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N.º 12

SESSÃO DE 24 DE JANEIRO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Antonio José da Costa Santos

Secretarios - os exmos. Srs.

Ammandio Eduardo da Motta Veiga
José Eduardo Simões Raião

SUMMARIO

Presta juramento o sr. Miguel Dantas. - Lido o accordão que approva a eleição do S. Thiago do Cabo Verde, é proclamado deputado o sr. conde do Valle Flor. - Discurso do sr. Carneiro de Moura ácerca da emigração, frisando a necessidade de se estudarem as suas causas o de se providenciar por fórma a conseguir-se que a sua corrente só derive para as nossas colonias.

Na ordem do dia elegem-se as commissões de estatistica e de marinha. - Nota de interpellação, representação e requerimentos mandados para a mesa pelo sr. Marianno de Carvalho.

Abertura da sessão - Ás tres horas e um quarto da tarde.

Presentes a chamada, 62 srs. deputados. São os seguintes: - Aarão Ferreira de Lacerda, Abilio Augusto de Madureira Beça, Adolpbo Alves de Oliveira Guimarães, Alberto Antonio de Moraes Carvalho (Sobrinho), Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Amandio Eduardo da Mota Veiga, Antonio Adriano da Costa, Antonio de Almeida Coelho de Campos, Antonio Barbosa do Mendonça, Antonio Candido da Costa, Antonio de Castro Pereira Côrte Real, Antonio Hygino Salgado de Araujo, Antonio José da Costa Santos, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira do Sousa, Antonio Velloso da Cruz, Bernardino Camillo Cincinato da Costa, Carlos do Almeida Braga, Condo de Anadia, Conde do Pinhel, Diogo José Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Francisco Xavier Cabral do Oliveira Moncada, Guilherme Augusto Pereira do Carvalho do Abreu, Henrique da Cunha Matos de Mendia, João Alves Bebiano, João José Pereira Charula, João Lopes Carneiro de Moura, João Marcellino Arroyo, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, José Adolpho de Mello e Sousa, José Bento Ferreira de Almeida, José Coelho Serra, José Eduardo Simões Baião, José Gil Borja Macedo e Menezes (D.), José Joaquim Aguas, José Joaquim Dias Gallas, José Marcellino de Sá Vargas, José Mondes Lima, José dos Santos Pereira Jardim, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Julio Cesar Cau da Costa, Luiz do Mello Correia Pereira Medello, Luiz Osorio da Cunha Pereira do Castro, Manuel de Bivar Weinholtz, Manuel Bravo Gomes, Manuel Joaquim Ferreira Marques, Manuel Joaquim Fratel, Manuel José de Oliveira Guimarães, Manuel Pedro Guedes, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Quirino Avelino de Jesus, Romano Santa Clara Gomes, Theodoro Ferreira Pinto Basto, Thomás Victor da Costa Sequeira, Visconde do Ervedul da Beira, Visconde da Idanha, Visconde de Leite Pery, Visconde do Nandufo, Visconde do Palma de Almeida e Visconde de Tinalhas.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Antonio José Boavida, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Jacinto José Maria do Couto, Joaquim do Espirito Santo Lima, José Dias Ferreira, José Maria Gomes da Silva Pinheiro, José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa Junior, Luiz Filippe de Castro (D.), Marianno Cyrilio de Carvalho e Miguel Dantas Gonçalves Pereira.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho da Cunha Pimentel, Agostinho Lucio e Silva, Alfredo do Moraes Carvalho, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio d'Azevedo Castello Branco, Antonio José Lopes Navarro, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Dias Dantas da Gama, Augusto Victor dos Santos, Conde de Jacome Correia, Condo de Taverede, Conde do Villar Secco, Diogo de Macedo, Francisco José Patricio, Ignacio José Franco, Jacinto Candido da Silva, Jayme Arthur da Costa Pinto, Jayme de Magalhães Lima, Jeronymo Osorio do Castro Cabral e Albuquerque, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, José Maria Correia Ayres do Campos, João da Mota Gomes, João Rodrigues Ribeiro, Joaquim José de Figueiredo Leal, José Antonio Lopes Coelho, José Correia de Barres, José Freire Lobo do Amaral, José Luiz Ferreira Freire, José Teixeira Gomes, Licinio Pinto Leite, Luciano Affonso da Siva Monteiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Maria Pinto de Soveral, Luiz de Sampaio Torres Fevereiro, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel Francisco Vargas, Manuel de Sousa Avidos, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Visconde do Banho e Wenceslau de Sousa Pereira de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do tribunal de verificação de poderes, remettendo, com os respectivos documentos, os autos da eleição do circulo n.° 22 (S. Thiago do Cabo Verde), julgados por este tribunal, em sessão de 23 de janeiro corrente, nos termos do seguinte:

Accordão

Accordam era conferencia os do tribunal de verificação de poderes;

Visto e relatado cate processo eleitora] do circulo n.° 22 (S. Thiago de Cabo Verde), que elege um deputado; e

Attendendo a que se mostra da acta da assembléa do apuramento, e mais do processo, que na eleição para deputado, a que por esto circulo se procedeu no dia 8 de dezembro proximo findo, foram votados os cidadãos seguintes:

Conde do Valle Flor, com .... 4:976 votos
Eduardo Abreu .... 3 votos
Dr. Manuel de Arriaga .... 1 votos

Attendendo a que sendo por isso o mais votado o primeiro dos cidadãos indicados, foi proclamado deputado eleito pelo dito circulo, verificando-se terem-lhe sido outorgados os respectivos poderes, ordinarios e especiaes, segundo affirma a mesma acta, que todavia n'esta parte está em contradicção com o que consta das actas das assembléas primarias da Ribeira Brava (da ilha de S. Nicolau), da freguezia do S. Lourenço (do concelho da ilha do Fogo) e de Nossa Senhora da Conceição (da villa de

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S. Filippe, da mesma ilha), das quaes se não mostra que fossem outorgados ao deputado eleito, alem dos poderes ordinarios, os poderes especiaes; e da freguezia de S. José (da villa de Bolama), em que se não declara haverem sido conferidos ao mesmo deputado os poderes ordinarios, concedendo-se-lhe comtudo os especiaes;

Attendendo, porem, a que se não mostra do processo que foram apresentados protestos nas assembléas primarias, nos termos do artigo 54.°, §§ 3.° e 4.° do decreto de 28 de março de 1895, na de apuramento, conforme o artigo 90.° do citado decreto, ou até a distribuição do processo, segundo o artigo 94.°, § unico do mesmo decreto;

Attendendo a que não se allega nem prova do processo cousa alguma contra a legalidade das operações eleitoraes, nem contra a elegibilidade absoluta ou relativa do cidadão eleito deputado ou nullidade, segundo o artigo 98.°, § 1.° do citado decreto, pois que as infracções e faltas de formalidades que ficam indicadas não influem no resultado da eleição;

Por estes fundamentos:

Julgam valida a eleição de deputado do cidadão conde de Valle Flor pelo circulo n.° 22 (S. Thiago de Cabo Verde) para todos os effeitos legaes, sem prejuizo do disposto no § 2.° do artigo 100.° do citado decreto.

Lisboa, 23 de janeiro de 1896. = A. Brandão, presidente = Tavares = Dr. A. M. de Tavora = Teixeira (vencido) = E. J. Coelho = Pimentel = Castro e Solla.

Para a secretaria.

O sr. Presidente: - Visto estar approvada a eleição pelo circulo de Santiago de Cabo Verde, proclamo deputado da nação portugueza o sr. conde de Valle Flor.

Consta-me que se acha nos corredores da camara o sr. Miguel Dantas. Convido os srs. Abilio Beça e José Joaquim Dias Gallas a introduzil-o na sala, a fim de prestar juramento.

(S. exa. prestou juramento e tomou assento.)

O sr. Carneiro de Moura: - Sr. presidente, entendo ser do meu dever, hoje, n'esta casa do parlamento, pedir a palavra para ser ouvido numas considerações que não sei o que valerão perante a camara, mas que representam o meu modo de ver, a minha convicção, o inicio dos meus esforços nos futuros trabalhos em que tiver de me empenhar como membro do poder legislativo do meu paiz.

Queria chamar a attenção do governo sobre a questão social e a emigração, e infelizmente nenhum dos ministros está aqui naturalmente por afazeres indeclinaveis; mas esta a camara, que póde ouvir, e eu, fallando á camara, fallo ao paiz, e mais que tudo, fallo á minha consciencia que julgo satisfeita, vindo expor as minhas convicções perante a camara, onde tenho responsabilidades que não renego e perante a opinião publica, a exijo veredictum me sujeito.

Quero referir-me ao facto da emigração nacional, onde vejo essa onda de trabalhadores que vão fugindo para terras que não são da metropole, n'um desperdicio de vitalidade que muito bem póde sor recebida nas colonias de povoação e cultura como correctivo da nossa evidente saturação demographica, como esvahimento da lucta do capital contra o trabalho e ainda como expansão nacional adequada.

Já percebe v. exa. e a camara que eu não quero agora tratar de problemas complexos e arduos, não quero fatigar nem fatigarei a benevolencia com que a camara me escuta, mais .pelo respeito devido a si mesma do que pelo que eu possa dizer.

Não quero ser fatigante, e espero por isso que me ouvirão, não como uma voz auctorisada, mas como uma voz sincera.

Tenho observado, e a minha observação, se é infelizmente curta, não deixa de ser verificadamente exacta, tenho observado, sr. presidente, que o nosso problema politico e economico actual no modo de ser do estado, se é certo que tem phases por que se deve considerar tão complexamente como o de todos os estados modernos cultos, tambem é certo que por si se simplifica, haurindo soluções de previsão pela filiação historica dos nossos fastos gloriosos, das nossas tendencias, do nosso genio ethnico, dando justa e livre expansão ao espirito nacional.

É seguramente ardua a funcção de homem d'estado, mas mais o sera por impossivel, se fosse certo, como muitos suppõem, que ao estadista incumbe refazer os povos, Não! Os povos não se alteram nas suas tendencias, conduzem-se, malleabilisam-se, educam-se.

Tem-se dito que a emigração e um mal. Não o é como phenomeno de physiologia social, e tanto que todas as opulentas civilisações o registam. Os phenicios, os gregos, os romanos, como os povos da meia idade em cruzadas, ou os da Renascença, demandando ignotos mundos, todos foram a estranhas terras procurar centros de producção e consumo.

O povo portuguez teve de expandir-se; fel-o por uma fatalidade historica, porque a nossa raça que tem a generosidade de alma e qualidades de resistencia, não foi estranha nem o é a uma lei que affecta os povos validos. E somos um optimo povo colonisador; é essa a nossa funcção no concerto dos povos. Praticamente que o diga o Brazil, onde está uma civilisação opulenta que podemos e soubemos fazer.

Estas considerações, sr. presidente, não visam nenhum facto restricio. mas servem para chamar a attenção da camara que não deixara de reconhecer como lhe cumpre estudar o problema da nossa diffusão demographica.

Espero que o governo portuguez não deixara de attender ás reclamações que n'este momento a elle se dirigem, como é seu dever, no sentido de dirigir a corrente de emigração para a Africa para que os trasbordamentos de população vão desenvolver a economia das nossas colonias, prolongação da metropole onde o sentimento da patria é purificado pelo trabalho o onde esta certamente o futuro da patria portugueza. (Apoiados.)

Não devemos nós, nem o governo, declinar esta obrigação que corresponde á sequencia da nossa existencia politica, porque não é n'este momento em que as nossas victorias tanto nos orgulham, não é neste momento que havemos de deixar insoluvel o problema da colonisação nacional. (Apoiados.)

As nossas tendencias historicas, a nossa situação geographica, a nossa educação civica, o nosso estado economico, tudo indica para nos um futuro de prosperidades coloniaes. Aqui, na metropole, ha uma, corrente de opinião socialista que, se não revela um estado agudo, póde aggravar-se em exageros theoricos, trazidos para uma pratica dissolvente. Felizmente que ainda ha remedio para taes males provaveis. A Inglaterra, apesar de ter uma extraordinaria população oporaria, graças a sua expansão colonial não é abalada como a Allemanha pelos partidos operarios, embora n'este estado o mundo proletario seja menos numeroso. É que o operario inglez se não tem trabalho na metropole, vae procural-o ás colonias, immensas e opulentas.

Affirmo-o, o melhor meio de debellar a onda socialista, o melhor processo politico de solver a questão social é estabelecer e facilitar a emigração dos operarios para as colonias.

Quero pois. sr. presidente, que a camara reflicta nas consequencias das minhas affirmações. É preciso solver a questão do operariado, porque se ainda hoje não nos affecta uma aguda crise de proletariado, cumpre provel-a e remedial-a. Se tivermos desde já abertas as colonias aos trabalhadores que na metropole não tinham trabalho, prepararemos assim um facil futuro para as classes trabalha-

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doras, teremos povoado os nossos vastos dominios ultramarinos, adquiriremos centros de producção e consumo do extraordinaria riqueza. E não se penso que augmentando a emigração da metropole diminuira a população. Não, que as estatisticas demonstram como a prolificidade dos povos augmenta na proporção da maior mortalidade ou emigração. Nos nossos districtos onde a emigração é maior, ahi, vejam-se as estatisticas, é que o numero de nascimentos augmenta.

Acceitemos, pois, o facto da emigração; normalisemol-o e saibamos fazer derivar essa onda de portuguezes que procuram, trabalho para as regiões que são nossas, que fazem parte do estado o que tanto podem e devem concorrer para o engrandecimento commum.

Ainda hoje li nos jornaes que setecentos homens iam procurar trabalho ao Brazil. Porque não irão para as nossas colonias?

Este facto revela-nos quanto ha a fazer; é uma consequencia do estado da nossa administração publica que apesar de tantos esforços ainda não póde tornar-se pratica em serias conquistas do prosperidade.

Para derivar para melhores destinos as correntes emigratorias, é conveniente que sigam outros processos de administração colonial, procurando no nosso ultramar novos centros de consumo, novos meios do producção que dêem vida a metropole o completarmos assim os esforços heroicos dos nossos soldados.

Eu quereria, sr. presidente, convencer a camara da necessidade economica em que nos encontramos do procurar novos centros do consumo para a producção da metropole, e novos nucleos coloniaes onde a população possa trabalhar lucrativamente. Aqui, na velha Europa, onde o cultismo attingiu uma acuidade de lucta cruel, não admira que as classes trabalhadoras por uma reacção vital se sintam mal e protestem. Mas ha um optimo remedio. Mandemos os que aqui são vencidos na lucta do trabalho, mandemol-os para novos centros de trabalho onde alem de concorrerem para a riqueza do estado, para a riqueza collectiva, tambem desopprimirão o espirito de tantas falsas idéas que as modernas escolas socialistas vem espalhando como sizania entre o operariado. É nas nossas colonias que o espirito revolucionado do trabalhador se acalmaraá é lá que o operario, apropriando glebas, industrialisando productos ha de reconhecer como a propriedade é um complemento da personalidade juridica de todo o cidadão. É lá n'esse novo mundo colonial, rico e prospero que o trabalhador sentira o amor da patria e reconhecerá, fóra da lei de bronze que pesa sobre elle nos grandes centros europeus, como a civilisação do velho mundo, que aqui odeia, lhe appareço nos novos continentes arroteados, grandiosa, proficua e boa.

Defendo os trabalhadores, porque defendendo os que trabalham, defendo a nação, defendo o povo inteiro e não defendo classes. Não quero que se pense que estou ao lado do socialismo integral, ou dos communistas, ou dos collectivistas, ou de qualquer outro systema economico revolucionario que tenda á derrocada da sociedade economica actual.

Existindo nas nossas colonias tantos elementos de trabalho, que vão lá os nossos operarios procurar trabalho e venham depois para a metropole com os resultados beneficos tirados do trabalho, desdizer praticamente os principios socialistas.

O governo deve, com as qualidades de acção e de civismo que todos lhe reconhecemos, fazer derivar ás correntes de emigração para as nossas colonias. Não é pelas investigações scientificas, nem pelo génio inventivo, nem pela arte, nem pela industria machino-factureira que accentuaremos a nossa funcção de nacionalidade. E pelo fomento colonial.

Mais tarde apresentarei perante v. exa. e á camara um estudo desenvolvido e necessariamente documentado, segundo o meu modo de ver, sobre as questões que n'este momento ferem as sociedades modernas, e espero poder demonstrar que a nação portugueza ´~e chamada ao concerto dos povos n'esta lucta economica de agora.

Quero dizer, sr. presidente, que me parece lucidamente claro que no actual momento historico, que para nos reputo accentuado e caracteristico, o que importa é fazer a politica economica. Muito temos perdido em futilidades metaphisicas de principios. Temos perdido muito tempo a fallar em liberdade. E certamente ella uma condição de prosperidade dos povos.

É preciso, porém, uma regeneração; não direi que precisamos de liberdade, porque a liberdade é uma consequencia e não um principio, é uma consequencia da nossa grandiosa historia epica, é uma consequencia do animo do nosso povo. A liberdade nunca faltou ao povo portuguez, que nunca se sentiu opprimido. A liberdade vem do conjuncto de aspirações de um povo e é, portanto, em politica uma consequencia e não um principio abstracto e doutrinario.

Quero a liberdade para o trabalho nacional, para o desenvolvimento do trabalho das nossas colonias e para isso o governo siga uma politica firme, fazendo os necessarios tratados de commercio, esforçando-se por collocar o paiz em relações commerciaes condizentes com a nossa actividade economica. Eu espero muito da illustração e energia do governo, reconheço a boa vontade de que esta animado o poder executivo para o conseguimento do nosso fomento industrial.

E tambem tenho confiança na camara, creio que ella esta bem convencida da superioridade da sua missão, e ainda bem que a camara não vale só como poder d'estado; vale tambem, e muito, pelos elementos fortes que a constituem. Façamos a hegemonia do bom senso - a unica acceitavel; e trabalhemos todos pelo levantamento da economia publica, socialisando a riqueza, diffundindo o capital, protegendo o trabalhador, conquistando novos elementos do producção, alargando a area do consumo.

Como disse, eu tenho uma grande confiança na camara, creio que vale muito, que acima de tudo colloca os interesses do povo, do que é mandataria, e muito tem a trabalhar agora, pois reputo do uma opportunidade historica que n'este momento o poder legislativo do meu paiz corresponda a vima necessidade indeclinavel da sua funcção publica de um modo cabal e perfeito. Assim terá demonstrado que trabalham muito e que não somos 120 homens indifferentes ao que em volta de nós se passa.

Appello novamente para o governo, e fazendo justiça ás suas intenções e ao seu valor, creio poder affirmar que, se é certo que muito se deve já a sua iniciativa tenaz, não deixa do ser verdade que a sua acção corresponde felizmente a uma corrente da opinião publica, fortemente accentuada. D'aqui a sua força. Por agora eu queria que se averiguasse quaes são as causas determinantes da emigração, porque se ella provém, em regra de uma causa normal, tambem não deixarádo concorrer com o elemento alguma anomalia.

Não estou discutindo o facto da emigração como cousa anormal, mas como uma manifestação organica, que é de todos os povos. Pois então a população, como tudo o que representa riqueza, não trasborda, não se expande, por superabundancia do producto? Pois não estará n'este caso a emigração humana? Pois os povos quando são ricos não vão em ondas para alem das fronteiras procurar trabalho? Não fazem assim as nações ricas, não faz assim a população ingleza, não acontece isto a todos os povos que trabalham? Não concordo com os que dizem que estamos sendo pela emigração victimados na nossa economia. Estabeleçam-se para ella correntes naturaes que são o destino colonial; e assim feita, a emigração sempre corresponde no engrandecimento de um povo, porque representa a vida interna e economica d'esse povo.

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Refiro-me á lucta que leva os povos a conquista do seu destino historico. Um povo compenetrado do seu destino tem muita mais velocidade e força; é um vehiculo em rails.

Temos historicamente que desempenhar uma funcção colonial, façamol-o.

Se somos aventureiros, como dizem, tambem somos energicos.

Parece que ás vezes ha no povo portuguez desfallecimentos taes, que somos inferiores ao nosso destino historico.

Temos tido desfallecimentos, é certo, mas breve vem a reacção, e, tão poderosa, que ainda agora não ha portuguez que se não sinta corajoso e apto para a lucta que fere os povos cultos nos novos continentes.

Elaborem o parlamento e o poder executivo leis e regulamentos reflectidos; criem-se instituições de credito colonial agricola; liguem-se por viação accelerada os pontos de commercio; povoem-se os areaes desertos; dêem-se instrumentos de trabalho aos colonos; salubrisem-se as estancias agricolas; estabeleça-se um regimen pautai que facilite o commercio entre a metropole e as colonias; façam-se tratados de commercio rigorosamente estudados pelos dados estatisticos aduaneiros e industriaes; liguemos a nossa actividade ao commercio do mundo com habilidade, com persistencia, com finura. Eu creio muito na serenidade firme dos povos que demandam um ideal reflectido!

Faça assim o governo e o parlamento por um rasgo da sua iniciativa, e não lhes faltará o apoio do paiz.

O operariado conhecerá que se aqui está mal, ha novos meios de vida; ha nas colonias vasto campo de acção; e assim, depois de termos previdentemente preparado o engrandecimento da riqueza publica, tambem teremos provado como as tendencias socialistas aberram.

Eu tambem quero a socialisação da riqueza; tambem quero a felicidade e bem-estar para os que trabalham.

Eu, que trabalho dia a dia, que tenho no trabalho a minha unica gloria, nunca a vida me pareceu difficil; não desfalleço por contrariedades, antes é n'ellas que tenho o meu melhor estimulo!

De aqui vem a minha sympathia pelos que trabalham; mas estou longe de reconhecer as pretendidas noções collectivistas que têem levado alguns operarios portuguezes a revolta surda contra a organisação capitalistica. No nosso paiz não existe a crise do operariado como noutros povos; não ha a fome que apavorá os grandes centros industriaes da Europa.

Nada d'isso. Ha talvez um mal entendido, porventura uma suggestão de principios que desnortea as correntes do pensamento nacional no campo do socialismo, cujas affirmativas são tantas vezes fataes ás classes laboriosas.

É por isso, repito, que eu julgo um correctivo neste momento historico, em que o nosso futuro colonial nos apparece firme, que esses trabalhadores que se queixam vão nos nossos vastos e ricos dominios trabalhar, e reconhecer como o mundo e demasiado grande para o trabalho humano.

A camara sabe que o partido socialista em Lisboa diz, não por convicção verificada, mas pelo que lê em livros estrangeiros perfidamente subversivos, que a patria é uma palavra vã! O partido socialista portuguez absteve-se nas ultimas manifestações nacionaes tão patrioticas porque, dizem elles, nada devem ao estado!

Pois que? Quando todas as nações trabalham no sentido do proteccionismo feroz, ha de ser o operario portuguez, honesto e trabalhador, que defende a morte da nossa industria, a morte do seu trabalho, do seu labor, que ficara aniquilado sem a protecção do estado?

Cruel aberração! O operariado deve convencer-se de que os seus interesses no estado industrial moderno estão mais que todos os outros ligados a prosperidade do estado, e, por consequencia, das colonias para os povos, que só n'ellas têem garantias economicas.

Vá o operario portuguez a Africa; é lá que aprenderá melhor que nos pamphletos como a propriedade é legitima.

Verá como a propriedade se arranca do labor, como a patria é grande e querida, soccorrendo administrativamente todos os que d'ella bem merecem.

É preciso saber-se que as colonias são a continuação do solo portuguez e já existem ainda territorios immensos sem cultura. Este problema, o da colonisação, não está, infelizmente, resolvido para nos e creio não o estar por fatalidades da nossa historia politica.

Bem sei que entre nós ha um grande sentimento de patriotismo, desejo de trabalhar e de fazer bem; mas infelizmente nas nossas colonias onde tantos brios militares têem enobrecido a patria, ainda ha muito a fazer.

Haja iniciativa, quer ella seja particular ou do governo, sobretudo que ella seja honeste, boa e proficua; mas o que não quero é que fiquemos de braços cruzados, esmorecidos, quando todos os povos numa lucta gigantesca luctam pela vida.

Sobretudo o que eu não desejo é que as camaras legislativas do meu paiz continuem a olhar com certa indifferença para estas questões, que eu reputo util e necessario resolver desde já. (Apoiados.)

Deriva das considerações que venho de fazer a prova da necessidade de uma politica firme, não ao jour le jour, mas util, meditada, estudada de maneira que se saiba para onde se caminha e o que se quer.

A maior difficuldade do homem de estado não esta em inventar elixires, combinações cabalisticas, esta no reconhecimento das forças, elementos e tendencias do povo que dirige para firmar um ponto de destino, para caminhar para elle com acerto, não contrariando as correntes da vitalidade nacional.

Saiba-se como havemos de fazer tratados de commercio; saiba-se como a nação portugueza ha de ter garantida a sua, funcção na Europa; saiba-se quaes são aquellas industrias que se devem preferir e depois facilitado esta o caminho; é seguil-o sem desfallecimento.

Rogo novamente á camara e ao governo que attente no problema da nossa economia, porque se trata da continuidade do estado portuguez.

Felizmente ha quem tem trabalhado muito, quem já fez muito; agora trabalhemos nós, mostremo-nos dignos da grave responsabilidade que temos assumido perante o paiz. Inauguremos uma politica nacional, estudada nos nossos costumes e nas nossas necessidades.

Sabe-o bem a camara que temos adoptado muitos principios que são de importação, mas a nossa politica tem de ser portugueza, tem de ser filha da observação da vida nacional, particularizada.

Quero que se estude no nosso meio a arte politica do nosso paiz, quero uma politica patriotica, eminentemente economica, porque cada povo tem a sua especialisação administrativa e nos não podemos estar a governar nos com moldes que nem nos servem nem nos utilisam.

Eu não quero fatigar a camara, mas relevem-se-me estas considerações que serão o inicio da minha carreira parlamentar. Reservo-me para fallar mais largamente quando forem debatidas questões ad hoc e então reivindicarei a politica economica, que julgo a unica que corresponde ao estado actual dos espiritos. Assim fico bem com a minha convicção e com a minha consciencia, patriotica.

Talvez se diga que o ser patriota representa uma ingenuidade, menos seria, menos grave e pueril. Que me importa a mim?

Fico com a minha convicção e estou muito bem. Se não estou com a camara inteira, então estou enganado.

(O orador foi comprimentado por alguns srs. deputados.)

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ORDEM DO DIA

Eleição de commissões

O sr. Presidente: - Vae proceder-se a eleição da commissão de estatistica. Queiram os srs. deputados formular as suas listas.

Fez-se a chamada.

O sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os srs. Carneiro do Moura e Barbosa de Mendonça.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na uma 54 listas, saindo eleitos os srs.:

Aarão Ferreira de Lacerda, com .... 54 votos
Abilio Augusto de Madureira Beça .... 54 votos
Adolpho Alves de Oliveira Guimarães .... 54 votos
Agostinho Lucio da Silva .... 54 votos
Augusto Victor dos Santos .... 54 votos
Fidelio de Freitas Branco .... 54 votos
José Maria Correia Ayres de Campos .... 54 votos
José Marcellino de Sá Vargas .... 54 votos
José dos Santos Pereira Jardim .... 54 votos

O sr. Marianno de Carvalho: - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O sr. Presidente: - Convido os srs. deputados a formularem as suas listas para a eleição da commissão de marinha.

Fez-se a chamada, e corrido o escrutinio, servindo de escrutinadores os srs. Thomás Sequeira e Pereira Côrte Real, verificou-se terem entrado na urna 52 listas, saindo eleitos os srs.:

Adolpho da Cunha Pimentel, com .... 52 votos
Agostinho Lucio da Silva .... 52 votos
Antonio Teixeira de Sousa .... 52 votos
José Pereira Teixeira de Vasconcellos .... 52 votos
José Bento Ferreira do Almeida .... 52 votos
José Pereira da C. da Silveira e Sousa Junior .... 52 votos
Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro .... 52 votos
Manuel Joaquim Ferreira Marques .... 52 votos
Quirino Avelino de Jesus .... 52 votos
Romano Santa Clara Gomes .... 52 votos
Visconde do Banho .... 52 votos

O sr. Marianno de Carvalho: - Peço desculpa a v. exa. e á camara, de a incommodar, embora por pouco tempo; e se a incommodo a esta hora, é porque só, ha pouco, acabei o meu serviço official na escola polytechnica.

Mando para a mesa dois requerimentos, pedindo esclarecimentos ao governo. Mando mais o seguinte: uma nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas; uma representação da classe dos colchoeiros do Lisboa a respeito da taxa da contribuição industrial, e, finalmente, um requerimento do sr. contra-almirante Antonio Marques da Silva, que pede melhoria de reforma, por isso que, depois do largos annos do serviço, foi reformado em contra-almirante, devendo sel-o em vice-almirante.

Vão publicados no fim d'esta sessão.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a mesma que estava dada, eleição de commissões e a discussão da resposta ao discurso da corôa, estando presente o governo.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e quarenta minutos da tarde.

Documentos mandados para a mesa n'esta sessão

Representação

Dos industriaes fabricantes da industria de colchoaria, da cidade do Lisboa, pedindo, pelas rasões que expõem, que a classe seja transportada á 8.ª classe da lei de contribuição industrial, de 1894, com a taxa estabelecida na dita, tomando-se por base que "colchoeiro fabrica e vende colchões, e só tem leitos de ferro, como accessorio complementar para servir os seus clientes", da mesma fórma que outros negociantes e industriaes commerceiam com productos congeneres, analogos ou auxiliares do producto do seu commercio primordial.

Apresentada pelo sr. deputado Marianno de Carvalho, e enviada á commissão de fazenda.

Requerimentos de interesse publico

Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja enviada com urgencia a esta camara uma nota:

1.° Das quantias, pelo ministerio das obras publicas, devidas a empreiteiros o fornecedores em 31 do dezembro de 1895;

2.° Das quantias devidas por subsidios a camaras municipaes para viação municipal. = Marianno de Carvalho.

Mandou-se expedir.

Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviado com urgencia a esta camara o processo de diligencia policial realisada no domingo, 19 do corrente, com os jornaes o Paiz e a Vanguarda = Marianno de Carvalho.

Mandou-se expedir.

Requerimentos de interesse particular

Dos coroneis em serviço no ministerio das obras publicas, Augusto Cesar Justino Teixeira, Antonio Vasco da Gama Braga, José de Matos Cid, José Thomás da Costa, João Maria de Abreu e Mota e Adolpho Ferreira de Loureiro, pedindo que lhes seja applicavel o disposto no § 1.° do artigo 77.° do decreto n.° 2, de 1 de dezembro de 1892, por se acharem prejudicados poios decretos de 5 de dezembro de 1894 e de 10 de janeiro de 1895.

Apresentados pelo sr. deputado A. Candido da Cosia, e enviados ás commissões do bill e da guerra.

De Manuel Antonio do Couto, pagador geral do ministerio da guerra, pedindo que para os effeitos da reforma lhe seja contada a antiguidade de primeiro official da direcção da administração militar desde 10 de janeiro do 1883, como se tivesse continuado a ser promovido no quadro da referida direcção.

Apresentado pelo sr. deputado A. Candido da Costa, e enviado a commissão de guerra.

Do contra-almirante reformado Antonio Marques da Silva, pedindo melhoria de reforma.

Apresentado pelo sr. deputado Marianno de Carvalho e enviado á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.

Nota de interpellação

Requeiro que seja avisado o exmo. ministro das obras publicas de que desejo interpellal-o acerca da falta da approvação dos estatutos das projectadas associação commercial de Lisboa, associação industrial de Lisboa e associação commercial dos lojistas de Lisboa.

Sala das sessões, 24 de janeiro de 1896. = Marianno de Carvalho.

Mandou-se expedir.

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84 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Justificação de falta

Participo a v. exa. e á camara que o deputado o sr. dr. Augusto Victor dos Santos tem faltado a algumas sessões, e faltará ainda a outras, por motivo de doença. = O deputado, Amandio Eduardo da Mota Veiga.

Para a secretaria.

O redactor = Lopes Vieira.

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