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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Hoje, vivendo no sétimo céu das suas phantasias já não se digna projectar a vista cá para o mundo da mortalidade, onde por influição sua, e sem o saber nem se importar, se dão estas pequenas injustiças cestas comesinhas arbitrariedades, de que eu, no frenesi de o accusar, não pude deixar de lançar mão á falta de outras de maior vulto. (Vozes: — Muito bem.)

É que eu, investigando a vida parlamentar de s. ex.ª, como deputado e como ministro, as discussões em que tem tomado parte, os discursos que tem proferido, vi que s. ex.ª tem sido tão reservado, tão precavido, tão conciso, tão diplomatico, tão subtil, tão impreceptivel, tão silencioso, que pouco ou nada me soccorreu a analyse da sua passagem, a não ser a igreja que juntou a Cavallões e em seguida poz a concurso.

Disse que em s. ex.ª coincidem duas entidades distinctas; ouso lembrar a s. ex.ª, em bem do paiz, que seria duplamente conveniente que abdicasse de si uma d'ellas, a de ministro, em quem melhor a comprehenda, e porque póde ella contagiar-lhe a qualidade de juiz, que tão illustrada e intigerrimamente tem exercido e pela qual lhe tributo a minha admiração e o meu respeito.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão da moção apresentada pelo sr. Dias Ferreira na sessão de 18 de janeiro

O sr. Pinheiro Chagas: — Sr. presidente, quando hontem ouvi a palavra eloquentissima do sr. Dias Ferreira, saudada pelos applausos clamorosos da maioria d'esta casa, confesso a v. ex.ª que tive um momento de viva e verdadeira satisfação. E porque acima de tudo sou admirador do talento, especialmente do talento oratorio, e muito em particular do talento do sr. Dias Ferreira, e declaro que nada havia mais triste do que era ouvir o anno passado o sr. Dias Ferreira com o mesmo talento de hontem, com a mesma pujança oratoria, fallar no meio de um silencio profundo, interrompido pelas vivas adhesões dos srs. visconde de Moreira de Rey e Van-Zeller.

Hontem felizmente não aconteceu assim; a sala tinha aquecido no intervallo da sessão parlamentar. O sr. Dias Ferreira viu-se interrompido a cada passo pelos apoiados de uma grande parte da assembléa. Felicito-o e felicito-me.

Mas se v. ex.ª me permitte, eu recordo uma scena do passado... e, se disse Dante que não ha maggiori dolore che ricordarsi del tempo felice nella miseria, deve ser pelo contrario muito agradavel o recordar la miseria nel tempo felice.

Permitta-me, pois, s. ex.ª que lhe lembre o aspecto da camara quando se discutiu o projecto para a creação dos supplentes do supremo tribunal administrativo. Discutiu-a o sr. Dias Ferreira com a mesma energia com que hontem a impugnou; infelizmente, faltaram-lhe os applausos, e faltaram-lhe os votos tambem. (Apoiados.) Hontem não lhe succedeu assim, teve os applausos; e ha de ter os votos, porque a maioria d'esta casa que votou a creação dos supplentes do tribunal administrativo, unico esbanjamento notado pelo sr. Dias Ferreira, esbanjamento que ainda não custou cinco réis ao thesouro, ha de vir ámanhã proclamar que é a maior prodigalidade de que ha memoria, tornando-se mais escandalosa por ter vindo logo depois da administração, rigorosamente espartana, do ministerio regenerador. (Apoiados.)

Mudaram os tempos completamente, mudaram as situações; e tanto que o sr. Dias Ferreira já entendia que o governo se devia retirar diante das eleições da commisão de resposta nas duas casas do parlamento, porque tinham sido eleitos para ellas alguns vultos manifestamente hostis á situação. Manifestamente hostis! Permitta-me v. ex.ª dizer-lhe que o adverbio é um pouco arriscado; quem sabia lá quem era hostil, e quem o não era; nós, vendo na commissão de resposta ao discurso da corôa o sr. Julio de Vilhena, o sr. Thomás Ribeiro e muitos outros cavalheiros, que, quando subiu esta administração ao poder, lhe prometteram a sua adhesão, o seu apoio, e ao seu lado o sr. Dias Ferreira, que logo se collocára na opposição, duas cousas podiamos, com igual motivo, imaginar ou que o partido do sr. Sampaio attrahira o do sr. Dias Ferreira, ou que o do sr. Dias Ferreira attrahira o do sr. Sampaio. (Apoiados.).

E até, se me fosse licito applicar á politica um principio scientifico que aprendi em creança, que a attracção está na rasão directa da massa, parecia muito mais provavel a primeira hypothese do que a segunda. (Riso.)

Manifestamente hostil!

Pois não tinha ido o sr. Sampaio, logo no primeiro dia da abertura das camaras, á reunião da maioria, convocada pelo governo, declarar que o partido regenerador não dava o seu apoio incondicional, mas que se reservava para apreciar as medidas e os actos do governo?

Quem havia de suppor que no dia immediato a essa declaração o partido regenerador, sem haver examinado um só acto, uma só medida do governo, lhe retiraria immediatamente o seu apoio. (Apoiados.)

Quem havia de suppor que o sr. Sampaio fôra fazer uma declaração menos verdadeira, ou que essa declaração não fôra sanccionada pelo partido sem que o sr. Sampaio fosse, de baraço ao pescoço, Egas Moniz parlamentar

... dar a doce vida

A troco da palavra mal cumprida.

Mas, ainda que essa hostilidade fosse manifesta, eu entendo que não podia já evitar-se a discussão das causas que davam origem ao conflicto parlamentar. (Apoiados.)

Quando uma maioria passa a ser opposição, porque caiu o gabinete a que a essa maioria dava apoio, a luta parlamentar, que anteriormente se travou, explica largamente ao paiz os motivos por que este ou aquelle governo inspiram confiança ou desconfiança aos diversos grupos do parlamento; mas quando uma maioria levanta nos seus escudos um gabinete, o acompanha até ao fim da sessão legislativa, e quer na sessão immediata quebral-o, como uma creança quebra um brinco que adorava na véspera, não é possivel que essa maioria deixe de explicar ao paiz os motivos do seu procedimento. (Apoiados.)

O parlamento não é um soberano asiatico, cujos caprichos façam lei. A soberania do parlamento é uma emanação da grande soberania nacional. (Apoiados.)

Somos procuradores dos nossos constituintes, com largos poderes é certo, mas temos obrigação de lhes mostrar que não sacrificâmos a vãos caprichos os interesses do paiz. Uma maioria que pôde ser hontem accusada pelo sr. Dias Ferreira de ter sido cumplice de uma sophismação parlamentar, tem obrigação do dizer ao paiz se essa grave accusação tem ou não fundamento. (Apoiados.)

Disse o sr. Dias Ferreira, citando o exemplo de França, que nos paizes constitucionaes todos se submettem, menos os parlamentos; é certo, sr. presidente, mas sabe v. ex.ª por que é assim?

E por que esses parlamentos não hesitam em ir pedir aos seus constituintes a confirmação do seu mandato, e a approvação dos seus actos (Apoiados.); é porque têem a consciencia de que vão apresentar-se perante a urna do suffragio sem a mais leve mácula de transigencia illegitima (Muitos apoiados.); é porque esses parlamentos não são os sophismadores do systema representativo, e então não têem que se submetter; mas as maiorias que não procedem assim, têem fatalmente de submetter-se ou á opposição da véspera ou da ante-vespera; essas, para qualquer lado que se voltem, têem de encontrar por força a penitencia ou a submissão. (Muitos apoiados.)

O sr. Dias Ferreira entrou logo depois na analyse do procedimento do governo, e entendeu que o governo não cumprira o programma com que se apresentára n'esta camara. Fazendo largo e merecidissimo elogio ao sr. ministro da fa-

Sessão de 19 de janeiro de 1878