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186 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

limite do tempo dos contratos que a lei auctorisava, era necessario renoval-os.

O curador geral creio que adoeceu, não sei se por influencia do clima se por influencia da pesada responsabilidade da sua missão.

Diz-se que, nomeado ad hoc, um novo curador foi na corveta Rainha de Portugal, com a guarnição reforçada, a Mossamedes para dar força a este serviço de se contratarem trabalhadores livres.

O meu illustre amigo o sr. Vicente Pinheiro já pediu as notas precisas para entrar mais a fundo n'esta questão, e por isso me abstenho por agora de outros commentarios.

Parece que manifestações que houve, mais ou menos dissimulladas ou attenuadas, concitaram o governador de Angola ao expediente, aliás já antes usado em pequena escala, de expurgar a colonia dos serviçaes, que, conhecedores da lei e tendo uma profissão por meio da qual podiam viver, se pronunciam de ha muito contra o contrato obrigatorio com que são explorados pelos patrões, que arrecadam subidas ferias do seu trabalho, dando-lhes apenas o salario do regulamento e de mais auxilios, quando dão, inferiores a mais da decima parte do que o serviçal grangea pelo seu trabalho.

Para se não repetir a scena da fazenda do Accacio julgou-se conveniente desviar da provincia um grande numero de homens que a lei considera livres e que o sr. ministro se vangloria de condecorar quando prestam esses serviços relevantes, como se isso não fosse um dever! Mas que não quereriam contratar-se de novo por terem profissões por onde ganhar a vida.

Esta é que é a causa de se ter organisado em Mossamedes um deposito de recrutas, e agora um contingente de 400 serviçaes como leva de recrutas conforme a auctorisação dada em officio n.° 178 de 5 de junho de 1884 pela direcção geral do ultramar, e publicado no boletim official do governo de Angola n.° 27 do mesmo anno.

Note v. exa. e a camara que o officio diz textualmente serviçaes e não indigenas, justificando assim plenamente as considerações que faço quanto ao fim que se teve em vista, e tanto mais frisantemente quanto n'outros pontos da provincia havia mais facilidade de fazer o resgate de indigenas para o fim que o governo diz ter em vista, se fosse realmente esse.

Estou convencido que houve resgate de indigenas mas então para indemnisar, por substituição, os agricultores que se desfizeram d'aquelles terriveis e nocivos elementos de ordem que reclamou a liberdade civil que a lei lhes dá e a auctoridade lhe nega!!!

Mascarou-se a expatriação com o batalhão colonial e a colonia ficou livre d'aquelles homens, continuando agora tranquilla a explorar o trabalho servil!

E a prova concludente do que affirmo é que a auctoridade administrativa que se acha á testa do districto e que devia ser o primeiro interprete e executor fiel da lei, passa, ainda na constância da mesma lei, cartas de alforria, de que tenho aqui um exemplar, que ponho á disposição da camara para ver e conferir.

É um contrato em devida forma de prestação do serviço ao coronel Sebastião Nunes da Mata, sendo governador do districto o actual governador geral de Angola Ferreira do Amaral, e onde se lê uma apostila, em que se dá por finda a obrigação da prestação do serviço, declarando que deve ser considerado inteiramente livre de dispor de si e do seu trabalho como qualquer outro cidadão o serviçal a que o contrato se refere; a declaração está devidamente assignada.

Isto é uma perfeita carta de alforria passada pelo actual governador de Mossamedes, que, devendo ser o principal interprete da lei, procede ao contrario por uma fórma que a mesma lei não consigna em caso algum!

Mas ha mais, entendeu o mesmo governador poder sublocar serviçaes sem as condições e preceitos estabelecidos no regulamento, e aqui tem a camara o documento, constituido por um contrato em devida fórma, tendo no fim a nota de que o serviçal a que o contrato se refere fica a cargo de outrem até á volta do signatario, ou ordens em contrario, isto igualmente assignado pelo mesmo individuo e auctoridade local com quem o contrato se achava feito.

Deixo á apreciação da camara estes factos, sobre os quaes posso invocar o testemunho de sr. Sebastião Centeno, um dos mais dignos curadores que a provincia de Angola teve a fortuna de possuir.

Dispõe-se do individuo como de um movel, como de um animal domestico!

Sem contestar o direito, que o governo tem de dispor dos cidadãos para o serviço militar, arranjando os contingentes a cordel e porventura por meio do resgate por se não achar regulado o recrutamento nas colonias; sem contrariar o direito que o governo tem de organisar a força publica, quer para serviço dos districtos ou provincias onde se formam os contingentes, quer fóra d'ellas; o que eu tenho a notar é a imprudencia e imprevidencia com que se concedem faculdades da ordem que discuto a auctoridades cujas idéas são esclavagistas, como o provam os documentos apresentados, os escriptos conhecidos, e os seus precedentes de administração; com a aggravante de se preferir uma colonia onde a questão do trabalho está ainda no seu periodo agudo de excitação, pela inconveniencia com que se escolhem os delegados do governo e fiscaes da lei, aggravando-se ainda a ordem do governo com todos os inconvenientes que ajuntei por se dar na conjunctura presente, em que se debatem n'uma conferencia diplomatica, e na imprensa de todos os paizes, as questões africanas.

Se o governo tinha necessidade de enviar para Moçambique um batalhão, ou contingente de tropa, não era melhor tirar dos tres ou quatro corpos que tem em Angola, turmas de 100 ou 130 praças de cada um e mandar esse contingente já formado e adestrado, perfeitamente nas condições de uma força militar e substituir em cada um dos corpos o pessoal que lhe era tirado por outros que obtivesse pela fórma que entendesse mais regular?

Não seria isso mais conveniente na presente conjunctura do que fazer embarcar na India, á vista da canhoneira allemã Mowe e da franceza Dumont d'Urville, perto de quatrocentos indigenas serviçaes, como o governo auctorisou?

Eu não me insurjo contra a providencia em si; apenas a acho inconveniente e inopportuna pela forma por que foi feita, e chamo para este ponto a attenção do governo, e chamo mesmo sobre elle a responsabilidade pela maneira por que esto serviço foi executado, se não desaggravar a dignidade nacional aviltada pelos seus imprudentes delegados.

Estes serviçaes, contratados para irem servir como soldados para a provincia de Moçambique, foram em grande parte andrajosos, amarrados e em levas de cem, escoltados pela força armada até ao local do embarque, para bordo do transporte India.

Este facto foi altamente stygmatisado pelos officiaes das canhoneiras allemã e franceza, que n'esse dia foram fantar a bordo do nosso transporte.

Não exijo ao governo a responsabilidade absoluta de um acto d'esta ordem; porque, emfim, elle não pode prevenir e remediar de momento os actos praticados a tão grande distancia pelos seus subordinados.

Mas, se não proceder contra as auctoridades que não sabem executar as suas ordens, assume essa responsabilidade e arrasta comsigo a do paiz, não já para a famosa lenda do desprezo publico, que n'esta camara levantou o sr. ministro da marinha, mas para uma cousa peior, para a ignominia e vilipendio a que nos votam
as outras nações. (Apoiados.)

Quando affirmo que o governador de Angola, cujos meritos como official de marinha não contesto, e cujas quali-