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SESSÃO DE 20 DE JANEIRO DE 1885 187

dades administrativas podem ser muito boas, mas inconveniente para estar á testa de uma dada colonia, porque as suas idéas não são conformes com a legislação vigente, não pretendo que o governo não utilise esse funccionario; faça-o, por exemplo, vice-rei da India, cargo sem contestação mais importante, mas onde não estarão em conflicto as suas idéas com as que nós sustentâmos e apregoamos ao mundo, no sentido do trabalho livre do indigena; e quando affirmo, que esse governador é manifestamente inconveniente no logar que occupa, é na presença das suas proprias affirmações.

Na notavel conferencia feita no salão da Trindade pelo actual governador de Angola, o sr. Ferreira do Amaral, disse elle, entre outras cousas, que as colonias portuguezas não estavam em 1879, mas em 1750, por mais solemnes que sejam as declamatorias com que queiram mimosear as pérolas da corôa portugueza. Isto é, nas condições em que imperava o selvagismo feroz!!

Desde que uma auctoridade entende que o estado de atrazo de uma colonia é o mesmo de ha cem annos, administra-a conforme a considera, e isto de um modo tanto mais nocivo, quanto as suas idéas são conformes com as que imperaram n'aquella epocha.

Sem querer levantar aqui a questão do trabalho, nem da consideração que o indigena negro possa merecer, permitta-me a camara que eu leia ainda um trecho da já referida conferencia, e outras, deixando-lhe a plenissima liberdade das conclusões a que ellas conduzem.

Diz o sr. Ferreira do Amaral:

«Os carregadores eram dos melhores e tive mais uma occasião de ver que, com quanto mais do interior, e menor contacto têem tido com os brancos, mais doceis e exactos são os pretos da raça hottentote, no cumprimento do seu dever.»

Quer a camara saber como se corresponde a estas qualidades, que o preto parece perder em contacto com o branco, segundo se deprehende da opinião do sr. Ferreira do Amaral?

Responda o sr. Nogueira, negociante, proprietario e agricultor de Mossamedes, no seu notavel livro A raça negra, onde s. exa. diz: «que o serviço e a dedicação se pagam com o desprezo, e em que o estimulo é a tortura», onde nos affirma que «as mães são tão dedicadas e tão carinhosas para seus filhos, como quaesquer outras», e contando-nos a caridade com que foi tratado, e outros companheiros, por occasião de um desastre por explosão que tiveram no sertão de Mossamedes e que os privou de todos os recursos de que dispunham, diz «eramos tratados com um carinho, com uma dedicação, como se fossemos membros da familia!»

Logo esta raça não é tão má que seja necessario tratal-a a chicote e a chibata e acorrental-a violentamente ao trabalho.

Sobre este ponto é que eu queria chamar a attenção do governo, não fazendo d'isto questão politica, porque acima das questões politicas está para mim e para toda a camara a questão da dignidade do paiz. (Apoiados.)

Chamo a attenção do governo para a maneira por que esta ordem foi executada, lastimando a imprevidencia, inopportunidade e condições em que ella se deu, e o local que se escolheu.

É triste que. tendo o transporte India levado repatriados para Moçambique seis indigenas arrancados ao esclavagismo de Stanley, como ali proclamamos indignados, seja esse mesmo transporte que vá levar quatrocentos homens roubados á sua patria, por se insurgirem contra a imposição de um trabalho, a que elles se não negam, senão pela fórma e condições odiosas e illegaes com que lh'o impõem, e que vão porventura dar-se com elles todos esses horrores tão conhecidos na historia da escravatura, lançando-se uns ao mar, outros asphixiando-se, e outros morrendo de nostalgia, e que ámanhã se foça, não a repatriação, de seis naturaes de Moçambique para a sua terra natal, mas a repatriação d'esses quatrocentos filhos de Angola promovida em revindicta pelos consules allemães, francezes e inglezes e agentes da associação internacional do Congo.

E então ha de perguntar-se como é que Portugal pretende ter direito a um dominio colonial, onde não tem força para manter se, e onde as leis são menosprezadas pelas auctoridades, que se revelam esclavagistas pelos seus precedentes escriptos e idéas!

E como é que o governo portuguez ousa apresentar-se perante as nações da Europa, appellando para o sentimentalismo, á falta de melhor meio, exhibindo e proclamando a sublimidade das suas leis e providencias de regimen e administração colonial, tendo á testa da administração publica nas provincias ultramarinas homens que professam idéas inteiramente oppostas a essas leis e porventura procedendo por uma fórma que os próprios amigos do governo censuram? (Apoiados.)

O nosso digno collega, o sr. Castello Branco, fez já aqui uma accusação ao governador de Moçambique, que eu escuso de repetir, e pelas demais colonias ha factos extraordinarios a deplorar.

Na Guiné houve uma expedição em que os prisioneiros foram vendidos.

N'essa expedição apprehenderam-se vaccas e indigenas.

Imagina porventura v. exa. que a auctoridade portugueza, querendo mostrar até onde chegava o seu amor paternal, chamou a si esses prisioneiros e os encaminhou ao trabalho, collocando-os em territorio que estivesse debaixo da sua protecção?

Não, senhor.

A auctoridade ficou com o gado e deu aos seus aluados, n'aquella expedição, os prisioneiros para elles os venderem tambem como gado. (Sensação.)

A prova d'isto está nos documentos da syndicancia a que houve de proceder-se na provincia da Guiné, aonde se diz «que o trafico da escravatura, comquanto em pequena escala, não deixou de existir, sendo suas victimas os proprios prisioneiros». Relatório datado de Buba, de 6 de dezembro de 1882.

Qual foi o procedimento do governo n'esta conjunctura?

Mandou castigar o commandante militar de Buba «com vinte dias de prisão rigorosa na praça de Bissau pelas faltas de cumprimento de ordens que commetteu para com os prisioneiros, por occasião da retirada das forças em operações no ataque á tabauca de Mamedy Patê», como consta da ordem á força armada n.° 32, publicada no Boletim official n.° 1 da provincia da Guiné, de 5 de janeiro de 1884, e fez processar dois desgraçados officiaes que se lembraram de protestar contra aquelles actos conservando-os sob a acção da justiça, e privados da maior parte dos seus rendimentos durante dois annos, a despeito das promessas solemnes feitas por um ministro da corôa, o sr. Baccage, a quem cabem muitas das responsabilidades das cousas que dizem respeito á administração colonial. (Apoiados.)

É que s. exa. não teve ahi um Anchicta para lhe preparar as collecções, e por isso lhe faltou tanto o expediente. (Riso.)

Sr. presidente, não é encobrindo as faltas dos seus delegados no ultramar e dos seus respectivos subalternos, que os governasse impõem á consideração publica, mas sim corrigindo-os; de contrario todo o vilipendio d'esses actos cáe sobre o governo, que poderá ter a triste audacia do os sobrepezar com grave prejuizo do credito e dignidade do paiz, que acima de tudo os governos têem obrigação de zelar. (Apoiados.)

Como estão administradas as nossas colonias?

Não penso em discutir a capacidade dos delegados do governo.

São questões de confiança e merito que em todos eu es-