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SESSÃO DE 19 DE JANEIRO DE 1878

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Apresentação de requerimentos de officiaes de diversos corpos do exercito pedindo augmento de vencimento. — Apresenta o sr. ministro das obras publicas uma proposta de lei sobre os meios de conservar e garantir a genuidade das aguas mineraes do reino. — Na ordem do dia continua a discussão da moção de ordem apresentada pelo sr. Dias Ferreira na sessão de 18 de corrente, e fallam os srs. Pinheiro Chagas, Lopo Vaz e presidente do conselho, que fica com a palavra reservada para a sessão seguinte.

Presentes á chamada 45 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano Sampaio, Rocha Peixoto (Alfredo), Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, Antunes Guerreiro, A. J. d'Avila, Carrilho, Rodrigues Sampaio, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Conde da Graciosa, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Cardoso de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Pinto Bessa, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Palma, Illidio do Valle, Jayme Moniz, Jeronymo Pimentel, J. M. de Magalhães, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Pereira da Costa, Ferreira Freire, Sampaio e Mello, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Camara Leme, Bivar, Pires de Lima, Alves Passos, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Pedro Jacome, Placido de Abreu, Thomás Ribeiro, Visconde de Moreira de Rey.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Arrobas, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Vieira da Mota, Conde de Bertiandos, Conde da Foz, Custodio José Vieira, Forjaz de Sampaio, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, Van-Zeller, J. Perdigão, Ferreira Braga, Barros e Cunha, Matos Correia, Dias Ferreira, Guilherme Pacheco, Namorado, José Luciano, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, José de Mello Gouveia, Mexia Salema, Pinto Basto, Julio Vilhena, Freitas Branco, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Rocha Peixoto (Manuel), Mello Simas, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano do Carvalho, Miguel Coutinho (D.), Pedro Franco, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Carregoso, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde do Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Vieira das Neves, Francisco Mendes, Cardoso Klerck, Correia de Oliveira, Figueiredo de Faria, Moraes Rego, Nogueira, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde de Sieuve do Menezes.

Abertura — ás duas horas da tarde.

Acta — approvada,

EXPEDIENTE

Officios

Do sr. Libanio Northuay do Valle, acompanhando 60 exemplares de uma memoria relativa ao exercito e á organisação da arma de infanteria.

Mandaram-se distribuir.

Declarações

1.ª Declaro que não pude comparecer mais cedo n'esta camara, por incommodo de saude. = Adriano Carneiro de Sampaio.

2.ª Declaro que não compareci ás sessões anteriores por motivo justificado.

Sala das sessões da camara dos deputados, 18 de janeiro de 1878. = Guilherme Augusto Pereira de Carvalho Abreu.

3.ª Estou encarregado pelo nosso collega, o sr. deputado Pedro Roberto, de participar a v. ex.ª e á camara, que o estado da doença grave da sua esposa, reclamando toda a sua solicitude e cuidados, o impede de comparecer á sessão de hoje e de certo a mais algumas. = João Maria de Magalhães.

Inteirada.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — Lisboa, a capital do reino e uma das mais bellas cidades da Europa, merece todas as attenções dos governos e do parlamento, porque tem direito, assim como todas as terras do paiz, á maior somma de melhoramentos, maxime quando d'elles resultar immediato interesse para o publico, que tanto contribue, e não poucas vezes com sacrificio para augmentar os rendimentos do thesouro.

Os melhoramentos a que vou referir-me não são da competencia da camara municipal de Lisboa; e que o fossem, não poderia ella realisal-os, porque o governo absorve as sommas que de direito pertencem ao municipio, unica excepção que se dá em todo o paiz.

N'estes termos, considerando que é da competencia do governo pôr em pratica taes melhoramentos, e são elles a construcção de docas de abrigo no nosso Tejo, e a conclusão do aterro marginal entre a alfandega e a estação do caminho de ferro do norte e leste, ha tanto tempo começado e actualmente em completo estado de abandono, com manifesto prejuizo do publico: por estas rasões, e como meio de que se realisem estas obras, tenho a honra de apresentar á consideração da camara o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorisado o governo a mandar proceder com toda a urgencia á conclusão do aterro na margem do Tejo, comprehendido entre a alfandega e a estação do caminho de ferro do norte e leste.

Art. 2.° É igualmente auctorisado o governo a mandar proceder sem demora á construcção de docas de abrigo nas margens do Tejo.

Art. 3.° As commissões de obras publicas e de fazenda, de accordo com o governo, consignarão no orçamento do anno proximo as verbas necessarias para se effectuarem estas obras.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 18 de janeiro de 1878. = J. J. Alves.

As commissões de obras publicas e fazenda.

O sr. Frederico Costa: — Mando para a mesa quinze requerimentos de officiaes do estado maior de artilheria, pedindo augmento de vencimentos, em attenção á carestia dos generos alimenticios.

O sr. Palma: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal do Cartaxo, em que reclama contra a circumscripção feita na lei eleitoral apresentada ultimamente pelo governo.

Esta representação é fundada em argumentos muito attendiveis; mas como isto não é objecto da discussão presente, reservo-me para em occasião opportuna a sustentar.

Mando tambem para a mesa varios requerimentos de officiaes de artilheria n.° 3, pedindo augmento de vencimento.

Dispenso-me de fazer quaesquer considerações a este respeito, porque já têem sido expostas por alguns srs. deputados que têem apresentado requerimentos iguaes a estes.

O sr. Carlos Testa: — Mando para a mesa dezoito re-

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querimentos de officiaes de infanteria n.º 2, pedindo augmento nos seus vencimentos.

As rasões que os requerentes allegam são de tal ordem, que espero a camara tomará na consideração que merecem.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Mando para a mesa varios requerimentos de officiaes de caçadores n.º 2, pedindo augmento nos seus vencimentos.

Espero que a camara examinará com attenção estes documentos e terá em vista que, assim como os preços das subsistencias têem augmentado, é necessario que tambem augmentem os meios necessarios para subsistir.

O sr. Cunha Monteiro: — Mando para a mesa seis requerimentos de officiaes de infanteria n.º 18, em que pedem augmento de vencimento.

Para justificar estes requerimentos offereço as mesmas rasões que adduzi quando apresentei ha dias n'esta casa outros no mesmo sentido;

Já que estou com a palavra; peço a v. ex.ª que m'a reserve para quando estiver presente o sr. ministro da justiça.

O sr. Antunes Guerreiro: — Mando para a mesa uma declaração dos motivos por que não tenho comparecido ás sessões anteriores.

O sr. Alfredo Peixoto: — Na sessão de 8 remetti para a mesa um requerimento, pedindo, pelo ministerio do reino, diversos documentos.

Sei que na secretaria d'esta camara não houve demora na expedição dos officios respectivos; o desde já reconheço que até hoje era extremamente difficil, se não até impossivel, a remessa de todos esses documentos, porque exigem mais tempo, as copias das actas das sessões do conselho de districto de Vianna, que então pedi.

Mas alguns, e dos mais importantes, as quatro portarias expedidas por aquelle ministerio, e que são os primeiros mencionados no meu requerimento, podiam ter sido já remettidos, porque existem no ministerio do reino. Podiam até vir os originaes; se, porém, o sr. ministro do reino tivesse duvida em os remetter, facilmente obteria as copias, porque isso seria um trabalho apenas de poucas horas.

Embora essas portarias não sejam absolutamente indispensaveis para accusar o governo, que não as publicou, desejo e peço que me sejam remettidas do ministerio do reino antes de findar a questão politica que hoje occupa a camara, porque, como v. ex.ª sabe, estou inscripto para a moção apresentada pelo sr. Dias Ferreira, e n'essa occasião hei de provar que o sr. ministro do reino tem violado direitos individuaes, usurpado attribuições dos tribunaes do contencioso administrativo, e attentado contra a independencia do poder municipal. Se não preciso absolutamente d'estes documentos, já declaro á camara que elles são de altíssima importancia.

Não querendo demorar-me muito, porque reconheço a natural e legitima impaciencia da camara para entrar na ordem do dia, e usando dos meus direitos de deputado, chamo a attenção do sr. ministro do reino para o mencionado requerimento; e repito que, das portarias a que me refiro, podem vir os originaes ou as copias sim demora, reconhecendo eu que o mesmo não póde ser com todos os outros documentos.

Ha mais outro que póde vir com as indicadas portarias, é o que no requerimento vem designado com o n.º VI; e peço que seja tambem remettido á camara immediatamente.

A respeito d'este documento, permitta-me a camara uma bem simples observação.

O sr. ministro da justiça declarou se, ha dias, habilitado para responder á interpellação que eu lhe havia annunciado sobre a promoção de um delegado do procurador regio á magistratura judicial, e sómente depois d'esta declaração, no dia seguinte, é que veiu para esta camara um documento, que, para a mesma interpellação, eu tinha requerido pelo ministerio da marinha; e pelo ministerio do reino ainda não foi remettido este a que ultimamente me referi, e que tem o n.º VI no requerimento, e que pedi para a mesma questão! Isto é singular!

Permitta-me, sr. presidente, que antes de subir para o lado do v. ex.ª, me associe novamente ás considerações do sr. Luiz de Campos o outros srs. deputados em favor da necessidade de serem attendidos sem demora, como é de incontestavel justiça, os requerimentos que têem sido presentes a esta camara por quasi todos os officiaes do exercito; e que apresente umas outras, com fundamento na comparação dos serviços, responsabilidades e remuneração d’estes funccionarios do paiz, e principalmente dos officiaes de cavallaria e infanteria, como os de muitos e muitos que servem nos ministerios da fazenda e obras publicas.

Ha, nas repartições dependentes d'estes dois ministerios, empregados com remunerações consideravelmente superiores ás dos officiaes com postos elevados no exercito; e todavia não estão encarregados de serviços tão pesados e de tão grande responsabilidade, nem careceram do mesmo trabalho para se habilitarem a servir os seus logares.

Quando a camara, na sua alta sabedoria, examinar esses requerimentos, desenvolverei mais estas observações, apontando e comparando factos aliás bem sabidos de todos.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — O illustre deputado mandou para a mesa uma relação de tantos documentos, que pediu ao ministerio do reino, que eu dei immediatamente as ordens necessarias para que fosse satisfeito o seu pedido.

Uma grande parte d'esses documentos devem vir do districto de Vianna, e já dei as ordens necessarias para que fossem pedidos ao respectivo magistrado.

Se o illustre deputado tivesse designado quaes eram os documentos que desejava que viessem logo, já estava satisfeito, porque tenho o maior empenho em responder á interpellação de s. ex.ª

Quanto ao ataque ao poder municipal, de que o illustre deputado fallou, a nossa carta não reconhece esse poder. A nossa carta estabelece só quatro poderes; mas o illustre deputado cria um quinto, e naturalmente tem ainda de reserva algum outro para apresentar na occasião de fazer a sua interpellação.

Paro aqui e, peço aos illustres deputados que têem pedido documentos pelo ministerio do reino, na extensão em que algum o fez, pedindo até toda a correspondencia entre um governador civil e aquelle ministerio durante um anno, que designem os documentos que querem que venham immediatamente, porque será possivel virem logo; mas mandar uma lista de documentos tão extensa como se tem feito, seria preciso para isso suspender todo o expediente do ministerio do reino durante muitos mezes. A camara comprehende que isso é impossivel; por consequencia designem os illustres deputados os documentos que querem sem demora, na certeza de que, sendo possivel, virão logo. (Apoiados.)

O sr. Francisco de Albuquerque: — Pedi a palavra para mandar para a mesa 41 requerimentos de officiaes de cavallaria n.º 7 e de caçadores n.º 3. Peço a v. ex.ª que lhes mande dar o destino conveniente, remettendo-os ás respectivas commissões. E como agora não é occasião opportuna, nem o estado da camara o permitte, reservo-me para a quando for conveniente dizer o que se me offerecer ácerca da justiça d'esta pretensão.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Barros e Cunha): — Mando para a mesa uma proposta de lei:

Leu e é a seguinte:

Proposta de lei

Senhores. — São tão numerosas e importantes as fontes de aguas mineraes que brotam no solo portuguez, é de tão provada utilidade a sua acção therapeutica e physiologica, tem sido tão intensos e notaveis os esforços em que todas as nações cultas se têem empenhado para crear, conservar, regulamentar e fiscalisar os seus estabeleci-

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mentos balneo-mineraes, e é por outro lado tão lamentavel o estado d'aquelles que possuimos, que se póde afoutamente ter por ocioso demonstrar a necessidade de regularisar esta utilissimo ramo de administração publica.

Apressemo-nos a solver uma divida que julgamos contrahida para com a sociedade actual e com as gerações que se hão de succeder, e procuremos, quanto está ao nosso alcance, garantir e utilisar essas riquezas naturaes que a Providencia poz á disposição do homem para allivio dos seus soffrimentos.

As magestosas ruinas que ainda restam entre nós e em toda a Europa das thermas romanas, e os luxuosos e vastos edificios que em todas as nações se tem modernamente erigido para o aproveitamento das aguas mineraes, attestam bem claramente que ellas foram então, como ainda hoje o são, universalmente reconhecidas como occupando o primeiro logar entre os agentes naturaes para curar um grande numero de enfermidades.

D'ahi derivam exigencias severas que reclamam do governo a mais dedicada solicitude e lhe impõem uma grave responsabilidade. Cumpre, pois, desbravar o caminho, seguindo quanto nos é permittido a directriz que nos está traçada pela sciencia e civilisação da actualidade.

O governo julga cumprir um dos mais impreteriveis deveres de sua missão, propondo-vos medidas que tenham por effeito conservar e garantir a genuinidade das aguas mineraes, reconhecer á luz da sciencia as suas virtudes medicas, começar a recolher os dados estatisticos com que se possa auctorisadamente avaliar a excellencia dos seus effeitos, provocar o melhoramento material e a direcção technica de muitos dos nossos estabelecimentos thermaes, na sua quasi totalidade entregues ao mais cego empirismo, e emfim exercer sobre elles uma acção tutelar e benéfica.

Permittir que o uso das aguas mineraes seja facultado ao publico sem conhecimento das suas propriedades physicas e chimicas, equivale a vender medicamentos secretos, o que não só o bom senso condemna, mas muito formalmente prohibem as leis de saude publica.

Todos comprehendem qual é a gravidade dos males que do uso das aguas thermaes devem resultar, e efectivamente têem resultado para a humanidade, pela falta de conhecimento das suas qualidades e effeitos. A estatistica da mortalidade devida a esta causa, se podesse ser conhecida, seria mais convincente do que a mais eloquente dissertação.

Isto importa o principio de que nenhum dos estabelecimentos de aguas mineraes possa ser aproveitado em applicações therapeuticas sem previa auctorisação, fundada no conhecimento da sua composição. Com este principio se acha intimamente connexo o da expropriação por utilidade publica; mas para que esta se declare é essencial que seja previamente reconhecida pelo governo, em resultado do inquerito a que tem de proceder; porque se é incontroverso que o bem de todos prefere á commodidade de um ou de poucos, igualmente o é que ao proprietario do solo não seja imposta uma restricção nos seus direitos senão quando o beneficio geral for demonstrado, e que essa faculdade deva caducar quando a exploração não satisfaz ás exigencias da saude publica. A faculdade de expropriação restringe-se sómente ao que é indispensavel para a pesquiza, exploração e conservação das nascentes, e não ha ampliações exageradas que incommodem o proprietario do solo sem urgente necessidade.

A demarcação de uma arca de protecção em torno das nascentes é corollario forçado da declaração de utilidade publica, base e ponto de partida d'onde naturalmente se deduzem os principios consignados no projecto de lei que temos a honra de apresentar-vos. Effectivamente, reconhecida essa utilidade, é indispensavel prohibir todos os trabalhos que possam por qualquer modo alterar o volume e composição das aguas, ou ainda desvial-as do seu curso para serem exploradas por outrem, e só permittir aquelles que sejam oficialmente reconhecidos por inoffensivos.

A experiencia tendo provado por casos numerosos quanto são fugazes as aguas mineraes, e que muitas vezes basta um simples tiro na rocha para supprimir ou diminuir consideravelmente uma nascente, nos tem ensinado o cuidado escrupuloso com que devem procurar-se todos os meios de garantir ás nascentes a sua integridade e reprimir as tentativas que possam ameaçar a sua existencia.

A inspecção medica das estações thermo-mineraes constitue um dos principios mais recommendaveis da policia administrativa.

Os medicos inspectores, nomeados pelo governo, devem fazer manter a inteira execução dos regulamentos geraes e dos especiaes de cada estabelecimento, no que respeita á hygiene e applicação therapeutica das aguas, indicando as horas dos banhos e prescrevendo, de um modo geral, o regimen sanitario a seguir pelos doentes. Fornecerão annualmente ao governo todos os esclarecimentos estatisticos necessarios para que se possa ajuizar bem da importancia dos estabelecimentos inspeccionados, compendiando n'um relatorio o resultado da sua inspecção e indicando quaes as medidas que devem de futuro ser tomadas para o melhoramento dos mesmos.

Julgâmos, senhores, sufficientes as breves reflexões que precedem, para encarecer a instante necessidade de apresentar-vos a seguinte proposta de lei, cuja protracção não serve senão para prolongar cada dia mais um verdadeiro desaire nacional.

Artigo 1.° Nenhuma nascente de aguas mineraes, qualquer que seja a sua importancia, poderá ser aproveitada em applicações therapeuticas sem previa auctorisação do ministerio das obras publicas, commercio e industria.

§ 1.° Esta auctorisação será concedida, tomando o governo previas informações da qualidade das aguas mineraes.

§ 2.º A concessão importa a inspecção medica por parte do governo, no que se refere ás condições hygienicas e policiaes, execução dos regulamentos, e a dos engenheiros de minas a quem será confiada a fiscalisação dos trabalhos de captagem, conducção e incorporação das aguas.

Art. 2.º As nascentes, cuja exploração tiver sido auctorisada, poderão ser declaradas de utilidade publica, a requerimento dos interessados ou por deliberação do governo, precedendo as necessarias informações.

Art. 3.° Declarada a utilidade publica de uma nascente, o governo demarcará um perimetro de protecção, dentro do qual não possam ser executadas, sem previa auctorisação, sondagens, trabalhos subterraneos ou quaesquer que tendam a desviar, supprimir ou alterar as aguas mineraes.

§ unico. Quando, em resultado de trabalhos emprehendidos fóra do perimetro demarcado, for reconhecido o perigo de se alterarem ou diminuírem as nascentes, o governador civil, a requerimento do interessado, ordenará a suspensão d'elles até que o governo resolva, depois do inquerito a que fizer proceder, a ampliação da area ou a continuação dos trabalhos.

Art. 4.° Ninguém poderá emprehender trabalhos de pesquiza, captagem e conducção das aguas mineraes sem que preceda auctorisação do ministerio das obras publicas, commercio e industria.

Art. 5.° O governo nomeará medicos inspectores incumbidos de velar por tudo que respeita á applicação therapeutica das aguas e á hygiene dos estabelecimentos.

§ unico. Na ausencia dos medicos inspectores, nomeados pelo governo, desempenharão as suas funcções os delegados e sub-delegados de saude publica.

Art. 6.° É o governo auctorisado a mandar proceder aos estudos da hydrologia medica do reino.

Art. 7.° O governo fará os regulamentos necessarios para a observancia da presente lei, que sómente começará

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a ler execução, quanto aos artigos 1.°, 2.º e 3.°, um anno depois de publicada no Diario do governo.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 18 de janeiro de 1878. = Marquez d'Avila e de Bolama = João Gualberto de Barros e Cunha.

O sr. J. J. Alves: — Pedi a palavra para perguntar a v. ex.ª se já estão na mesa uns documentos que pedi pelo ministerio do reino.

O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos): — Na mesa não estão.

O sr. J. J. Alves: — Então pediria ao sr. ministro do reino que tivesse a bondade de satisfazer ao pedido que fiz d'esses documentos.

Preciso de copias de actas das camaras municipaes de Lisboa, do Porto e de Belem, e de um accordão do conselho de districto, para tratar de uma questão que me diz respeito. Desejava que o sr. ministro do reino me fizesse o favor de mandar esses documentos promptamente á camara.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — O que posso assegurar ao illustre deputado é que dei as ordens necessarias para se tirarem as copias que deseja, a fim de serem remettidas á camara.

O sr. Cunha Monteiro: — Peço a attenção do sr. ministro da justiça, porque é a s. ex.ª que me vou dirigir.

Havia em Villa Nova de Famalicão, circulo que tenho a honra de representar n'esta casa, uma freguezia pequena, pobre em fogos e em redditos para satisfazer aos encargos parochiaes, composta de duas povoações separadas entre si por uma grande distancia e maus caminhos.

Cada uma d'estas povoações, Gemunde e Brufe, convizinha com outras freguezias do mesmo concelho, e está com ellas em melhores condições parochiaes do que as que tinham entre si, quando constituíam uma freguezia.

Conhecedora d'estas rasões a commissão de divisão parochial tinha optado pela suppressão d'esta freguezia, annexando-se as duas povoações que a constituem ás freguezias que lhe ficam respectivamente mais proximas.

É verdade que o parecer d'esta commissão ainda não deu entrada no ministerio da justiça, mas isso não desculpa nem resalva o sr. ministro da responsabilidade de mandar pôr a concurso uma fracção de freguezia! Uma freguezia desmembrada, e desmembrada já por s. ex.ª!

Não desculpa nem resalva o sr. ministro da responsabilidade de mandar pôr a concurso, uma parte só, d'esta pobre e já pequena freguezia mesmo antes de ser desmembrada, porque o sr. ministro devia ler, e é de fé que leu, visto que attendeu, as más condições de topographia e pobreza allegadas no requerimento que s. ex.ª deferiu, feito pelos povos da povoação denominada Gemunde, e que s. ex.ª annexou a S. Martinho de Cavallões em junho proximo passado.

Ficou subsistindo a parte da freguezia denominada Brufe com apenas 104 fogos, como consta do officio que tenho presente, parochiada por um encommendado, que já a parochiava quando unida, illustrada, probo e pacifico, apenas com o senão da minha amisade, que indubitavelmente foi causa de o sr. ministro, em 19 de novembro do anno passado, seis dias antes da eleição municipal, na qual a auctoridade, apesar dos escandalos de que se valeu, e de que breve tratarei n'esta casa, levou uma completa derrota, mandar pôr a concurso a parte restante d'aquella freguezia!

O sr. Ministro da Justiça (Mexia Salema): — Não póde ser.

O Orador: — Não podia ser com justiça, mas pôde-o ser com arbitrio. Aqui está este documento que veiu do ministerio que s. ex.ª dirige e documento que s. ex.ª firmou, e que é a confirmação das minhas accusações.

No sr. ministro coincidem duas entidades distinctas — a de juiz e a de ministro, alem de ser um consummado professor na sciencia de pensar e um admiravel artista na arte de dizer; appello da sua qualidade de ministro para a sua qualidade de juiz, para que em consciencia me explique quaes as rasões de justiça, conveniencia e commodidade para os povos, que actuaram no seu animo para pôr a concurso a parte d'aquella freguezia.

Rogo a v. ex.ª que me reserve a palavra para usar d'ella depois de ouvir as explicações do sr. ministro, para assim poder exprimir se sim ou não as acho justas.

O sr. Ministro da Justiça: — Não tenho presentes os documentos por onde podesse responder cabalmente ao sr. deputado; mas tenho a certeza de que duas freguezias do concelho de Villa Nova de Famalicão, não me recordo bem dos nomes, estavam annexadas. Parece-me que eram S. Martinho de Brufe e Gemunde.

Os povos desta pequenissima freguezia representaram para se desannexar da outra, e passar para S. Martinho de Cavallões.

Assim foi decretado, e ficou esta a que se referiu o illustre deputado subsistindo como freguezia sosinha, e não houve, creio eu, representação alguma que pedisse que ella, que ficou tendo ainda para mais de cem fogos depois da desannexação da de Gemunde, que tinha, me parece, dezeseis fogos, fosse annexada a outra freguezia.

Ha, portanto, um equivoco e uma confusão evidente da parte do sr. deputado quando diz que fôra mandada pôr a concurso uma fracção do freguezia.

O illustre deputado ha de saber muito bem que não existe ainda na secretaria do ministerio a meu cargo o parecer d'essa commissão comarca, creada para formar projecto sobre a reducção e circumscripção das freguezias do concelho de Villa Nova de Famalicão.

Na secretaria nem mesmo consta a opinião d'essa commissão, que vejo com admiração que o sr. deputado conhece, e por isso ignoro se ella propõe ou não que se supprima e se annexe a outra essa freguezia de S. Martinho de Brufe; o que sei é que era de obrigação, subsistindo e estando vaga pôr-se a concurso, e foi isso o que se fez, sem que pessoa alguma me pedisse para que se abrisse concurso para a dita freguezia. Se está a concurso foi em consequencia das ordens existentes na secretaria, que determinam que sejam postas a concurso as freguezias que o devam ser.

Por consequencia, não ha rasão para o sr. deputado dizer que houve da minha parte uma arbitrariedade, de que em consciencia me arrependeria, sendo antes o illustre deputado quem deve arrepender-se do que disse.

O sr. Cunha Monteiro: — Bem boas rasões, sim senhor! Declara o sr. ministro que pessoa alguma lhe pediu para pôr aquella igreja a concurso; e diz que fez a sua obrigação, porque a igreja não estava provida, e por isso tinha obrigação de a pôr a concurso.

Replico: pois s. ex.ª reconhece em junho preterito que a freguezia toda unida não podia continuar a subsistir, e por isso a desmembrou, e julga subsistente só parte d'ella quando em 19 de novembro a poz a concurso? Uma freguezia tão pobre que, ainda quando unida, nunca ministro da justiça algum se lembrou de a prover.

Se o sr. ministro fez a sua obrigação porque a igreja não estava provida, como e que s. ex.ª não cumpre a sua obrigação pondo a concurso uma dezena d'ellas improvidas, e todas mais bem localisadas e mais importantes do que aquella que ha só n'aquelle concelho?

O meu prezado amigo e ornamento d'esta camara, o sr. Thomás Ribeiro, confrontou ha dias, e com boas rasões, o sr. presidente do conselho com o deus Saturno. Tenho pousado n'isto, e parece-me ter descoberto em s. ex.ª, o sr. ministro da justiça, o Jupiter da situação. (Riso.)

Se não é o pae dos deuses e dos homens, é o pae dos conegos e dos beneficiados. (Riso.) Auguro-lhe que um dia nos deslumbrará com a Minerva, que lhe peja o craneo, já em divina gestação.

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Hoje, vivendo no sétimo céu das suas phantasias já não se digna projectar a vista cá para o mundo da mortalidade, onde por influição sua, e sem o saber nem se importar, se dão estas pequenas injustiças cestas comesinhas arbitrariedades, de que eu, no frenesi de o accusar, não pude deixar de lançar mão á falta de outras de maior vulto. (Vozes: — Muito bem.)

É que eu, investigando a vida parlamentar de s. ex.ª, como deputado e como ministro, as discussões em que tem tomado parte, os discursos que tem proferido, vi que s. ex.ª tem sido tão reservado, tão precavido, tão conciso, tão diplomatico, tão subtil, tão impreceptivel, tão silencioso, que pouco ou nada me soccorreu a analyse da sua passagem, a não ser a igreja que juntou a Cavallões e em seguida poz a concurso.

Disse que em s. ex.ª coincidem duas entidades distinctas; ouso lembrar a s. ex.ª, em bem do paiz, que seria duplamente conveniente que abdicasse de si uma d'ellas, a de ministro, em quem melhor a comprehenda, e porque póde ella contagiar-lhe a qualidade de juiz, que tão illustrada e intigerrimamente tem exercido e pela qual lhe tributo a minha admiração e o meu respeito.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão da moção apresentada pelo sr. Dias Ferreira na sessão de 18 de janeiro

O sr. Pinheiro Chagas: — Sr. presidente, quando hontem ouvi a palavra eloquentissima do sr. Dias Ferreira, saudada pelos applausos clamorosos da maioria d'esta casa, confesso a v. ex.ª que tive um momento de viva e verdadeira satisfação. E porque acima de tudo sou admirador do talento, especialmente do talento oratorio, e muito em particular do talento do sr. Dias Ferreira, e declaro que nada havia mais triste do que era ouvir o anno passado o sr. Dias Ferreira com o mesmo talento de hontem, com a mesma pujança oratoria, fallar no meio de um silencio profundo, interrompido pelas vivas adhesões dos srs. visconde de Moreira de Rey e Van-Zeller.

Hontem felizmente não aconteceu assim; a sala tinha aquecido no intervallo da sessão parlamentar. O sr. Dias Ferreira viu-se interrompido a cada passo pelos apoiados de uma grande parte da assembléa. Felicito-o e felicito-me.

Mas se v. ex.ª me permitte, eu recordo uma scena do passado... e, se disse Dante que não ha maggiori dolore che ricordarsi del tempo felice nella miseria, deve ser pelo contrario muito agradavel o recordar la miseria nel tempo felice.

Permitta-me, pois, s. ex.ª que lhe lembre o aspecto da camara quando se discutiu o projecto para a creação dos supplentes do supremo tribunal administrativo. Discutiu-a o sr. Dias Ferreira com a mesma energia com que hontem a impugnou; infelizmente, faltaram-lhe os applausos, e faltaram-lhe os votos tambem. (Apoiados.) Hontem não lhe succedeu assim, teve os applausos; e ha de ter os votos, porque a maioria d'esta casa que votou a creação dos supplentes do tribunal administrativo, unico esbanjamento notado pelo sr. Dias Ferreira, esbanjamento que ainda não custou cinco réis ao thesouro, ha de vir ámanhã proclamar que é a maior prodigalidade de que ha memoria, tornando-se mais escandalosa por ter vindo logo depois da administração, rigorosamente espartana, do ministerio regenerador. (Apoiados.)

Mudaram os tempos completamente, mudaram as situações; e tanto que o sr. Dias Ferreira já entendia que o governo se devia retirar diante das eleições da commisão de resposta nas duas casas do parlamento, porque tinham sido eleitos para ellas alguns vultos manifestamente hostis á situação. Manifestamente hostis! Permitta-me v. ex.ª dizer-lhe que o adverbio é um pouco arriscado; quem sabia lá quem era hostil, e quem o não era; nós, vendo na commissão de resposta ao discurso da corôa o sr. Julio de Vilhena, o sr. Thomás Ribeiro e muitos outros cavalheiros, que, quando subiu esta administração ao poder, lhe prometteram a sua adhesão, o seu apoio, e ao seu lado o sr. Dias Ferreira, que logo se collocára na opposição, duas cousas podiamos, com igual motivo, imaginar ou que o partido do sr. Sampaio attrahira o do sr. Dias Ferreira, ou que o do sr. Dias Ferreira attrahira o do sr. Sampaio. (Apoiados.).

E até, se me fosse licito applicar á politica um principio scientifico que aprendi em creança, que a attracção está na rasão directa da massa, parecia muito mais provavel a primeira hypothese do que a segunda. (Riso.)

Manifestamente hostil!

Pois não tinha ido o sr. Sampaio, logo no primeiro dia da abertura das camaras, á reunião da maioria, convocada pelo governo, declarar que o partido regenerador não dava o seu apoio incondicional, mas que se reservava para apreciar as medidas e os actos do governo?

Quem havia de suppor que no dia immediato a essa declaração o partido regenerador, sem haver examinado um só acto, uma só medida do governo, lhe retiraria immediatamente o seu apoio. (Apoiados.)

Quem havia de suppor que o sr. Sampaio fôra fazer uma declaração menos verdadeira, ou que essa declaração não fôra sanccionada pelo partido sem que o sr. Sampaio fosse, de baraço ao pescoço, Egas Moniz parlamentar

... dar a doce vida

A troco da palavra mal cumprida.

Mas, ainda que essa hostilidade fosse manifesta, eu entendo que não podia já evitar-se a discussão das causas que davam origem ao conflicto parlamentar. (Apoiados.)

Quando uma maioria passa a ser opposição, porque caiu o gabinete a que a essa maioria dava apoio, a luta parlamentar, que anteriormente se travou, explica largamente ao paiz os motivos por que este ou aquelle governo inspiram confiança ou desconfiança aos diversos grupos do parlamento; mas quando uma maioria levanta nos seus escudos um gabinete, o acompanha até ao fim da sessão legislativa, e quer na sessão immediata quebral-o, como uma creança quebra um brinco que adorava na véspera, não é possivel que essa maioria deixe de explicar ao paiz os motivos do seu procedimento. (Apoiados.)

O parlamento não é um soberano asiatico, cujos caprichos façam lei. A soberania do parlamento é uma emanação da grande soberania nacional. (Apoiados.)

Somos procuradores dos nossos constituintes, com largos poderes é certo, mas temos obrigação de lhes mostrar que não sacrificâmos a vãos caprichos os interesses do paiz. Uma maioria que pôde ser hontem accusada pelo sr. Dias Ferreira de ter sido cumplice de uma sophismação parlamentar, tem obrigação do dizer ao paiz se essa grave accusação tem ou não fundamento. (Apoiados.)

Disse o sr. Dias Ferreira, citando o exemplo de França, que nos paizes constitucionaes todos se submettem, menos os parlamentos; é certo, sr. presidente, mas sabe v. ex.ª por que é assim?

E por que esses parlamentos não hesitam em ir pedir aos seus constituintes a confirmação do seu mandato, e a approvação dos seus actos (Apoiados.); é porque têem a consciencia de que vão apresentar-se perante a urna do suffragio sem a mais leve mácula de transigencia illegitima (Muitos apoiados.); é porque esses parlamentos não são os sophismadores do systema representativo, e então não têem que se submetter; mas as maiorias que não procedem assim, têem fatalmente de submetter-se ou á opposição da véspera ou da ante-vespera; essas, para qualquer lado que se voltem, têem de encontrar por força a penitencia ou a submissão. (Muitos apoiados.)

O sr. Dias Ferreira entrou logo depois na analyse do procedimento do governo, e entendeu que o governo não cumprira o programma com que se apresentára n'esta camara. Fazendo largo e merecidissimo elogio ao sr. ministro da fa-

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zenda, para melhor aggredir os seus collegas, accusou o governo de intolerante e de perseguidor.

Vamos a ver onde está a intolerancia e a perseguição.

A intolerancia parece-me que a encontrei já: parece-me que está principalmente no sr. ministro do reino.

A primeira vista não parece, porque o sr. marquez d'Avila nem sequer demittiu as auctoridades de confiança do partido regenerador, na mesma occasião em que os jornaes regeneradores injuriavam o governo (Muitos apoiados); mas parece que isso provém das auctoridades de confiança terem abandonado os regeneradores.

Por exemplo: o sr. governador civil de Villa Real, que é, se me não engano, o sr. Tiburcio, foi aqui defendido brilhantemente pelo sr. Manuel d'Assumpção: pois apesar d'isso o sr. Tiburcio abandonou-o, e passou a ser o seu perseguidor. Eu tinha grande confiança no sr. Tiburcio (Riso.), mas vejo agora que se não póde a gente fiar em ninguem.

E aquelle celebre pro Milone, que o sr. Manuel d'Assumpção aqui proferiu, de nada lhe valeu, porque o Milão de Villa Real tratou-o como Verres trataria Cicero se o apanhasse na Sicilia.

(Áparte do sr Manuel d’Assumpção.)

Muito bem; mas a gratidão é um dever, e um homem que tinha sido aqui tão brilhantemente defendido por s. ex.ª não devia ser o seu perseguidor implacavel!

E o governador civil da Guarda, o sr. visconde de S. Pedro do Sul?! O governador civil da Guarda creio que tambem perseguiu o meu prezadissimo amigo e collega, o sr. Telles de Vasconcellos; mas s. ex.ª deve estar satisfeito, deve estar triumphante agora, porque supponho que aquelle governador civil foi demittido.

Esta intolerancia do sr. ministro do reino, que, no mesmo momento em que os jornaes regeneradores aggrediam desabridamente o governo, conservava as proprias auctoridades de confiança d'esse partido, que em casos taes qualquer governo demitte, sem ser accusado de intolerante, porque qualquer governo n'esses logares, essencialmente politicos, quer homens da sua confiança e não da confiança dos seus adversarios; este procedimento do sr. ministro do reino attesta que o que o sr. Dias Ferreira disse hontem era profundamente verdadeiro, e que este ministerio tem sobretudo um caracter de profunda intolerancia!...

Mas eu sei aonde vae bater a allusão do sr. Dias Ferreira. Bem sei que, no que s. ex.ª hontem dizia á camara a respeito de intolerancia, alludia ao sr. ministro das obras publicas, que teve a gloria de despertar a animadversão intensa do partido regenerador. (Apoiados.)

O sr. ministro das obras publicas é accusado de intolerante, principalmente por dois factos: primeiramente por ter transferido os directores dos caminhos de ferro do Minho e Douro; e em segundo logar por ter levantado a questão da penitenciaria.

Eu acho estranho realmente que um ministro seja accusado de intolerante e perseguidor, porque por conveniencias do serviço fez, uma transferencia que estava perfeitamente dentro dos limites das suas attribuições, e que não feria de maneira alguma o funccionario transferido. (Apoiados.)

Percebo que o parlamento peça a um ministro contas de uma demissão, embora essa demissão esteja dentro dos limites da acção do poder executivo, porque a demissão é sempre uma penalidade, e essa penalidade póde ás vezes ser uma injustiça.

Percebo que o parlamento peça a um ministro contas de uma nomeação, porque para uma nomeação se devem respeitar sempre certos principios que o governo poderia postergar.

Pedir, porém, o parlamento contas da transferencia de um empregado de uma commissão de um certo genero para outra commissão de genero inteiramente similhante, parece-me que é levar muito longe a investigação e a fiscalisação parlamentar.

E tanto mais, sr. presidente, quanto só se levanta esta questão quando é transferido um homem politico, como se os deputados podessem invocar as suas garantias, o seu caracter parlamentar, quando estão simplesmente, como outro qualquer empregado, fazendo serviço em qualquer ministerio. (Apoiados.)

Eu lamento profundamente que um homem tão respeitavel, tão digno, a todos os respeitos, da maior consideração como é o sr. Lourenço do Carvalho, se servisse da sua qualidade de deputado para exigir do ministro respectivo que lhe desse contas dos motivos por que o transferiu.

O sr. Lourenço de Carvalho: — Ainda não fallei n'essa questão. Espero a publicação dos documentos.

O Orador: — Desculpe-me s. ex.ª. S. ex.ª veiu aqui pedir um certo numero de documentos.

(Áparte do sr. Lourenço de Carvalho.)

S. ex.ª, vindo aqui pedir um certo numero de documentos, alludiu a essa transferencia de um modo tal, que recebeu da parte do governo o testemunho, que para nós todos é fundado e merecido, de que esse facto não feria, nem a probidade, nem os meritos do illustre deputado; e essa resposta prova perfeitamente que s. ex.ª levantou essa questão pessoal, e a veiu trazer aqui ao parlamento. (Apoiados.)

Como o governo disse, e eu repito, a probidade do sr. Lourenço de Carvalho está acima de toda a discussão, e s. ex.ª não precisa de que no parlamento lh'a attestem. (Apoiados.)

Mas permitta-me a camara que eu trate agora de outro facto importante a que aqui se alludiu: a questão da penitenciaria.

A questão da penitenciaria, que o sr. Dias Ferreira teve o bom senso de não tratar desenvolvidamente, fazendo apenas a ella uma allusão ligeira, é a questão que se considera como prova de intolerancia e caracter perseguidor do ministerio.

Accusa-se de intolerante e perseguidor um ministro, quando, no cumprimento de um dos seus mais altos deveres, procura levar a fiscalisação e a luz á gerencia dos dinheiros publicos, á administração das obras do estado!

Accusa-se de intolerante e perseguidor um ministro, porque fez, não só o que tem direito a fazer, mas o que tem obrigação restrictissima de fazer! (Apoiados.)

Em torno da penitenciaria sabe o paiz que se levantavam brados, com fundamento ou sem elle, indicando que ali se praticavam actos escandalosissimos, e o ministro tinha não só o direito, mas o dever, de investigar se eram verdadeiros. O que fez? Investigou. E, colhido o resultado da investigação, puniu aquelles, que eram indigitados como culpados, pela syndicancia? Não: pegou no processo e entregou-o aos tribunaes. (Apoiados.)

Allega-se que no procedimento do ministro houve actos menos regulares. Qual é o ponto que se julga vulnerável? Que foram policias introduzir-se de noite, como ladrões, para apanharem os documentos da penitenciaria; que se fizeram promessas, que foram um suborno; ameaças, que eram uma especie de renovação do systema das torturas, para se alcançarem denuncias.

Ora, quando se allega isto, parece que se deve invocar o julgamento dos tribunaes; mas, não, esses homens, que estão conscios da sua consciencia, fogem da acção da justiça! Não querem que o publico, o jury, a consciencia nacional sentenceie entre elles e o ministro. Preferem trazer ao parlamento uma questão que vae ser tratada e ha de ser julgada perante os tribunaes. (Apoiados.) Parecia que, se o ministro os não chamasse aos tribunaes, seriam elles que o chamariam, elles os calumniados ao ministro calumniador, elles as victimas ao ministro verdugo! Mas não são mais modestos, não querem as honras do triumpho, não querem subir ao capitolio, não querem que as multidões os acclamem á porta do pretorio, não querem que o ministro seja condemnado ao pelourinho, emquanto elles vão, vestidos da alva chlamyde da innocencia, occupar nichos de santos martyres n'alguma das igrejas de

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Lisboa! Não querem o pleito judicial á luz do dia e em presença do publico, e preferem que um delegado complacente estrangule na sombra dos autos o processo indicado. (Apoiados.)

Pois aqui não havia perseguição, aqui não havia intolerancia, aqui havia simplesmente um ministro que praticava o que todos tinham obrigação de praticar — pedir aos tribunaes que julguem entre elle e aquelles a quem accusa. (Apoiados.)

Procuro seguir passo a passo, a argumentação do sr. Dias Ferreira. S. ex.ª, referiu-se depois a outra questão, que se julga a mais importante e a mais grave e que constitue um dos capitulos mais severos de accusação ao actual governo; referiu-se á questão dos conegos! Esta questão da mesma fórma que uma outra, pela qual o sr. Dias Ferreira passou mais brevemente, a creação de uma cadeira de saoskrito no curso superior de letras, tem a sua origem completa e irrecusavel na gerencia do partido regenerador! A creação da cadeira de saoskrito, que não discuto agora, que estou prompto a sustentar, mas cuja defeza não é necessaria, deriva pura e simplesmente de ter o sr. Corvo encarregado um cidadão portuguez de ir estudar saoskrito ao estrangeiro; e naturalmente não era para o habilitar a ler o Mahabaratha em familia, mas para que se habilitasse a ensinar saoskrito em Portugal n'uma cadeira. (Apoiados.)

Mas na questão dos conegos ha mais ainda. O sr. Mexia não precisava de tirar illações do procedimento do governo regenerador para proceder como procedeu: tinha obrigação restricta de nomear os conegos, obrigação que lhe era imposta por uma lei do sr. Barjona; o que vou provar a v. ex.ª e á camara.

O § 2.° da lei do 20 de abril de 1876, em que o sr. Mexia se baseou, e em que não podia deixar de se basear, porque era preceptivo para s. ex.ª, diz o seguinte:

«Emquanto se não realisar a circumscripção das dioceses e a reducção dos quadros capitulares, hão serão providos os beneficios vagos, exceptuados os que, precedendo representação dos prelados, se mostrar que forem necessarios para o ensino, decoro do culto, ou representação das dioceses.»

Quando nós fazemos uma lei, por exemplo, uma lei de contribuição predial, e dizemos que ficam sujeitos á contribuição predial todos os predios rusticos e urbanos, exceptuados aquelles que estiverem n'estas e n'aquellas circumstancias, queremos dizer com isso que os predios que estiverem n'estas e n'aquellas circumstancias não hão de pagar contribuição predial. Bem. Quando fazemos uma lei de recrutamento, e dizemos que estão sujeitos ao serviço militar todos os cidadãos portuguezes, exceptuados aquelles que estiverem n'estas e n'aquellas circumstancias, como filhos de viuva, etc., queremos dizer que os cidadãos portuguezes que estiverem n'estas ou n'aquellas circumstancias não hão de ser sujeitos ao serviço militar.

E quando dizemos que não serão providos os beneficios vagos, excepto os que estiverem em certas circumstancias, queremos dizer que os que estiverem n'essas circumstancias hão de ser providos. (Muitos apoiados.)

Logo esta lei era visivelmente, á face de toda a hermenêutica, uma lei preceptiva que o sr. ministro tinha obrigação de cumprir, e pelo não cumprimento da qual o parlamento tinha obrigação de o accusar.

O parlamento faz leis para se porem em pratica, e quando aquella o não fosse, o parlamento tinha o direito de perguntar a rasão por que não se tinha cumprido. (Apoiados.)

Se v. ex.ª permitte a um homem, que tem lidado, uma grande parte da sua vida, com o theatro, uma pequena comparação theatral, direi a v. ex.ª e á camara que as comedias francezas trazem habitualmente alguns dialogos marcados com um asterisco, que indica que esses dialogos foram impressos sim, mas que por serem muito longos não se devem dizer em scena.

Applicando este saudavel principio á nossa vida parlamentar, pedia a v. ex.ª e á camara que, para o futuro, as leis que se imprimirem nos nossos annaes parlamentares, e que não se devam executar, sejam marcadas com um asterisco, para os ministros saberem como hão de proceder.

Note a camara que eu não defendo a vantagem da creação dos conegos, mas entendo que toda a responsabilidade n'esse ponto pertence ao parlamento, e estranho que um membro d'esse parlamento venha pedir contas ao ministerio por ter cumprido a lei. Isto é um facto novo! O parlamento faz as leis e não quer que ellas se executem! (Apoiados.)

O orador que me precedeu, logo em seguida á questão dos conegos, entrou em um ponto grave, que prende com as mais altas questões de liberdade de consciencia.

Eu, que tenho sido toda a minha vida ardente defensor da liberdade de consciencia, e espero continuar a sel-o, entendo que o enterro civil deve ser inserido na nossa legislação, da mesma fórma que o casamento civil ou a certidão civil do nascimento de uma creança.

Entendo que é necessario que todo o cidadão portuguez catholico ou não catholico, possa deixar de pedir para qualquer acto da sua vida civil a sancção religiosa; que todo o cidadão portuguez possa casar livremente sem ter necessidade do se curvar perante a benção do sacerdote; que todo o cidadão portuguez possa ter um documento authentico da entrada de seu filho na vida, sem que para isso seja necessario collocal-o sob a agua lustral das pias baptismaes; que todo o cidadão portuguez tem direito a enterrar os seus parentes sem precisar do auxilio dos padres nem das ceremonias religiosas.

Entendo, sr. presidente, que a liberdade de consciencia deve ser inserida definitivamente no nosso codigo, mas que não seja conquistada pela anarchia e pelo desprezo da lei vigente.

Sabe v. ex.ª, sr. presidente, o que é que me indigna profundamente; o que é que indigna de certo todos os espiritos verdadeiramente liberaes?

É que o registo civil, necessario e indispensavel para a execução de todos estes actos, esteja ha dez annos decretado, e ainda não esteja executado. (Apoiados.)

O que me indigna, o que indigna de certo todos os espiritos verdadeiramente liberaes, é que estejamos aqui a mentir ao paiz e á Europa, dizendo que temos liberdade de consciencia; dizendo que temos casamento civil.

É falso, é falsissimo; não temos liberdade de consciencia, nem temos casamento civil. (Apoiados.)

Disse o sr. Dias Ferreira que «era clerical, que era reaccionário um governo que não ousava sustentar os enterramentos civis perante os padres, e que em 1866 não se recuára nem diante do prestigio de uma espada heroica para se inserir na lei o casamento civil».

Inserira-se o casamento civil na lei!... Para que?!... Para ser letra morta!... (Apoiados.)

Assim é facil, é facilimo fazer conquistas liberaes! (Apoiados.) Nada mais simples do que escrever na lei uma das grandes conquistas da liberdade moderna, para se dizer no artigo seguinte: «fica suspensa esta medida até se fazer o necessario regulamento»; e não pensar mais em tal regulamento, não o fazer, não o publicar. (Apoiados.)

Assim é facil fazer conquistas liberaes, inscrever n'uma lei palavras sonoras, que nunca passam para o dominio dos factos, e que se tornam por consequencia uma perfeita, uma completa mentira. (Apoiados.)

Ainda ha pouco tempo se deu um facto, que é realmente uma vergonha para nós.

Um casamento entre dois subditos portuguezes foi annullado nos tribunaes inglezes.

Elles tinham casado civilmente em Inglaterra, mas eram parentes, e como a lei portugueza tornava obrigatoria, para

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que o casamento fosse valido, dispensa do papa, os tribunaes inglezes, respeitando a lei do paiz a que os dois conjuges pertenciam, annullou o casamento, e ficou-se sabendo na Europa que ainda em 1877 a lei portugueza não reconhecia a validade de um casamento civil! (Apoiados.)

Aqui está a verdade do que se passa; e, quando vejo declamar a prol dos enterramentos civis, quando vejo ao mesmo tempo que os actos mais solemnes da vida do homem não se podem praticar sem que os cidadãos se curvem á igreja, v. ex.ª permittir-me-ha que eu, liberal do fundo da alma, arrede os declamadores, que sabem que estão illudindo o povo portuguez, que estão illudindo a Europa. Vozes: — Muito bem.

Como é que póde casar ainda hoje um portuguez com uma portugueza, logo que não sejam catholicos romanos, logo que não queiram acceitar as ceremonias d'essa religião? Onde está o official do registo civil para legalisar esse casamento?

Como é que um pae póde obter a certidão, necessaria a cada momento, com que prove a entrada de uma creança na vida? Onde está o official do registo civil que lho possa passar esse documento?

Nada d'isso existe!

O partido regenerador, que vae naturalmente apoiar esta moção de censura do sr. Dias Ferreira, como se deprehende dos clamorosos applausos que s. ex.ª obteve hontem, esteve seis annos no poder, mas o registo civil não se fez. É verdade que, quando se perguntava, como fez o meu illustre collega o sr. Mariano de Carvalho, pelo registo civil, o sr. Barjona respondia que havia de occupar-se d'esse assumpto; mas o tempo passava e nunca se tratava de similhante questão. (Apoiados.)

E são estes os liberaes!... Levantam-se contra a reacção nas palavras, mas curvam-se diante d'ella nos actos! Isto não é liberdade; isto é hypocrisia. (Apoiados.)

O que o sr. Barjona fez, e não sei se tambem o sr. Avelino, foi prometter o registo civil; e é esse mais um capitulo curioso da historia regeneradora.

Nunca ninguem prometteu mais do que o partido regenerador.

Recordo-me por isso de uma anecdota que li ha tempo, e que vem de molde para o caso.

Fora um avarento a uma casa de campo. Tratado admiravelmente pelos creados, o homem ficou penhoradissimo pelas finezas que tinha recebido, tanto que disse a um amigo profundamente impressionado: «Quando me for embora, heide-lhes prometter uma gratificação». (Riso.) A liberalidade do avarento não ía mais adiante, e mais adiante não ía tambem a liberalidade dos regeneradores. Sempre se limitou a prometter gratificações; promettia registo civil, caminhos de ferro, extincção do deficit; promettia tudo, e ficava tudo em promessa, (Apoiados.)

Todos os homens verdadeiramente liberaes devem effectivamente reclamar, e com urgencia, para ser posta em pratica, o mais depressa que seja possivel, a creação do registo civil. Emquanto elle não existir ha de haver uma verdadeira anarchia, nem sei como os tribunaes hão de proceder n'uma questão de herança, em que seja precisa uma certidão de obito de um individuo que se tenha enterrado civilmente, e que não tem, portanto, uma certidão n'um registo com fé publica, e que possa ser um documento com todas as garantias legaes de authenticidade.

Accusou se o sr. marquez d'Avila de ter dirigido o paiz n'um sentido anti-liberal e clerical. Pois sabem o que elle fez? Deu existencia legal aos enterros civis, que a não tinham; deu o primeiro passo para a fundação do registo civil, e fez com que houvesse menos anarchia do que havia no tempo do ministerio regenerador; porque n'aquelle tempo faziam-se os enterros civis sem haver um só acto do governo que os auctorisasse. (Apoiados.)

(Interrupção do sr. Marçal Pacheco.)

Ainda ha anarchia, bem sei, e estamos condemnados fatalmente a ter n'estas questões ou a anarchia ou o despotismo, emquanto não houver registo civil. De quem é a culpa? De quem esteve seis annos no poder sem pensar em estabelecel-o. (Apoiados.)

O sr. marquez d'Avila o que fez foi oppor-se á especulação que era realmente ignobil, e a que procurou pôr termo com rasão sobeja. (Apoiados.)

Confesso que me impressionou hontem a palavra eloquente do sr. Dias Ferreira quando disse que «não sabia o que faria se a morte, por desgraça sua, fulminasse um de seus filhos, e elle soubesse que alguem intervinha no enterro, e arrancava o caixão das mãos de quem o levava».

Comprehendo perfeitamente este sentimento. Mas o sr. Dias Ferreira appellou erradamente para o sentimentalismo da camara, querendo commovel-a com a situação d'esses estranhos paes, que, logo depois da morte de seus filhos, têem coragem para vir discutir para a imprensa o modo como elles foram enterrados.

Eu confesso a v. ex.ª que tenho antes aspirações idealistas do que profundas convicções religiosas. O vento esterilisador d'este seculo tambem passou no meu espirito, desbotando em fé ardente, que foi o esteio e a consolação dos nossos antepassados. Mas não comprehendo que um pae, materialista ou não, se opponha a que se projecte na pequenina cova de seu filho a sombra da cruz d'Aquelle, que é para os catholicos a encarnação do Verbo Divino, e para os philosophos o doce evangelisador de uma religião de amor e de caridade, e que chamava para junto de si as loiras creancinhas.

Não comprehendo que um pae, crente ou descrente, sinta profundamente arraigadas no coração, na hora extrema de seu filho, as suas convicções materialistas, e não queira acariciar, ao menos por um instante, como uma illusão suave, a radiosa esperança de se não separar para sempre de seu filho, de poder ainda ir encontral-o no céu... Não! esses paes não são dignos da nossa compaixão! (Vozes: — Muito bem.)

Não fallarei na questão do muro dos cemiterios, porque não quero de maneira alguma substituir-me á voz eloquente dos deputados regeneradores, que de certo vão defender n'esse ponto o governo.

O sr. deputado Antonio Rodrigues Sampaio, que tem sustentado na Revolução de setembro esta questão, e que ha pouco pediu a palavra, de certo defenderá brilhantemente uma portaria que é sua, e que o sr. Dias Ferreira condemnou. Deixo-lhe esse trabalho.

Houve outro facto a que alludiu o sr. Dias Ferreira, que foi o emprestimo, e accusou o governo de o não ter contratado a tempo. Eu lembrarei que a culpa da demora começou a tel-a a maioria, que, só quasi no fim da sessão de 1877, deu parecer a respeito do projecto de lei que o autorisava. (Apoiados.)

Alem d'isso não foi a demora que impediu o emprestimo de ser completamento collocado. Muitos factos deram origem a não se realisar, e um d'elles foi sem duvida a desconfiança que se manifestava nas capitães europeas em concorrerem mais para se absorverem no abysmo da divida fluctuante portugueza, que estava a cada instante reclamando novas sommas.

Este facto, que não é conjectura minha, que foi allegado pelos jornaes estrangeiros, é o principal motivo do emprestimo não se ter realisado nas condições regulares em que se podia esperar.

É accusado o governo de nos sujeitar a um regimen de dois emprestimos por anno, e não se lembram que esta argumentação vae ferir o partido regenerador.

Foi o partido regenerador que fez dois emprestimos por anno, porque durante cinco annos economicos fez dez emprestimos, que foram os das obrigações do caminho de ferro do Minho e Douro, o emprestimo para a divida fluctuante, o emprestimo para os navios, o emprestimo para as colonias

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e os emprestimos para o pagamento das classes inactivas.

Esta moção de censura que o sr. Dias Ferreira apresentou logicamente, porque estava na opposição no anno passado, e que desde logo disso que o programma do governo era insufficiente; esta moção do censura póde ser apresentada por s. ex.ª, mas não póde ser apoiada pela maioria d'esta casa. (Apoiados.)

Em todo o discurso do sr. Dias Ferreira não ouvi um argumento só para mostrar que o governo não tinha sido fiel ao programma de economia e moralidade que tinha apresentado. (Apoiados.)

O unico facto que citou, como prova de falta de economia, foi a creação dos vogaes supplentes do supremo tribunal administrativo.

A camara sabe que não póde apoiar esta censura, porque se accusaria a si propria, (Apoiados.)

O sr. marquez d'Avila póde entrar de cabeça levantada, conscio de haver cumprido o programma acceito pela adhesão da camara (Apoiados.), e perguntar: Porque me abandonaes? Mas as impaciencias do mando poderam mais no animo dos regeneradores do que os dictames da logica, e não se lembraram ao menos que estava ainda tão fresca na memoria de todos a sua queda desastrosa, a sua queda deploravel (Apoiados.); não se lembraram ao menos de que não ha muito firmaram perante o paiz um documento da sua incapacidade governativa (Apoiados.), porque esse partido declarou que estava consubstanciado n'um só homem, e que logo que a doença o fazia desapparecer da scena politica, não tinha o partido mais que fazer senão abandonar as pastas (Apoiados.); porque declarou assim que não era partido, mas uma camarilha de cortezãos agrupados em torno de um soberano, em quem o partido se resume, como a realeza se resume no rei: menos ainda, porque a realeza, segundo a formula franceza «Le roi est mort, vive le roi» nunca se extingue, e o partido regenerador, quando o sr. Fontes se constipa, eclipsa-se aos olhos do paiz (riso), e some-se detrás dos cortinados da alcova do doente. (Apoiados.)

Mas não, faço mais justiça ao partido regenerador; esse partido não saíu do poder, porque não tivesse quem substituisse um homem qualquer por mais elevado que fosse o seu merecimento. O partido regenerador saíu do poder, porque tinha consciencia de que a opinião publica o abandonara. (Apoiados.)

Porque o paiz a si proprio perguntava onde nos conduzia o desastroso systema de levantar emprestimos sobre emprestimos. (Apoiados.) e o augmento constante da divida fluctuante. (Apoiados.)

O governo regenerador saíu do poder, porque os seus mais intimos amigos o abandonaram. (Apoiados.) O seu dever n'essa occasião era ter habilitado o poder moderador a apreciar por si mesmo qual era a corrente da opinião publica (Apoiados.) e qual o lado para onde devia inclinar-se o poder. (Apoiados.) Mas não o quiz fazer assim. Foi antes enfileirar-se ao lado do governo que se organisára composto de individuos da opposição. (Apoiados.)

As maiorias tem direitos, mas tem deveres tambem. Cabe-lhes exercer o poder, mas tem a obrigação de o não abandonar.

Declarando-se incapaz de substituir o governo, ou conscia de que a opinião publica o abandonára, quebrou nas suas mãos a sua auctoridade de maioria. (Apoiados.)

A sua situação logica era na opposição. Não foi; arrebanhou-se atrás de um caudilho illustre, que censurára todos os seus actos, e que procurára os seus auxiliares entre os seus mais ferrenhos adversarios, acceitou o seu programma, e quer agora abandonal-o! Pois se o anno passado o paiz os podia acceitar como arrependidos, agora já não póde consideral-os senão como renegados. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi felicitado por muitos srs. deputados.)

O sr. Lopo Vaz de Sampaio: — Sr. presidente, tomando pela primeira vez a palavra n'um debate meramente

politico n'esta casa, cumpre-me solicitar a benevolencia da camara; todavia devo declarar que peço sómente benevolencia para mim e para o meu modo de dizer; não a peço para as minhas opiniões e para os argumentos em que as baseio sempre que as emitto. Proponho-me apreciar alguns actos do governo, não com favor, nem com desfavor, mas sim com imparcialidade, e por isso não estranharei, pelo contrario desejo que a replica aos meus argumentos e a critica das minhas afirmações seja feita sem favor e com rectidão.

Eu não posso deixar de responder a algumas das principaes considerações do illustre deputado que me precedeu, e todavia, apesar do muito desejo de o fazer e da muita consideração que tenho pelo seu brilhante talento, custa-me realmente responder-lhe n'esta occasião, porque não suppuz quando pedi a palavra que teria de usar d'ella para tambem defender a maioria em uma situação que acabou, mas sim e sómente para apreciar os actos do governo ou combater a defeza que d'elles se fizesse.

Mas como não foi a defeza do governo o unico intento do nobre deputado, satisfarei ao seu duplo proposito acompanhando-o nas suas observações, e principiarei pela ultima em que s. ex.ª disse que a maioria regeneradora n'esta casa, declarando-se hoje em opposição ao governo, se constituia na situação de renegada.

Sr. presidente, nós somos renegados, e o illustre deputado não o é! (Muitos apoiados.)

O illustre deputado, que durante quatro annos apoiou a situação passada, o illustre deputado que tomou a responsabilidade de todas as illegalidades e de todos os desperdicios que lhe attribue agora, não é renegado, nós é que o somos! (Vivos apoiados.)

Nós somos renegados, porque estabelecemos o registo civil e não fizemos a lei regulamentar para o organisar; mas o illustre deputado não renegou, porque durante quatro annos apoiou a nossa administração e não pediu nem propoz durante esses quatro annos que se fizesse essa lei regulamentar! (Muitos apoiados.)

O illustre deputado não é renegado por esse motivo, mas apoia o governo actual, que, apesar de estar n'aquellas cadeiras ha um anno, não traz ao parlamento a lei organisadora do registo civil! (Muitos apoiados.)

O sr. Pinheiro Chagas disse tambem que a maioria a que me honro de pertencer, não encontrava, para qualquer lado que se voltasse, senão ou penitencia, ou submissão. Tem s. ex.ª rasão em parte. Submissão, não; penitencia, sim.

Vimos todos aqui fazer penitencia publica de que nos enganámos, ou melhor, vimos declarar no parlamento ao paiz que fomos enganados. (Apoiados.)

E sabe v. ex.ª porque nos enganámos? É porque o ministerio que ali está, tendo-nos dito que vinha em nome da tolerancia, da economia e da legalidade, foi desperdiçador, intolerante e commetteu illegalidades que não tiveram ainda exemplo no nosso paiz. E illegalidades financeiras, porque nunca situação alguma politica no nosso paiz, em tão pequeno periodo de tempo, praticou tantas irregularidades e fez tantos desperdicios como o ministerio actual. (Sensação.) Hei de demonstral-o, porque não faço declamações vãs, argumento com factos.

Sr. presidente, eu não posso infelizmente acompanhar o illustre deputado na parte em que se referiu ao provimento dos canonicatos; direi unicamente, em resposta á argumentação de s. ex.ª, que a lei proposta pelo sr. Barjona de Freitas e votada pelo parlamento não impõe ao governo a obrigação de nomear conegos; limita-se a permittir a sua nomeação. Não envolve disposição imperativa; constitue simplesmente uma auctorisação.

Tudo o que é mister averiguar para justificação ou accusação da situação que fez a lei, é o espirito d'essa lei; e a este respeito não póde haver duvida alguma: basta saber-se que o ministerio que a propoz esteve mais de um anno no poder, depois de promulgada a mesma lei, e não

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despachou nem um só conego. E não era obrigado a despachal-os, porque se as leis que têem disposições imperativas hão de ser cumpridas, aquellas que encerram disposiçoes facultativas deixam aos governos a liberdade de usar ou deixar de usar das auctorisações que lhes concedem. Fica, pois, em pé, apesar da argumentação do illustre orador, a questão de saber se o governo, provendo os canonicatos, usou a auctorisação legal de modo conveniente ou prejudicial aos interesses publicos. (Apoiados.)

O illustre deputado fallou tambem na creação da cadeira de saoskrito, e disso que o acto do sr. presidente do conselho creando essa cadeira, foi originado pelas ordens dadas, em tempo, pelo sr. Corvo, para que fosse no estrangeiro estudar saoskrito o cavalheiro despachado pelo actual governo.

Mas o que o ilustre deputado não disse, o que lhe esqueceu, ou quiz esquecer se de dizer, é que o sr. Corvo deu essas ordens em virtude de auctorisação parlamentar, emquanto que o sr. presidente do conselho creou a cadeira dictatorialmente. (Apoiadas.)

Eu digo isto de passagem, porque não queria referir-me a nenhum d’estes assumptos; tenho outros de que tratar. Se houvesse de dizer mais alguma cousa, seria sómente que o governo andou mal, e muito mal, porque tendo crendo uma cadeira de saoskrito, devia ter tomado as providencias precisas, para que não lhe faltassem alumnos, devia declarar por uma portaria que os membros do actual ministerio ficariam tendo matricula obrigatoria n’aquella aula. (Riso.)

Se eu quizesse insistir na questão clerical, lembraria tambem ao sr. ministro da justiça uma prophecia que fez um jornal, muito bem elaborado, d'esta capital, cujo redactor e meu particular amigo e collega folgo de ver presente, desejando eu muito que se verifique o mais cedo possivel a hypothese, á qual é applicada a prophecia a que acabo de referir-me.

Dizia esse jornal, que logo que o sr. Mexia deixasse de ser ministro, a igreja lusitana estabeleceria em periodos regulares preces publicas não ad petendum pluviam, mas sim ad petendum Mexiam. (Riso.)

Deixo, porém, para outros todos estes assumptos, porque desejo entrar desde já na apreciação da administração financeira do actual governo.

O governo transacto foi acremente accusado aqui e lá fóra pelos seus adversarios de despender muito e do despender illegalmente; elle era, na opinião dos seus aggressores, um ministerio de illegalidades e desperdicios, que em nome da salvação da fazenda publica urgia precipitar do poder. Eu não acceito essa accusação, porque a julgo menos verdadeira, nem poderia cabalmente acceital-a, porque apoiei até ao fim aquella situação, acompanhei-a fóra do poder e acompanho-a ainda; mas acceito o principio geral então e sempre formulado por todos os homens publicos do paiz e do estrangeiro, de que os ministerios de desperdicios e de illegalidades injustificaveis são altamente nocivos á fazenda publica e carecem de aptidão para resolverem a questão de fazenda e de auctoridade moral para se proporem resolvel-a.

Por isso, proponho-me demonstrar á camara que o ministerio que ali está (indicando o banco dos srs. ministros) não tem auctoridade moral para resolver a questão de fazenda, e terá por consequencia de abandonar aquellas cadeiras, visto que o parlamento e o paiz querem a resolução d'essa questão. (Muitos apoiados.)

Este ministerio apresentou-se na sessão passada á camara apregoando legalidade e economia; examinemos como elle cumpriu o seu programma, porque d'este exame resultará a mais completa justificação da attitude actual da maioria d'esta camara.

Nós apoiámos o anno passado um governo que nos promettia legalidade, economia, liberdade e moralidade, e que a final não nos deu nem legalidade, nem economia, nem moralidade, nem liberdade. Quem faltou? Quem renegou? Não fomos nós. (Apoiados)

Se eu quizesse descer a pequenas minuciosidades havia de interpellar o governo sobre o provimento de certos cargos inuteis; havia de interpellal-o, pedindo previamente que fossem remettidos a esta camara os documentos relativos a alguns concursos, embora o governo os não enviasse, sobre o modo porque foram feitos alguns despachos, porque me consta que alguns concorrentes foram preteridos com habilitações superiores (Apoiados.), e que de alguns cargos publicos se fizeram provimentos illegaes. (Apoiados.)

Não me sobram gosto e tempo para discussões d'esta ordem; proponho-me unicamente apreciar os factos mais geraes da administração financeira do governo, e para elles peço a attenção da camara, porque o assumpto é gravissimo. (Apoiados.)

Antes de se contrahir o emprestimo de seis milhões e meio de libras para que o governo fôra auctorisado por lei do anno passado, este governo realisou um supprimento em Londres, ao qual serviram de penhor ou caução titulos representativos da quinta emissão de obrigações dos caminhos de ferro do Minho e Douro. O mesmo governo estava auctorisado por uma lei do anno passado a contrahir um emprestimo para os caminhos -de ferro do Minho e Douro, e portanto parece á primeira vista que o seu procedimento foi regular, visto que empenhou em Londres titulos de um emprestimo que estava auctorisado a emittir, mas a apreciação reflectida leva necessariamente á conclusão contraria.

A primeira irregularidade a notar no procedimento do governo consisto no facto de empenhar em Londres obrigações do caminho de ferro antes da publicação e da data do decreto que mandou crear essas obrigações.

O governo empenhou em Londres, em 1 de maio de 1877, as obrigações dos caminhos de ferro, e só em setembro ou outubro do mesmo anno, isto é, cinco mezes depois, pouco mais ou menos, lavrou e publicou o decreto que manda crear esses titulos!

Quando faltou a verdade ao governo, ou quando o governo faltou a ella? Foi quando por um decreto mandou crear titulos, que por ordem sua, e sem decreto, já estavam creados, e alem d'isso empenhados ha cinco mezes, ou foi aliás quando empenhou em Londres titulos que não tinham ainda sido creados por um decreto, e que por consequencia careciam de existencia legal? (Apoiados.)

Se o governo me responde que os titulos empenhados eram apenas scrips, titulos provisorios representativos de outros, eu desde já lhe pergunto que valor tinham esses titulos? Ou eram obrigações provisorias ou definitivas do caminho de ferro, e n'esse caso commetteu o governo uma gravissima illegalidade, e, alem d'isso, uma imprudência perigosa, distrahindo-os da sua applicação legal, porque não podiam saír do thesouro senão para serem entregues aos subscriptores do emprestimo para os caminhos de ferro do Minho e Douro; ou não eram obrigações do caminho do ferro, e em tal caso nada eram, nada valiam, porque não estava o governo auctorisado a creal-os, e portanto dal-os como penhor em Londres constituiu uma burla lamentavel feita aos credores do estado.

Escolha o governo entre as duas hypotheses d'este dilemma, a que mais lhe aprouver, porque em qualquer d'ellas o seu procedimento é duplamente irregular e illegal. (Vozes: - Muito bem.)

Se os titulos empenhados em Londres eram diversos d'aquelles que haviam de ser entregues aos subscriptores, o governo não estava auctorisado a creal-os, e, portanto, a caução não era seria. Nem só isso. Em tal caso podia realisar-se no paiz o emprestimo para os caminhos de ferro, e podiam ser entregues aos subscriptores d'esse emprestimo os titulos respectivos, continuando, apesar d'isso, em Londres, nas carteiras dos suppridores do thesouro, os titulos dados em penhor, o que quer dizer que o penhor era irrisorio, e que os credores não tinham outra garantia alem do

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mero compromisso do governo portuguez tomado no contrato de supprimento.

Porém, se os titulos empenhados eram exactamente aquelles que tinham de ser entregues aos subscriptores do emprestimo para os caminhos de ferro, collocou-se o governo na vergonhosa posição de não poder realisar este emprestimo emquanto não resgatasse em Londres os titulos empenhados, por não ter titulos para entregar aos subscriptores: estavam embargados em casas de penhores.

Collocou-se parte do emprestimo de seis milhões e meio de libras, e não faltaram ao governo os capitaes necessarios para manter, alimentar e (feitos os devidos calculos) accrescentar consideravelmente a divida fluctuante, e por isso habilitou-se com os meios necessarios para rehaver os titulos empenhados, podendo assim realisar o emprestimo dos caminhos de ferro do Minho e Douro.

Mas se uma conflagração geral houvesse rebentado subitamente na Europa, como era muito para receiar, visto que estava declarada a guerra do Oriente; se um d'estes cataclysmos economicos que costumam surgir imprevistamente na vida commercial das nações, houvesse retraindo mais consideravelmente os capitaes, o governo não poderia por falta de recursos resgatar em tempo opportuno os titulos empenhados em Londres, e, por consequencia, ficaria impossibilitado de realisar o emprestimo para os caminhos de ferro, não por falta de credito da nação portugueza, não por falta de capitaes e de subscriptores no paiz, mas, oh! caso estupendo, inaudito e nunca visto, por falta de titulos! (Apoiados.)

Se os embaraços financeiros, na hypothese que formulei, fossem até ao resultado final de o governo não poder satisfazer os seus compromissos, nos vencimentos do contrato de supprimento, os suppridores do estado, não preferindo renovar o seu contrato, procurariam vender e collocar no mercado os titulos em caução para se embolsarem dos seus creditos, e assim ficaria realisada a 5.ª emissão de obrigações do caminho de ferro, não pelo preço, na occasião e no mercado, escolhidos pelo governo portuguez, mas sim pelo preço, na occasião e no mercado escolhidos pelos credores do estado! (Apoiados.)

Mais do que isso! Ficaria d'aquelle modo destinado a pagar um supprimento em Londres o producto de um emprestimo, que legalmente só podia ser applicado aos caminhos de ferro do Minho e Douro. Taes podiam ser as tristissimas consequencias da imprudente illegalidade commettida pelo governo, em occasião em que tinha maior obrigação de prevel-as e de temel-as, e, portanto, de evitar a posição falsa e perigosa em que se collocou, porque estava declarada ha poucos dias a guerra do Oriente, quando fez em Londres o contrato de supprimento que tenho discutido.

O anno passado foi violentamente accusado aqui o governo regenerador, porque applicára para outro fim inscripções que havia mandado emittir pela junta do credito publico para caução das sommas adiantadas pelos bancos, para pagamento das classes inactivas.

Entendo que o governo de então explicou satisfatoriamente o seu procedimento, e quando o não houvesse feito, bastaria para justifical-o a gravidade, a urgencia e a precipitação das circumstancias extraordinarias que o paiz atravessava então, pois que estavamos em plena crise commercial e bancaria. (Apoiados.) Mas, ou o governo passado mereça, ou não, justificação ou desculpa, em todo o caso o procedimento do actual governo não póde ser justificado e nem mesmo desculpado.

A emissão illegal de inscripções, sendo a junta do credito publico convenientemente dotada para satisfação dos novos encargos, ou a applicação illegal das inscripções assim creadas, póde ser absolvida pelos parlamentos, em nome do imperio de circumstancias graves e imprevistas, porque em nenhum caso póde haver prejuizo ou offensa dos direitos adquiridos por terceiros. Não acontece o mesmo com a

applicação illegal das obrigações dos caminhos de ferro do Minho e Douro.

O juro e amortisação das obrigações tem garantia especial no rendimento das linhas ferreas, e, portanto, qualquer applicação d'ellas ou das receitas que provém d'ellas, que não seja para a construcção ou exploração d'essas linhas, é uma burla, é uma offensa aos direitos adquiridos pelos portadores de obrigações anteriormente emittidas, cujo producto em dinheiro foi applicado a essas linhas.

A junta do credito publico tem dotação especial para pagamento dos juros das inscripções, mas os direitos e interesses dos juristas não são prejudicados com uma nova emissão de inscripções, qualquer que seja a applicação que se lhes dê, logo que a dotação das emissões anteriores não seja cerceada em proveito das novas emissões, e por consequencia os parlamentos podem auctorisar como julgarem conveniente, e os governos auctorisados mandar fazer quaesquer emissões de inscripções convenientemente dotadas, ou dar-lhes qualquer applicação, sem que os juristas, donos ou portadores de inscripções anteriormente emittidas possam reputar-se lesados.

Pelo contrario, o rendimento das linhas ferreas do Minho e Douro constitue por lei garantia especial e solidaria de todas as obrigações, no presupposto de que todo o producto em dinheiro d'esses titulos foi, é e será applicado a essas linhas. Os donos, ou portadores das obrigações anteriormente emittidas, têem, pois, direito, que eu folgo de affirmar n'este parlamento, a que seja applicado a essas linhas o producto integral das emissões posteriores. De outro modo seria nulla a garantia especial dos seus titulos, porque o poder legislativo poderia auctorisar a emissão de obrigações do caminho de ferro para cauções de supprimentos, para consolidações de dividas fluctuantes ou para outras applicações similhantes ou dessimilhantes. Seria uma burla completa para os donos das obrigações, cujo producto houvesse sido applicado ás linhas ferreas. (Apoiados.)

O procedimento do governo, distrahindo da sua applicação legal obrigações dos caminhos de ferro assim garantidas, constituiu uma violação real, ou pelo menos um perigo imminente, uma ameaça (o que constitue já em si uma violação em face das leis) aos direitos adquiridos pelos donos dos titulos das emissões anteriores.

Se o governo entendia que, em virtude de circumstancias extraordinarias, precisava exercer funcções dictatoriaes, como effectivamente exerceu, o que lhe cumpria fazer era mandar á junta que creasse as inscripções necessarias para caucionar o contrato de supprimento, dotando-a com os meios precisos para fazer face aos novos encargos. Se a junta do credito publico resistisse á ordem do governo, pelo facto de não estar legalmente auctorisada a emissão, então e só então haveria logar para o governo pensar em saír das difficuldades, com que porventura lutasse, por meio de outro expediente.

Sr. presidente, se o governo, em logar de mandar fabricar titulos por portarias ineditas, os mandasse crear por um decreto, inserindo n'elle a clausula dictatorial, de que as obrigações da quinta emissão deixariam de ter garantia especial nas linhas ferreas no caso de illegal applicação, poderiamos absolvel-o se nos demonstrasse a gravidade das circumstancias, que o determinaram a usar illegalmente das obrigações, porque não haveria violencia, nem perigo imminente de direitos de terceiro.

Mas o governo não obrou assim; o seu procedimento foi tão deploravel, que o parlamento não póde absolvel-o, porque acima da vontade das maiorias e do parlamento estão os principios imprescriptiveis da justiça, segundo os quaes os direitos adquiridos pelo menor numero, e ainda por um só homem, impõem-se fatalmente á vontade em contrario de milhões de pessoas. (Apoiados.)

Vozes: — É assim que procede o governo da legalidade.

O Orador: — Sr. presidente, o facto que tenho exposto

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e apreciado não produziu consequencias desastrosas, porque o governo resgatou a tempo os titulos empenhados, habilitando-se d'este modo a poder realisar a quinta emissão do emprestimo para os caminhos de ferro; mas sem embargo reputo-o gravissimo sob os pontos de vista da legalidade, da regularidade e ordem da nossa administração financeira, e da solidez do credito publico, e por isso insisti n'elle e para elle pedi a attenção da camara.

Vou agora chamar novamente a attenção da camara e do paiz para um outro facto mais grave, porque póde ter consequencias más para o thesouro; muitissimo mais grave, porque, ou seja valido ou seja irrito e nullo, é a expressão da mais completa e detestavel anarchia financeira.

Sr. presidente, o governo é optimista, e tão optimista que se demorou a sonhar as delicias da paz o tempo que devia ter gasto em negociar e realisar o emprestimo de seis milhões e meio.

Occorre-me, a proposito, abrir um parenthesis na narração para responder a uma accusação, ha pouco feita pelo sr. deputado Pinheiro Chagas. Disse s. ex.ª que «a regeneração fazia dois emprestimos por anno»; eu digo a s. ex.ª que se a regeneração fazia dois emprestimos por anno, o governo actual faz tres.

Uma voz: — Quatro.

O Orador: — Tem rasão o illustre deputado, são quatro, e não tres, e para que não pareça uma asserção vaga, vou indical-os: emprestimo para o pagamento ás classes inactivas, contrato de supprimento em Londres, emprestimo de quatro milhões de libras e 5.ª emissão das obrigações do caminho de ferro, sem fallar no augmento constante do deficit, e, portanto, da divida fluctuante respectiva, e do emprestimo de dois e meio milhões de libras ainda não collocado.

Em dez mezes fez este governo quatro emprestimos: o que seria da fazenda publica se por desgraça do paiz este governo continuasse á frente dos negocios! (Muitos apoiados.)

Dizia eu que o governo se tinha demorado em realisar o emprestimo, porque estava sonhando a paz européa. Quando acordou achou-se surprehendido pela declaração da guerra do Oriente. Os capitaes tinham-se retrahido, porque se estava ainda no periodo em que a Inglaterra não declarara que o canal de Suez é o seu caminho natural para a India.

Receiava-se geralmente que o levantamento do Montenegro, a insurreição da Servia, a occupação total da Bulgaria, a passagem definitiva dos Balkans pelas tropas russas, ou uma derrota importante dos turcos na Asia envolvesse a Inglaterra na guerra do Oriente. N'este estado de incerteza a occasião não podia ser mais desfavoravel para fazer appello aos capitaes inglezes.

A politica de resistencia inaugurada em França a 16 de maio do anno passado trazia incertos os espiritos de todos os cidadãos francezes, ácerca do proximo futuro politico da sua patria, e por isso a occasião não podia ser mais inopportuna para fazer appello aos capitaes francezes. (Apoiados.)

Pois o nosso habil governo aproveitou este ensejo, parecendo-lhe que era a ocasião mais favoravel para realisar o emprestimo, fazendo appello aos capitaes inglezes e francezes.

Algumas outras circumstancias, entre as quaes avulta a má direcção dada pelo governo ás negociações principalmente em França, e talvez tambem a má direcção que lhes foi dada pela casa Bering Brothers, que recebendo um oitavo de corretagem, foi corretor muito infeliz, originaram os factos tristes para o thesouro e, digamos, para o brio nacional, dos quaes todos têem conhecimento.

Os capitaes estrangeiros concorreram á subscripção com menos de metade da somma pedida: o governo pedia seis milhões e meio de libras, e a subscripção foi apenas de tres milhões.

O governo entendeu que o credito publico eiva prejudicado, ficando a descoberto tres milhões e meio, mas o mesmo governo parece ter entendido que o credito publico ficava salvaguardado, não sendo coberto todo o emprestimo, mas ficando a descoberto sómente dois milhões e meio. E digo que o governo parece ter entendido isto, porque o banco de Lisboa o Açores subscreveu com um milhão, perfazendo assim a somma de quatro milhões de libras, e tempos depois apparece-nos esse banco com um bilhete de visita do actual ministerio.

É para este bilhete de visita, que eu julgo a expressão da maxima anarchia financeira, que eu já chamei e novamente solicito a attenção da camara.

O governo tomou com o banco Lisboa e Açores o inqualificavel e injustificavel compromisso de, em identidade de circumstancias, o preferir para a realisação do contrato do emprestimo de dois milhões e meio que resta collocar. (Apoiados.)

Eu não faço accusações apaixonadas e em termos violentos, e, portanto, não acoimarei de escandaloso este facto, nem por tal motivo chamarei ao governo devasso e corrupto, mas não deixo de reconhecer que adversarios mais apaixonados, ou simplesmente mais vehementes do que eu, talvez não devessem desprezar base tão solida para disparar contra o governo invectivas violentas.

Eu não qualifico o facto, expul-o, e vou aprecial-o; qualifique-o a opinião publica como quizer, e se quizer.

Desde que o governo toma com um certo e determinado estabelecimento compromisso de o preferir, em identidade de circumstancias, para o contrato do emprestimo, é quasi certo que não haverá concorrencia de propostas para esse emprestimo, que o thesouro publico não auferirá as vantagens que da concorrencia podiam advir-lhe, e, portanto, que ou não ha de realisar-se o emprestimo, ou o banco de Lisboa e Açores ha de dictar a lei. (Apoiados.)

Prometter a preferencia em identidade de circumstancias é fechar a porta a um dos principaes estimulos da concorrencia.

Quererá dizer-nos o governo, que não revela as propostas que lhe forem feitas, que os concorrentes as não revelam tambem, e, portanto, que todos farão igualmente as suas propostas na espectativa de as fazerem mais favoraveis ao thesouro publico do que a do banco de Lisboa e Açores?

Este argumento não colhe, não só pela consideração que já expuz, mas tambem porque os capitaes são eminentemente desconfiados.

Terão os capitalistas confiança em que o governo seja incapaz de segredar ao banco a natureza da proposta mais favoravel, para que faça outra igual?

Eu não quero formular accusações, que possam parecer apaixonadas, e por isso se não nego, não affirmarei que o governo seja capaz de tamanha indignidade.

Mas o que certamente affirmo é que os capitaes são altamente desconfiados, são principalmente desconfiados dos governos, e por isso hão de suspeitar, desde que ha um afilhado predilecto, que não será religiosamente guardado pelo padrinho um segredo que só póde prejudicar esse afilhado. (Apoiados.)

Em todo o caso é altamente lamentavel que o governo se collocasse na tristissima posição de poder conceder furtivamente um favor que, no caso de ser suspeitado, afugentará toda a concorrencia á realisação do contrato do emprestimo.

Mas, sr. presidente, o compromisso tomado pelo governo é valido? Eu creio que não; eu creio que esse compromisso é irrito e nullo, e por isso o classifiquei de detestavel anarchia financeira.

Podia o governo contratar o emprestimo com o banco Lisboa e Açores; mas o que nenhum governo, nem este nem outro qualquer, podia era comprometter o futuro pelo

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modo que deixo exposto; não podia tomar o compromisso antecipado de contratar o emprestimo com um certo estabelecimento sem previa estipulação de todas as clausulas do contrato, porque a carta constitucional aboliu todos os privilégios pessoaes e contrarios á utilidade publica.

Se o governo nos observa que a preferencia concedida é sómente em identidade de circumstancias, eu replico lhe o seguinte, provocando-o a que me responda com vantagem:

1.° A preferencia em identidade de circumstancias é uma preferencia em rasão da pessoa e não em rasão da cousa, porque as circumstancias são as mesmas, e, portanto, constitue um verdadeiro privilegio pessoal. (Apoiados.)

2.° Este privilegio não podia ser util ao thesouro, porque o governo não fez comprometter o banco Lisboa e Açores a concorrer ao contrato do emprestimo com proposta certa e determinada, e prejudicou o thesouro afugentando com a preferencia promettida a concorrencia do propostas para o contrato, ou pelo menos enfraquecendo o estimulo d'essa concorrencia, que ao governo cumpria não enfraquecer, mas sim excitar por todos os meios indirectos ao seu alcance.

Ora, os privilegios pessoaes, e contrarios e prejudiciaes á utilidade publica estão prohibidos pela carta constitucional, que n'um dos §§ do artigo 145.° estabelece a igualdade perante a lei, e em outro diz que ficam abolidos todos os privilegios que não forem essencial e inteiramente ligados aos cargos por utilidade publica.

Por mais restricta que seja a interpretação que se queira dar a este ultimo paragrapho, não podem deixar de ser considerados extinctos e prohibidos em face das suas disposições todos e quaesquer privilegios que, alem de pessoaes, forem manifestamente, nocivos á utilidade geral, e, portanto, á fazenda publica. É, pois, nullo o compromisso do governo.

Mas para que estar a argumentar com a carta constitucional, para mostrar a illegalidade d'este privilegio? Não é preciso; basta um argumento de simples bom senso.

Supponha v. ex.ª, e supponha a camara, que vagava qualquer logar, e que se mandava pôr esse logar a concurso, tomando-se o compromisso antecipado de despachar para elle um certo concorrente em identidade de circumstancias.

Pôde alguem considerar o governo juridicamente adstricto a satisfazer a esse compromisso? Não. O governo tinha, quando muito, a obrigação moral de o fazer, mas não podia ser juridicamente compellido a fazel-o porque, comquanto se referisse a um acto das suas attribuições, esse compromisso é, todavia, estranho á esphera natural d'essas attribuições.

Do mesmo modo o obrigando-se antecipadamente o governo a dar a preferencia n'um certo contrato a um determinado estabelecimento sem previa estipulação das clausulas, comquanto se referisse a um acto das suas attribuições, esse compromisso é estranho á esphera natural d'essas attribuições, e, portanto, é um compromisso irrito e nullo. (Apoia dos.)

Por consequencia, o governo collocou-se a si, ou aos seus successores, na tristissima alternativa de terem de desprestigiar um poder do estado, declarando que hão de faltar a um compromisso tomado pelo governo portuguez, ou aliás de terem de manter um compromisso irrito e nullo, com manifesto prejuizo da fazenda publica. (Apoiados.)

É assim que procede o governo da moralidade. (Vozes: — Muito bem.)

Eu aponto factos e desenvolvo argumentos; não faço declamações.

Se eu desejasse n'este momento ouvil-as, estimaria muito que o sr. ministro das obras publicas estivesse aqui, e não ali, para lhe ouvir declarar que o governo queria estabelecer com o banco Lisboa e Açores uma especie de nova D. Baldomera. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Chamei a attenção da camara para um facto illegal que não produziu consequencias más, e para outro que não produziu ainda, mas póde produzir más consequencias; vou chamar agora a attenção da camara para um facto illegal, cujas más consequencias já são inevitaveis.

Em 17 de junho de 1867 celebrou o governo portuguez com o banco de Portugal um contrato para o pagamento das classes inactivas, que tiveram cabimento até 30 de junho d'esse anno.

Em 22 de junho de 1872 realisou o governo portuguez outro contrato com o banco de Portugal para o pagamento ás classes inactivas entradas em cabimento desde o 1.° de julho de 1867 até 30 junho de 1872.

As bases do contrato de 17 de junho de 1867 estão exaradas na lei de 1 de julho de 1867.

A lei de 22 de março de 1872, no artigo 1.°, que auctorisa o governo a fazer o contrato d'esse anno, diz o seguinte:

«O governo é auctorisado a contratar com o banco de Portugal, segundo as bases da carta de lei de 1 de julho de 1867, e que d'ella fazem parte, os supprimentos necessarios para pagamento das classes inactivas, etc.»

Por consequencia vê-se que as bases do contrato de 1872 são igualmente as exaradas na lei de julho de 1867.

A lei do 10 de abril de 1876, no artigo 1.°, diz o seguinte :

«É o governo auctorisado a renovar os contratos de 17 de junho de 1867 e 22 de junho de 1872 com o banco de Portugal, para o pagamento das classes inactivas, podendo diminuir o juro correspondente ás sommas adiantadas para este pagamento, que nos mesmos contratos foi estipulado.»

Foi em virtude d'esta auctorisação parlamentar que o governo renovou em 1877 os contratos de 17 de junho de 1867 e 22 de junho de 1872 com o banco de Portugal.

Em face das disposições da lei de 10 de abril de 1876, é claro que o governo não podia senão renovar os contratos antigos; não podia, por consequencia, julgar-se auctorisado para estabelecer outras quaesquer clausulas, e muito menos para alterar, modificar e substituir as bases da lei de 1 de julho de 1867; e tanto é este o espirito da lei, que ella julgou necessario auctorisar o governo para fazer alteração em uma das bases — a da diminuição do juro, no caso de ser possivel.

Ora, se a lei julgou necessario auctorisar o governo para fazer uma alteração, que só podia ser vantajosa para o estado, não podia o governo julgar-se habilitado para fazer outras alterações, e muito menos aquellas que fossem nocivas á fazenda publica. Pois, apesar d'estas considerações e dos termos da lei de 10 de abril de 1876, que não permitte innovar, mas sim renovar, o governo não renovou, innovou, modificou, alterou e substituiu a seu talante as bases da lei de 1 de julho de 1867, que lhe cumpria acatar.

Eu vou apresentar as principaes alterações e illegalidades.

A lei de 1 de julho de 1867 estabelece, que os adiantamentos para pagamento das classes inactivas sejam caucionados pelo governo com penhor equivalente em inscripções. Querem saber o que o governo fez? Manteve em toda a sua plenitude esta disposição legal e clausula dos contratos anteriores, e auctorisou alem d'isso o banco de Portugal a emittir e collocar no mercado novos titulos representativos dos seus creditos sobre o thesouro, garantidos pelo estado. (Sensação.) Foi exactamente isto o que fez o governo no contrato de 1877, que estou examinando.

D'este modo ha, não uma, mas duas cauções: a caução em inscripções depositadas no banco para garantia dos seus creditos sobre o thesouro, e a garantia pelo estado de novos titulos do banco de Portugal, tendente a afiançar o banco perante os particulares, que tomarem esses titulos, dos seus creditos sobre o mesmo banco até á importancia das sommas que a este forem devidas pelo thesouro.

Pelos contratos anteriores o governo era simplesmente

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devedor penhoraticio ao banco de Portugal, pelo contrato feito por este governo o estado é não só devedor penhoraticio a este estabelecimento, mas alem d'isso seu fiador perante os particulares.

N'esta occasião é que eu desejava ver sentado na cadeira de deputado o sr. ministro das obras publicas, para ouvir s. ex.ª tornar de novo a exclamar que o governo que tinha celebrado tal contrato é um governo de baldomeras. (Muitos apoiados.)

Supponhamos que o governo recebia do banco de Portugal a quantia de 100:000$000 réis. O governo pelos contratos anteriores era unicamente obrigado a entregar-lhe a caução correspondente em inscripções; pelo contrato feito por este governo é obrigado: 1.°, a entregar essa mesma caução; 2.°, a garantir titulos fiduciarios do banco na importancia de 100:000$000 réis.

D'esta maneira o banco de Portugal serve-se gratuitamente do credito do estado para levantar no mercado as sommas que empresta onerosamente ao thesouro publico.

Este facto não carece de commentarios. (Apoiados.)

E pensam v. ex.ª e a camara que o governo, em troca da fiança que concede ao banco, estipulou em favor do thesouro o pagamento de alguma commissão?... Não. Aquelle governo quiz punir a nação que tolera aquelle ministerio. E puniu-a, porque não só não contratou commissão a favor do thesouro, mas fez peior do que isso.

É elle o proprio que se comprometteu illegalmente a pagar uma commissão aquelle estabelecimento, por todas as sommas que foram liquidadas e por todas as que de futuro forem entregues pelo banco ao thesouro. (Apoiados.)

Segundo as disposições expressas na lei de 1 de julho de 1807, o governo não podia contratar outro qualquer encargo que não fosse o dos juros; como, porém, este ministerio é o ministerio da legalidade, desacatou as disposições legaes, e contratou, alem do encargo dos juros, o pagamento de 1/2 por cento de commissão sobre todas as sommas devidas em 31 de dezembro de 1876, e alem d'isso sobre todas as que successivamente forem sendo adiantadas pelo banco.

Não param aqui as illegalidades.

Mais outra illegalidade. Conforme a disposição da lei de 1 de julho de 1867, 4/7 dos juros vencidos pelas sommas adiantadas ao thesouro eram regularmente pagos pelo estado, e os 3/7 restantes eram capitalisados e addicionados ao capital em divida.

Quer a camara saber como o governo cumpriu esta clausula? Estipulou que não haja capitalisação alguma, isto é, que os juros sejam regularmente pagos na sua totalidade pelo estado, o que dá em resultado que tendo o juro sido reduzido de 7 a 6 por cento, o encargo annual d'esta proveniencia no orçamento da despeza augmentará proximamente um terço, em vez de diminuir. (Apoiados.)

Vou agora indicar a mais grave das irregularidades praticadas pelo governo no contrato que celebrou com o banco de Portugal.

Nem no contrato de 17 de junho de 1867, nem no de 22 de junho de 1872, nem na lei de 1 do julho de 1867, se inseriu a disposição ou clausula de que ficavam isentos do pagamento de impostos os lucros auferidos pelo banco nos contratos com o governo sobre as classes inactivas. Pois no contrato de 1877 estipulou-se a isenção de impostos sobre os juros ou lucros provenientes d'esse contrato, clausula esta que não póde deixar de se considerar irrita e nulla (Muitos apoiados.), porque encontraria ás disposições expressas das leis civis e alem d'isso á carta constitucional. (Apoiados.)

Vozes: — Isso é que é legalidade e moralidade!

O Orador: — O regulamento da contribuição industrial de 22 de agosto de 1872, transcrevendo o disposto na carta de lei de 9 de maio do mesmo anno, sobre contribuição bancaria, diz o seguinte no artigo 2.º: «Ficam abolidos todos os privilegios de isenção de impostos concedidos a estabelecimentos bancarios... devendo proceder-se a accordo entre o governo e os interessados, quando a isenção tenha sido resultado de contrato oneroso, ficando o accordo dependente da sancção legislativa se não couber nas attribuições do executivo».

Por consequencia, o governo não podia inserir no contrato a clausula de isenção de imposto. (Apoiados.) Segundo a carta constitucional, artigo 35.° § 1.º, a iniciativa sobre impostos pertence á camara dos deputados, ou seja para collectar ou seja para eximir de contribuição, e, portanto o governo não tem direito de conceder isenção de impostos senão quando tenha sido auctorisado por uma lei originariamente votada na camara dos deputados. (Apoiados.) Onde está essa lei? Pergunto ao governo: qual é a lei que auctorisou a conceder a isenção de imposto ao banco de Portugal? Não ha nenhuma.

Tambem a respeito d'este assumpto, dei tratos á minha imaginação para pensar como o governo defenderia o seu procedimento. Ao meu espirito occorreram sómente as seguintes considerações. Dir-nos-ha o governo: é verdade que existe uma lei especial abolindo todos os privilegios do banco de Portugal com excepção do da emissão de notas, mas a carta de lei de 9 de maio de 1872 exime de impostos os lucros ou juros provenientes do contrato de 1872 feito com o banco de Portugal; e, portanto, o governo, concedendo a isenção de imposto, nada mais fez do que inserir como clausula na renovação do contrato uma disposição legal, que já regia o contracto de 1872.

E em relação ao contrato de 1867 como se justificará o governo? Provavelmente dirá: é certo, que nenhuma lei vigente exime actualmente de imposto os juros ou lucros do contrato de 1867, mas o governo consultou a procuradoria geral da corôa, e o sr. procurador da corôa foi de opinião que não devia cobrar-se imposto sobre os lucros d'aquelle contrato, attenta a circumstancia de ter sido feito quando vigoravam ainda os privilegios geraes do banco, segundo os quaes eram isentos de imposto os lucros provenientes de todas as suas transacções.

Tenho a maxima consideração pelo sr. procurador geral da corôa, que desde os bancos da universidade me affiz a considerar como o primeiro entre os primeiros jurisconsultos do paiz, mas parece-me que em assumpto tão grave valia a pena que o governo pedisse pela via contenciosa a sentença dos tribunaes competentes. (Apoiados.)

Todavia, a discussão d'este ponto especial é completamente indifferente e estranha á minha argumentação, porque, ainda quando a carta de lei de 9 de maio de 1872 eximisse de imposto, não só os lucros ou juros do contrato de 1872, mas tambem os do de 1867, nem por isso o procedimento do governo é justificavel. O poder legislativo vota ou exime de contribuições, segundo o que tem por mais conveniente para os interesses publicos, e póde manter, alterar, substituir ou revogar todas as leis geraes, ou versem sobre contribuições ou sobre outras relações quaesquer da sociedade civil. Se, segundo as leis vigentes, os contratos sobre as classes inactivas não eram onerados com impostos, podiam vir a sel-o, porque a isenção não constituia clausula dos contratos, mas simples disposição de lei, e, portanto, as partes contratantes não tinham nem podiam ter direito adquirido á manutenção e permanência d'essa disposição legislativa. O parlamento podia estar votando precisamente n'este momento uma lei revogando a de 9 de maio de 1872, e collectando os lucros ou juros dos contratos sobre as classes inactivas.

É esta faculdade que o governo tentou cercear ou cerceou ao parlamento, porque se o contrato que fez com o banco de Portugal no anno findo for mantido, as côrtes da nação portugueza estão privadas de collectar aquelles lucros, visto que o governo prometteu em nome da nação, em um contrato bilateral, que tal collecta não seria lançada em caso algum. Se se mantiver como valido o contrato que tenho apreciadora violação de qualquer das suas

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clausulas seria uma violencia aos direitos adquiridos pelo banco.

Mas, pergunto de novo ao governo sem esperança de obter resposta: com que direito estipulou a clausula de isenção do imposto? Qual o artigo de lei, um só que seja, em virtude do qual se julgou auctorisado para se substituir á camara dos deputados, para restringir as faculdades do poder legislativo?

O artigo 137.° da carta constitucional, que n'esta parte não foi revogado pelo artigo 12.° do acto addicional, diz que ás côrtes geraes da nação portugueza compete exclusivamente estabelecer as contribuições directas, e por consequencia ás côrtes geraes pertence lixar e destrinçar o que seja ou não seja, material collectavel. (Apoiados.) O governo entendeu que constituiu côrtes, e por isso legislou que os lucros d'este contrato em caso nenhum possam constituir materia collectavel.

Disse eu no principio d'este meu singelo discurso, que o governo tinha rasgado o programma da legalidade, o que me parece ter demonstrado cabalmente. (Apoiados.)

Disse tambem que o governo tinha rasgado o programma das economias. Vou demonstral-o.

Sei que tenho estado a tomar tempo á camara.

Vozes: — Não está. Continue.

O Orador: — Estou deveras cansado, porque a minha voz é fraca, e ainda ha pouco tive uma doença, e, portanto, farei as indicações o mais succintamente possivel.

Fallarei primeiro do contrato com o banco de Portugal. O juro que se pagava por este contrato era de 7 por cento, e o governo reduziu-o a 6; por conseguinte d'aqui resulta uma economia para o thesouro, economia já projectada pelo governo transacto, que tinha apresentado a lei de 10 de maio de 1876 ao parlamento, em virtude de negociações entaboladas com o banco.

Fica, portanto, sendo o encargo o seguinte: no primeiro anno 1/2 Por cento de commissão e 6 por cento de juros, e nos annos subsequentes 6 por cento de juro. Como, porém, o estado se constitue devedor de todo o capital recebido pelo thesouro e tambem do capital constitutivo da commissão, o qual não chega a dar entrada no thesouro, porque é deduzido pelo banco nas sommas que adianta para pagamento das classes inactivas, os encargos do juro são um pouco superiores aos que acabo de enunciar, quando comparados em relação ao capital que effectivamente dá entrada nos cofres publicos. O governo sómente recebe 99 1/2 por cento do capital de que é devedor, mas paga o juro de 6 por cento sobre 100 e não sobre 99 1/2. O encargo permanente do juro é, pois, de 6,03 por cento em relação ao capital recebido.

Mas isto não basta para bem se apreciar os resultados economicos do contrato feito pelo governo comparativamente com os contratos anteriores. É mister ter em vista outra ordem de considerações, porque nos contratos anteriores o capital em divida era exactamente igual ao capital recebido, á parte o proveniente da capitalisação de parte dos juros, emquanto que no contrato do actual governo o capital recebido é inferior a 1/2 por cento ao capital em divida.

Para facilitar o calculo, supponhamos que pelos contratos anteriores não havia capitalisação de parte dos juros: assim será mais facil apreciar a differença entre o resultado dos dois contratos. Nem se diga que esta hypothese altera sensivelmente os resultados do calculo em relação ao thesouro. Se nas sommas a pagar ao banco haveria o augmento do juro dos juros capitalisados no caso do haver capitalisação, não diminue o encargo do thesouro no caso de não haver essa capitalisação, porque deixa de vencer juro a favor do thesouro, ou mais rigorosamente, paga o thesouro juros aos credores da divida fluctuante pela somma que entrega ao banco para pagamento dos juros que não são capitalisados, a qual tem de pedir ao credito, visto que ha deficit orçamental.

Supponhamos ainda, para facilitar o calculo, que os juros não são pagos mensalmente, mas sim annualmente.

Feitas estas declarações vamos ao calculo.

Formulemos a hypothese de que o governo precisa da quantia de 100:000$000 réis, e que vae levantal-a no mercado: 1.°, segundo as condições estabelecidas nos contratos anteriores ao de 1877; 2.°, em conformidade com as clausulas do contrato feito por este governo. Formulemos tambem a hypothese de que no fim de um anuo se procedia á liquidação do debito e credito entre o mutuante e o thesouro, hypothese tanto mais opportuna que o sr. ministro da fazenda diz no seu relatorio, que talvez seja vantajoso terminar os contratos com os bancos sobre as classes inactivas. Segundo as clausulas anteriores ao contrato de 1877, o governo pedia 100 de emprestimo, recebia 100 e tinha de pagar 100 de capital e 7 de juro: total no fim do anno 107. E segundo as clausulas do contrato de 1877?... Dir-nos ha o governo: o estado pede 100 e paga 0,0 de commissão e 6 de juro, total no fim do anno 106,5, havendo, portanto, uma economia de 0,5. Não é, porém, verdadeiro tal calculo, porque o estado pede 100, mas como sobre o capital é desde logo deduzida a commissão, não recebe 100, mas sim 99,5. O estado precisa, não sómente do 99,5, mas sim de 100, e, portanto, irá pedir ao credito os 5 decimos que lhe faltam. Pedindo ao credito a quantia que lhe falta para perfazer a somma recebida de 100, em harmonia com as disposições do contrato de 1877, terá ainda de pagar sobre essa somma a commissão de 1/2 por cento, e, portanto, carece para completar a somma de 100 de pedir mais que os 0,5 que quer realisar.

Assim em 100:000$000 réis o estado, que tinha recebido sómente 99:500$000 réis, tem de pedir ao credito mais 500$000 réis para perfazer a totalidade de réis 100:000$000 réis; mas como da verba de 500$000 réis ha de ser deduzida a commissão de 1/2 por cento, será necessario pedir ainda quantia superior áquella, para que em resultado final o estado tenha percebido os 100:000$000 réis de que carece. Seja a quantia a pedir na importancia de 502$500 réis, o que ainda é inferior á realidade, porque não tomo em consideração a commissão a pagar pela quantia de 2$500 réis. Posto isto, obteremos o seguinte resultado: capital em divida 100:502$500 réis; commissão de 1/2 por cento sobre 100:500$000 réis, 502$500 réis; juro do capital em divida a 6 por cento 6:030$150 réis; total de capital, commissão e juros 107:035$150 réis.

Assim o thesouro publico terá pago no fim do anno mais de 107:000$000 réis.

O governo, levantando 100:000$000 réis no mercado, segundo as bases anteriores ao contrato de 1877, recebia a totalidade da somma pedida, e, portanto, não carecia de pedir maior quantia para darem effectivamente entrada no thesouro 100:000$000 réis; pagava 7 por cento de juro, e por consequencia no fim do anno deveria a somma de réis 107:000$000; 100:000$000 réis de capital e 7:000$000 de juros.

É, pois, evidente que o thesouro, que segundo as bases anteriores ao contrato de 1877 para poder dispor da quantia de 100:000$000 réis teria dispendido no fim de um anno 7:000$000 réis, dispenderia para obter igual vantagem, segundo as bases do contrato de 1877, 7:035$150 réis. A esta verba deveria ainda accrescentar-se a importancia de 10 por cento de contribuição bancaria sobro os juros e commissão, isto é, sobre os lucros auferidos pelo mutuante, visto que, embora o estado não percebesse anteriormente este imposto, poderia decretal-o e percebel-o quando lhe aprouvesse, se o actual governo não o houvesse privado dessa faculdade, inserindo no contrato a clausula de isenção de imposto. Total de juro e commissão 6:532$650 réis, imposto de 10 por cento sobre esta somma 653$265 réis, que devem ser addicionados á verba de 7:035$150 réis.

Aqui estão as economias! (Vozes: — Muito bem.)

Sessão de 19 de janeiro de 1878

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Vejamos agora as economias para o thesouro provenientes da não capitalisação dos juros. É facto que esta clausula estipulada pelo governo allivia o futuro da fazenda publica, mas sobrecarrega o presente; e eu pergunto se n'um paiz, que tem um futuro prospero e um presente menos prospero, é prudente e politico alliviar o futuro e sobrecarregar o presente.

Vejamos para o futuro anno economico de 1878-1879 qual é o encargo de juros que ha a pagar. Calcula o orçamento, distribuido ha dias na camara, que em 30 de junho de 1878 será de 2.477:000$000 réis, numero redondo, a divida do thesouro ao banco de Portugal.

Por consequencia a 6 por cento ha a pagar 148:020$000 réis na hypothese por mim formulada, para facilidade do calculo, de ser pago annualmente o juro.

Ora, suppondo que em 1878-1879 vigoravam os contratos anteriores, pagavam-se 99:080$000 réis, que era o juro na rasão de 4 por cento, porque os 3 por cento restantes eram capitalisados. Como, porém, a capitalisação se fazia mensalmente, ha a addicionar áquella verba 4/7 dos juros do juro capitalisado, e assim successivamente.

Não fiz demoradamente o calculo exacto de todas estas verbas, mas não excederão notavelmente a importancia de 1:500$000 réis.

Suppondo que sejam de 1:540$000 réis, temos que o encargo orçamental de juros para o anno de 1878-1879 seria, segundo os contratos de 1867 e 1872, de 100:620$000 réis, pouco mais ou menos, em relação ás sommas devidas em 30 de junho de 1878.

Pelo contrato feito pelo actual governo teremos de pagar juros na importancia de 148:620$000 réis em relação ás ditas sommas: augmento de encargo approximadamente réis 48:000$000.

Este calculo não é rigoroso, mas é approximado. Ahi estão as economias do contrato feito pelo governo. (Vozes: — Muito bem.)

Este augmento de encargos é ainda maior se tomarmos em consideração o juro de 6 por cento e a commissão a pagar sobre 63:000$000 réis, numero redondo, que o banco terá de adiantar ao thesouro no anno de 1878-1879.

Alem d'isto é preciso tomar em linha de conta a commissão de 11:370$000 réis que este governo pagou na rasão de 1/2 por cento sobro 2.274:000$000 réis, numero redondo, credito liquido do banco de Portugal sobre o thesouro publico em 31 de dezembro do 1876, e que constitue um par de luvas dado ao banco pelo governo.

Deixemos o famoso contrato, e visto que estou fallando de commissões, e este governo é tão atreito a dal-as, que podemos justamente chamar-lhe o ministerio das commissões, direi que o governo o anno passado, quando realisou o emprestimo na importancia de 4 milhões de libras com a casa Bering Brothers, pagou ao contratador a commissão de 1 1/2 por cento.

Á excepção do contrato feito em 1869 com a casa Stern Brothers, não ha memoria ha muitos annos de se pagar uma commissão igual.

E para que o governo não diga que eu declamo e não provo, vou ler á camara um apontamento, que tenho presente, das commissões pagas nos contratos de emprestimo feitos nos ultimos quinze annos:

[Ver diário original]

No contrato de 1872, feito pelo governo transacto para collocação do emprestimo com a casa Erlanger e C.ª, não houve commissão, sendo o lucro dos contratadores o excesso do preço dos titulos que collocassem, sobre o preço fixo do contrato.

No emprestimo de 1873 pagou o governo passado a commissão de 1/2 por cento. É assim que procede a situação dos desperdicios.

A situação das economias, que melhor deve chamar-se a situação das commissões, essa, em nome da salvação da fazenda publica, paga, não 1/2 por cento, não 1, mas sim 1 1/2 por cento de commissão; paga uma commissão tal, que nunca o nosso paiz a pagou ha quinze annos para cá, commissão igual ou superior, a não ser a do emprestimo do 1869, o qual, alem da multa Goschen, na importancia de 57:000 libras, nos custou 1 3/4 de commissão.

Vozes: — Feito pelos historicos.

O Orador — Eu não cito este facto para fazer n'este momento censura á administração politica de 1869, antes pelo contrario entendo que não deve attribuir-se sómente aos historicos responsabilidade pelo estado deploravel a que chegou então a fazenda e o credito publico. Quinhoam mais ou menos da responsabilidade pelo estado da fazenda publica, n'esse periodo de triste recordação, todos ou quasi todos os partidos politicos do paiz. Eu sou imparcial.

Citei este facto unicamente para dizer a v. ex.ª que em 1869, quando o credito publico, em virtude de circumstancias extraordinarias, andava arrastado, quando no estrangeiro e no paiz se duvidava da solvabilidade da nação portugueza, conseguia o governo realisar um emprestimo pagando de commissão 1 3/4 por cento.

Hoje que o nosso credito está completamente levantado, que não ha no paiz nem no estrangeiro duvidas ácerca da nossa solvabilidade, que as receitas têem augmentado consideravelmente, e a fortuna publica e particular se tem desenvolvido em alta escala; hoje que as circumstancias da fazenda nada têem de desconsoladoras, paga este governo apenas 1/4 por cento a menos de commissão; paga 1 1/2 por cento.

Serão tão precarias hoje as circumstancias do thesouro como eram em 1862, 1863 e 1867? Ninguém ousará affirmal-o.

Pois n'esses annos pagaram os governos 1 por cento do commissão nos emprestimos, e na actualidade paga este economico ministerio 1 1/2 por cento.

Serão menos prosperas actualmente as circumstancias da fazenda do que eram em 1873?

Ninguém saberia proval-o, porque as receitas publicas têem augmentado muito e igualmente a cotação dos nossos fundos.

Pois o governo transacto collocou o emprestimo de réis 38.000:000$000, no anno de 1873, pagando sómente a commissão de 1/2 por cento, e o governo actual paga em 1877 commissão igual áquella, e alem d'isso mais 1 por cento.

E quer v. ex.ª saber o prejuizo do thesouro publico proveniente de a commissão pelo emprestimo dos quatro milhões de libras exceder a dada pelo governo anterior no emprestimo de 1873? Um por cento em quatro milhões de libras faz a somma de 40:000 libras!

Quarenta mil libras de prejuizo para o thesouro, tal é o resultado dos pontos de divergencia do systema de administração do actual governo em relação ao systema de administração financeira da situação passada.

Prejuizo para o thesouro de 180:000$000 réis, não tomando em consideração os cambios, tal é o fructo precioso do sabio systema economico descoberto e inaugurado pelo ministerio que ali está. (Muitos apoiados.)

Mas eu disse a v. ex.ª e á camara, que este governo era o governo das commissões. Temos ainda mais.

No contrato com o banco Lisboa e Açores para a parte firme do emprestimo para os caminhos de ferro do Minho e Douro, realisado pelo ministerio transacto em 1876, em data posterior ao primeiro estremecimento da praça do Porto, pagou o governo a commissão de 1/2 por cento so-

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bre essa parte tomada pelo banco; pois o governo actual, como mais economico, pagou 1 por cento de commissão sobro a parte firme tomada pelo mesmo banco no emprestimo dos caminhos do ferro, realisado em 1877, quando existiam já no mercado importantíssimos capitães retirados do commercio e em cata de collocação, ou capitalisação definitiva,

Segundo os meus calculos, a commissão paga pelo actual governo ao banco Lisboa e Açores, pela parte firme que tomou na quinta emissão de obrigações do caminho do ferro, deve ter importado precisamente na quantia de réis 17:793$000.

Se a commissão fosse sómente de 1/2 por cento, importaria em metade d'aquella quantia, isto é, em 8:896$500 réis.

Fructo da superioridade do systema financeiro do actual governo em relação ao systema seguido pela situação transacta; prejuizo para o thesouro publico de 8:896$500 réis! (Muitos apoiados.)

Deixemos de vez as commissões d'este governo, e o governo das commissões, para enunciar factos mais geraes o mais succintamente possivel, porque já tenho tomado muito tempo á camara.

Tenho aqui um extracto das contas publicadas no Diario do governo, relativamente a oito mezes de administração do actual governo, comparados com periodo igual da administração do governo transacto.

Despeza do estado no continente do reino pelos diversos ministerios:

[Ver diário original]

Desde março de 1876 até outubro do mesmo anno gastou o governo passado 12.602:328$953 réis, e em igual periodo de 1877 o actual governo gastou 15.031:045$233 réis, o que dá o augmento de despeza durante oito mezes da administração d'este governo de 2.428:716$280 réis. (Vozes: — Ouçam.)

(Áparte.)

É proprio da minha indole argumentar sempre lealmente, e quando o não fôra, não assentaria a minha argumentação sobre a probabilidade do imprevisto, porque não posso contar com elle estando no governo o consummado financeiro, o sr. presidente do conselho. Deve deduzir-se da despeza feita em 1877 a divida aos bancos lusitano e ultramarino pela liquidação e rescisão dos seus contratos com o governo sobre as classes inactivas na importancia de 784:364$650 réis, e bem assim a despeza antiga pelo ministerio da marinha legalisada por lei de abril do anno passado na importancia de 972:000$000 réis: total a deduzir 1,756:364$650 réis.

Fica importando, pois, feita esta deducção, a despeza realisada pelo actual ministerio nos oito mezes indicados em 13.274:680$583 réis.

Comparando esta somma com a da despeza feita em igual periodo do anno passado, resulta que este governo gastou pelos diversos ministerios no continente do reino mais réis 672:351$630, ou por mez 84:043$953 réis a mais do que gastara em igual periodo do anno do 1876 o governo regenerador. Assim se prova, em face das frequentes affirmações partidarias feitas n'esta camara, que ser esbanjador consiste em gastar menos, e ser economico consiste em gastar mais.

Por isso este ministerio é o ministerio das economias. Estou prevendo já o que o governo quer responder-me, e não sei se era a isso que se refferia um áparte, que não tive o prazer de ouvir. (Vozes: — Não era, não era.)

O governo dir-nos-ha provavelmente que não póde imputar-se-lhe responsabilidade por haver gasto mais do que a situação transacta, porque teve de pagar despezas mandadas fazer pelo ministerio passado, e augmentos de despeza decretada por leis especiaes, e despezas imprevistas e extraordinarias. Para que v. ex.ª e a camara possam desde já apreciar o valor d'aquella defeza provavel, eu tomo a liberdade de chamar a sua attenção para a nota da despeza orçamental feita por este ministerio nos primeiros quatro mezes do corrente anno economico.

Despeza orçamental nos primeiros quatro mezes do anno economico do 1877-1878:

[Ver diário original]

Não póde o governo desculpar-se de haver feito esta despeza com o fundamento de que pagou despezas de serviços mandados fazer pelo ministerio regenerador, porque este ministerio deixou o poder pouco depois do meiado do anno economico findo, e aquellas despezas referem-se ao anno economico corrente.

Todas as despezas orçamentaes feitas desde julho para cá são da responsabilidade unica do actual governo. Não póde tambem argumentar com o augmento de despeza proveniente de leis especiaes e de outras origens a que ha pouco me referi, porque a estatistica, que acabo de ler á camara, comprehende tão sómente a despeza orçamental, isto é, a despeza prevista e computada no orçamento geral do estado para o anno economico de 1877-1878. Desviada por este modo a eventualidade de me serem oppostas aquellas objecções, appliquemos a critica aos numeros que acabo de ler, para bem se apreciar o modo como o governo sabe administrar com legalidade e economia.

Gastou o governo nos primeiros quatro mezes do actual anno economica no continente do reino e ilhas a somma de 5.689:819$095 réis para pagamento das despezas dos diversos ministerios, comprehendendo os encargos do thesouro publico, não entrando, já se vê, n'este computo a despeza para pagamento dos juros da divida publica a cargo da junta do credito publico.

Se alguem tem duvida sobre a exactidão d'estes numeros, não a tenho eu em enunciar cada um d'elles de per si, e desde já peço licença para os fazer inserir nos annaes da camara.

A despeza votada para o anno economico de 1877-1878 na lei da despeza para os ministerios e encargos geraes importa na somma de 15.843:702$052 réis, vindo assim a importar a despeza orçamental, legalmente auctorisada para quatro mezes d'esse anno economico na terça parte d'aquella verba, a qual terça parte é de 5.281:234$017 réis. É esta a despeza orçamental, que o governo estava legalmente auctorisado a fazer durante quatro mezes do actual anno economico; mas a despeza orçamental realmente feita durante esse periodo foi de 5.689:819$095 réis, e por consequencia o governo gastou illegalmente, excedeu as auctorisações legaes em 408:585$078 réis.

Ahi fica exposto um quadro frizante da economia, e ao mesmo tempo da legalidade da administração financeira do actual gabinete. Excedeu mensalmente, termo medio, as auctorisações legaes em 102:146$269 réis, o que daria no fim de um anno economico, no fim de doze mezes de gerencia financeira, se este ministerio continuasse á fronte dos

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negocios, a importantissima somma de 1.220:755$234 réis de excesso illegal da despeza orçamental feita sobre a votada e auctorisada na lei da despeza para o actual anno economico.

O excesso seria ainda muito superior áquella importancia, porque o governo augmenta de dia para dia em prejuizo do thesouro a desproporção entre a despeza feita e a votada. Quem se der ao trabalho de examinar a estatistica da despeza orçamental feita pelo actual governo, e que já tive occasião de ler á camara, poderá verificar que a despeza orçamental não auctorisada foi no mez de agosto superior á de julho em proporção pouco inferior á de 3 para 1; a de setembro superior á do agosto em proporção excedente á de 3 para 1; a de outubro superior á de setembro em muito mais de 100:000$000 réis.

Quererá o governo desculpar-se da verdadeira accusação que acabo de fazer-lhe, asseverando que as despezas feitas alem da auctorisação legal provém de serviços que sempre foram feitos e pagos, sendo as sommas respectivas sonegadas do orçamento?... É summamente provavel que queira defender-se assim, porque no relatorio do orçamento que apresentou á camara já se refere a essa sonegação e enumera as sommas sonegadas.

Mas se esta é a resposta do governo á accusação que lhe fiz, é claro que não deve haver differença notavel entre a importancia das despezas não auctorisadas feitas nos ultimos quatro mezes do anno economico do 1876-1877 e as despezas não auctorisadas feitas nos primeiros quatro mezes do anno economico corrente, porque as sonegações indicadas no alludido relatorio não foram feitas sómente no orçamento da despeza do actual anno economico, mas sim em todos os orçamentos anteriores.

Vejamos, pois, qual foi a despeza orçamental feita pelo actual governo nos ultimos quatro mezes do anno economico de 1876-1877.

Despeza orçamental nos ultimos quatro mezes do anno economico do 1876-1877:

[Ver diário original]

A despeza auctorisada para o anno economico de 1876—1877 era de 14.491:994$836 réis, correspondendo por consequencia a quatro mezes a importancia de 4.830:064$945 réis; mas o governo gastou durante os quatro mezes réis 5.049:837$902, e, portanto, excedeu a auctorisação legal em 219:172$957 réis. As sonegações a que se refere o relatorio do governo existiam já em março de 1877, mas sem embargo d'isso o governo excedia nos ultimos quatro mezes do anno economico findo as auctorisações legaes sómente em 54:793$239 réis por mez, em termo medio.

Não póde, pois, allegar essas sonegações como argumento justificativo de haver excedido as auctorisações legaes em 102:1463269 réis durante os primeiros quatro mezes do anno economico corrente.

Muito menos póde tentar desculpar-se dos excessos de despeza, attribuindo a responsabilidade d'elles á situação transacta.

Nos ultimos quatro mezes do preterito anno economico, quando o actual governo tinha de pagar serviços mandados fazer pelo ministerio a que succedeu, as auctorisações legaes foram excedidas em pouco mais de 54 contos por mez. Nos primeiros quatro mezes do anno economico corrente, em que a gerencia financeira é da responsabilidade exclusiva do actual gabinete, as auctorisações legaes foram excedidas proximamente no dobro d'aquella quantia.

Sr. presidente, creio ter demonstrado suficientemente, não porque a minha palavra imponha o convencimento, mas porque os factos por si proprios o impõem, que o actual governo rasgou completamente o programma da economia (Apoiados.) e o programma da legalidade (Apoiados.) com que no anno passado se apresentára n'esta camara para obter o nosso apoio, ou adhesão. A maioria, e não só a maioria, mas todos os partidos, toda a camara, tem fundamento legitimo para fazer hoje opposição ao governo, que rasgou o programma com o qual havia conquistado a nossa attitude benevolente. (Apoiados.)

Eu creio ter demonstrado, que este governo não póde arrogar-se auctoridade moral para resolver a questão de fazenda, porque a sua administração, que não foi fecunda, tambem não foi economica e respeitadora dos principios de legalidade; foi má cumpridora das leis, nociva aos interesses publicos, e, o que é mais, foi por vezes lamentavelmente anarchica. (Apoiados.)

É, pois, tempo de terminar, mas farei ainda uma declaração, porque ella influe muito no meu animo para deliberar-me a votar a moção de censura, que se discute, apresentada pelo sr. conselheiro Dias Ferreira.

Ninguém n'esta casa, nem lá fóra, tem maior consideração pessoal do que eu pelos altos dotes e distinctas qualidades de intelligencia e de coração do nobre marquez d'Avila e de Bolama.

Creia s. ex.ª na sinceridade d'esta minha declaração, porque não é um simples acto de cortezia, mas sim a verdadeira expressão dos meus sentimentos. Mas, sr. presidente, tambem, n'esta casa nem lá fóra, não ha pessoa alguma que desadore mais do que eu a politica do sr. presidente do conselho de ministros. Eu vou dizer a rasão do meu desamor á politica do s. ex.ª, sem embargo de, já por duas vezes, o haver apoiado (em 1870 e 1877), não por compromissos politicos com s. ex.ª, mas sim por lealdade aos partidos a que eu estava ligado.

Eu sou partidario convicto do systema monarchico-representativo, que felizmente nos rege, e entendo que a existencia de partidos politicos é essencial e indispensavel para a regularidade das funcções do regimen constitucional. Não posso, pois, deixar de considerar a politica de s. ex.ª, de s. ex.ª que não só não tem partido, mas alem d'isso faz profissão de o não ter, como um verdadeiro anachronismo n'um paiz que se rege pelo systema constitucional, anachronismo sómente explicavel pelo encravamento transitorio das rodas de algum mechanismo partidario. Não posso deixar de considerar a politica de s. ex.ª como um parasita encrustado nas organisações partidarias do paiz. (Apoiados.)

Nem só isso. S. ex.ª não se limita a não ter partido nem programma politico; apropria-se dos partidos que lhe são alheios, apropria-se dos programmas politicos d'esses partidos, e rasga depois esses programmas e mata depois esses partidos. (Apoiados.)

Em 1868 houve no paiz uma agitação popular filha do convencimento do mal estar, e da ancia para um estado melhor; nasceu o partido da janeirinha. O nobre marquez d'Avila correu presuroso a apropriar-se d'esse partido e do programma de economias e reformas que elle arvorara. Qual foi o resultado? Não houve reformas, nem economias, e o partido da janeirinha morreu. (Apoiados.)

Nasceu das suas cinzas o partido reformista, partido tal que nunca o houve mais nobre nas suas aspirações, nem mais respeitavel nas suas crenças.

Em 1870 o nobre marquez d'Avila uniu-se a esse partido e apropriou-se da bandeira que elle hasteara, a qual era de liberdade, reformas e economia.

Qual foi o resultado? O partido reformista morreu, não houve reformas nem economias, e do programma de liberdade deu s. ex.ª demonstração, perseguindo na urna, como

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se foram foragidos, os membros d'aquelle partido. (Apoiados.)

Não proseguirei na indicação dos males que sob este ponto de vista podem resultar da actual administração politica do sr. presidente do conselho.

Limito-me a affirmar que a historia mostra, que não estão longe de ruina completa, que têem vida curta os partidos que se identificam com s. ex.ª (Apoiados.)

É esta a rasão do meu especial desamor á politica do sr. marquez d'Avila e de Bolama; nenhum outro tenho.

Quando s. ex.ª occupa aquelles logares, eu como que antevejo desde logo as folhas de um programma politico rasgadas e lançadas ao chão por s. ex.ª, e como que presinto o estrondo de um partido, que se desmorona.

(Muitos apoiados.) (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

(O orador foi abraçado por grande numero dos seus collegas.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. presidente, a hora está muito adiantada; eu não posso por consequencia occupar por muito tempo a attenção da camara, mas desejava dizer algumas palavras.

Vozes: — Já deu a hora; falle, falle.

O Orador: — Eu não tenho empenho de fallar, se a camara entende que não póde agora ouvir-me. (Repetidas vozes: — Falle, falle.)

Tenho estado a ouvir com toda a attenção os illustres deputados que têem fallado; se a camara me quer honrar com a mesma attenção, fallarei. (Apoiados.)

Não desejava que a sessão se encerrasse sem que eu agradecesse ao illustre deputado, que me precedeu, as expressões benevolas que me dirigiu e com que acabou o seu discurso; mas ao mesmo tempo quero rectificar as apreciações inexactas que o illustre deputado fez com relação á minha vida publica.

O illustre deputado é novo; não tem culpa nenhuma de não conhecer a historia de toda a minha vida publica; mas tinha obrigação de conhecer a historia contemporanea, de que fallou.

Bastava que se remontasse a 1841, em que pela primeira vez entrei no ministerio, para reconhecer que não sou eu que me tenho apropriado do programma de nenhum partido, mas que do meu programma se têem apropriado muitos partidos.

Em 1841 levantei rasgadamente a bandeira das economias e das reformas. Examine os actos da minha vida n'essa epocha, como ministro, e ahi achará a prova d'isso.

Disse o illustre deputado que todos os partidos, de que eu me aproprio, morrem. É uma desgraça que esses partidos só venham então procurar-me nas suas horas de angustia. (Muitos apoiados.) Nenhum poderá dizer que eu fui em occasião nenhuma offerecer-lhe os meus serviços para ser ministro. Esta é a verdade.

Fui eu que provoquei a crise ministerial de 1877? Respondam os illustres deputados com a mão na sua consciencia. Quem podia prever essa crise? Adoeceram dois membros d'esse ministerio? Mas não restavam os srs. Sampaio, Avelino, Lourenço de Carvalho e Corvo, e fóra do ministerio não havia os srs. conde do Casal Ribeiro, Mártens Ferrão, Barjona e muitos membros d'esta camara já inscriptos para tomar parte no debate, e tambem o illustre deputado, auctor da moção que se discute, e que está de corpo e alma com o partido que sustentou esse ministerio? (Apoiados.) Pois estes cavalheiros não podiam preencher a lacuna de dois ministros que se tinham impossibilitado? (Apoiados.)

Fui eu que pedi ao illustre deputado que me desse um apoio rasgado na occasião em que me apresentei na camara? (Apoiados.) Pois o illustre deputado d’esse tempo não sabia que a minha sina era matar todos os partidos? (Riso) Que papel representou então o illustre deputado? Expoz-se a morrer da maneira por que designou que morriam os partidos á frente do que eu estava. Esta é a verdade.

Obrigam-me a referir factos que não desejava referir, porque imaginava que todos os sabiam.

Vozes: — Faz historia.

O Orador: — Pois quando se faz a historia com a inexactidão com que a fez o illustre deputado, é necessario que haja quem rectifique os factos. (Apoiados.) Quem a conte como ella é. (Apoiados.)

No dia 2 de março recebi inesperadamente uma carta chamando-me ao paço. Soube então que o ministerio tinha pedido a sua demissão, e fui encarregado de formar nova administração. V. ex.ª comprehende que era encargo que n'aquella occasião se não podia acceitar com muito prazer. Toda a minha vida tenho provado, e esta é a decima vez que sou ministro, que não amo o poder. Affirmo ao illustre deputado, que nem na primeira vez que fui ministro procurei provocar por actos, directos ou indirectos, a minha entrada no ministerio, porque do poder não conheço senão amarguras e muitas desillusões. (Apoiados.)

Fui, como disse, encarregado de formar o ministerio. Parece-me que a situação era grave. Os illustres deputados bem a comprehenderam, e tanto a comprehenderam, que quando entrei n'esta casa á frente dos cavalheiros que me fizeram a honra de associar se commigo, não houve senão vozes de applausos á nova administração. (Apoiados.)

Ahi está o Diario da camara que o prova. (Apoiados). E o illustre deputado associou-se tambem, ainda que silenciosamente, a essas manifestações.

O illustre deputado que abriu hontem a discussão, disse que elle se declarou logo opposição ao governo. Perdoe-me; s. ex.ª engana-se tambem. Quem se declarou opposição n'essa occasião foi o sr. visconde de Moreira de Rey.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Apoiado, apoiado.

O Orador: — O sr. deputado fallou, e fallou em termos taes, que os jornaes consideraram que s. ex.ª tambem prestava apoio ao governo; e foi prevenindo-se d'este pretexto que o illustre deputado no dia 9 (note-se — no dia 9; o ministerio tinha-se apresentado aqui no dia 6) veiu a esta camara declarar que, visto que as suas palavras tinham sido mal interpretadas pela imprensa, se associava ás declarações do seu amigo e correligionario o sr. visconde de Moreira de Rey. Portanto no primeiro dia em que este ministerio se apresentou n'esta camara, só uma voz se ergueu para se declarar opposição; e espero ainda no decorrer destas considerações liquidar as contas com o sr. Dias Ferreira, e perguntar-lhe quaes os actos d'este governo, que justificam a crua guerra (Apoiados.) que s. ex.ª lhe faz; porque os que s. ex.ª citou, e eu analysarei, são meros pretextos, que não justificam essa opposição. Note a camara que o illustre deputado nem ao menos alludiu aos dois factos que alienaram as sympathias da maioria a este governo; o que prova que esses factos merecem a approvação do sr. Dias Ferreira; e s. ex.ª fez bem, porque a discussão ha de demonstrar que aquelles que os combatem collocam-se em mau terreno.

Hei de examinar a rasão por que o ministerio mereceu o apoio geral da camara em 6 de março de 1877, e não o merece hoje.

Declaro que foi para isto que o ministerio se tem conservado tranquillo nas suas cadeiras. O ministerio comprehendeu perfeitamente os fins do illustre deputado e dos seus amigos. Queriam que o ministerio abandonasse estas cadeiras pelo facto de ser eleita uma commissão de certa fórma? Queriam que o ministerio abandonasse as suas cadeiras pelo facto de não ter um membro da camara dos dignos pares acceitado a nomeação de supplente á presidencia, e depois ser eleito membro da commissão de resposta ao discurso da corôa? Isto convinha aos illustres deputados, mas não nos convinha a nós.

Pois um ministerio que se respeita, havia de abandonar as cadeiras por estes factos?

O ministerio queria que os illustres deputados viessem

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expor os motivos da sua opposição, e conseguiu-o. Os illustres deputados foram obrigados a mudar de tactica; cansaram-se em eleger commissões, apparentemente hostis ao governo, porque a commissão da resposta o foi, e vieram apresentara sua moção de censura, que era o que o governo queria. Era para este terreno que o governo os chamava, e felizmente estão n'esse terreno.

Tenham o sr. Dias Ferreira, e o illustre deputado que acabou de fallar, a certeza de que não hão de ficar sem resposta as considerações que fizeram, e felicitando o orador que me procedeu, por se ter occupado tão largamente da questão de fazenda; o que prova, que fez estudos muito serios sobre este assumpto, que não é muito agradavel, dir-lhe-hei, que quem tem tanta facilidade em analysar os actos do governo, tem tambem a franqueza de remetter para a mesa as demonstrações que apresentou, para poderem ser analysadas cabalmente. (Apoiados.) Era assim que eu praticava quando era opposição.

Que significa ler á camara uma enfiada de cifras, e receber os apoiados estrepitosos dos seus collegas, que não poderam analysar essas cifras? Terão acaso os illustres deputados a consciencia de que aquellas demonstrações são exactas? (Apoiados.)

Confesso a v. ex.ª e á camara, que estou costumado ao exame de questões de fazenda, mas declaro que não me foi possivel tomar nota da maior parte das cifras que s. ex.ª apresentou.

Admirei como os illustres deputados podiam saber se este ministerio tinha dado commissões grandes ou pequenas, chegando a merecer a designação de ministerio das commissões!

Eu quando n'esta camara entrava em questões de fazenda, como v. ex.ª sabe, acabava por mandar para a mesa as minhas demonstrações, para serem publicadas no Diario das camara, a fim de que os srs. deputados ou os srs. ministros que eu combatia, podessem examinar essas demonstrações, e responder com conhecimento de causa. Assim procede quem só tem em vista acertar, e não fazer effeito, como é muito facil em demonstrações por cifras, que depois se levam para casa, e se subtrahem assim á analyse de quem lhes quer responder.

Espero que v. ex.ª e a camara consintam que eu continue o meu discurso na proxima sessão, por isso que já deu a hora, e eu não quero abusar da benevolencia da camara.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Lopo Vaz: — Pedi a palavra para declarar ao sr. presidente do conselho que eu hei de publicar todas as notas e indicações a que me referi no meu discurso; não as remetti ao sr. presidente do conselho, porque não ha disposição alguma regimental que me imponha a obrigação de as dirigir a s. ex.ª; mas não as furto á publicidade, porque hão de vir nos annaes da camara, e o paiz as avaliará e considerará se eu as extrahir com exactidão. (Apoiados.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira é a continuação d'esta discussão.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

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