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SESSÃO DE 19 DE JANEIRO DE 1886
Presidencia do exmo. sr. Ignacio Francisco Silveira da Mota
Secretarios os exmos. srs.:
João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia
SUMMARIO
No expediente dá-se conta de tres officios do ministerio da fazenda, e tem segunda leitura, sendo era seguida admittido, um projecto de lei do sr. Pereira dos Santos. - O sr. Ferreira de Almeida manda para a mesa um requerimento de interesse publico e o sr. Santos Viegas um de interesse particular. - Justificação de faltas dos srs. visconde de Ariz, Franco Frazão e A. J. da Fonseca. - O sr. Navarro apresenta alguns esclarecimentos relativos á denuncia de fraudes na alfândega de Lisboa, a que se referira na sessão anterior. - Usa da palavra sobre o assumpto o sr. ministro da fazenda. - a sr. Lobo d'Avila insta pela presença do sr. ministro do reino. - Manda para a mesa um projecto de lei o sr. Lobo Lamare.
Na ordem do dia continua o incidente a respeito dos guardas fiscaes, proseguindo no seu discurso, começado na sessão anterior, o sr. Franco Castello Branco, que termina apresentando uma moção de confiança. - Sobre o modo de propor á votação a admissão desta proposta, usam da palavra os srs. Emygdio Navarro, Elvino, Arroyo e Marçal Pacheco. - É admittida á discussão, não se tomando conhecimento da moção que fora apresentada pelo sr. Elvino. - Responde ao sr. Franco Castello Branco o sr. Mariano de Carvalho, que sustenta e manda para a mesa uma proposta para ser nomeada uma commissão parlamentar para inquirir ácerca do estado dos serviços dependentes da administração geral das alfandegas. - Responde-lhe o sr. ministro da fazenda e a este o sr. Thomás Bastos, que fica com a palavra reservada.
Abertura - Ás duas horas o tres quartos da tarde.
Presentes á chamada - 60 srs. deputados.
São os seguintes: - Agostinho Lucio, Garcia de Lima, Albino Montenegro,- Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Antonio Candido, Antonio Centeno, Garcia Lobo, Moraes Sarmento, A. M. Pedroso, Santos Viegas, A. Hintze Ribeiro, Augusto Poppe, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, E. Coelho, Emygdio Navarro, E. Hintze Ribeiro, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Correia Barata, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Matos de Mendia, Silveira da Mota, J. C. Valente, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, Laranjo, Lobo Lamare, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Julio de Vilhena, Luiz Ferreira, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Pereira Bastos, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos, Visconde do Rio Sado e Consiglieri Pedroso.
Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Sousa e Silva, Antonio Ennes, Fontes Ganhado, Jalles, Moraes Machado, Carrilho, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Seguier, Urbano de Castro, Pereira Leite, Caetano do Carvalho, Conde de Thomar, Cypriano Jardim, Elvino de Brito, Sant'Anna e Vasconcellos, Costa Pinto, Melicio, J. Alves Matheus, Azevedo Castello Branco, Elias Garcia, Pereira dos Santos, José Luciano, José Maria Borges, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Reis Torgal, Luiz Jardim, Luiz Osório, Manuel d'Assumpção, Marçal Pacheco, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito e Tito de Carvalho.
Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Pereira Corte Real, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Pereira Borges, Cunha Bellem, Sousa Pavão, Augusto Barjona de Freitas, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão do Ramalho, Barão de Viamonte, Bernardino Machado, Carlos Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Ribeiro Cabral, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Guilhermino de Barros, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, Ribeiro dos Santos, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, J. A. Neves, J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, Correia de Barros, Borges de Faria, Dias Ferreira, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Bivar, Luiz Dias, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa. M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Martinho Montenegro, Miguel Tudella, Pedro Correia, Barbosa Centeno, Dantas Baracho, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada sem reclamação.
EXPEDIENTE
Officios
1.° Do ministerio da fazenda, acompanhando 190 exemplares da proposta de lei para encerramento das contas geraes da receita e despeza do estado na metropole, nos exercidos de 1877-1878 a 1882-1883.
Mandaram-se distribuir.
2.° Do mesmo ministerio, acompanhando 190 exemplares da conta geral do estado, na metrópole, na gerencia de 1884-1885, comprehendendo as dos exercicios de 1883-1884, findo em 31 de dezembro de 1884, e provisoria na de 1884-1885 no dia 30 de junho de 1885; e tambem as dos exercicios findos de 1877-18 78 a 1882-1883.
Mandaram-se distribuir.
3.° Do mesmo ministerio, acompanhando 150 exemplares de cada um dos annuarios estatisticos sobre o serviço das contribuições directas nos annos civis de 1879 e 1880 e economicos de 1879-1880 e 1880-1881.
Mandaram-se distribuir.
Segunda leitura
Projecto de lei
Senhores.-Por lei de 12 de abril de 1875 foi concedida á camara municipal da Figueira da Foz uma determinada area de terreno com ddestino á edificação dos paço do concelho.
O artigo 2.° d'esta lei estatuiu que o terreno concedido; reverteria ao dominio do estado se, no praso de cinco annos, contados da data da publicação respectiva, aconstrucção do edificio não estivesse em estado de adiantamento
Não tendo podido a municipalidade da Figueira da Foz encetar a referida edificação no quinquennio de 1875 a 1880
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foi por lei de 30 de março de 1881 prorogado por mais cinco annos o praso estabelecido no artigo 2.° da lei de 12 de abril de 1875.
O muito sensivel progresso mercantil do porto da Figueira noa ultimos annos tem tido como consequencia o augmento notavel da população na cidade e o alargamento muito consideravel da sua area, e a municipalidade da Figueira da Foz, tendo de prover às mais urgentes necessidades que o crescimento e prosperidade da cidade reclamavam, não pode ainda, no quinquennio que decorre desde a publicação da lei de 30 de março de 1881 e que está a findar, dar grande desenvolvimento às obras de edificação dos paços do concelho, embora tenha já concluida a construcção dos alicerces das paredes exteriores.
E não tendo cessado os motivos que determinavam a referida concessão de terreno, e sendo antes reforçado; pelo rápido crescimento e manifesta prosperidade a cidade, tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° E prorogado por mais cinco annos o praso estabelecido no artigo 1.° da lei de 30 de março de 1881, relativo á concessão de um terreno para a construcção dos paços do concelho da Figueira da Foz.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 16 de janeiro de 1886.= José Gonçalves Pereira dos Santos.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.
REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO
Requeiro que, pelo ministerio da marinha, seja com urgencia, enviada a esta camara a nota dos alumnos admittidos na escola naval nos ultimos dois annos lectivos, a que faltaram habilitações preparatorias, quaes, a procedencia d'esses alumnos, idades e data da matricula.
Copia dos requerimentos apresentados ao governo pelas emprezas industriaes do paiz, que pediam lhes fossem adjudicadas as construcções a realisar pelo ministerio da marinha desde o principio do ultimo anno civil, e qual o despacho do governo. = J. B. Ferreira de Almeida.
Mandou se expedir.
REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR
Do thesoureiro e fieis da junta do credito publico, pedindo que lhes seja augmentada a percentagem para falhas.
Apresentado pulo sr. deputado Santos Viegas e enviado á commissão de fazenda.
JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS
1.ª Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que faltei às sessões dos dias 16 e 18 do corrente, por motivo justificado. = Visconde de Ariz, deputado pelo circulo n.° 29.
2.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Franco Frazão não tem comparecido às sessões por doença, devendo conservar-se ausente ainda por alguns dias pelo mesmo motivo. = Franco Castello Branco.
3.ª Declaro que o meu collega e amigo o sr. deputado Antonio Joaquim da Fonseca tem faltado e faltará ainda a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, J. E. Scarnichia.
Para a acta
O sr. Emygdio Navarro: - Disse que não replicara hontem ao sr. ministro da fazenda ácerca da resposta que s. exa. dera às considerações que elle, orador, fizera por occasião de ler uma participação de um empregado da alfandega do Porto a respeito do descaminho de direitos na alfândega de Lisboa, porque não queria perturbar a discussão em que a camara estava empenhada.
Hoje diria que aquelle documento fôra precedido de uma carta do empregado de que se trata, publicada no mesmo jornal, carta em que elle mostra que lhe fora concedida licença para examinar a maneira como se faziam certos serviços na alfandega de Lisboa, e em que diz que em poucos dias podia aqui provar os descaminhos de direitos que encontrou.
Fôra a esta caria que se referira quando perguntara ao sr. ministro da fazenda se tinha permittido a este empregado algum exame na alfandega de Lisboa.
O sr. ministro dissera que logo depois da denuncia mandara proceder a investigações, mas era estranho que, sendo a denuncia feita ha cincoenta e tres dias e tendo o empregado dito que em poucos dias podia vir a Lisboa provar o que dizia, essas investigações não estejam ainda concluidas.
Esta questão era importantissima.
Ou as casas commerciaes de que se trata tinham feito os descaminhos de direitos, que importam em 200:000$000 réis, e é preciso que essa quantia entre nos cofres do thesouro, ou ha organisada uma companhia de olho vivo para especular com essas casas, e era preciso acabar com ella.
Pedia ao sr. ministro da fazenda que tomasse providencias rapidas a este respeito, e declarava desde já que havia de annunciar uma interpellação ácerca do decreto n.° 5, da reforma das alfandegas, que de certo não era obra de s. exa., embora tenha a sua assignatura. Era convicção d'elle, orador, que o sr. ministro não vira todo o alcance d'esse decreto.
(O discurso será publicado na integra, guando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
Segue-se a carta que foi lida pelo orador.
Sr. redactor.- Tem v. nos n.ºs 424, 425 e 426 do seu periodico dado noticia dos roubos commettidos na alfandega de Lisboa, referindo-se a uma participação apresentada na alfandega do Porto, em 27 de novembro de 1885 para ser transmittida á exa. na administração geral das alfandegas e empraza o participante a que lhe manifeste o que ha a tal respeito.
Empregado publico e chefe da secção dos armazens externos até 28 de outubro de 1885, eu tive sempre em mira regular o serviço a meu cargo de modo a harmonisar o interesse da fazenda com o commodo e conveniencia do commercio, sem a menor lesão para este nem para aquelle. Com este intuito sempre fixo, deparava por vezes com difficuldades que me causavam duvidas, e indo eu de licença a Lisboa para negocios particulares, procurei aproveitar o ensejo para estudar na alfandega da capital a forma do serviço como lá se fazia nos armazéns externos. Para isso requeri ao director auctorisação, o qual deu este despacho: "Facilitem-se ao requerente, em termos, os esclarecimentos que pede. Alfandega de Lisboa, 22-3-85.=Heredia."
Em vista d'este deferimento foram-me no dia 23 facilitados os livros dos armazens externos com toda a franqueza, mas não assim no dia 24, até que no dia 25 fui encontrar uma completa vedação, talvez por muito serviço que estivesse accumulado e a que se quizesse dar desafrontadamente prompto expediente. Por motivo de tal contrariedade, dirigi n'esse mesmo dia novo requerimento á direcção, nos devidos termos, que me deferiu com o despacho seguinte:
"A repartição competente preste, nos devidos termos, todos os esclarecimentos e mostre todos os documentos que o requerente diz precisar para bem do serviço publico, sem comtudo dar a esses esclarecimentos o caracter de exame, que não posso auctorisar sem ordem superior.
"Alfandega de Lisboa, 25 de março de 1885.=Here-
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Em virtude d'este despacho estudei todos os elementos do serviço respectivo com vigilante cuidado e tirei apontamentos do que me pareceu serviço irregular.
Este resultado devo-o na maior parte às attenções de dois empregados que estavam assistindo nos armazéns a este meu trabalho, bem como ao fiel dos armazens do tabaco; e além dos apontamentos, que ahi poude colher, tenho conseguido informações muito fidedignas. De toda essa observação tirei conclusões, que reputo evidentemente exactissimas, sem receio de ter caido no menor erro na participação que, no fiel cumprimento de funccionario publico, fiz á administração geral das alfandegas. Qualquer que seja a matéria da minha participação, é dever meu não a divulgar emquanto superiormente se procede, embora das repartições superiores tenha transpirado o que se passa.
Porto, 5 de janeiro de 1886.= Agostinho Luiz Antonio Honorato.
(Segue-se o reconhecimento por tabellião).
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Não rejeito, antes pelo contrario acceito perfeitamente as considerações apresentadas pelo illustre deputado, no intuito de mostrar a gravidade que effectivamente têem os acontecimentos da natureza d'aquelle a que s. exa. se referiu.
Na minha resposta, hontem dada a s. exa., disse eu que tinha mandado proceder às investigações necessarias para descobrimento dos factos arguidos. E o que eu disse é perfeitamente exacto. Mandei proceder a essas averiguações e tambem já mandei instaurar os processos que o devessem ser por virtude das averiguações que se tivessem realisado.
S. exa. tem completa rasão em dizer que questões d'esta ordem precisam de inteira luz para decoro das casas commerciaes, quando arguidas com menos fundamento, e ao mesmo tempo para decoro das instituições fiscaes, em cujos serviços se deve manter o maximo rigor e a maxima disciplina.
A affirmação que hontem fiz é aquella que eu hoje repito, podendo s. exa. ficar tranquillo e certo de que os delinquentes, sejam elles quaes forem, será o entregues á acção da justiça; mas desde que incorram n'ella é necessario que os processos sigam os seus tramites.
O illustre deputado sobre este assumpto parece-me que não tem mais a fazer do que eu, isto é, esperar que as averiguações se façam, que os processos se instaurem, que os tramites se sigam; e depois, mas só depois, plena publicidade para tudo, direito inteiro de apreciação por parte do illustre deputado e obrigação completa da minha parte de justificar qualquer intervenção que eu tenha no processo, ou os actos que eu tenha praticado.
Posta a questão n'estes termos, creio que o illustre deputado ficará satisfeito com a minha resposta.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Santos Viegas:-Mando para a mesa um requerimento assignado pelo thesoureiro e fieis da junta do credito publico, pedindo que, a exemplo do que só tem praticado com empregados de igual categoria nos diversos ministerios, lhes seja concedida uma percentagem para falhas.
Este requerimento vem fundamentado. Podia eu justifical-o com outras considerações; mas remettendo-o v. exa., como remetterá de certo, á commissão do fazenda, por occasião da discussão do orçamento, terei ensejo de sustentar a justiça do pedido, e por isso nada mais direi por agora.
(S. exa. não reviu.)
O requerimento vae publicado no togar competente.
O sr. Ferreira de Almeida: - Mando para a mesa um requerimento pedindo alguns esclarecimentos, pelo ministerio da marinha.
Como estou com a palavra, peco novamente ao sr. ministro da fazenda, que queira prevenir o seu collega do reino de que desejo chamar a sua attenção para um negocio importante; quero pedir-lhe que proveja de remédio á situação deploravel em que se acham compatriotas nossos em territorio estrangeiro.
á tive occasião de fazer, aqui algumas considerações quando fallei sobre este assumpto, e abstenho-me agora de as repetir, visto não estar presente o sr. ministro respectivo; mas aproveito a occasião para, em resposta ao sr. ministro da marinha, que nos declarou terem vindo novas reclamações do Algarve, no sentido de se tornarem mais rigorosas as providencias sanitarias, dizer a s. exa. que eu tenho a oppôr a essas reclamações outras, contra esta demasia de providencias sanitarias.
Se eu quizesse ir buscar documento concludente a favor do que acabo de dizer, podia citar as reclamações que tem feito a associação do commercio de Lisboa e os artigos do Jornal do commercio, que é dirigido por um cavalheiro pertencente ao partido regenerador, e que diz que uma tal despeza se póde já reputar desnecessaria.
Eu não vou tão longe; mas sinto muito que o chamado cordão sanitário, e a que outros têem já chamado cordão de oiro, em proveito menos conveniente d'aquelles que n'elle se acham empregados, esteja servindo de cordão de estrangulação para desgraçados que por circumstancias extraordinarias estão fora do paiz.
Peço, portanto, ao sr. ministro da fazenda que, chamando a attenção do seu collega sobre este assumpto, s. exa. venha dar explicações por seu motu proprio.
Tenho dito.
O requerimento vae publicado na secção competente.
O sr. Carlos Lobo d'Avila: - A camara está desejosa de que se entre na ordem do dia, para que se prosiga na discussão que ficou hontem pendente, e por isso direi poucas palavras.
Pretendia dirigir-me ao sr. ministro do reino para lhe fazer algumas perguntas; mas, como s. exa. não compareceu hoje á sessão, peco ao sr. ministro da fazenda o favor de dizer ao seu collega, que desejo interrogar a s. exa. sobre o estado anarchico em que se encontra o concelho de Valle Passos, e que, se o illustre ministro não poder comparecer em alguma das tres primeiras sessões, ver-me-hei forçado a narrar, mesmo na sua ausencia, o que ali se está passando.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Lamare: - Mando para a mesa um projecto de lei, auctorisando o governo a conceder á camara municipal de Almeida as ruinas da casa da antiga vedoria, para ali se poder construir um edificio destinado aos paços d'aquelle conselho.
O fim d'este projecto é tão justo que me abstenho de o justificar.
Ficou para segunda leitura.
ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: - Continua com a palavra o sr. Franco Castello Branco.
O sr. Franco Castello Branco: - (O sr. Deputado não restituiu as notas tachyraphicas.)
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
A camara satisfeita com as explicações do governo, passa á ordem do dia. = Franco Castello Branco.
O sr. Emygdio Navarro (sobre o modo de propor): - Não comprehendo qual a rasão por que vae ser votada a admissão da moção do sr. Franco Castello Branco, quando ha dois dias v. exa. não propoz á admissão a que apresentou o sr. Elvino de Brito.
O sr. Presidente:-A camara comprehende que tenho obrigação de cumprir as prescripções do regimento e este não me permittia que eu consultasse a camara sobre a admissão de uma moção de ordem, apresentada quando se fallava em virtude da inscripção feita para antes da ordem do dia, nos termos do artigo 86.° do regimento.
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Agora que o debate se generalisou e que se abriu uma inscripção especial, nos termos do artigo 90.°, eu hei de ter, com relação a essa inscripção, um processo muito differente do que teria com relação a qualquer inscripção antes da ordem do dia.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Emygdio Navarro: - Parece-me que o procedimento havido com a opposição a respeito da admissão de uma proposta á discussão não foi muito correcto.
Concordo em que seja admittida a moção apresentada pelo sr. Franco Castello Branco, das desejo que se proceda da mesma fórma para com a moção mandada para a mesa por um membro da opposição. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - Para esclarecimento da camara, devo de novo dizer que na sessão de sabbado regulava para a discussão o artigo 86.° do regimento, e na sessão de hoje regula o artigo 90.°, e, portanto, o meu modo de proceder tem de ser diverso.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Divino de Brito: - Eu estava convencido de que a minha proposta tinha sido admittida á discussão, mas vejo que o não foi, e, por isso, peço a v. exa. que me diga qual é o artigo do regimento que determina que não seja votada a admissão á discussão de uma moção, antes da ordem do dia.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - Na sessão de sabbado não podia dar seguimento á proposta apresentada pelo illustre deputado, porque, segundo dispõe o artigo 86.° do regimento, que já citei, antes da ordem só se podem apresentar representações, propostas ou projectos de lei, e notas de interpellação.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Elvino de Brito: - Peço a v. exa. que me cite o artigo do regimento que não permitte admittir á discussão uma moção de ordem que termina por passar á ordem do dia.
O sr. Presidente: - Eu vou consultar a camara, visto que alguns srs. deputados estão em duvida.
O sr. Arroyo (sobre o modo de propor): - Creio que está na intenção de toda a camara o conceder aos membros da opposição o mesmo direito que se concede aos deputados da maioria. (Apoiados.)
Desde que se abriu uma inscripção especial sobre a materia, e desde que esta materia deixou de ser tratada como simples incidente antes da ordem do dia, para abranger toda a duração da sessão, creio que é igual o direito que assiste a todos os membros da camara para serem admittidas as suas moções.
Quanto a direito de um deputado poder apresentar uma moção de ordem antes de se passar á ordem do dia, não me parece que o haja, porque não póde haver moção de ordem não havendo ordem. (Apoiados.)
Portanto, eu concordo com v. exa. em que a moção do sr. Elvino de Brito na occasião em que foi apresentada não podia ter seguimento; mas parece me tambem que, desde que se abria uma inscripção sobre este assumpto e não sendo a discussão de hoje e a de hontem senão a continuação regular da discussão do sabbado, parece-me, digo, que a camara podo hoje tomar conhecimento d'essa proposta para se pronunciar sobre a sua admissão ou não admissão á discussão. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Marçal Pacheco: - (sobre o modo de propor.) Estou intimamente convencido de que v. exa. não teve a menor intenção de desconsiderar nenhum membro da opposição, quando deixou de dar seguimento á proposta do sr. Elvino de Brito; mas entendo que, á face do regimento, o sr. Elvino de Brito tinha toda a rasão para pedir o esperar que a sua proposta fosse admittida á discussão. E eu vou dizer a rasão.
O artigo 145.° do regimento diz:
«Em qualquer estado da discussão se poderá suscitar uma questão ou moção de ordena.»
Não diz se isto é antes ou depois da ordem do dia. (Apoiados.)
V. exa. ou outro membro da camara poderá dizer-me que se refere simplesmente ao espaço antes da ordem do dia, mas a isto respondo eu com a definição que o mesmo regimento dá do que sejam moções de ordem. (Apoiados.)
Diz o mesmo artigo 145.°:
«São moções de ordem. A questão previa, o adiamento, a invocação do regimento, a apresentação de propostas para eliminação, emendas, substituições ou additamentos e a proposta para se passar á ordem do dia.»
Ora v. exa. e toda a camara comprehendem que não póde haver uma moção dentro da ordem do dia para se passar á ordem do dia, mas sim para se continuar n'ella. Portanto, desde que o regimento admitte propostas para que se passe á ordem do dia, podem e devem effectivamente ser apresentadas essas propostas ou moções de ordem antes da ordem do dia. (Apoiados.)
É este o meu parecer, que eu enuncio á camara, sem o minimo intuito de azedar a discussão, nem de fazer censura a v. exa., mas unicamente com o proposito e o desejo de que seja mantido o direito da discussão a todos os membros d'esta camara, quer sejam da maioria, quer sejam da opposição. (Apoiados.)
Lembrarei agora a v. exa. um alvitre, que talvez resolva a questão; vem a ser que v. exa. consulte a camara sobre se quer que seja admittida hoje á discussão a proposta do sr. Elvino de Brito.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Appello para toda a camara e peço licença para ainda dar alguns esclarecimentos sobre a questão.
O artigo 86.° do regimento diz o seguinte: «Haverá duas inscripções geraes: 1.° Para antes da ordem do dia, podendo o deputado, quando lhe for concedida a palavra, apresentar quaesquer representações, propostas ou projectos de lei ou mandar para a mesa notas de interpellação; 2.° Para tomar parte em qualquer discussão. No primeiro caso pedir-se-ha a palavra depois da approvação da acta e menção do expediente, no ultimo sómente se poderá pedir o conceder depois do presidente declarar a matéria em discussão.»
Em face d'esta disposição, pareceu-me evidente que eu não podia acceitar antes da ordem do dia moções de ordem; mas desde que só deu um incidente e se pediu que sobre elle se generalisasse a discussão, entendi e entendo ainda que devo sujeitar á admissão á discussão as propostas que forem apresentadas á discussão. N'este caso está a proposta do sr. Franco Castello Branco.
Para mim são respeitaveis os direitos de todos os srs. deputados, quer elles apoiem o governo quer estejam na opposição, e assim a moção do sr. Elvino de Brito teria sido logo recebida e proposta a sua admissão á discussão, se se tivesse generalisado o incidente, ou se tivesse havido uma discussão especial; mas antes d'isso entendi que o não podia nem devia fazer.
De resto, é evidente que a todos os membros d'esta assembléa é licito apresentar as moções que julguem opportunas.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
A proposta do sr. Franco Castello Branco foi admittida.
O sr. Mariano de Carvalho: - Devo primeiro que tudo dizer que, apesar da grande consideração que tenho por v. exa. ha muito tempo, não concordo com a doutrina que v. exa. acaba de apresentar. Tenho dezeseis annos de pratica parlamentar, e tenho visto sempre em toda a occasião apresentar moções de ordem. (Apoiados.)
Respeito, pois, muito a opinião de v. exa. mas posso
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allegar em meu favor a minha pratica de dezeseis annos, e posso invocar o testemunho de muitos dos srs. deputados que fazem parte da camara e que sabem que o que eu digo é a verdade.
Dada esta explicação, porque desejo resalvar o direito que. me reservo de apresentar qualquer moção antes da ordem do dia, vou entrar na materia, e digo que entro n'ella muito contrariado e com muito má vontade, porque naturalmente terei de dizer cousas que a mim me desagradam muito e que talvez á camara ainda desagradem mais.
Não quero que algum orador se dê ao trabalho de me responder para me fazer a accusação que o sr. Franco Castello Branco fez aos que o precederam pela maneira por que a discussão tem corrido.
Se o sr. José Luciano muito de passagem, como protesto e sem demonstração, se limita a declarar illegal o procedimento do governo, reservando-se para n'outra occasião tratar a fundo este assumpto, e ao mesmo tempo, examina largamente o procedimento abusivo e fraudulento havido com os guardas, o illustre deputado da maioria e o sr. ministro da fazenda invertem os termos, tratam largamente da questão de legalidade, abandonando a dos guardas, e ainda por cima nos accusam de ser o debate desconnexo e confuso!
Para que não me succeda o mesmo, protesto a v. exa. que não me affastarei da minha ordem de idéas. Tenho um certo e determinado proposito, que em breve indicarei, do qual não me affasto por cousa alguma d'este mundo.
Antes, porém, de me explicar mais claramente, permitta-me v. exa. que muito rapidamente e só como prova da muitissima consideração que tenho pelo grande talento, pelo aturado estudo e pelo nobre caracter do illustre deputado que me precedeu, responda a algumas considerações feitas por s. exa. na sessão de homem e na de hoje.
O illustre deputado apresentou duas especies de argumentos para sustentar a legalidade com que o sr. ministro da fazenda fez uma reforma e uma novissima reforma em virtude da mesma auctorisação parlamentar.
Segundo um dos argumentos adduzidos pelo illustre deputado, o sr. ministro da fazenda, para publicar o seu segundo decreto, bastava-lhe recorrer á disposição do decreto n.° 1, onde se diz, que nas disposições relativas ao pessoal das alfândegas e ao serviço d'ellas é unicamente considerada materia legislativa: as taxas dos direitos e addicionaes e a fixação do quadro geral dos empregados e dos vencimentos, podendo tudo o mais ser constituido ou alterado por actos do executivo. E d'aqui tomou s. exa. argumento para demonstrar, que o ministro, fazendo a novissima reforma, não usou da auctorisação legislativa, mas das faculdades mencionadas no artigo 2.° do decreto n.° 1.
Respondo a s. exa. que é possivel que tenha muita rasão. Não quero discutir miudamente com o illustre deputado; o meu intuito reduz se apenas a pedir a s. exa. que se ponha de accordo com o sr. ministro da fazenda, porque o governo, no preambulo da novissima reforma das alfandegas, diz expressa e terminantemente, que se serve ainda da auctorisação legislativa dada pela lei de 31 de março de 1885.
Não sou eu que tenho culpa de que o illustre deputado não lesse o diploma que pretendeu defender, mas d'ahi resulta ser possivel que juridica e constitucionalmente a opinião de s. exa. seja a melhor de todas; mas a opinião do governo é contraria á de s. exa. Vejam se podem compor-se.
Alem d'isso, o illustre deputado quiz comparar as auctorisações dadas ao poder executivo para reformar os serviços publicos com as moções de confiança, pretendendo assim defender-se de um argumento muito bem posto pelo sr. Barros Gomes.
Com effeito, se o governo póde servir-se repetidas vezes das auctorisações legislativas dentro do praso d'ellas, e na mesma auctorisação enxertar decretos sobre decretos, reformas sobre reformas, então tambem o actual gabinete poderia usar da auctorisação sem limite de tempo dada pelas côrtes em 1SG9 para a reforma de todos os serviços.
Para fugir d'este escolho, o sr. Franco Castello Branco, comparando estas auctorisações para reformas com as moções de confiança, disse que só o governo, a quem a camara tinha outorgado a sua confiança, podia usar d'ella, ficando assim o sr. Hintze com o direito de ámanhã ou depois nos apresentar uma reforma da novissima reforma.
Ora, n'este ponto, como no anterior, o accordo de s. exa. com o sr. ministro não é completo, antes pelo contrario.
O sr. ministro da fazenda acha que o governo tem o direito de fazer uso da auctorisação até o 1 de março, e o illustre deputado entende que é só o governo que tiver merecido a confiança da camara, que póde usar a auctorisação ainda antes de 31 de março.
Por outro lado, a novissima reforma foi feita antes da reunião da camara. Pergunto, na hypothese do sr. Franco Castello Branco, a confiança d'esta camara é uma especie de feudo, de morgadio, do que o governo possa dispor á sua vontade para continuar a usar da auctorisação que lhe havia sido concedida sob o pretexto de que gosava da confiança da camara? (Apoiados.)
Póde-se porventura em materia tão melindrosa proceder por simples supposições?
Não quero travar um debate sobre este assumpto, mas parece-me ter provado que, mesmo admittindo como exacta a singular doutrina constitucional do illustre deputado, o governo procedeu incorrectamente. S. exa. o condemnou.
(Interrupção do sr. Franco Castello Branco.)
O illustre deputado disse que na hypothese figurada a camara daria um voto de censura ao governo. Era isso mesmo que esta camara, faria a um governo que não fosse aquelle que está sentado n'aquelles logares e a quem deu a auctorisação. (Apoiados.) E isso prova a falsidade do seu argumento.
Pareceu-me um ponto muito embaraçado a questão do casamento dos guardas.
Por mim confesso, com toda a minha ingenuidade, com a ingenuidade de que tenho dado muitas provas, (Riso.) que o negocio do casamento dos guardas me tem dado muito que scismar. (Riso.)
Tinha vontade até de pedir ao sr. ministro da fazenda que consultasse o sr. Tnomás Ribeiro e o sr. Pinheiro Chagas, ambos poetas distinctissimos, e talvez fosse muito melhor para os negocios publicos que elles fossem menos poetas, sobre as trovas de S. Gonçalo de Amarante, casamenteiro das velhas, (Riso.) porque me lembrou que s. exa. teria algumas veleidades do sor canonisado de futuro e só tornar o casamenteiro da guardas. (Riso.)
Esta aspiração a santo seria tão legitima como outra qualquer. Mais legitima talvez do que outra qualquer, porque se realisa com as virtudes e com actos de caridade, como os que se têem praticado em relação aos guardas da alfandega. (Riso.}
Mas vi depois que o sr. ministro da fazenda se defendeu com a legislação italiana, do que este decreto n.° 4 é em grandissima parte traduzido, a qual preceitua que a licença para casar aos guardas só se dê quando elles tenham 400 liras de rendimento.
Este é um criterio simples e claro. Infelizmente desapareceu na traducção, e se nos tirarmos d'ella em que pelago de difficuldades vae metter-se o sr. ministro da fazenda.
Nem o proprio Salomão, que ficou celebre, não por causa do casamento, mas por causa de uma creança, cuja mãe não era bem conhecida, seria capaz de resolver a questão. (Riso.)
O illustre ministro não tem um criterio seguro na lei.
Se acaso um guarda lhe pedir licença para casar, o que fará s. exa.?
Consultava os sentimentos do coração do guarda? (Riso.)
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Consultará as suas condições physicas? (Riso.) Chamará a noiva a capitulo? (Riso.)
O sr. Franco Castello Branco veiu contar a duvida.
O criterio, disse s. exa., está estabelecido na lei militar. Mas agora ficâmos peior.
A lei militar, em geral, só permitte ás praças de pret o casamento em casos extraordinarissimos. Apenas ha facilidade no ultimo anno do alistamento, porque então basta licença do coronel.
Como o alistamento dos guardas dura oito annos, parece; applicando-se o criterio do sr. Franco Castello Branco, que tambem no casamento temos caso de esperas. (Riso.)
Isto me traz á idéa uma organisação que o sr. Franco Castello Branco empregou em resposta ao sr. Luciano de Castro.
S. exa. estava convencido de que o sr. Luciano de Castro tinha recuado diante de um governador civil. Não é exacto, mas no tempo presente dá-se o caso contrario, e não sei se é peior. (Riso.)
E com isto deixo em socego o sr. Franco Castello Branco, e vou ao assumpto para que pedi a palavra.
Protesto desde já que o meu intuito não é convencer o sr. ministro da fazenda; e não é convencer o sr. ministro da fazenda por muitas rasões.
Em primeiro logar é porque estou convencido de que as discussões parlamentares não convencem ninguem. Dantes pensava de outro modo, mas depois verifiquei com a pratica que as maiorias parlamentares já vem convencidas de casa. E desde então, limito-me a cumprir o meu dever, mas sem intenção de convencer ninguem e ao sr. ministro da fazenda muito menos que a qualquer outro. Alem d'isso s. exa., por amor a este volume macisso da reforma das alfândegas, está tão cego que não ha rasão que o comova. Seria tempo perdido.
Só por cegueira se póde comprehender, e aqui me referi de passagem ao sr. Franco Castello Branco, que ministro e deputado, tratassem tão de leve os brios e melindres do exercito portuguez, que déssem como questão privada de continencias ou como bagatella futil, a repugnancia com que a classe militar acolheu os famosos trapos de galão branco.
São tres as principaes condições do instituto militar: primeira, o brio; segunda, a abnegação; terceira, a disciplina. Ora realmente, o sr. Hintze e o sr. Franco Castello Branco esqueceram-se da primeira clausula quando trataram de frivolas as repugnancias e os estimulos que levantou a briosa officialidade do exercito contra as creaturas da guarda fiscal; esqueceram a segunda, pondo em paralelo os empregados que descreverei com os que honradamente cingem uma banda; esqueceram a terceira pretendendo que os officiaes honrados tratem como iguaes os desertores e mal procedidos. Em breve mostrarei ao sr. Hintze como as repugnancias do exercito não nasceram de mera questão de continencias, a que se não deve dar importancia nenhuma!! (Apoiados.) Hei de mostral-o, espero, mas como a minha auctoridade é pouca, venho propôr á camara meio radical de apurar toda a verdade, tanto ácerca dos famosos officiaes da guarda fiscal, como a respeito do tratamento dado aos guardas.
Não estou disposto a acompanhar o ministro e o sr. Franco Castello Branco pelo caminho dos paralogismos ou das negativas oppostas a factos irrecusaveis, porque o meu caminho está traçado - é o inquerito parlamentar! (Muitos apoiados.)
As respostas, tanto do sr. ministro da fazenda, como do sr. Franco Castello Branco, que às vezes se mostrou um poucochinho menos deputado que sub-secretario d'estado; (Riso) e de certo tem dotes dignos d'esse cargo, - as respostas de s. exa. foram, «mas venham as provas»! Pois saiba a camara que a questão sobre a demora do pagamento de emolumentos aos guardas fiscaes começou ha mais de dois annos, que em 22 de dezembro de 1883 pedi aqui todos os documentos sobre esse grave assumpto e que nunca os obtive! Nunca! (Apoiados.)
Querem as provas, tendo-as negado! Posto que não podemos arrancar-lh'as, queremos ir buscal-as por um inquerito parlamentar serio, em que a maioria e a minoria da camara sejam representadas. (Apoiados.)
É verdade que n'este debate se tem esquecido muita cousa, disse bem o sr. Franco Castello Branco. Tem esquecido a famigerada reforma aduaneira de 1881, feita em epocha das eleições para falsear as eleições e obra do partido regenerador.
D'ella veiu a torrente enorme e assoladora de abusos, que tem sido a vergonha da fiscalisação externa e a que será a causa do mau funccionamento de qualquer reforma.
Tudo isso ha de ser provado á camara e ao paiz pelo inquerito, que é urgente e indispensavel á dignidade do governo e do parlamento, que se impõe a todos e que fatalmente se ha de fazer hoje ou mais tarde.
Venha o inquerito, que ha de provar como para constituir o corpo fiscal se foram buscar elementos infimos de fidalguias arruinadas, de burguezias viciosas, da vagabundagem politica e da galopinagem eleitoral.
O inquerito permittirá expurgar o corpo da fiscalisação de todos os elementos torpes e perturbadores que n'elle se contêem, obtendo-se a finai uma boa organisação fiscal, como exigem os interesses publicos, as altissimas conveniencias do thesouro e até a justiça.
Não basta que o governo venha para aqui proferir phrases mais ou menos jocosas a respeito dos pobres guardas, é preciso que justiça seja feita a todos.
E aqui me convém dizer quanto é grande o erro que se commette zombando dos pequenos e desvalidos.
Nos tempos que vão correndo, na situação presente dos espiritos na Europa, devem os poderes publicos pensar muitissimo, em que a justiça, quanto mais tem de ser feita aos pequenos e pobres, mais tem de ser recta. (Apoiados.)
Não se deve incutir ao povo na actual conjunctura politica, a suspeita, por mais leve que seja, de que a justiça é uma para os ricos, grandes e poderosos, e outra para os pequenos e humildes. (Apoiados.)
Não estamos em tempo de proceder assim.
Esta reforma do sr. Hintze filia-se n'outra reforma tambem do partido regenerador; ora esta como a outra, a outra mais do que esta, têem o caracter de madrastas de todos os humildes e pobres, mas de mães carinhosas da grandes, dos poderosos e alem d'isso de tudo quanto ha de mais baixo e ruim por essas terras de Portugal.
A responsabilidade principal da presente reforma é do sr. Hintze Ribeiro, como ministro da fazenda, mas pertence-lhe largo quinhão da outra como ministro já n'essa opocha.
As responsabilidades não são apenas de hoje, vem de mais longe; hoje o mal está mais carecido de remedios energicos e efficazes. (Apoiados.)
Desengane-se o sr. ministro da fazenda, boa ou má a sua reforma, o que não discuto agora, até optima se quizer, com os elementos que lá tem provenientes de 1881, nunca ha de obter serviço que produza resultados beneficos ao paiz.
Preciso provai-o e n'este ponto entro na parto perfeitamente desagradavel da minha missão. Deveras o lastimo, mas é preciso, por muito que me custe e por muito que custe a quem me ouve, é preciso, repito, que tudo quanto se sabe, se diga perante a camara; porque é urgente e inadiavel que a luz se faça, inteira e completa, perante o parlamento e o paiz. (Apoiados.)
Tenho presente um celebre folheto que se espalhou em 1884, que não tem nome de auctor, mas cujo auctor todos conhecem, e que evidentemente, como se prova pelo seu proprio conteudo, saiu das repartições aduaneiras. Foi até escripio por um empregado superior, com o intuito de
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defender o sr. Hintze Ribeiro e o sr. administrador geral.
Não tomo a responsabilidade inteira do que se diz n'este folheto, mas preciso apresentar á camara alguma cousa do que n'elle se contém, para mostrar quanto o inquerito é urgente.
A unica cousa que farei será, quando encontrar alguma phrase violenta, que julgue que póde ferir o decoro da camara, omittil-a, ou substituil-a e não me referir a nomes de pessoas senão quando for em abono d'ellas que se falle.
Começa o folheto no preambulo, e aqui posso citar um nome, como elogio d'elle, que é o do sr. Costa Gomes.
«Não foi necessario ao sr. Costa Gomes o estar muito tempo em contato com os empregados da repartição, que foi dirigir, para conhecer os miseraveis e os biltres, que a coberto da sua posição official roubavam o estado, fazendo contrabando; roubavam os guardas comendo-lhes o salario o praticando toda a qualidade de traficancia, que vou relatar baseado em documentos que tenho colligido.»
Este colligiu os documentos; o governo é que não póde nunca colligir os que lhe pedi em dezembro de 1883 e nunca obtive.
Este folheto não é destinado a combater, nem o sr. Hintze Ribeiro nem o sr. Costa Gomes, pelo contrario, é destinado a defendel-os e a elogial-os; porque, alem de tudo mais, no fim da mesma pagina se encontram umas phrases caracteristicas:
«Mas tão arrojado procedimento deve terminar, e termina com certeza, em se fazendo saber ao paiz, que n'uma das repartições publicas estava organisada uma quadrilha, e que os serviços da imprensa contra o ministro da fazenda e director geral das alfandegas só têem por fim amedrontar estes dois fieis servidores da nação.»
Quem escrevêra foi, pois, um amigo dedicado dos srs. Hintze e Costa Gomes, parecendo apenas não ser amigo do sr. Fontes, que durante dois annos tolerou a quadrilha e os seus feitos.
A isto segue-se...
O sr. Presidente: - V. exa. sabe tão bem como eu qual é a disposição do regimento a este respeito; e se tomo a liberdade de indicar-lha é simplesmente no cumprimento rigoroso dos meus deveres.
O regimento diz que é absolutamente prohibido usar nas discussões de phrases ou allusões que importem injuria a pessoas ou collectividades.
De resto, eu confio inteiramente no illustre deputado, porque sei que não é capaz de faltar aos seus deveres.
O Orador: - Tenha v. exa. a certeza de que não faltarei ao respeito devido a v. exa. e á camara. Até mesmo na leitura que já fiz eu omitti palavras injuriosas que se encontram neste folheto, e assim continuarei a fazer; mas o que não posso é omittir factos. (Apoiados.) Estou aqui para dizer a verdade ao paiz.
O unico nome que pronunciei foi o do sr. Costa Gomes, e esse foi para o elogiar.
O sr. Presidente: - Eu estou perfeitamente descansado.
O Orador: - Hei de fazer todos os esforços para corrigir as asperezas do que se lê n'este folheto; e se o não conseguir alguma vez, tenha v. exa. a bondade de me advertir. A minha questão é apenas de factos e não de melindres pessoaes, nem os dos srs. ministros nem os ele ninguem.
Prosegue o folheto, em referencia a um individuo, cujo nome pouco importa, e que o sr. ministro da fazenda demittiu, pelo que não posso senão louval-o; mas o facto de o sr. ministro da fazenda o ter demittido e mandado processar prova que n'estas accusações alguma cousa ha de verdade.
Diz então o folheto:
«Tirou (aqui está outra cousa, mas substituo o verbo) aos guardas do seu cominando 8:270$000 réis de emolumentos, que o governo teve de satisfazer, ficando alguns d'aquelles desgraçados sem receber...»
Seguem-se cousas de tal modo duras, que não as leio. Temos, por consequencia, um empregado demittido e processado porque tirou aos guardas do seu cominando oito contes e tanto, que eram destinados aos emolumentos.
Ora, note-se que era no fim do anno de 1883 que toda a imprensa denunciava o flicto de que o pagamento dos emolumentos estava atrazado para os guardas dois ou tres trimestres, porque o dinheiro tinha sido desviado da sua applicação.
Ha de a camara tambem lembrar-se de que no fim de 1883 pedi eu os documentos a esse respeito, e que durante uma sessão legislativa inteira os não recebi.
Aqui temos, repito, um empregado demittido e processado porque tirou aos guardas oito contos e tanto, que deviam ser distribuidos como emolumentos, e parece que os tirou em seu proveito, prejudicando o thesouro, que teve de os pagar, e os guardas, que estiveram tres trimestres para os receber.
Mas quem é o culpado de tudo isto? É o sr. presidente do conselho, que era então ministro da fazenda, que esteve dois annos n'essa pasta, que tinha diante de si abusos desta ordem, abusos que a imprensa denunciava constantemente; e entretanto s. exa. deixou passar tudo isto! Foi necessario que a questão se levantasse com mais vehemencia na camara; foi necessario que o sr. Hintze Ribeiro entrasse para a pasta da fazenda; foi necessario que o sr. Costa Gomes fosse nomeado director geral elas alfandegas, para então se proceder contra o culpado. Se o alludido empregado não foi culpado, que direi então do sr. Fontes.
Nem com a ignorancia dos factos póde este desculpar-se, porque as repartições, o informavam e a imprensa clamava. Qual é a defeza de s. exa.? Vou procural-a.
O empregado a que se allude foi mettido em processo. Contra elle se apresentou libello com seus articulados, e elo libello appareceu a contrariedade.
N'essa contrariedade que o ministerio publico se limitou a contestar por negação, ao qual o réu apresentou testemunhas maiores de qualquer suspeição, vou buscar tambem a defeza do sr. Fontes.
Diz pois a contrariedade:
«22.° P. Correndo o anno de 1832, e tratando-se na camara dos senhores deputados da nação portugueza da importante discussão sobre o contrato de Salamanca, os animos pareciam exaltados, o espirito publico andava sobreexcitado, a imprensa opposicionisia, aproveitando o ensejo, atacava com vehemencia o governo, os debates parlamentares corriam calorosos e o ministerio arreceiava-se de qualquer manifestação hostil.
«E tão importante era o negocio Salamanca para o governo e tanto empenho tinha na sua conclusão, que a sessão legislativa foi prolongada até julho, sendo afinal approvado depois de uma lucta renhida e bem disputada.
«N'estas circumstancias.»
«23.° P. Foi o R. chamado á meia noite, não podendo fixar agora a data, a casa do exmo. sr. ... director geral das alfandegas, o qual lhe disse que, por ordem do presidente do conselho de ministros, o exmo. sr. ... ficava auctorisado a metter na camara dos senhores deputados o maior numero ele guardas da alfândega, que podesse arranjar, vestindo-os á paizana, para não haver desconfiança, e que tudo seria pago ao R. com generosidade, acrescentando o exmo. director geral, como o sr. ... costuma pagar tudo, dizendo mais o exmo. sr. ... que para a entrada dos guardas na camara dos senhores deputados se entendesse o R. com o exmo. sr. ..., que o apresentou ao porteiro ... dando-lhe instrucções no sentido exposto.»
«24.° P. O R., como é facil ele concluir, obedeceu ás ordens do director geral e comprou fato á paizana a alguns guardas, gratificou os sem mesquinhez para os conven-
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cer, e com receio de perder o seu unico elemento de vida. É exactamente o mesmo motivo porque muitos guardas &e alistam com receio de perder o seu unico elemento de vida), e como outros não se quizessem prestar á comedia (a politica do sr. Fontes) e muitos não podessem ir, arranjou então o R. mais alguns individuos para o fim que lhe tinha sido imposto.»
«25.° P. Não sendo o réu nem capitalista, nem proprietario, nem homem abonado de meios, pois que só vivia do seu parco ordenado, teve de tirar do cofre dos emolumentos dinheiro para pagar o fato dos guardas, para dar gratificações, para satisfazer despezas de conducção, e por estas e outras gastou algumas sommas com esse impuro mister, a que as necessidades da posição o levavam.»
Allega o réu que não sendo capitalista foi ao cofre dos emolumentos e tirou o dinheiro para a santa obra que a mofina politica regeneradora lhe impoz. Aqui está onde se sumiu o dinheiro dos pobres guardas, que estiveram nove ou dez mezes sem receber os seus emolumentos!
V. exa. vê que eu na leitura supprimi nomes, mas ás vezes a supressão não dá resultado, porque os factos é que fallam, e, se não quero faltar ao respeito devido a pessoas, menos posso occultar factos tão graves. Nem faço commentarios, noto unicamente que estes processos politicos de 1882 são os mesmos que se empregam agora contra os desgraçados guardas, sendo apenas os actuaes igualmente condemnaveis e mais violentos.
Como é que o sr. presidente do conselho, então ministro da fazenda, se defende do seu desleixo, da sua incuria, da falta de cumprimento dos seus deveres officiaes para corrigir estes abusos? (Apoiados).
Defende-se com a allegação do empregado demittido, de que o dinheiro não foi desviado em proveito seu, mas para fins politicos pouco decorosos. Passa de inconsciente a cumplice.
Como v. exa. sabe, em todos os processos apresenta-se um libello accusatorio contra o réu, e o advogado tem de apresentar a contrariedade, que é um documento publico que toda a gente póde ver. D'este documento me servi. E continúo.
«20.° P. No dia da vinda da commissão do Porto para agradecer a El-Rei haver sanccionado a lei sobre o caminho de ferro de Salamanca, o R. teve, espalhados pelas das da cidade e nas proximidades do paço da Ajuda, guardas de alfandega vestidos á paizana, e os paizanos propriamente ditos, a fim de contraporem a qualquer manifestação hostil, de que se receiava, outra favoravel ao ministerio, á commissão e ao contrato de Salamanca, que se dizia ser de provada utilidade para o Porto.
«27.° P. Depois de concluido este serviço, o R. foi em companhia de..., inventor da entrada dos guardas disfarçados na galena das camaras, ao ministerio do reino conferenciar com o exmo. sr. ..., dando-lhe parte do occorrido; com o que elle ficou reconhecido e satisfeito.»
Muito reconhecido e satisfeito com o modo inaudito com que a opinião publica e o Rei eram enganados!
Muito reconhecido e satisfeito, porque á sombra d'estes processos vingou o negocio de Salamanca, o qual já nos custou 135:000$000 réis de subsidio annual, mais uma rede de caminhos de ferro que o paiz pagará carissimos, mais escandalos como deixo narrados, mais (e ahi está a grande desgraça) onerosos compromissos para os bancos portuenses e naturalmente uma crise enorme na segunda praça commercial do reino. Estamos vingados todos quantos combatemos aquelle funesto negocio, e mais o estaremos se o sr. Fontes e o sr. Hintze se conservarem no poder até que a praça do Porto sinta os terriveis effeitos de tão negra especulação.
Não quero cansar mais a camara, porque estes factos bastariam para provar a necessidade de se inquerir ácerca d'isto. (Muitos apoiados.)
Ha duvidas de que foram desviados 8:000$000 réis do cofre dos emolumentos dos guardas?
Não ha nem póde havel-as. Unicamente resta saber, se o sr. Fontes foi um ministro negligente e esquecido dos seus deveres, ou se foi cumplice do attentado. Mas o attentado existiu, mas o folheto diz a verdade, mas os infelizes guardas estiveram mezes privados de receber o que era seu, mas a final o thesouro, isto é o povo, pagou as custas da orgia.
Continua o folheto accusando o mesmo empregado demitiido de outros factos criminosos de que elle se defende na contrariedade que citei e continua com accusações igualmente graves contra outro empregado, e igualmente toleradas pelo sr. Fontes durante dois annos. Mas não leio, porque não vale a penna e não quero fatigar a camara.
Mas não passo adiante sem lhe apresentar um facto e demonstrar o ideal da boa administração. É esta phrase com que termina a pag. 10 do folheto; que já pertence á responsabilidade do sr. Hintze:
«Serviram de prova alguns empregados, transferidos por ladrões da alfândega de Lisboa para a do Porto, onde continuam com as mesmas gentilezas.»
Não ha nada melhor.
O Porto é o Castro Marim de outro tempo, e a costa de Africa de hoje, para onde se transferem empregados que abusam por tal fórma no exercicio das suas funcções. (Apoiados.)
O resto era facil de prever. Os empregados que foram castigados com uma tal severidade, ainda lá continuam a praticar as mesmas gentilezas! Podéra! Quando, depois de se terem, praticado abusos de tal gravidade, se lhes dá como castigo a tranferencia para o Porto, a consequencia é continuar lá o abuso. (Apoiados.)
Haverá, porém, provas de todas estas monstruosidades? O folheto o diz a pag. 15:
«E não se diga que somos exagerados nas arguições que estamos fazendo. Consultem os documentos archivados na direcção geral e no cominando do segundo corpo, e verão que ficâmos muito áquem do que por lá se encontra em documentos officiaes.»
Ficâmos ainda muito aquém do que está nos documentos officiaes! Pois venham os documentos, proceda-se a um inquerito, faça se luz em tudo, é necessario dar uma satisfação ao paiz. Isto não póde ficar assim. (Apoiados.) Venham para a camara os documentos. Aqui é que se tomam contas a todos os governos, quando se denunciam em publico similhantes abusos. (Muitos apoiados.)
O meu desejo é que se chegue a uma solução propria da dignidade da camara e do governo, d'este ou de qualquer outro. (Apoiados.)
Digo mais. Estou plenissimamente convencido de que o sr. Hintze Ribeiro não tem conhecimento da milessima parte dos monstruosos abusos praticados na fiscalisação externa das alfandegas. E digo isto para mostrar que não me anima nenhuma animadverssão politica; só me inspira o desejo de que por uma vez se acabe com esta... vergonhosa desordem nos serviços publicos. (Apoiados.)
Que se faça justiça a quem a tem, que não se opprimam os infelizes e que não sejam os culpados destas gentilezas os encarregados de alliciar os guardas pela força ou pela corrupção. (Apoiados.)
(Interrupção.)
O auctor da obra anonyma? descobre-o o inquerito em poucos momentos, já hoje ninguem ignora quem seja. (Apoiados.)
E o desvio dos 8:000$000 réis do cofre dos emolumentos por desleixo ou cumplicidade do sr. Fontes, tambem é obra anonyma?
Não é obra anonyma, é um facto averiguado e provado.
(Interrupção do sr. Franco Castello Branco.)
Do que leio não sou eu o auctor; é um qualificado de-
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fensor do sr. Hintze e pela sua posição senhor dos segredos das repartições.
O sr. Arroyo: - O que tambem era bom era desmascarar o auctor do folheto.
O Orador: - Esse é exactamente dos que devem ser castigados, é tão bom como os outros.
O folheto continua:
«Lá (nos archivos officiaes) acharão as provas terminantes de que faltavam centenas de guardas fiscaes, uns que trabalhavam como alfaiates em estabelecimentos da capital, outros que eram guardas-portões de gente rica, outros ajudantes de tabelliães, outros empregados em casas commerciaes, e um até amanuense da camara de Cascaes!!»
Neguem, se podem, e neguem tambem que o sr. Fontes era ministro da fazenda.
Diz-se que a maior parte d'estes pessimos empregados estavam ao serviço do ministerio, durante a administração do sr. Barros Gomes. Não estavam. Na quasi totalidade entraram depois da malfadada reforma de 1881, que coincidiu com as celeberrimas eleições de 1881, e por causa d'estas foram despachados!
Segue-se no folheto a historia triste de uma syndicancia á alfandega do Funchal. Não insisto n'este ponto, porque não quero tomar tempo á camara, porque me enoja revolver tal podridão. Mas, para que mais ninguem tenha que passar pelo sacrificio de lançar mão de similhantes papeis, para que nunca mais se façam taes accusações em publico a repartições do estado, sejam ellas quaes forem, é que eu peço o inquérito parlamentar. Luz e castigo!
O caridoso auctor do folheto ainda teve a habilidade de denunciar, alem d'estes, outros factos importantes, diz elle:
«Nos corpos da fiscalisação os empregados superiores... defraudavam o estado, recebendo quantias a que não davam legal e devida applicação; e defraudavam os subalternos, comendo-lhes o ordenado e emolumentos; estes a seu turno vendiam-se e deixavam-se corromper, animados pelos exemplos, que de cima lhes eram dados; nos estabelecimentos aduaneiros centenas de contos eram subtrahidos na contagem e pagamento dos direitos, avultando os das fazendas despachadas sobre as aguas, do petroleo, dos tabacos, madeira e bacalhau.»
Neguem se podem. Neguem que tudo isto succedeu sob o consulado do sr. Fontes.
Neguem se podem. Tudo isto continua e durará até que um dia o sr. Hintze Ribeiro, ou qualquer outro ministro tome as devidas providencias. Não lhe nego que tomou algumas, mas ficou longe do que devia fazer.
Podem o governo e a camara recusar o inquerito?
Ainda sobre o mesmo assumpto se lê:
«Em face de tão medonho estendal póde ajuizar-se do estado de profunda desmoralisação nos corpos e estabelecimentos aduaneiros até o principio do corrente anno, devendo notar-se que ainda não tocaram nos navios que entraram e descarregaram sem isso constar na alfandega, nos despachos sobre as aguas e nos dos tabacos, do petroleo, madeiras e bacalhau, que provavelmente não deixará na rede algum peixe mais graúdo.»
Neguem se podem! Então porque não negam, que não se buliu nos auctores de taes provas. Vamos, neguem se podem!
E agora lembro á camara o que o sr. Navarro disse antes da ordem do dia; que ha 53 dias ainda não estavam acabadas as investigações a que s. exa. se referiu. O que é preciso, sr. presidente, é um inquérito que bula em tudo e todos, posto que o sr. Hintze Ribeiro não continuou com a mesma louvavel energia com que procedeu ao principio e na qual depois afrouxou. Seria por mal informado, mas o inquerito que o informe.
Já por estes factos se explicam aquellas duvidas oppostas pelo exercito em reconhecer como superiores ou camaradas os empregados sobre que pesam tão graves accusações. Não eram pequeninos estimulos, não era questão de continencias, era caso mais grave do que isso, era caso de honra e brio.
Mas estes factos não são unicos. Fugindo de citar nomes vou apontar casos e actos da responsabilidade do actual ministro.
Havia um official inferior do exercito que pediu a readmissão. Foi-lhe negada pelo seu mau comportamento. Mas logo foi admittido na fiscalisação externa das alfandegas com o posto correspondente a alferes, e com 46$000 réis de vencimento. Se não fosso sargento mal comportado, estava servindo no seu corpo, e tarde chegaria a alferes, com vinte e tantos mil réis. Mas, sendo tão mal procedido que no exercito não o quizeram, logo na fiscalisação passou da graduação de sargento á graduação de alferes, com 46$000 réis mensaes!
Que justiça e que exemplos!
Em certo corpo de cavallaria, um segundo sargento, que pertencia ao effectivo, tinha á medalha de cobre por bom comportamento; foi-lhe retirada a medalha e julgado e condemnado pelo conselho de guerra pelo seu mau comportamento. Pois guarda fiscal com elle, e patente de alferes, com 46$000 réis de vencimento mensal. O seu comportamento era tão bom, que foi necessario tirar-lhe a medalha que lhe tinham dado.
Outro, e d'esse não é responsavel só o sr. ministro da fazenda, um cabo foi proposto como se fôra sargento, e logo na guarda fiscal passou a alferes, com 46$000 réis.
Foi expulso da guarda da policia civil um policia pelo seu mau comportamento; guarda da fiscalisação com elle, posto equivalente a alferes e 46$000 réis. E querem que a oficialidade do exercito acceite homens com precedentes d'estes como seus camaradas, como seus iguaes ?! Não póde ser.
E diz o sr. ministro da fazenda que são questões insignificantes de continencias. Uma corporação que tem por timbre o decoro e o brio, não póde consentir que lhe dêem por camaradas homens como estes, homens assim. São pequenos estimulos, questões insignificantes, diz o sr. Franco Castello Branco!
Ha tempo um individuo que era militar de cavallaria, desertou, levando o cavallo e vendendo artigos de equipamento: posto superior no corpo da fiscalisação das alfandegas, patente de capitão e vencimentos avantajados.
Não ha muito tempo o sr. Fontes, quando era presidente do conselho e ministro da fazenda, entendeu que devia organisar o serviço fiscal maritimo de Lisboa e tratou de nomear um chefe para esta fiscalisação.
Foi dado o logar a um medico sertanejo. Para fiscalisação medico, para o mar sertanejo. Esse empregado, tempo depois, foi encontrar um empregado da sua dependencia que apenas falsificava recibos, e á sombra da- falsificação se apropriou de 126$000 réis. Aquelle deu parte superiormente, e o falsificador pagou os 126$000 réis que tinha desviado em proveito seu por este santo modo e... continuou no serviço sem mais castigo!
Isto de falsificar recibos e defraudar o fisco, desde que se pagam os dinheiros desviados, é uma cousa insignificante; é uma questão de continencias; é um pequenino estimulo. (Riso.) Nada vale.
O sr. ministro da fazenda fez uma boa escolha nomeando para chefe da 4.ª repartição um tenente coronel do exercito, homem de bem. Unicamente o pobre do homem não póde lá conservar-se. Não explicarei miudamente, porque não vale a pena e eu não quero cansar a camara, nem me quero cansar a mim, o motivo porque elle não póde lá conservar-se. O inquerito que o diga. Eu não quero senão o inquerito. (Apoiados.) Não tenho rasão? Estes papeis nada provam? Ainda bem; demonstre-o o inquerito. (Apoiados.) Fique eu condemnado, se querem, por não ter tido rasão, mas fique limpo o serviço do estado. (Apoiados.)
Não farei a analyse do artigo 6.° da novissima reforma com o seu § 1.°, em que se explicam as condições em que hão
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de ser dadas aos empregados da guarda fiscal as graduações correspondentes á reserva. Bastava a comparação d'este artigo da novissima reforma com a disposição que rege no exercito, para demonstrar como isto foi levianamente pensado. Mas eu não quero fatigar a camara, nem abusar do effeito rhetorico de ficar com a palavra reservada, sem que ninguem me podesse responder n'esta sessão. Antes quero que me respondam, e sobretudo o que desejo é que me respondam com o inquerito. (Apoiados.)
Inquerito é o que eu quero, e nada mais.
Quanto aos guardas da fiscalisação perseguidos e opprimidos, podia eu apresentar nomes, porque não era para os offender, era para os defender; mas declaro que tenho medo de os ver ainda mais perseguidos e victimados.
Se eu apresentasse o que tenho aqui escripto de guardas da alfandega, a quem não se pagam as gratificações desde setembro, mas que são transferidos do norte para o sul do reino ou vice-versa; se eu apresentasse a nota dos guardas a quem se lavrou auto de abandono, para se lhes poder dar a demissão, tendo-lhes mandado antes os chefes que se retirassem; se eu apresentasse tudo isto, ámanhã esses guardas soffreriam uma perseguição maior.
Para que tudo se prove sem haver victimas innocentes, eu peço tambem o inquerito.
Venha o inquerito, porque então estão todos ao abrigo de vinganças; venha o inquerito, e se elle provar que os queixumes dos guardas são falsos, castiguem-se os guardas por enganarem o publico. Mas se todos os seus queixumes são verdadeiros, como sei que são, castiguem-se os chefes que coagem os guardas com escandalosas violencias. (Apoiados.)
Pedindo desculpa á camara pelo tempo que lhe tomei, concluo mandando para a mesa a minha proposta, á qual admitto todas as alterações que se julgarem convenientes, porque não tenho n'ella intuitos politicos; depois do que sabe, a camara na sua alta sabedoria resolverá como entender mais justo.
Tenho dito.
Leu-se na mesa a seguinte:
Proposta
Proponho que a camara eleja uma commissão de nove membros encarregada de fazer um inquerito minucioso ácerca dos serviços dependentes da administração geral das alfandegas, começando pela fiscalisação externa e guarda fiscal, e dando conta dos seus trabalhos á camara, á proporção que os for adiantando. A commissão eleita lerá as mesmas attribuições que a encarregada do inquerito á penitenciaria central de Lisboa. = Mariano de Carvalho.
Foi admittida.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - É notável! Faz-se uma reforma dos serviços aduaneiros e fiscaes; traz-se essa reforma ao parlamento e a opposição apresenta-se a discutir as reformas anteriores! (Apoiados.)
Cohibem-se abusos, punem-se empregados, trata-se de reduzir o corpo da fiscalisação externa aos limites justos de uma disciplina verdadeira e aqui accusa-se o governo, pedindo-se um inquerito aos seus actos, quando não se lhe póde contestar a hombridade necessaria e a energia sufficiente para castigar os que delinquem e para restabelecer a ordem e a disciplina nos corpos fiscaes, cuja direcção superior está a seu cargo!!
Este ministro que se accusa, fez uma larga reforma nos serviços aduaneiros e fiscaes, no uso de uma auctorisação parlamentar e essa auctorisação obriga o governo a dar conta ás côrtes da maneira como a cumpriu e executou; mas os srs. deputados da opposição entendem dever alevantar-se, não para discutirem o cumprimento d'essa auctorisação; não para criticarem o procedimento do ministro; não para avaliarem as suas intenções; não para medirem os seus actos, mas para discutirem a reforma que elle aniquilou com a sua para punir abusos, como puniu, com os seus proprios actos! (Apoiados.)
Effectua-se uma reforma em 1885; e, agora, em nome de que principios se condemna a intenção do ministro que a fez? Em nome das irregularidades commettidas á sombra da reforma de 1881! Como se não bastasse o simples facto de se pedir uma auctorisação para reformar serviços aduaneiros e fiscaes, para com isso se attestar a necessidade reconhecida pelo governo de remodelar em novas bases aquelles serviços, que até agora corriam irregularmente, no dizer do illustre deputado!
Que s. exa. me viesse censurar, porque era incompleta e imperfeita a reforma que fiz; porque eram iniquos e attentatorios os actos que praticára, comprehendia-se e justificava-se; mas que s. exa. me venha accusar, não pela reforma que é justamente aquella, de que o parlamento tem a occupar-se, mas por umas reformas que já passaram, é o que eu não comprehendo. (Apoiados.)
Mas, entendâmo-nos por uma vez, ácerca da reforma de 1881. Ainda hontem um illustre membro do parlamento, o sr. Barros Gomes, revindicára para si as disposições beneficas, que nessa reforma se continham; considerava como titulo da sua gloria, como padrão do seu trabalho e como monumento respeitavel, as disposições fundamentaes da reforma de 1881.
Hoje pela bôca do illustre deputado, vê-se que essa reforma é toda attentatoria dos verdadeiros principios de organisação, toda nulla, sem alcance, toda destituida de fundamento; que essa reforma...
O sr. Barros Gomes: - As censuras referem-se ao pessoal.
O Orador: - Consignemos então, em principio, a conclusão de que aqui não se discutiu, nem censurou a reforma de 1881, que o illustre deputado quer para si, assim como se não discutiu a reforma de 1885, que era precisamente aquella que estava sujeita á discussão. (Apoiados.)
Então fique bem consignado, que nem a reforma de 188i é tão condemnavel que sobre ella deva incidir a censura do parlamento, nem a reforma de 1885 levantou tantas resistencias, attritos e animadversões, que possa dar motivos ás accusações do parlamento.
Confessemos então já, que n'esta organisação se não deu, pelo menos, o stygma, que sobre ella quizeram lançar. Alguma cousa conquistámos.
É, pois, só a questão do pessoal, que nos occupa. Só ahi é que está a censura do illustre deputado. Reduzamos a questão a esse terreno.
Com que argumentos, com que factos Tem aqui architectar uma accusação? Architecta-se com um folheto, que não sei até se é anonymo! Architecta-se com a contrariedade de um réu, que é accusado em juizo! Com estas provas é que se lança em rosto ao governo a maldade do seu proceder, e a menos rectidão dos sentimentos que o animam !...
São estas as provas. Um folheto anonymo e a contrariedade de um réu accusado em juizo?!
E querem um inquerito?! Um inquerito!!
Já em 1879 levantaram e brandiram essa arma tambem com intuitos politicos e partidarios, para denegrir os seus adversarios politicos, para de vez os expulsar do solio do poder, para os atirar para bem longe do conceito e favor da opinião publica! Tambem uma vez, em 1879, se inventou esta arma do inquerito, e foram elles que o fizeram; e foram elles que desceram ao exame dos papeis das secretarias, e foram elles que indagaram e viram, tudo, documento por documento, peça por peça; e o que ficou d'esse inquerito?!
Simplesmente uma bola de gabão que caiu sem deixar signal de si. (Muitos apoiados.)
E são estes os homens que novamente, em 1886, vem recorrer ao mesmo expediente, com as mesmas intenções,
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e posso assegurar-lhes com os mesmos resultados! (Apoiados.)
Quaes são os funndamentos do inquerito?!
São os factos em virtude dos quaes foi demittido um empregado, processado e remettido para juizo? !
Pois não está lá o juizo para fazer o inquerito?
Pois onde ha maior garantia de exame e de apreciação para a condemnação de delictos do que no poder judicial?
Não podem ahi exibir-se todas as provas, apresentar-se todos os documentos e todos os papeis que possam pôr em evidencia a verdade?!
Não é ahi, perante o poder judicial, livre das paixões partidarias, imparcialmente, á luz serena da rasão e da consciencia, que podem ser devidamente aquilatados nos seus effeitos e fundamentos esses documentos?! (Apoiados.)
E querem um inquerito partidario, um inquerito politico, quando têem o inquerito judicial, inquerito verdadeiramente imparcial, que tem todas as garantias da lei por si, e que tem até a garantia da consciencia dos representantes do povo, traduzida no jury! (Apoiados.)
Eu comprehendia que me viessem accusar no parlamento, apontando-se factos, desvendando-se iniquidades, e apresentando-se torpezas praticadas pelos empregados da fiscalisação e que dissessem: «o ministro sabe e não pune»; mas tendo de dizer logo depois que demitti quem não cumpriu com os seus deveres, que mandei processar e remetter para juizo quem defraudou a fazenda publica, ou quem podia suppor-se que a defraudára; para ter de dizer isto, realmente não comprehendo a accusação, não comprehendo senão o louvor ao ministro que cumpriu o seu dever. (Apoiados.)
O que querem então que se faca, quando o ministro tendo sido sabedor, tendo visto e conhecido da verdade de todos os factos, não tiver procedido de forma alguma?!
Para esse não ha o estygma, emquanto que para aquelle, que castiga quem erra e pune quem, delinque, não ha da - parte da opposição parlamentar uma palavra unica de elogio n'esta camara! (Apoiados.)
E quaes são os factos que só allegam? Uma contrariedade judicial que está sob o peso da acção do juiz, que tem de ser discutida com provas, com factos, com testemunhas, com todos os elementos de apreciação e conselho. E querem inquerito, para que? Para entibiar a acção da justiça, para nos entremettermos n'aquillo que está pendente de um juizo, para avocarmos a nós uma causa que está pendente da acção de um poder independente, que dá inteira garantia das suas apreciações e das suas decisões! (Apoiados.)
Inquerito, para que? Para que a politica partidaria se vá metter no meio da apreciação exacta e serena dos factos? (Apoiados.) Nunca!
Citam-se factos n'essa contrariedade? Hão de conhecer-se esses factos, ha de apurar-se a verdade sobre elles, ha de derramar-se inteira luz, ha de conhecer-se a verdade ou a falsidade d'essas accusações; mas ha de conhecer-se pelas vias legaes, regulares, som odios, sem espirito de vingança, sem inspirações da politica, sem as alternativas dos sentimentos dos adversarios. É assim que se ha de conhecer a verdade.
Davam-se abusos na fiscalisação externa? Não era necessario que o illustre deputado o viesse dizer. Os ministros o têem reconhecido. Nos meus relatorios do anno passado e de 1884 eu os apontava; mas, apontava-os, para que? Para proceder cem energia, para reprimil-os, para castigal-os, para os evitar quanto podesse. Pois, póde alguem accusar-me de o não ter feito? Pois eu, quando demitto um empregado, qualquer que elle seja, por superior que seja no quadro da fiscalisação externa; quando o remetto para juizo, não tenho porventura dado sufficientes garantias de que procedo com acerto e de quanto é sincera a minha ventado do bom proceder e acertar? (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
E quaes são os actos da minha administração que se accusam?
Diz-se que o instituiu militar assenta sobre tres cousas: o brio, a abnegação e a disciplina. De certo; ninguem o contesta. São esses os justos apanagios, devem ser esses os titulos de gloria do exercito. É necessaria a disciplina, é necessario o brio, é necessaria a abnegação no cumprimento dos deveres do serviço. Puis exactamente quando um ministro chama esses principios, que são salutares, para a organisação do corpo da guarda fiscal; quando um ministro pretende substituir pela boa ordem as irregularidades que havia, pretende melhorar a disciplina, pretende cercar de todas as garantias de boa ordem, e bom serviço essa guarda fiscal, é então que se levanta um deputado para censurar o ministro, que teve a ousadia de chamar esses principios salutares para a organização do mais importante serviço, em relação aos mais importantes dos que se referem á receita do estado! (Apoiados.)
«Foram admittidos como chefes de secção da fiscalisação externa individuos que tinham estado no exercito; um que tinha levado baixa de posto, outro que tinha pedido a sua readmissão e não a tinha conseguido.»
Foram effectivamente admittidos, foram nomeados; mas quando ao apresentarem as suas baixas, se reconheceu que a nomeação não se podia tornar effectiva, fui eu que os expulsei, não esperei pelo inquerito, não esperei que o sr. Mariano de Carvalho viesse dizer-me qual o cumprimento do meu dever. (Muitos apoiados.)
Desde que reconheci que a nomeação tinha recaído em individuos, que não satisfaziam aos preceitos necessarios para assegurar a moralidade no corpo da fiscalisação externa, expulsei-os eu do meu motu proprio.
«Um cabo, dizia o illustre deputado, dado como official inferior para vir servir no corpo da guarda fiscal.» É verdade. Houve um cabo, que, por equivoco, foi indevidamente incluido na relação dos sargentos; mas apenas se reconheceu que não era o racial inferior, foi despedido da mesma maneira.
E não foi o inquerito que deu este resultado, e não foi o sr. Mariano de Carvalho que me indicou o caminho que eu tinha a seguir. Não precisava d'isso. (Muitos apoiados.)
Mas houve um tenente coronel, chefe da quarta repartição, nomeado por mim, que teve de resignar-se a pedir a sua exoneração.
É verdade, retirou-se por não lhe convir continuar, e foi substituido por outro, não menos distincto e brioso do que elle. (Apoiados.)
Pois até por isto é preciso inquerito? (Apoiados.) Pois porque um empregado não quer continuar n'um serviço, e é substituido por outro, que não offerece menos garantias do desempenho cabal dos seus deveres, até n'isto ha motivo pura accusação ao governo? - (Apoiados.)
Eu não quero cansar a attenção da camara; quero comtudo reduzir a questão ao seu verdadeiro terreno.
Fica que a reforma de 1881 não foi aqui combalida: pelo contrario, nos seus principios fundamentaes foi exaltada, como cousa propria, pelo sr. Earros Gomes; que a reforma de 1885, aquella que precisamente se devia discutir, que é minha, que é da minha responsabilidade, essa não só não foi discutida, mas nem sequer beliscada de leve pela accusação do illustre deputado. (Apoiados.)
É tão grande aquelle volume, que, ou os illustres deputados o não leram, ou, se o leram, não acharam com que podessem accusar o ministro que se deu ao improbo trabalho de apresentar uma completa collecção de serviços fiscaes. (Muitos apoiados.)
Se, resalvados os principios da reforma, a questão está só na execução dos preceitos fundamentaes, se está só nos
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actos e no procedimento do governo, desde que, como prova para o inquerito, se adduzem tão sómente abusos que o ministro da fazenda cohibiu, irregularidades que mandou punir, a que titulo, com que fundamento se vem pedir um inquerito? (Muitos apoiados.)
É para descambar a apreciação dos factos no dominio da politica partidaria? Empara lançar o descredito sobre os adversarios politicos? É para resuscitar essa arma de combate de 1879? (Muitos apoiados.)
Se e só para isto, a maioria que lhes responda como quizer. (Muitos apoiados.) Pela minha parte e em minha consciencia eu não posso nem devo acceitar um inquerito aos actos por mim praticados, emquanto não se demonstrar que sobre esses actos incide uma censura parlamentar. (Apoiados.)
Emquanto ao lado de um abuso mo apontam a punição; emquanto ao lado de uma irregularidade apparece a condensação, assiste-me o direito de pedir, não o louvor dos illustre deputados, porque me basta a satisfação da minha consciencia, mas de pedir que sejam mais comedidos nas suas accusações e mais verdadeiros nas suas asserções. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Thomás Bastos: - V. exa., sr. presidente, e a camara acabaram de ouvir o sr. ministro da fazenda, com a sua palavra sempre correcta e hoje altisonante, declarar, quanto ao inquerito que se pede para bem conhecer dos factos que são do dominio publico, e das accusações gravissimas que se têem levantado, que não acceita!
Um dos principaes argumentos adduzidos por s. exa., argumentos que devem convencer a camara e muito mais nos devem convencer a nós, deputados da opposição, é o não querer que se repita o facto, que se deu em 1879, quando tambem advogámos a necessidade de um inquerito, de não se colher em resultado mais do que uma bola de sabão.
S. exa. entendo que o inquerito não dera então resultado. Effectivamente esse inquerito produziu uma bola de sabão, mas com tanta abundancia de materia cáustica, que de certo ainda ninguem se esqueceu das malversações praticadas na penitenciario, e em muitos outros serviços publicos. (Apoiados.) É melhor não voltarmos a essa questão.
Não me proponho n'este momento acompanhar o sr. ministro da fazenda nas suas divagações, para onde naturalmente foge sempre que se trota da questão relativa á organização do serviço das alfandegas, censurando-nos ao mesmo tempo porque não discutimos a reforma contida no seu grande volume, como s. exa. lhe chama.
Sem pretender amesquinhar o trabalho de um homem intelligente, como é s. exa. e dedicado á causa publica, devo todavia declarar que já estou um pouco cansado de lhe ouvir dizer que escreveu um grande volume. (Apoiados.)
Se realmente as obras se avaliassem só pelo peso e pela grandeza dos volumes, o trabalho do sr. ministro da fazenda seria, comparativamente com outros, um trabalho de grande valor. (Riso.)
Como disse, não quero amesquinhar o trabalho do sr. ministro, cuja capacidade intellectual reconheço, mas francamente, esse trabalho apresenta muitas irregularidades e deficiencias. (Apoiados.) Verdade é que s. exa. escreveu num praso curto esse volume, e talvez fosse essa rapidez que fizesse com que na reforma apparecessem tantos defeitos.
Disse o sr. ministro que a opposição não tinha discutido a reforma, parecendo por isso tel-a achado boa.
Responderei a s. exa. que a opposição não acha boa essa reforma e ha de discutil-a. Mas, se o volume é tão grande, como quer s. exa. que a curto trecho, em meia duzia de sessões, nós possamos discutir uma obra de tal maneira vasta? Ha de levar seu tempo. (Riso. - Apoiados.)
Nós temos que discutir o seguinte: uma primeira edição, e no curto intervallo de dois mezes uma segunda edição mais incorrecta, mal revista e augmentada. Mas francamente, não é n'esta occasião, quando o debate se cifra principalmente na perseguição movida contra os guardas fiscaes, que se póde dirigir á opposição o reparo de que ella não discuta já essa grande obra do sr. ministro da fazenda.
O motivo principal para que pedi a palavra, foi para responder ao sr. deputado Franco Castello Branco, que se referiu a essa questão de galões e susceptibilidades do exercito, uma questão que alguns têem menos convenientemente pretendido amesquinhar, parecendo querer comparal-a com a do Hyssope, e que estaria pedindo um novo poema como o de Antonio Diniz.
O facto é que ninguem do exercito se preoccupa com a questão dos galões, mas muitissimo com aquelles a quem se dava o direito de os usar. O paiz é bem pequeno para que todos nos conheçamos, uns aos outros, e assim como não é facil, ainda com a melhor boa vontade, improvisar de um momento para outro individuos em condições de terem as honras e regalias que competem aos honrados officiaes do exercito, tambem estes não podem acceitar de boa mente a camaradagem, de intrusos escolhidos sem nenhum escrupulo.
Para fazer parte da briosa classe de officiaes do exercito, exigem-se habilitações scientificas ou os conhecimentos que resultam da aturada pratica, dos bons serviços; exigem as leis que antes de entrar n'essa classe se prove ter bom procedimento, e exigem alem d'isso que os officiaes continuem a tel-o, para ali se poderem conservar.
Não quero fazer rhetorica nem exaltar os brios do exercito, a quem todos fazem justiça; observo simplesmente o seguinte: o sr. ministro da fazenda disse que queria estabelecer esta organisação nos limites justos da verdadeira disciplina e tomando por modelo a completa organisação militar.
Como é que s. exa. pretendeu estabelecer esses limites?
Foi dando postos e concedendo regalias, que são dependentes d'esses postos, a alguns individuos que não tinham as condições de bom comportamento, que é preciso para uma tal categoria?
Disse o sr. Franco Castello Branco, que nem sempre está de accordo com o sr. ministro da fazenda n'este ponto, que as alterações feitas não eram com o intuito de remodelar a reforma que se tinha publicado, mas sim de accentuar mais o caracter militar que se tinha querido dar á organisação da guarda fiscal.
A organisação do exercito, na parte relativa aos officiaes das reservas, determina entre outras condições, mui principalmente que os individuos para poderem ser nomeados para esse quadro, tenham tido bom comportamento; mas o sr. ministro da fazenda, que fez uma reforma e depois a reformou, fez as nomeações do pessoal d'aquelle corpo, para logares a que irregularmente attribuiu postos de officiaes da reserva, pelo modo que a camara ouviu ha pouco, isto é, nomeou individuos com mau comportamento: tal foi a precipitação com que procedeu; e mais tarde, reconhecendo o mal que tinha feito, demittiu esses individuos.
Pois o sr. ministro da fazenda, que é tão escrupuloso, que quiz organisar militarmente o corpo da guarda fiscal, começou logo por nomear para esse corpo individuos que não tinham dignidade para isso, introduzindo assim desde logo um vicio no organismo d'aquella instituição!
«Mas, diz-nos s. exa., conhecendo depois que esses individuos por mim nomeados, não estavam nas condições legaes, demitti-os.»
Aqui poderia applicar-se o rifão - peccado confessado é meio perdoado - sem embargo fica bem provado que s. exa. peccou.
Mas s. exa. devia ser escrupuloso para não fazer taes nomeações; não devia conceder a nenhum individuo a gra-
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duação de official sem conhecer previamente se esse individuo podia ser collocado a par dos officiaes do exercito, a quem ía dar tal camaradagem.
Pois, para qualquer sentar praça de guarda no corpo da fiscalisação, o sr. ministro exige certidão de folha corrida e apresentação de documentes que provem o bom comportamento, e s. exa. julga-se auctorisado a nomear individuos a quem dá postos de officiaes, sem exigir-lhes certidão de folha corrida, ou attestados de bom comportamento? Que garantias temos assim de que os officiaes que são nomeados o devam ser?
Depois s. exa., que levou tanto tempo a fazer a sua obra, começa logo em seguida a desfazel-a!
O facto é que o sr. ministro da fazenda com os srs. ministros da guerra e da marinha, elaboraram uma organisação da guarda fiscal, em que se desacatam os preceitos de ordem, de disciplina e de organisação do exercito, cujo decreto estabelece mui expressamente n'um artigo que, alem das graduações militares consignadas na organisação do exercito, mais nenhuma poderá ser concedida por virtude de qualquer outra disposição legal.
A auctorisação que foi dada pelo parlamento ao sr. ministro não era para alterar todas as leis vigentes ou deixar de as respeitar; era para organisar os serviços, e não para os srs. ministros estarem dando provas constantes de por ella fazerem a sua aprendizagem.
Não se póde admittir que, depois de um decreto feito e publicado em virtude de uma auctorisação, esta seja invocada para passados dias se alterar esse decreto por meio de uma portaria.
Póde acaso comprehender-se que, tendo-se dado auctorisação ao sr. ministro para proceder á reforma do corpo fiscal com uma organisação, tanto quanto possivel militar, essa auctorisação servisse para se ir violar a organisação do exercito?
Pois o que vimos, é que muitos dos individuos nomeados não podiam figurar como officiaes do exercito; muitos individuos, a quem arbitrariamente se íam conceder certos postos, nunca poderiam ter direito a elles pelos principios da justiça e da moral.
Porque foi que o governo, em vez de se dar pressa em publicar a organisação em 17 de setembro, não a publicou em 17 de dezembro? Poderia ser mais meditada e não se teria perdido tempo, porque os factos estão provando que foi necessario prorogar o praso para o alistamento a fim de se poderem obter guardas.
O que na verdade me surprehendeu foi que o sr. Franco Castello Branco nos viesse dizer que os guardas ainda agora ignoravam as vantagens que a lei lhes dava.
De modo que a organisação é tão completa e perfeita, dá taes vantagens áquella gente, que, a despeito de todas as instrucções e explicações que se têem dado, e até mesmo dos processos que se têem aqui descripto, os guardas não percebem cousa alguma.
É realmente estranho que numa corporação tão numerosa não haja alguem que possa comprehender essas grandes vantagens! (Apoiados.)
O decreto de 17 de setembro foi, como a camara sabe, alterado; o paragrapho do artigo 6.° que existia n'esse decreto appareceu transformado em § 2.°, sendo inserto em outro paragrapho, inserto sob dois pontos de vista, um porque foi introduzido no decreto e outro porque a sua materia é muito duvidosa. (Riso.)
Diz elle:
«Emquanto não forem elaborados os regulamentos a que se refere o artigo 212.° do decreto de 30 de outubro de 1884, que reorganisou o exercito, as graduações correspondentes aos postos de official, a que o presente artigo se refere, só darão direito dentro do corpo fiscal ás honras e regalias que lhes são peculiares.»
Os regulamentos a que se refere o artigo 212.°, dentro das bases da organisação do exercito, dizem respeito unicamente ás quatorze categorias com as quaes se póde entrar no quadro de officiaes da reserva.
Se porventura uma grande parte d'esses individuos nomeados para logares superiores da guarda fiscal não está incluida n'essas categorias, não póde ter a correspondencia nos postos, nem as garantias que lhes estão marcadas no quadro hierarchico; e portanto, nem dentro nem fóra da guarda fiscal são officiaes da reserva. (Apoiados.)
Depois o mesmo paragrapho acrescenta o seguinte:
«Depois de publicados os regulamentos alludidos sómente terão direito ás honras e regalias, que n'elles forem preceituadas para os officiaes da reserva, os individuos que satisfizerem as condições inherentes ao respectivo grau hierarchico.»
Ora uma das condições que é fundamental, porque dimana de disposição preceptiva da lei é ter bom comportamento, assim como o são as categorias que o artigo 211.° estabelece.
Quer dizer que se ámanhã o sr. ministro da guerra apresentar o regulamento das reservas, o sr. ministro da fazenda ver-se-ha em grandes embaraços. (Apoiados) Terá, ou de supprimir o quadro hierarchico do artigo 6.°, ou de demittir os individuos que nomeou e não poderem ter as funcções a que correspondem esses graus de hierarchia.
Tem-se dito aqui, com estranheza, que um dos artigos da organisação lança para o exercito as praças da guarda fiscal que tiverem mau comportamento, a fim de completarem o seu tempo de serviço num dos corpos.
Allegou-se que ha precedente; eu não discuto a disposição analoga, ou similhante, que existe em relação ás praças da guarda municipal.
Só observo que na gradação das penas estabelecidas para a guarda fiscal, a de expulsão, que é a que faz com que as praças vão para o exercito, e a ultima, e a mais grave.
Isto não é igual ao que acontece com relação á guarda municipal. N'esta guarda quatro transgressões simples, ou duas aggravadas, que aliás podem não corresponder aos casos em que se dá a maxima punição disciplinar, a expulsão; na guarda fiscal é que determinam a passagem das praças para o exercito.
Não discuto agora a conveniencia de mandar para o exercito as praças da guarda municipal em taes condições; indico apenas que não são perfeitamente iguaes as circumstancias em que as praças da guarda municipal ou da guarda fiscal têem de ir servir no exercito.
Outra circumstancia que se allegou aqui é a do codigo penal estabelecer que se assente praça no exercito como compellidos aos vadios.
É verdade. Esqueceu, porém, ao sr. Franco Castello Branco, distincto delegado, acrescentar - depois de castigados -, o que se deve suppor um principio ou um elemento de regeneração. (Apoiados.)
Mas não me surprehendeu em nada que o sr. ministro da fazenda, que quer organisar dentro dos limites de uma verdadeira disciplina militar a guarda fiscal, procurasse lançar para o exercito os praças d'aquelle corpo que fossem incorrigiveis, quando nós vimos que à coeur leger s. exa. foi lançando para a guarda fiscal, dando-lhes postos de officiaes, individuos incorrigiveis do exercito.
D'esta maneira fica a organisação completa.
Se s. exa. admitte para a guarda fiscal compostos de officiaes individuos que não podiam ser admittidos no exercito por incorrigiveis, e nós não ficaremos sabendo talvez tudo, porque, apesar do sr. Mariano de Carvalho pedir o inquerito, o inquerito neto será acceito; e se faz com que os individuos incorrigiveis da guarda fiscal venham para o exercito, nós teremos de futuro tanto na parto que constitue o exercito activo, o exercito propriamente dito, como na parte que constitue uma reserva importante, a guarda fiscal, a incorrigibilidade por norma. (Apoiados.)
O pensamento da organização militar da guarda fiscal é bom, e muito antigo.
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126 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Não sei, nem quero entrar na consciencia alheia, se o sr. ministro da fazenda está inteiramente de accordo com esse pensamento.
Talvez que não; e póde ser que d'ahi proviesse a primeira causa porque a sua obra não saíu tão perfeita como elle aliás desejaria.
Eu ouvi n'esta casa ao sr. ministro da fazenda dizer que aqui respondia, e lá fora mandava.
Talvez não mande sempre; e, se porventura, não digo que seguisse a sua vontade peio preceito do posso, quero e mando, mas cumprisse a lei e seguisse sempre as suas opiniões, sem ter condescendencias com os outros, talvez que a sua obra saísse mais perfeita, talvez se não visse na necessidade de publicar um decreto como errata a outro decreto e uma portaria como errata a esses decretos. (Apoiados.)
Uma das allegações que se pretende impor á opinião para a convencer, é que s. exa. vae dentro em pouco ter um corpo de guarda fiscal perfeitamente organisado. E tem pessoal?
O que podemos esperar de um pessoal, que vae para ali coagido?
Que podemos esperar de um pessoal para quem sabiamente o sr. ministro da fazenda prescreveu na lei, que o alistamento era voluntario, e depois, como meio de defeza contra a propaganda, emfim por meios de que precisava dispor, porque não tinha outros, como disse, chegou a convencer os guardas para que se vão alistar voluntariamente, se imo, não se lhes paga! (Riso.)
Eu não creio, sr. presidente, que com taes elementos a guarda fiscal fique bem organizada. N'estas circumstancias, quando os soldados são obtidos por esta forma, e quando se levantam duvidas a respeito dos officiaes - não os do exercito, que ali possam servir - mas dos officiaes a que se refere o decreto, no artigo 6.°; não creio, que se possa fazer um corpo senão de guerrilhas. (Apoiados.)
Não creio na efficacia d'esses regulamentos disciplinares, nem na força e energia de officiaes, aliás muito dignos, que para ali foram.
Ha um limite alem do qual não se póde passar; desde que o demento principal que constitue todo o copo é a desordem, que se manifesta nos factos que o sr. Mariano de Carvalho apresentou; não ha penas severas nem codigos draconianos, que possam manter a ordem.
E depois diz-se - que não ha direitos adquiridos a respeito dos pobres guardas, alguns dos quaes conheço, que serviram commigo e que estão sendo perseguidos! Ha guardas fiscaes, que foram primeiros sargentos do exercito, que têem servido dignamente na fiscalisação, mas de um dia para o outro vêem-se sujeitos a terem de se alistar, como praças de pret da guarda fiscal e ficarem no risco de poderem voltar ao exercito, como soldados! Creio que devem ter natural e legitima repugnancia ao alistamento em taes condições. E diz-se que não se alistam porque são alliciados com falsas rasões!
Pois, seria realmente difficil estabelecer o estado transitorio? E porventura verdadeira a doutrina do sr. Franco Castello Branco, a respeito do legislador moderno, que deve fazer logo a lei definitiva de immediata e inteira applicação, como se a lei podesse applicar-se com a promptidão com que actuam a electricidade ou o magnetismo?...
O sr. Franco Castello Branco: - Não é preciso isso; vejam-se as reformas desde 1864 sobre este assumpto.
O Orador: - S. exa. conclue, que por se terem feito muitas reformas desde 1864, não é preciso estabelecer a transição! Tem rasão. Este governo dá testemunho d'isso: em quatro annos de poder já tem feito, que eu conheça, tres organisações fiscaes, tres exercitos fiscaes! (Apoiados.)
Realmente, não partilho d'esta doutrina do sr. Franco Castello Branco, porque não estou convencido das suas vantagens; parece-me que é muito melhor que o legislador vá operando a transformação pouco a pouco, porque não podemos fazer um mundo novo á nossa vontade, de um dia para o outro.
Essa doutrina está em completa contradição com a do seu correligionario o sr. ministro da fazenda, porque s. exa. acaba de fazer uma lei salvadora para o deficit, que ha de vigorar para o anno de 3000; refiro-me á lei das aposentações. (Riso.)
Nunca vi lei tão benefica para o deficit e para o futuro das finanças; e tão benefica, repito, que antes de começar a vigorar já tem uma vantagem; já tem pessoal!
Nós não sabemos ainda, quem são os contribuintes, nem quem serão os pensionistas, mas o que já sabemos é quem como do negocio. (Riso.)
Ora, imagine v. exa. o que fará um pobre guarda, que foi em tempo sargento, e durante um certo numero de annos, tendo hoje já cerca de quarenta de idade, se por perseguição, porque póde havel-a, for expulso da guarda fiscal e mandado para o exercito?
É um processo que deve ser muito curioso, este, de mandar um mancebo de tal idade para o exercito, a fim de completar o seu tempo de serviço!
Hão de ser realmente muito uteis nas fileiras mancebos d'estes! (Riso.)
Desde que o sr. ministro da fazenda entende que sem alistamento, não póde haver corpo fiscal, bastaria uma medida justissima e equitativa, como meio de transição, para ter evitado todas as difficuldades em que s. exa. se tem visto, até o ponto de alargar o praso do alistamento e de ter talvez de abrir uma aula para explicação, sobre as vantagens mirificas da sua reforma, bastaria conservar a esses guardas o direito de se retirarem do serviço, quando assim lhes conviesse, visto que eram essas as condições em que elles tinham pago os seus emolumentos e com que tinham sido nomeados; já se vê, sujeitos a todas as obrigações do logar e ás penas em que podessem incorrer, com a differença unica, de que não podiam ser mandados para o exercito para completar o seu tempo de serviço.
Traria isto uma grande perturbação para a organisação da guarda fiscal?! Creio que não.
Pois não ha no exercito praças que são obrigadas a maior tempo de serviço, como quando são refractarios, por exemplo? Com tudo quando chega a occasião de se retirarem os que se alistaram pelo minimo tempo, retiram-se sem prejuizo algum para a regularidade do serviço. As posições são iguaes emquanto a tudo que diz respeito á questão do serviço; mas não são iguaes quanto aos prasos do licenceamento para a reserva ou baixa definitiva.
Têem todos direito aos mesmos premios e estão sujeitos ás mesmas penas; mas uns têem a faculdade de se poderem retirar mais cedo do serviço ou de se substituirem e outros não. Resulta disto algum prejuizo? Nenhum. Bastava que na lei se tivesse estabelecido esta faculdade para que os guardas, mesmo sem comprehenderem as enormes vantagens da reforma do sr. ministro da fazenda, não tivessem a repugnancia que manifestaram ao alistamento.
O que nos vale é que o governo diz agora que expulsa os guardas, que não se querem alistar, mas daqui a pouco ha de se ver obrigado a estender-lhes mão protectora, porque o governo está todos os dias até a inventar trabalho que dar aos operarios, que se apresentam a pedir-lh'o. O que o governo pretende obter empregando todos esses expedientes para fazer alistar os guardas, obtinha-o deixando apenas na lei a faculdade de elles se retirarem do serviço. Assim é que se respeitavam os direitos adquiridos, e estes direitos não dimanam sómente da lei, dimanam de outras circumstancias.
Tambem não posso admittir a argumentação do governo, de que sempre que nós accusâmos temos obrigação de apresentar as provas. É preciso tambem que os srs. ministros provem que o que nós dizemos não é verdade. Não é limitarem-se sómente á negativa. O contrario é deixar nos
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SESSÃO DE 19 DE JANEIRO DE 1886 127
animos a suspeita de que as provas da accusação não podem facilmente apparecer, porque as retiraram a tempo, mas que a accusação nem por isso deixa de ser verdadeira.
Nem isto está na natureza humana. Quando em qualquer circumstancia da vida um homem é accusado de qualquer acto, não se limita a dizer que lhe apresentem as provas, contesta a accusação, é elle o mais interessado logo em apresentar as provas da sua innocencia.
Sr. presidente, eu sinto-me bastante fatigado, e se v. exa. e a camara consentissem, eu reservava para ámanhã as considerações, que ainda tenho a fazer.
O sr. Presidente: - Ainda não deu a hora; mas considero que, sem quebra das disposições do regimento, posso conceder que o sr. deputado fique com a palavra reservada. (Apoiados.)
O Orador: - Eu quero apenas apresentar uma observação.
O que eu acabo de fazer tem sido feito por muitos oradores.
Tenho direito a igual consideração pelo logar que desempenho; (Muitos apoiados.) e estranhei que fosse um cavalheiro, que é apenas hospede n'esta casa, quem fizesse reflexões ao pedido que fiz.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Eu não fiz reflexões nenhumas.
O Orador: - Então foram os meus ouvidos que me enganaram. (Riso.)
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Póde ser, mas não fiz reflexões. Podia pensar de mim para mim o que quizesse, mas não disse nada.
O Orador: - Ha pessoas que pensam em voz alta. (Riso.)
Acho-me fatigado e camara; peço a v. exa. que me reserve a palavra para ámanhã.
O sr. Presidente: - Fica-lhe a palavra reservada.
A ordem do dia para ámanhã é a que foi determinada para hoje, e alem disto a discussão da resposta ao discurso da corôa.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.
Redactor = S. Rego.