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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Osorio de Vasconcellos, pronunciado na sessão do dia 18 de janeiro, e que devia ler-se no Diario da Camara, a pag. 101.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Sr. presidente, pedi a palavra a v. ex.ª e creia que a pedi cheio de constrangimento e com o coração afflicto.

Quando a opposição cruzou os umbraes d'estas portas, trazia, como de rasão e justiça, o firme proposito de arvorar bandeira de guerra. Ainda mesmo que motivos não houvesse bastantes, indeclinaveis e imperiosos para proclamar o grito da luta e da peleja contra o governo, cumpria-lhe enristar a lança, porque a opposição é zelosa mantenedora e vigilante sentinella do exacto cumprimento da lei (apoiados).

A opposição, se porventura abre liça renhida e sem quartel, é porque obedece a um dever (muitos apoiados), que lhe é imposto pela consciencia particular e pela consciencia publica, pelos acontecimentos funestos e pelos factos desgraçados que se hão succedido, como uma epopeia de tristezas e de miserias, que nos enlutam o coração (apoiados).

Os homens da opposição não formam a caterva d'aquelles advogados, dos quaes Plauto dizia que alugavam as iras e as palavras, prestes a defender hoje o que hontem haviam atacado, a idolatrar o que tinham apedrejado, perdidas as noções do justo e do bom, confundido o louvor com o vituperio. Iras et verba locant.

Se fallâmos, se erguemos o nosso verbo no sanctuario das leis, se vamos bater com a ponta da nossa lança ás portas das tendas ministeriaes, é porque somos impellidos por um dever de consciencia; é porque a nossa mudez se traduziria na approvação de factos a que somos extranhos, para os quaes nada concorremos, que reprovámos e reprovâmos, contra os quaes protestâmos com toda a energia que é precisa, a fim de manter illesa e sem mancha a nossa reputação de homens amantes do seu paiz (apoiados).

Se nos calassemos, se podessemos, em nome das conveniencias publicas tantas vezes e tão hypocritamente invocadas; se podessemos, repito, emmudecer agora e não proferir uma só palavra, o que diria o povo? Diria que nós, homens da opposição, já tinhamos renegado o nosso credo, que fugiamos diante do phantasma governamental, que nos cegaram as lantejoulas do poder, porque já se nos abafara a voz com que verberassemos os desatinos, os escandalos, as illegalidades, os compadrios o os nepotismos que a flux foram praticados. Oh! Não, sr. presidente. É mister que fallemos. É necessario que as nossas palavras retumbem aqui, n'esta casa, como uma sentença condemnatoria, a qual mostre que ainda ha justiça n'esta boa terra portugueza (apoiados). Justiça, sim, sr. presidente. É por ella e para ella que nós fallâmos, é por ella e para ella que estamos aqui lutando (muitos apoiados).

Se não fossem estes severos e salutares castigos, que de broncas tyrannias não iriam por todo esse paiz? Que de escandalos maiores ainda?

Demonstrada está, pois, a triste necessidade que obrigou a opposição a abrir debate na resposta ao discurso da corôa (apoiados). E todavia, sr. presidente, como eu tive a honra de dizer no principio, custa-me este afflictivo dever. Hei de ser severo, e antes quizera não ter motivos para o ser.

Melhor fôra que o governo tivesse governado bem, e que, em vez de ser flagello dos povos, fosse o respeitador dos seus direitos e o aconselhador dos seus deveres.

Peza-me ser, opposição, e alguma cousa se me aperta e angustia cá dentro, quando tenho de erguer a minha voz e fallar contra o governo, qualquer que elle seja, porque isso indica, que para mim, pelo menos, é mau esse governo (apoiados).

Eu, como homem do meu paiz, amando a patria que foi o berço de nossos avós, o que ha de ser, espero em Deus, o tumulo dos nossos filhos, quizera que os governos governassem bem; que todos os governos soubessem obedecer ás boas inspirações e fossem a representação viva, o symbolo solemne e sacrosanto das nossas aspirações.

Eu, como portuguez, como patriota, como homem da lei, desejaria intimamente que assim fosse; e julgo que este pensar não é sómente individual; é o pensar de toda a opposição (apoiados).

Mas infelizmente os acontecimentos têem mais força do que a vontade humana. Ainda mesmo que eu quizesse emmudecer e cerrar os labios, a força da consciencia obrigar-me-ía instantemente a fazer o contrario (apoiados).

Ouvi, com o interesse que lhes é devido, assim os oradores da opposição como os oradores do governo; e ouvi porventura com mais attenção ainda os oradores do governo do que os da opposição.

O que haviam de dizer os oradores da opposição, quasi que já o sabia, quasi que já o adivinhava.

Eu sabia que o meu illustre amigo, collega, patricio e camarada, o sr. Luiz de Campos, havia de levantar-se aqui com toda a indignação, porque elle presenciara, durante largos mezes os sacrificios, os martyrios, os actos de despotismo e tyrannia de que a provincia da Beira Alta tem sido victima (apoiados).

Eu sabia que o meu illustre collega, amigo e camarada de tantos annos, o sr. Candido de Moraes, havia de fazer reboar os echos d'esta casa com os rasgos eloquentes da sua voz, porque elle foi tambem testemunha viva dos flagicios e desgraças que o governo occasionára (apoiados).

Isto sabia eu; e pondo de parte os primores de eloquencia em que são eximios os dois illustres deputados, pondo de parte a fórma, a essencia já eu a conhecia.

Portanto, por isso que o libello de accusação já me era conhecido, queria ouvir com toda a attenção a defeza. Eu queria ainda, como que instado por uma esperança, que já agora se me vae afigurando louca e sem fundamento (apoiados), queria ouvir os advogados da defeza, queria que elles viessem entornar na minha alma afflicta o balsamo das consolações.

Mas infelizmente, apesar dos meus desejos amoraveis, e como que evangelicos, continuo a desadorar o governo, continuo a não me curvar submisso e reverente perante as peanhas que servem de pedestal ás estatuas giganteas d'estes preclaros varões, que o não são de Plutarco (apoiados). E, sr. presidente, antes de rebater os pobres e fracos argumentos produzidos pela maioria, seja-me licito defini-la, ou pelo menos pinta-la em largos traços.

Esta maioria e este governo hão de merecer em porvindouros tempos o estudo carinhoso de algum archeologo que queira enfronhar-se nos fastos parlamentares d'este paiz.

Se porventura um futuro historiador quizer architectar esta epopeia parlamentar, ha de verse enleiado com poderosas e inextricaveis difficuldades.

Perguntará primeiramente o que era a maioria parlamentar que sustentava o governo regenerador no anno de 1873, e depois de muitas disquisições, esse historiador chegaria a um engraçado resultado.

O governo regenerador no anno de 1873 tinha como maioria um conjuncto de parcialidades politicas, entre as quaes não havia a menor força harmonica (apoiados).

Eram molleculas, cujas affinidades se manifestavam simplesmente pelo odio que tinham ás contrarias parcialidades (apoiados).

Eram elementos heterogeneos; eram emfim, o que se costuma dizer em linguagem muito vulgar e muito apropriada, um manto de farrapos (apoiados).