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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

da lei, a constituirem, por meio de uma taxa supplementar sobre as suas contribuições, um fundo especial de reserva, que fica garantindo a indemnização em todos os casos.

Na Allemanha existe uma larga organização de caixas de seguro em que os patrões são forçados a entrar, e são essas caixas de seguro, sob a acção directa do Estado, que facultam tratamento e subsidios ás victimas dos accidentes do trabalho.

Finalmente em alguns países, como na Austria, a lei abrange os trabalhos agricolas, e na Hollanda e Noruega funcciona o seguro obrigatorio, para o qual contribuem no primeiro país exclusivamente os patrões, no segundo os patrões com três quartas partes da receita e o Estado com o restante.

São estes os topicos mais caracteristicos das leis que vigoram não só nestes países mas na Italia, Hungria, Suissa e Estados Unidos da America do Norte.

Em Portugal uma lei sobre accidentes de trabalho constitue uma necessidade inadiavel. Se até hoje ella se não tem sentido por uma forma mais flagrante, se muitos operarios, impossibilitados de angariar os meios de subsistencia, em virtude de um accidente do trabalho, ainda en contram algum auxilio e conforto na sua invalidez temporaria, devem-no exclusivamente ás associações de soccorro mutuo que, nos grandes centros, como Lisboa e Porto teem adquirido um desenvolvimento consideravel.

Mas o mutualismo em Portugal, alimentado apenas pelas minguadas quotizações dos socios, sem o menor estimule dos poderes constituidos, sem qualquer coadjuvação das classes ricas, apenas muito difficil e artificialmente consegue garantir a uma grande parte da população urbana d'este país assistencia clinica e subsidios pecuniarios em doenças que não resultam de um desastre eventualmente succedido no exercicio profissional.

Seria decerto necessario angariar-lhe novos elementos de vida, novas fontes de receita.

E não sendo este desideratum exequivel nas actuaes condições do nosso meio social, o que não é decerto justo nem conveniente, nem admissivel é que as associações de soccorro mutuo em Portugal continuem a ter sobre os seus hombros encargos que nos outros países recaem exclusivamente sobre os patrões e empresas industriaes.

Ao estabelecer as bases de uma lei sobre accidentes de trabalho eu procurei acima de tudo produzir obra de immediata exequibilidade na situação politica, economica e moral que atravessa a sociedade portuguesa.

Por isso este projecto não traduz todas as minhas aspirações, nem por vezes ,86 molda a doutrinas que tenho sustentado na discussão de varios assuntos sociaes e economicos.

Mas é principio assente em sociologia que as leis apenas apresentam possibilidade de execução quando se adaptam ás circunstancias mesologicas dos países em que são decretadas e quando encontram nos Governos, nas classes e nos individuos a boa vontade e os meios de acção indispensaveis para o seu cumprimento.

O projecto de lei que hoje apresento não é portanto o mesmo que porventura apresentaria, se o Estado em Portugal exercesse uma influencia proficua e moralizadora, se a acção governativa neste país inspirasse a confiança e incutisse o estimulo essenciaes para uma obra de justiça e solidariedade.

A contribuição do Estado, nos encargos resultantes dos accidentes de trabalho, pela inteiramente de parte, não apenas por quaesquer considerações de ordem financeira, mas porque é realmente sobre os patrões que esses encargos devem incidir. Assim o teem comprehendido geralmente todos os países em que o assunto se encontra legislado.

Não pensei em alargar a acção deste projecto aos nossos trabalhadores agricolas, porque nas condições em que elles vivem em Portugal, hoje ao serviço de um proprietario, amanhã ao serviço de outro em aldeias e logares onde não existe o menor vestigio de assistencia clinica, seria materialmente inexequivel a instituição de um tratamento regular e o apuramento de quaesquer responsabilidades.

Finalmente, pelos motivos acima expostos, tratei de limitar, tanto quanto possivel, a intervenção de todos os agentes do Estado na execução da lei.

Deixar uma lei sobre accidentes de trabalho, dependente da organização immediata no nosso país do seguro obrigatorio, sob a direcção do Estado, seria muito simplesmente tirar-lhe todas as garantias de viabilidade.

Até um simples addicional sobre a contribuição industrial dos patrões, destinado a constituir um fundo de reserva para a hypothese da sua insolvencia, havia de provocar entre os interessados uma tal atmosphera de suspeição que forçosamente tornaria a lei odiosa.

Ora questões como as dos accidentesde trabalho, que podem dar logar a duvidas e attritos graves, apenas devem ser resolvidas com a collaboraçao consciente e bem intencionada de todos os que tenham de intervir na sua solução.

Justificada a orientação geral d'este prejecto de lei, resta-me apenas esclarecer algumas disposições, que, por se referirem a factos de interpretação mais difficil ou por envolverem doutrina absolutamente nova, podem suscitar maiores reparos.

Ao contrario do systema, até agora seguido em todas as leis sobre accidentes de trabalho, eu não enumero nem especifico industrias. E a razão é obvia. Nas leis em execução concretizam-se certos mesteres em que são applicaveis, mas logo depois estende-se a sua jurisdição a outros de categoria análoga. Este processo tem dado logar ás soluções mais divergentes e contraditorias.

Millerand, quando Ministro do Commercio em França, comprehendeu o assunto com uma grande lucidez e um elevado espirito de justiça:

"Toda a industria, sem excepção, deve estar sujeita ás disposições da lei".

É esta decerto a formula mais equitativa e sensata de resolver a questão.

Outro facto que na applicação de todas as leis sobre accidentes de trabalho tem provocado divergencias e conflictos é a lacuna em que geralmente incorrem de não designarem precisamente o que nos dominios da medicina legal se deve considerar um accidente de trabalho. A esta falta procurei obviar, accentuando os caracteres intrinsecos, que deve reunir um accidente de trabalho para que seja comprehendido na applicação da lei.

Finalmente porque os tribunaes ordinarios, assoberbados muitas vezes de serviço, orientados com velhas formulas juridicas e nem sempre alheios ás influencias e pressões politicas, não são decerto os mais idoneos para o julgamento de questões, que se devem subordinar a um novo criterio de justiça e demandam conhecimentos technicos de ordem especial, proponho a criação de tribunaes especiaes de arbitros-avindores para a solução de todos os conflictos que se levantem na vigencia da lei.

Nesses tribunaes ficam representadas as classes, cujos interesses podem de qualquer forma ser lesados por inobservancia ou atropello das disposições legaes.

A ideia da representação da classe medica poderá parecer singular e descabida. Pois é inteiramente justa e absolutamente necessaria.

Não só os médicos podem ter em litigio nos nossos tribunaes interesses muito legitimos e respeitaveis, mas podem concorrer pelos seus conhecimentos scientificos e pelo