102 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
dos era virtude da carta de lei de 10 de junho de 1866 e posteriormente.
Com esta declaração categorica do sr. ministro da fazenda, não tenho duvida em votar o projecto; sem ella, não lhe dou o meu voto. Por este modo entendo que pugno pelas regras de boa administração, e pela observancia dos principios indispensaveis para levantar o nosso credito do abatimento em que se acha.
No nosso organismo politico noto symptomas, que accusam profundas lesões.
Os fóros e regalias parlamentares têem declinado (apoiados). O systema representativo tem soffrido profundos golpes (apoiados). Oxalá que não tenhamos de nos arrepender por não termos protestado energicamente contra estes actos (apoiados), que me parece não serem dos que podem favorecer-nos para sairmos do estado embaraçoso em que nos achâmos.
O governo parece ter em pouca conta o parlamento. O sr. ministro da fazenda pratica um acto, tão grave como aquelle de que me tenho occupado, que é uma verdadeira infracção de lei, e julga o de mero expediente do ministerio. Isto não póde ser. Se a camara não zelar as suas prerogativas; se nós, juizes que o povo elegeu para fiscalisar e julgar os actos dos ministros, não exigirmos do governo o rigoroso cumprimento de todos os preceitos constitucionaes, tremo, sr. presidente, pelo futuro d'este paiz (apoiados).
No horisonte vêem se nuvens que ameaçam tempestade. Oxalá que o céu continue a conservar se limpido, e que nós não tenhamos a lamentar grandes males da patria.
Tenho concluido. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
O sr. Ministro da Fazenda (Conde de Samodães): - Devo responder ao discurso do nobre deputado, não só porque me dirigiu perguntas a que exigiu respostas categoricas, mas alem d'isso, porque na sessão de hontem julgou que eu tinha para com elle menos consideração, por estar um pouco distrahido durante o seu discurso.
Eu prestei toda a attenção ás observações faltas pelo illustre deputado, tanto na sessão de hontem como na sessão de hoje, e se me distrahi por alguns momentos foi porque vi que s. exa. apresentando um unico argumento tratava de o repisar.
Constantemente, e como o tinha comprehendido perfeitamente, não precisava por consequencia de prestar-lhe mais attenção. Ainda hoje ma succedeu a mesma cousa, porque afora a parte politica que constituiu o prologo do seu discurso, parte politica terrivel e que tambem me causou a maior impressão pelos perigos que corre a liberdade em consequencia dos ataques que o governo constantemente lhe faz; afóra essa parte, s. exa. não tratou senão de atacar a tal portaria criminosa de 30 de janeiro, e pela qual me considerou réu de lesa nação.
Essa celebre portaria, que deu motivo a que a camara ouvisse o longo e importante discurso do nobre deputado, e por isso me felicito de a ter apresentado, é a cousa mais innocente que se póde imaginar.
Estava o governo auctorisado, pela carta de lei de 3 de setembro de 1868, a supprir o deficit do thesouro na importancia de 3.500:000$000 réis, com referencia ao 1.° semestre d'este anno economico.
Em virtude d'essa carta de lei crearam se 9.500:000$000 réis de inscripções por portarias que se acham no relatorio ordinario do ministerio da fazenda.
Succedia porém, na occasião em que aquella portaria se expediu, que as cautelas que tinham sido creadas em virtude d'essas portarias, se achavam empenhadas. Como se achavam empenhadas, o governo não tinha á sua disposição outras cautelas de que dispor para as poder inverter em inscripções e vende-las.
N'estas circumstancias, não se podendo retirar do penhor as cautelas que tinham sido emittidas em virtude das portarias fundadas em lei de 3 de setembro, expedi uma portaria para que podessem ser emittidas em inscripções cautelas resultantes de outras auctorisações para a constituição de penhores, a fim de com ellas poder realisar os meios que eram precisos para o supprimento do thesouro.
Se o nobre deputado me provasse que eu tinha vendido maior numero de inscripções do que aquellas que já estavam auctorisadas pela carta de lei de 3 de setembro de 1868, então tinha alguma força o seu argumento.
Pois que importava que se vendessem as cautelas que tinham sido emittidas em virtude de uma lei, ou que se vendessem as cautelas que tinham sido emittidas em virtude de outra lei, uma vez que não se exorbitasse, nem se excedesse a verba legal? (Apoiados.)
Pois o nobre deputado não vê n'este e no outro relatorio que apenas se têem vendido cinco mil e tantos contos de reis de inscripções? Já excedemos porventura os 9.500:000$000 réis? Portanto onde ha aqui infracção?!
Na occasião em que foi preciso reforçar ou auxiliar os penhores, o thesouro fez uso das cautelas creadas em virtude d'aquella lei, mas esse é um facto que encontrei quando entrei no ministerio.
Portanto eu não tinha á minha disposição nenhuma cautela, nem nenhuma inscripção proveniente da lei que me auctorisava a vende-las para poder fazer os supprimentos do thesouro; que queria então que eu fizesse? Servi-me se cautelas que estavam destinarias para penhores, mandei-as inverter em inscripções, tornei as alienaveis, e comtudo não excedi os 9.500:000$000 réis que tinham sido creados para fazer face ao deficit.
Para que os argumentos do nobre deputado tivessem força era necessario que s. exa. mostrasse, que tinha vendido mais de que os 9.500:000$000 réis para que estava auctorisado.
Mas, sr. presidente, que importam todos estes escrupulos, todas estas cautelas, que importam todas estas duvidas com relação á inalienabilidade dos penhores? Desde o momento em que se emittem inscripções, e que ellas se dito para reforçar o penhor, tornam-se immediatamente alienaveis se porventura o thesouro não fizer os pagamentos (apoiados). Esta é que é a verdade.
Pois de que serve um penhor dado a qualquer só porventura esse penhor não podér ser alienado na mão d'elle?
Supponhamos que o thesouro não pagava os seus supprimentos, não pagava os seus escriptos na epocha dos seus vencimentos, o que succedia? Succedia que os prestamistas tinham direito da os vender em praça, desde este momento eram tornados alienaveis, e por isso todas as cautelas que nós tivessemos todas eram inuteis (muitos apoiados.)
Agora pergunto ou ao nobre deputado - qual seria melhor, deixa-las aceitar por um preço forçado, ou fazer uma venda voluntaria, para que o prejuizo que houvesse para o thesouro não fosse tão grande? (O sr. Mathias de Carvalho: - Peço a palavra.)
O illustre deputado argumentou constantemente com a tal portaria o com os perigos que d'ahi podiam resultar para o thesouro se porventura passasse esta lei, e se o governo continuasse a usar do similhante auctorisação. (O sr. Mathias de Carvalho: - Apoiado.)
Não vejo que perigo possa haver n'esta auctorisação, e não sei mesmo que possa apresentar-se medida alguma mais innocente do que a que tive a honra de mandar para a mesa e que está em discussão.
Uma auctorisação, sr. presidente, que se limita unicamente até 30 de junho, tempo durante o qual o parlamento está necessariamente aberto, e em que a todos os momentos se pode aqui pedir contas ao governo do uso que fizer d'essa auctorisação! (Apoiados.)
Desde o momento em que esta lei passe, o illustre deputado póde, repito, perguntar aqui todos os dias qual foi a emissão que se realisou e qual o uso que se fez da auctorisação concedida (apoiados).
O illustre deputado tem direito de me perguntar tudo isso.