para explicações e o meu dever é consultar a Camara.

Consulto, pois, a Camara sobre se permitte que S. Exa. fale.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara tem o Sr. Deputado Egas Moniz a palavra.

O Sr. Egas Moniz: - Sr. Presidente, eu agradeço á Camara a gentileza que acaba de ter comigo, e agradeço-a tão sinceramente quanto é certo que já por varias vezes a tem recusado a alguns illustres Deputados d'este lado da Camara.

E que a maioria viu que, sendo tão grave a situação do Sr. Ministro da Fazenda, que é tão grave perante o país a situação do Governo, que é tão grave a accusação que fiz ao Sr. Ministro da Fazenda, não havia outro meio senão ceder-me a palavra para eu reduzir a questão aos termos simples em que a pus.

O Sr. Presidente: - Eu peço a V. Exa. o favor de se restringir ás explicações.

Vozes da esquerda: - É o que está fazendo.

O Orador: - Eu, Sr. Presidente, pedi a palavra para explicações para desmentir o Sr. Ministro da Fazenda e para lhe dizer que não é só o facto de S. Exa. ser Presidente do Conselho Fiscal do Banco Lisboa e Açores que constituo a base da accusação gravissima que lhe fiz, não, é esse facto, acrescida a circunstancia especial do Sr. Ministro da Fazenda ter dado a esse banco, desde 1903, 1:500 contos de réis de lucros em virtude de operações realizadas sem concurso, á porta fechada. Esta é que é a accusação que lhe faço.

(Protestos da direita).

(Varios apoiados da esquerda).

O Sr. Presidente: - Amanhã ha sessão, á hora regimental, sendo a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 7 horas e 5 minutos da tarde.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Representações

"A Camara Municipal do concelho de Cintra deliberou em sua sessão de 3 de março corrente, chamar a attenção de V. Exas. para que, dada a triste situação do país, que de todos é conhecida, e que cada dia mais se aggrava, numa verdadeira desorientação de escolas e partidos politicos, estereis, e mesmo prejudiciaes aos sagrados e superiores interesses da nação, deem nos seus estudos e discussões parlamentares, preferencia ás questões financeiras e economicas em prejuizo das questões politicas.

Assim o espera esta camara do alto patriotismo e illustração dos Srs. Deputados da nação, e lembrae-vos que "a patria vos contempla".

Paços do concelho de Cintra, em 10 de março de 1909. = O vice-presidente da camara, Francisco Gonçalves da Silva".

Da Companhia Petrolifera Portuguesa, pedindo a isenção de direitos para todo o material de sondagem que importar do estrangeiro, para exercicio da sua industria.

Apresentada pelo Sr. Deputado Alfredo Pereira e mandada enviar ás commissões de commercio, e artes e industrias.

O REDACTOR = Albano da Cunha.

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APPENDICE A SESSÃO N.° 11 DE 16 DE MABÇO DE 1909 15

Discurso proferido peio Sr. Deputado Estevam de Vasconcellos, que devia ler-se a pag. 4 da sessão n.° 11 de 16 de março de 1909

O Sr. Estevam de Vasconcellos: - Sr. Presidente: envio para a mesa a seguinte

Proposta para renovação de iniciativa

"Renovo a iniciativa do projecto de lei sobre accidentes de trabalho que apresentei na sessão de 9 de maio de 1908.

Sala das sessões, 16 de março de 1909. = O Deputado, Estevam de Vasconcellos".

Esta questão dos accidentes de trabalho, que pela primeira vez foi levantada no Parlamento Português pelo projecto de lei cuja iniciativa renovo, tornou-se para mim uma questão de honra. E desde já garanto que, emquanto tiver assento na Camara, na primeira sessão de cada legislatura em que me seja possivel usar da palavra, tornarei a levantá-la, arrostando muito embora com a má vontade e com o desprezo systematico que as maiorias monarchicas votam a todas as iniciativas dos Deputados republicanos.

Se quisesse desde já tirar os effeitos politicos que esse facto autoriza, facilmente o faria, porque não pode haver maior mystificação do regime parlamentar do que esse desplante e essa sem cerimonia com que ficam archivados no seio das respectivas commissões sem um inicio de estudo, sem a sombra de um parecer, os projectos de lei dos Deputados republicanos. (Apoiados).

O que a tal respeito se passou no ultimo anno foi de uma eloquencia desoladora.

Havia-se iniciado um novo reinado com as mais categoricas e retumbantes promessas de vida nova: a collaboração dos republicanos em todos os assuntos que se prendem com o problema nacional havia sido mesmo preconizada como um dever de patriotismo que a gravidade da situação impunha a todos os portugueses que tivessem a consciencia das suas responsabilidades civicas.

Para mais, os republicanos teem sido sempre accusados neste país, pelos mais e meritos defensores das instituições, de restringirem a sua actividade á discussão da forma do Governo e a uma obra exclusivamente demolidora.

Tem-se dito e tem-se escrito, com uma insistencia e uma impertinencia verdadeiramente acintosas, que os republicanos portugueses não possuem o chamado senso pratico, que não attendem ás condições do nosso meio social é que não se sabem adaptar a essas condições, apresentando quaesquer estudos de uma opportunidade apreciavel.

Os Deputados republicanos possuiam todos os elementos para comprehenderem a sinceridade dessa promessa e o valor dessas criticas.

Mas resignadamente, serenamente, acceitaram o repto submetteram-se á prova.

D'este lado da Camara foram apresentados trabalhos que poderiam ter servido de base á discussão de alguns assuntos de primacial importancia e o orador apresentou um projecto de lei regulando as responsabilidades dos pá troes e das empresas industriaes na questão dos accidentes de trabalho.

É uma lei cuja opportunidade é indiscutivel, cuja necessidade é imperiosissima;. é uma lei que em todos o países civilizados tem constituido a primeira étape, o primeiro ensaio das chamadas reformas sociaes. (Apoiados).

As razões d'este facto derivam da propria essencia do accidente de trabalho.

O accidente de trabalho, ainda nos casos mais benignos, produz uma contrariedade insanavel sempre que a victima se encontra desprovida de quaesquer recursos
pode ser para o futuro de um operario ou para a vida e uma familia uma perturbação gravissima, quando produz a incapacidade permanente de trabalhar ou a morte.

É, portanto, sempre um contratempo deploravel quando e encara debaixo d'esse ponto de vista restricto, isto é, debaixo do ponto de vista dos interesses de um individuo ou do bem estar de uma familia.

Mas quando se attende á repercussão, que elle pode ser nos interesses geraes da sociedade, a sua importancia diminue consideravelmente, por isso mesmo que é de todos os males sociaes o menos grave pela frequencia com que se produz, e pela duração dos prejuizos a que dá logar.

Assim é que os accidentes do trabalho contribuem para a morbilidade geral com uma quota minima e raros são s casos em que produzem a morte ou a invalidez.

É o que se conclue de estatisticas elaboradas nos países que primeiramente legislaram sobre o assunto.

Nos primeiros annos de execução da lei os accidentes de trabalho produziram-se nas seguintes proporções relativamente ao numero total dos operarios:

30,32/1000 na Allemanha.
24,17/1000 na Noruega.
200,100/1000 na Finlandia.
17,87/1000 na Suecia.

A percentagem maior de victimas foi portanto de 3,100.

Alem d'isto a frequencia dos accidentes manifestou-se rogo na razão inversa da sua gravidade.

Mais de metade dos accidentes occasionaram uma incapacidade de trabalhar inferior a quatro semanas e os que deram logar a uma incapacidade superior a tres meses não chegaram a constituir 1/7 do numero total.

Os accidentes mais graves, isto é, os que produziram uma incapacidade permanente (total ou parcial) a morte apenas se deram nas seguintes proporções:

4,22/1000 na Allemanha.
4,17/1000 na Finlandia.
3,18/1000 na Noruega.
2,49/1000 na Suecia.

Mas ainda dos accidentes d'esta categoria os que apresentaram maior percentagem foram os que occasionaram a incapacidade permanente parcial:

4,22/1000 na Allemanha.
4,18/1000 na Finlandia.
3,18/1000 na Noruega.
2,49/1000 na Suecia.

Os que se produziram com uma gravidade, isto é, os que deram logar á incapacidade permanente total ou á irreparavel morte ficaram d'esta forma reduzidas a uma frequencia diminutissima.

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16 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Isto é claro nos países em que a lei impõe responsabilidades severas aos patrões; porque nos países em que os operarios não teem direito a indemnização alguma os accidentes são, decerto, em maior numero e de maior gravidade.

O Sr. Brito Camacho: - Seria interessante fazer-se um calculo dos accidentes de trabalho que se dão em Portugal.

O Orador: - Não é possivel fazer calculo algum. Uma estatistica sobre accidentes de trabalho apenas se pode fazer com relativo rigor num país que já possue em execução uma lei impondo responsabilidades aos patrões. (Apoiados).

Alem disso, todos os serviços de estatistica se encontram completam ente descurados no nosso país.

No Discurso da Coroa, decerto por instigação do Sr. Ministro das Obras Publicas, vem a promessa da organização do instituto de reformas sociaes, base essencial para a organização de um serviço estatistico serio da vida social do povo português; mas da promessa á realização vae uma grande distancia.

Vem a proposito citar o seguinte depoimento do distincto archicto Sr. Adães Bermudes sobre os accidentes de trabalho em Portugal:

"Guardadas as devidas proporções pode se affirmar que em país nenhum se produzem tantos desastres no trabalho como no nosso país.

É rara o dia em que os jornaes não registam acontecimentos d'esta natureza.

Pois, apesar das disposiçães dos nossos codigos civil e penal e dos regulamentos de segurança dos operarios, vive-se num regime de quasi completa irresponsabilidade que favorece a reincidencia d'esses factos, visto que nada se faz para os evitar".

Intuitivamente se conclue d'esses factos que é relativamente facil á collectividade attenuar os effeitos dos accidentes de trabalho, tornando menos precaria a situação das victimas e reduzindo mesmo a sua frequencia e gravidade.

E por isso se comprehende como haja paises civilizados, que ainda não possuem um serviço de assistencia publica conjugado com uma organização mutualista que garanta tratamento e assistencia a todos os doentes, como haja mesmo países civilizados que ainda não teem pensado em resolver o problema das aposentações operarias; e como apenas se tenham mantido refractarios á promulgação de uma lei sobre accidentes de trabalho os países nas condições da Turquia e Portugal, isto o, os países que não assimilara os progressos da sciencia, não sabem valorizar as suas riquezas e não comprehenderam ainda o que a hygiene social pode ser em resultados fecundos para o bem estar e para a prosperidade de um povo! (Apoiados).

Sr. Presidente: renovando a iniciativa do meu projecto poderia tê-lo alterado, se entendesse que refundido na sua contextura geral ou modificado em alguns dos seus detalhes elle ficaria sendo uma base mais conveniente e mais adequada para a discussão desse importantissimo assunto.

Mas não! Tendo tornado a estudar durante o ultimo interregno parlamentar, mais detidamente, o que sobre a materia se encontra legislado no estrangeiro, tendo meditado bem no que é a vida social do povo português nas suas relações com os poderes constituidos, convenci-me muito pelo contrario de que uma lei de accidentes de trabalho, para ser exequivel no nosso, meio, deve ser tão simples, tão suiumaria e tão deficiente - permitta-se-me a franqueza - como aquella cuja iniciativa renovo neste momento.

A legislação estrangeira caracteriza-se pela maior ou menor intervenção do Estado e pelas maiores ou menores garantias com que fica salvaguardado o pagamento das indemnizações.

É a velha luta, sempre interessante e palpitante entre os chamados economistas liberaes, condemnando a intervenção do Estado nas suas relações entre o capital e o trabalho, e todos os que julgam essa intervenção imprescindivel.

Sintetizando o mais sucintamente possivel o que está estatuido nas leis em vigor, apura-se o seguinte:

Pais em que existe o seguro obrigatorio por conta do Estado, com prohibiçao expressa de quaesquer sociedades particulares de seguro. Exemplo: a Noruega.
Países em que o seguro obrigatorio se encontra legislado por intermédio de uma Caixa Nacional administrada pelo Estado, mas em que é permittido aos patrões, mediante uma caução nessa caixa, pagarem elles proprios as indemnizações ou transferirem este encargo para uma companhia particular de seguros, igualmente caucionada. Exemplo: a Hollanda e a Italia.

Países em que o seguro obrigatorio se exerce por intermédio de associações mutualistas profissionaes ou regionaes sob a fiscalização do Estado. Exemplo: a AIlemanha e a Austria.

Paises em que o seguro é facultativo na Caixa Nacional dos accidentes de "trabalho ou em companhias particulares, podendo mesmo os patrões liquidar directamente as suas responsabilidades com os operarios e existindo naquella caixa um fundo de reserva, constituido por uma contribuição addicional sobre as industrias para garantia das indemnizações nos casos de fallencia. Exemplo: a França e a Belgica.

Países em que a lei se limita a estabelecer os principios do risco profissional e da responsabilidade patronal, não estabelecendo quaesquer providencias para garantir o pagamento das indemnizações. Exemplo: a Inglaterra, Dinamarca e Espanha.

O meu projecto de lei pertence a esta ultima categoria, mas como já accentuei no relatorio que o precedeu, elle não traduzia nem traduz as suas aspirações; obedece apenas ao intuito de ser immediatamente exequivel nas circunstancias actuaes do nossomeio social.

Não tenho mesmo duvida alguma em confessar com a maior lealdade que de todos os systemas adoptados o que melhor se coaduna com as tendencias. do meu espirito e o que deve dar na pratica resultados mais proficuos é o adoptado na Allemanha e na Austria.

O seguro obrigatorio por conta do Estado, isto é, por intermédio de uma caixa gerida e administrada pelo Estado, constitue uma organização com todos os vicios burocraticos, com todos os defeitos da centralização e que muito particularmente não pode estimular a iniciativa individual nem impor-se á confiança publica em países detestavelmente administrados como o nosso.

O regime das companhias particulares de seguro tem dado logar na França a suspeições gravissimas e a conflictos constantes entre os operarios e as companhias, muito especialmente por causa do serviço clinico.

As aggremiações mutualistas da Austria e da Allemanha, constituidas pelos proprios patrões, umas regionaes, isto é, distribuidas em varias circunscrições, outras profissionaes, agrupando os membros de determinadas industrias, constituem decerto a formula mais efficaz de resolver o problema.

Mas, sendo o seguro obrigatorio, o Estado, que impõe aos patrões a sua filiação nessas sociedades, não pode deixar de intervir, mais ou menos directamente, no seu funccionamento, ou, pelo menos, na solução deis conflictos que se venham a levantar

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 11 DE 16 DE MARÇO DE 1909 17

Por isso na Allemanha o presidente dos tribunaes arbitraes é um individuo nomeado pelo Imperador e a Repartição Imperial de Seguros, que funcciona em Berlim e resolve todos os pleitos em ultima instancia, é constituida na sua maioria por representantes do Imperador e do Ministro do Interior.

Na Austria não existe essa repartição imperial que centraliza todos os serviços, mas as proprias caixas (veja-se até onde chega a intervenção do poder central) são administradas por comités constituidos por tres membros escolhidos pelo imperador, tres pelos patrões e tres pelos operarios e os tribunaes arbitraes são constituidos na sua maioria por delegados do Governo.

Ora eu pergunto á minha consciencia e á consciencia de todos: porventura uma tal organização daria bons resultados, seria sequer toleravel num país como Portugal, onde o caciquismo absorveu de ha muito todas as funcções do organismo social (Apoiados) e onde se tornou corrente essa doutrina ultra torpe de que a politica tudo justifica e absorve, desde as maximas illegalidades até as maiores infamias?! (Apoiados). Não ha sombra de pessimismo nestas considerações; um facto bem recente dá nos a medida exacta da acção desmoralizadora e dissolvente dos poderes constituidos neste desgraçado país.

Existem conselhos regionaes constituidos por delegados das associações de soccorro mutuo para solução de todos os conflictos que se levantem naquellas associações. As suas deliberações devem ser executadas pelas autoridades administrativas.

Pois ainda ha poucos meses os membros do conselho regional de Lisboa viram-se forçados a abandonar o exercicio dos seus cargos, porque as autoridades deixaram de dar cumprimento ás suas resoluções, sempre que ellas as contrariavam nas suas politiquices do campanario, nas suas manobras eleiçoeiras!

Que prova mais irrecusavel sé poderia apresentar da fallencia moral de um regime politico e da impossibilidade em que os poderes publicos neste país se encontram, de intervir honestamente na execução de quaesquer medidas de caracter social? (Apoiados).

Um dos pontos do meu projecto de lei que provocou maiores reparos em alguns jornaes monarchicos foi a imposição aos patrões e ás empresas industriaes de todos os encargos resultantes dos accidentes de trabalho.

Não pode deixar de ser assim! A noção do risco profissional, base de todas as leis especiaes sobre accidentes de trabalho, não admitte a tal respeito a menor duvida. Assim se tem comprehendido em toda a parte. Se na Allemanha as victimas dos accidentes ficam nas treze primeiras semanas de tratamento a cargo das caixas de seguro contra a doença, é porque naquelle país os patrões contribuem para estas ultimas caixas com um terço das suas receitas.

Se na Austria os operarios participam dos encargos do seguro contra os accidentes - num decimo de quotização quando os seus salarios não excedem um florim - é porque tambem neste país os patrões contribuem na mesma proporção para o seguro para a doença.

Em Portugal, onde os patrões não contribuem nem para a doença nem para a invalidez dos seus operarios, não ha o menor motivo para que não tomem a si todos os encargos dos accidentes de trabalho.

Sr. Presidente: esta questão ficará posta era termos muito definidos se o meu projecto continuar a dormir o somno das cousas inopportunas no seio da respectiva commissão.

O assunto não se presta a novas mistificações; combater o meu projecto de lei sob o pretexto de que elle não dá ao proletario todas as garantias necessarias é muito simplesmente uma burla, desde que haja o proposito de lhe não dar garantias algumas.

A continuação do actual estado de cousas, sem uma lei que regule as responsabilidades dos accidentes de trabalho, constituirá uma vergonha insanavel para este país e será a demonstração eloquentissima de que a monarchia em Portugal não pode, não sabe ou não quer attenuar a situação miseranda das classes trabalhadoras! (Apoiados).

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