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SESSÃO N.º 12 DE 21 DE JANEIRO DE 1897 123

recer no meu animo, nem o respeito pela sua probidade pessoal, nem a admiração pelo seu talento, pelos seus vastos conhecimentos e pelo seu amor ao trabalho.

Aquelle illustre homem d'estado e eminente escriptor apresentou ás côrtes, na qualidade de ministro da fazenda; um relatorio, cujas opiniões são tambem as minhas.

O que no relatorio é exclusivo d'aquelle meu illustre collega são os primores de linguagem e as bellezas do estylo, de que só elle conhecia o segredo.

Vem muito a proposito a citação do relatorio de Oliveira Martins. Essa citação comprehendo eu.

O que não comprehendo ou não sei explicar é a declaração do sr. presidente do conselho de que entrou no ministerio no mais agudo da crise, quando a situação da fazenda publica era, como descreveu Oliveira Martins, um Verdadeiro sudario; do que resolvera todas as difficuldades, tanto nacionaes como internacionaes, e de que não deixava questão alguma externa para os seus successores.

As palavras do sr. presidente do conselho, annunciando á camara os legados que deixa ou que não deixa no seu espolio, deviam ter feito nos seus amigos uma impressão penosa, porque a declaração solemne, feita pelo chefe do governo, de que não deixa aos seus successores uma herança cheia de difficuldades em questões internacionaes, indica as vesperas de despedida dos conselhos da corôa e a proximidade da morte ministerial!

É tanto mais de notar esta declaração quanto que no actual consulado ministerial tem sido abundante a receita de conflictos internacionaes; e por isso nada mais natural que apparecerem conflictos d'esta natureza de um momento para o outro.

Em todo o caso as heranças ministeriaes não são como os heranças communs. Os ministros não legam o que querem, legam o que ha.

As heranças politicas não se recebem a beneficio do ministerio. Os successores hão: de acceitar, quer queiram, quer não queiram, as difficuldades existentes á queda dos seus antecessores, ou provenham de culpa d'estes, ou de circumstancias superiores á vontade humana.

Vou repetir o periodo do relatorio de Oliveira Martins, já lido pelo sr. presidente do conselho, com o que não canço de certo a attenção da camara, porque poucas vezes lhe serão presentes documentos parlamentares mais edificantes, mais instructivos, e mais inspirados em sincero patriotismo, do que o relatorio financeiro de Oliveira Martins.

Por outro lado, quero compensar a camara da triste impressão que lhe poderia ter ficado da especie de annuncio despedida do sr. presidente do conselho; demonstrando que no advento ao poder do actual gabinete não era lastimosa e erriçada de difficuldades a situação financeira, e que pelo contrario era completamente desafogada, o que todavia não significa que fosse inteiramente isenta de cuidados e de trabalhos.

Ainda ha de soar aos ouvidos da camara á energia com que o sr. presidente do conselho accusava, sem visar ninguem, os que não têem duvida em expor com toda a clareza ao paiz á situação financeira, por mais grave e perigosa que seja. Um dos comprehendidos na accusação é Oliveira Martins, e no numero dos accusados me quero eu comprehender tambem.

Eis o primeiro periodo do relatorio de Oliveira Martins:

«Circumstancias póde haver em que a reserva, mais ou menos discreta, seja condição impreterivel de exito das combinações governativas. Mas quando as cousas chegam ao ponto a que as levaram motivos dá ordem diversa, que me não cumpre a mim apreciar, quando chegam ao periodo angustiosamente agudo em que as vemos, seria mais do que um erro, seria um crime procurar esconder aos olhos do paiz toda a extensão das nossas amarguras. Seria, alem d'isso, pueril pretender fazel-o, depois das declarações recentemente formuladas perante as camaras. Seria, por fim, uma pretensão estulta da minha parte não adoptar o caminho da franqueza patentemente aberto, quando o caminho da reserva varias vezes tem esmagado hombros muito mais possantes do que os meus.

«Força é, pois, contar nó dia de hoje, com um deficit minimo de 10:000 contos de réis, deficit que representa quasi exactamente 26 por cento das receitas publicas; força é reconhecer que, se o não supprimirmos corajosamente, nenhum tratamento moderado conseguirá dominar a crise. Os sacrificios tibios não debellariam o mal. Concorrendo o desequilibrio do orçamento para elevar a taxa dos cambios, o premio do oiro absorveria a summa de todas as economias inultimente feitas.

«Tal é, na sua completa crueldade, a situação que encontrámos em meio da crise geral da circulação e do credito, a braços com o desfalque enorme trazido á economia nacional pela baixa do cambio do Brazil.

«É necessario penitenciarmo-nos dos erros passados o emendar-mo-nos para sempre, se com effeito queremos honrar a historia heroica de sete seculos, que nos legaram os nossos maiores, para a deixarmos aos nossos descendentes, engrandecida com uma pagina, sem duvida dolorosissima; mas por igual nobilitante.

«Ás argucias da politica, os artificios da habilidade, desapparecem agora perante a crueza de um perigo, que só póde ser dominado pela absoluta franqueza e por uma compenetração e intimidade completas da corda, das camaras, do povo e do governo, unidos todos no proposito da salvação da patria portugueza.

«Se formos dignos de consumar este feito, e d'elle tirarmos lição e emenda, o futuro abençoará de certo a calamidade que terá sido o preço da nossa redempção».

Sr. presidente, estas eram os palavras com que Oliveira Martins abria o seu relatorio de fazenda.

Forque escreveu Oliveira Martins palavras tão sentidas e tão angustiosas, elle, que era homem de raro talento e de singular energia, que não trepidara facilmente diante de embaraços de qualquer ordem?

Porque nós encontrámos uma divida fluctuante de 23:000 contos, encontrámos o erario exhausto, desviados do thesouro por emprestimos 11:000 contos de réis, e o estado, alem d'isso, fiador de 2:000 contos de réis a favor de varios estabelecimentos e companhias, e o oiro fugido da circulação!

Não podiamos valer-nos de recursos extraordinarios, porque nas circumstancias em que tinham saldo os nossos antecessores, e com a declaração ministerial que annunciava aos mercados: nacionaes e estrangeiros o plano de reducção dos juros da divida publica, nem sequer podia-mos pensar em levantar qualquer supprimento!
Os prasos de vencimento da divida fluctuante na soturna de 23:000 contos de réis collocavam-nos na mais angustiosa situação.

Tomára eu conta do governo do paiz em 17 ou 18 de janeiro de 1892. Pois desde essa data até ao fim de abril, raro era o dia em que se não vencessem alguns supprimentos da divida fluctuante!

Não havia por exemplo snpprimento nenhum a vencer no dia 19 de janeiro; mas logo em 20 havia dois!

No dia 21 outros dois!

Não havia nenhum supprimento a vencer no dia 22; mas no dia 23 havia quatro.

E assim successivamente!

E tudo se pagou sem estrepito, sem réclame, afastando-nos do systema consagrado de fazer alarde de tudo, e de annunciar a cada pagamento de divida fluctuante as habilidades do governo por ter arranjado dinheiro. O reclame chegou já á perfeição de indicar ao respeitavel publico o numero de mezes para que o governo tem assegurados os pagamentos!

Não podia realmente ser mais dolorosa e afflictiva a situação.