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SESSÃO DE 22 DE MARÇO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabrai de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Âbren Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Snmmario

Ordem do dia: Discussão e approvação, na generalidade e especialidade, do projecto de lei n.º 23, que versa sobre a circumscripção do concelho da Gollegã — Apresentação de varias representações contra a proposta do governo sobre contribuição industrial; de uma proposta de lei do sr. ministro da fazenda, que vae no logar respectivo; e de uma proposta do sr. Luciano de Castro para a nomeação, pela mesa, de uma commissão especial de sete membros encarregada de dar parecer sobre um projecto de lei do sr. Barros e Cunha.

Chamada — 47 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Pereira de Miranda, Villaça, Sá Nogueira, Freire Falcão, Sousa de Menezes, Rodrigues Sampaio, Antonio Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Saraiva de Carvalho, Ferreira de Andrade, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco Mendes, Francisco Coelho do Amaral, F. M. da Cunha, Pinto Bessa, Barros Gomes, Freitas e Oliveira, Palma, Santos e Silva, Mártens Ferrão, Candido de Moraes, Barros e Cunha, J. J. de Alcantara, Alves Matheus, Nogueira Soares, Faria Guimarães, J. A. Maia, Bandeira Coelho, José Luciano, Almeida Queiroz, Rodrigues de Carvalho, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Julio Rainha, Luiz de Campos, Luiz Pimentel, Affonseca, Marques Pires, Paes Villas Boas, Thomás Lisboa, Mariano de Carvalho, D. Miguel Pereira Coutinho, Sebastião Calheiros.

Entraram durante a sessão — os srs,: Agostinho de Ornellas, Osorio de Vasconcellos, Anselmo José Braamcamp, Soares de Moraes, Antonio Augusto, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, A. M. Barreiros Arrobas, Pedroso dos Santos, Pequito, Antonio de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Eça e Costa, Augusto de Faria, Barão do Rio Zezere, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Conde de Villa Real, Francisco de Albuquerque, Francisco Beirão, Francisco Pereira do Lago, Costa e Silva, Van-Zeller, G. Quintino de Macedo, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Zuzarte, Mendonça Cortez, Gusmão, Dias Ferreira, Mello e Faro, Elias Garcia, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, Nogueira, Pedro Franco, Pedro Roberto, Visconde dos Olivaes, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram—os srs.: Alberto Carlos, A. J. Teixeira, Santos Viegas, Falcão da Fonseca, B. F. da Costa, Caldas Aulete, Ulrich, Augusto da Silva, Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, Latino Coelho, Moraes Rego, J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Mendes Leal, Julio do Carvalhal, Lopo de Sampaio e Mello, Camara Leme, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Valmór.

Abertura—A uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

Expediente:

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Mensagem

De varios commerciantes e industriaes de Lisboa, agradecendo a resolução adoptada pela commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, de sobreestar na discussão da proposta de lei do governo, ácerca da contribuição industrial, até que sejam ouvidas as reclamações dos interessados. — Inteirada.

Representações

1.º Dos corretores da praça de Lisboa, pedindo que não seja approvada, na parte que lhes diz respeito, a proposta de lei do governo sobre contribuição industrial.

2.º Dos estofadores com estabelecimento vendendo moveis e adornos de casa, representando no mesmo sentido em que o fizerem os corretores.

3.º Da sociedade pharmaceutiea de Lisboa, representando contra a proposta de lei de contribuição industrial na parte que lhe diz respeito.

4.º Dos cambistas de Lisboa, pedindo que o seu grêmio seja incluido n'uma classe muito inferior á primeira.

5.º Dob bacalhoeiros de Lisboa, pedindo que o seu grêmio seja incluido na 3.ª classe.

6.º Da camara municipal do concelho de Baião, pedindo que seja collocado um corpo de exercito em Penafiel.

7.º Dos empregados da secretaria do governo civil de Vianna do Castello, pedindo que na proposta de lei de reforma administrativa lhes seja concedido o direito de aposentação.

8.º Dos empregados da extineta alfandega municipal de Lisboa, pedindo que seja definida a sua posição, quer cumprindo-se o disposto no decreto de 23 de dezembro de 1879, fundindo-se n'um só os quadros das duas alfandegas, quer se derogue o artigo 2.° do mesmo decreto, reconstituindo-se a alfandega municipal e organisando-se o seu quadro.

9.º Dos donos de casas de emprestimos sobre penhores, reclamando contra a taxa que lhes é imposta na proposta do governo sobre contribuição industrial.

10.º Dos fabricantes de velas de cera, pedindo que a taxa que pagam actualmente não seja elevada.

11.º Dos mercadores de chá por miudo, representando sobre a influencia que a proposta de lei de contribuição industrial póde ter no futuro da sua classe.

12.º Dos agentes commerciaes de Lisboa, pedindo que não seja approvada, na parte que lhes diz respeito, a proposta de lei de contribuição industrial.

13.º Dos cambistas, vendedores de cautelas, pedindo que o seu grêmio fique incluido na classe em que o está actualmente.

Foram todas enviadas ás commissões respectivas.

Requerimentos

1.° Requeremos que sejam enviadas a esta camara as contas de Tancos e os documentos que as justificam, a fim de que possam ser apreciadas pelos srs. deputados que o desejarem. — Mello e Faro = A. Osorio de Vasconcellos.

2.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, sejam enviados com urgencia a esta camara os esclarecimentos seguintes:

I. Era epocha se mandou proceder aos estudos da estrada de Braga a Chaves, por Barroso, quando começaram e aonde pararam;

II. Emquanto estão orçados os trabalhos da parte da referida estrada que se acha estudada;

III. Que numero de kilometros se acham construidos e em construcção;

IV. Uma nota das quantias votadas para a mesma estrada, e quanto d'ellas se tem applicado.

Sala das sessões, em 21 de março de 1871. = 0 deputado, Antonio José Antunes Guerreiro Junior. Foram remettidos ao governo.

3.° Requeiro que seja enviado a esta camara, para ter o devido andamento, um requerimento do tenente do exercito, Frederico Augusto Torres, apresentado na sessão passada, e que se acha no archivo da secretaria.

Sala das sessões, 21 de março de 1811. = Francisco Maria da Cunha.

Á secretaria.

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Declarações de voto

1.ª Declaro que, se tivesse estado presente na sessão de 18 do corrente mez, á qual não me foi possivel comparecer por incommodo de saude, teria rejeitado o parecer da commissão especial sobre a do sr. deputado Barros e Cunha. — Ignacio Francisco Silveira da Mota.

Inteirada.

2.ª Declaro que, se estivesse presente na ultima sessão, quando se votou o parecer relativo á proposta do sr. deputado Barros e Cunha, rejeitaria o parecer da commissão. = João Candido de Moraes.

Inteirada.

Participações

1.ª Communico que, por justificado motivo, não compareci ás sessões dos dias 11 a 16 do corrente mez. = 0 deputado, Paes Villas Boas.

Inteirada.

2.ª Tenho a honra de participar a v. ex.ª e á camara que o meu collega e parente, Julio do Carvalhal, não comparece á sessão de hoje, e talvez a mais algumas, por incommodo de saude. = Pereira Lago.

Inteirada.

3.ª Motivos imperiosos obrigaram o sr. Joaquim Augusto da Silva a saír precipitadamente de Lisboa, e pediu-me que participasse a v. ex.ª e á camara que, por esse motivo, faltará a algumas sessões. = Francisco Antonio da Silva Mendes.

Inteirada.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — Em todas as nações regidas pelo systema constitucional a maior garantia dos fóros do cidadão existe no direito imprescriptivel de votar o povo o imposto nas suas assembléas electivas, e no de o applicar ás despezas communs.

Este principio, que todos os codigos liberaes consignam, é ao mesmo tempo principio de direito natural, porque sómente o abuso do mais forte poderia privar o homem laborioso do goso illimitado dos fruetos do seu trabalho para os applicar ás commodidades alheias, ou para os converter em instrumentos que o reduzissem á escravidão.

Era em todos os tempos o ponto mais escrupulosamente debatido, desde que a cidade se formava, o de como ella se devia governar.

A regularisação do tributo, que era a contribuição levantada sobre o povo por tribus e repartida em proporção da fortuna de cada um, o modo de o arrecadar, o direito de o impor, o arbitrio de o gastar, formaram sempre dois campos, campos distinctos.

O Monte Aventino é da historia de todos os povos. Os que trabalhavam, regateando á preguiça cobiçosa, o direito que era seu, e não cedendo, senão vencidos e extenuados, na lista contra a rapina dos pontifices, dos imperadores e dos barões, a parte que estes não conseguiram levantar artificiosamente sobre os fruetos a que o povo industrioso consagrava a vida.

Foi por contratos especiaes entre a cidade e o castello, entre a ociosidade armada e o trabalho inerme que este se remio da escravidão.

Foi ainda por allianças sueccesivas contratadas sobre o ciúme dos reis, que mais tarde se resgatou da servidão feudal.

Desde o desabamento do imperio romano até á revolução de 1789 houve uma luta incessante para firmar o grande principio de que o governo é sómente delegado da sociedade, encarregado de fazer as cousas para que não póde ser sufficiente, util ou efficaz a acção individual.

Se quizesse, senhores, desenrolar aos olhos do povo que representaes a luta que desde o sexto e setimo seculos se feriu para se proclamar a soberania popular de que sois depositarios e que jurastes manter illesa, ser-me-ía isso

impossivel, porque quanto mais se medita sobre os monumentos que essas epochas nos legaram, quanto mais se investiga nos pergaminhos meio apagados as phases da transformação lenta do povo, de escravo em servo, de servo em cidadão, mais o espirito se perde na contemplação de fragmentos incompletos, de fabulas historicas, de narrativas fanáticas, das quaes rebenta, como de um vulcão, o homem e a,liberdade!

É tradição da nossa historia o facto com que honrar nos devemos, que já muitos annos antes da revolução social usávamos com liberdade do direito de reprimir o arbitrio dos réis e com zêlo guardâmos o bom costume de votar os impostos e de fiscalísar as despezas. E, se hoje se duvida da letra do codigo que confere esse direito á camara popular, não se duvidava então o da tradição, que os procuradores firmavam a cada assento de côrtes; que os réis esqueciam ou sophismavam, mas que as côrtes seguintes renovavam, firmando de novo o seu direito, o qual não raras vezes, como se vê nos seus assentos, faziam triumphar.

E a idéa de não deixar nem sequer uma sombra de duvida sobre a illegitimidade de qualquer outro poder que não seja o da camara electiva para votar impostos ao povo portuguez, que me obriga a recordar-vos, n'um traço fugitivo, a influencia que tem tido o uso deste direito desde a idade media, para chegar á constituição da sociedade moderna.

Srs. deputados, quando propuz á vossa approvação um voto de louvor ás juntas geraes que recusaram repartir a contribuição que as côrtes não tinham votado, esperava que a camara popular adoptasse sem discutir a proposta que honrava a independencia e coragem de varões tão prestantes como aquelles que compunham as corporações administrativas a que a minha proposta se referiu.

A maioria da camara, rejeitando esse louvor, admitte a legitimidade de qualquer usurpador audacioso, e degrada da missão elevadíssima que têem as juntas geraes de districto.

Se fosse possivel admittir que as juntas geraes não tinham direito de examinar se a contribuição que lhe mandam repartir é auctorisada por lei, estou certo que nenhum cidadão honrado e digno aceitaria tal cargo.

Se esta opinião da maioria, que votou contra a minha proposta, podesse prevalecer, voltaríamos aos reinados de Nero e Diocleciano, durante os quaes, aos decuriões que eram membros das juntas geraes d'aquelle tempo, só cumpria cobrar os impostos, conformando-se com os cadastros fornecidos pelos oíficiaos do imperador, repartir as contribuições extraordinarias que o principe exigia, pelo pagamento integrai das quaes eram responsaveis em pessoa e bens, sob pena de serem postos a tratos e rasgados com unhas de ferro; até mesmo quando as faltas eram dos agentes propostos pelos pretores para enthesourarem os dinheiros extorquidos.

Tal não é, nem pó de ser hoje, o officio dos parlamentos dos districtos, a cargo dos quaes a lei poz a repartição do imposto predial.

O decreto de 31 de dezembro de 1852 diz:

«Art. 2.° As contribuições de que trata o artigo antecedente são substituidas por uma contribuição directa de repartição, que se denomina «contribuição predial», cuja importancia será fixada annualmente por lei, e repartida pelos districtos administrativos, segundo o disposto no § 8.º do artigo 15.º da carta constitucional.»

Este § 8.º do artigo 15.º é assim:

«Art. 15.°. É da attribuição das côrtes:

«§ 8.º Fixar annualmente as despezas publicas e repartir a contribuição directa.»

Definida assim a contribuição predial, o poder que a vota e a reparte pelos districtos, o mesmo decreto determina d'esta sorte a sua repartição pelos concelhos.

«Art. 4.° A junta geral de districto repartirá pelos con-

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celhos o contingente da contribuição predial que a lei tiver designarlo ao respectivo districto.»

E porventura lei a vontade do soldado ou general audaz, que vae de noite atacar o rei e arrancar lhe o poder por surpreza?

Onde nos levariam as consequencas d'esta blasphemia servil?

Abriríamos a porta do poder á cubiça armada, e em vez de termos o exercito para nos defender, acordaríamos cada noite ao troar do canhão, annunciando nos o advento de novo dictador, o qual distribuiria, como Augusto depois da derrota de Bruto e Cessio, primeiro o nosso dinheiro, depois os nossos bens aos veteranos gloriosamente laureados!

A propriedade e a liberdade viriam a ser palavras vãs. A nossa vida mesmo ficaria dependente da meteu do vencedor.

E, como nunca em tempo algum faltou nos conselhos d'estado, nos tribunaes, nos senados, nas assembléas populares, nas juntas geraes, nos muuicipios e na imprensa quem lisonjeio os triumphadores, quem os instigue a ousarem tudo, em breve nos achariamos de novo, para commodidade nossa, reduzidos a nina doce escravidão.

Não póde portanto admittir-se que as juntas geraes sejam degradadas da sua posição constitucional, e transformadas n'um bando de exactores do baixo imperio.

Cumpre-lhes examinar se o contingente que lhe mandam repartir e legalmente votado e distribuido, porque a repartição de que são encarregadas serve de garantia aos concelhos dos seus districtos, do que se lhe não distribue outro imposto senão o que a lei, feita pelos seus representantes, auctorisou.

A nossa constituição é de tal modo clara sobre estes pontos, que só a complicidade da camara dos deputados póde permittir que o poder executivo se desvie d'ella. Para manter livre e para bem administrar o povo portuguez basta observar as suas disposições.

A carta constitucional, tratando no artigo 137.° da fazenda publica, determina o seguinte:

«Todas as contribuições directas, á excepção d'aquellas que estiverem applicadas aos juros da divida publica, serão annualmente estabelecidas pelas côrtes geraes, mas continuarão até que se publique a sua derogação, ou sejam substituidas por outras.»

Muitos espiritos ha que pensam que este artigo da constituição está em vigor, e que as contribuições votadas para o anno A podem cobrar-se para o anno B, na mesma importancia e pela mesma fórma, ainda que o parlamento as não tenha votado!

E d'ahi nasce o erro de pensarem que as juntas geraes pediam repartir o imposto por um decreto dictatorial.

D´ahi vem o não se attender que houve mais do que uma infracção de fórma, houve um attentado contra a essencia, contra os fundamentos da constituição.

O acto addicional á carta constitucional, conquista dos partidos liberaes sobre os conservadores, alterou completamente o artigo 137.º da carta, e diz:

«Art. 12.º Os impostos são votados annualmente; as leis que os estabelecem obiigarn sómente por um anno.

4.º Ficam d'este modo reformados e alterados os artigos 136.°, 137.º e 138.° da carta constitucional.»

Senhores. Não esqueçamos que esta garantia para a liberdade, para a paz interna, para a fiscalisação da fazenda publica, custou trinta o sois armes de combates no campo, na imprensa e na tribuna ao partido liberal.

Sem voto das côrtes, não ha imposto. Mas esse voto é da iniciativa da camara dos deputados, e caduca no fim do anno para que foi dado.

As juntas geraes não podem portanto repartir aos concelhos dos districtos, que representam, um imposto que não ha, som incorrerem n'uma gravissima responsabilidade, porque ellas recebem da lei a investidura para exercer o ministerio da repartição do imposto constitucional, e só á constituição podem obedecer.

Impostos sem auctorisação annual das côrtes, são nullos. A recepção d'elles uma extorsão violenta.

E as juntas geraes pão devem mais obediencia aos dictadores, que as quizerem tornar complices n'estes crimes, do que a deveriam a qualquer invasor ou corsario que salteasse o reino, e que quízesse sustentar se n'elle á vossa custa.

Não sendo portanto conveniente para as liberdades publicas, nem para a regular fiscalisação da fazenda nacional, que fique sendo materia de opinião controversa, se as juntas geraes podem, ou devem repartir aos concelhos dos seus respectivos districtos, contingente de qualquer contribuição, sem que o parlamento o tenha votado, em harmonia com a lei fundamental e acto addicional.

Sendo uma das mais salutares attribuições que a carta confere ás côrtes no § 6.° do artigo 15.° a de interpretrar as leis; tenho a honra de vos propôr o seguinte projecto de lei.

Art. 1.° E privativa attribuição das juntas geraes de districto repartir pelos concelhos a contribuição predial, que as côrtes geraes da nação portugueza tiverem votado.

Art. 2.º As juntas geraes de districto, ás quaes, pelas disposições do artigo 4.º do decreto com força de lei de 31 de dezembro de 1852, incumbe repartir pelos concelhos o contingente da contribuição predial, só poderão proceder á repartição do mesmo contingente, quando a contribuição tenha sido votada, para o anno em que dever ser repartida pelas côrtes geraes da nação portugueza, em harmonia com os preceitos do artigo 12.º do acto addicional á carta constitucional da monarchia.

§ unico. Ficam d'esta sorte interpretados o artigo 4.° do decreto de 31 de dezembro de 1852, e o artigo 1.° da carta de lei de 30 de junho de 1860, bem como a demais legislação em vigor.

Art. 3.º É considerada nulla a repartição do contingente da contribuição predial, feita em contravenção dos artigos 1.° e 2.° d'esta lei, e ficam sujeitos, alem da reparação civil, ás penas impostas aos concussionarios, as auctoridades e empregados que exigirem as contribuições illegalmente repartidas.

§ unico. E permittido a qualquer cidadão requerer em juizo as competentes acções contra os empregados e auctoridades de que trata este artigo, independentemente de licença do governo.

Art. 4.° Fica expressamente revogada toda a legislação em contrario.

Camara dos deputados, em 21 de março, de 1871. = O deputado por Silves, João Gualberto de Barros e Cunha.

Foi admittido á discussão e enviado á commissão respectiva.

O sr. Barjona de Freitas: - Declaro a v. ex.ª, que n'este momento mando entregar na mesa oitenta exemplares de um opusculo de Manuel Francisco de Medeiros, ácerca da instrucção primaria e secundaria, a fim de que v. ex.ª tenha a bondade de os mandar distribuir pelos srs. deputados.

Mandaram-se distribuir.

O sr. Rodrigues de Freitas: - Mando tambem para a mesa noventa e nove exemplares de uma representação do lyceu nacional do Porto, ácerca da instrucção secundaria. Peço a v. ex.ª o favor do os mandar distribuir pelos srs. deputados.

Mandaram-se distribuir.

O sr. Presidente: — A camara approvou uma proposta de adiamento apresentada pelo sr. Mariano de Carvalho, para que continuase o a discussão do projecto n.º "23, logo que estivesse presente o sr. ministro do reino.

Como s. ex.ª está presente, vae continuar a discussão.

Tem a palavra o sr. Barros Gomes.

O sr. Telles de Vasconcellos: —Desejara saber se hoje se não concedo a palavra aos srs. deputados que a pediram para antes da ordem do dia.

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O sr. Presidente: — Houve uma resolução da camara para que continuasse a discussão do projecto n.º 23, logo que estivesse presente o sr. ministro do reino. Como s. ex.ª está presente, havemes de cumprir a resolução da camara.

O sr. Telles de Vasconcellos: — Por consequencia vae entrarse na ordem do dia?

O sr. Presidente: — Sim, senhor.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 23 (circumscripção do concelho da Gollegã)

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Barros Gomes.

O sr. Barros Gomes; — Sr. presidente, quando esta questão do alargamento do concelho da Gollegã veiu pela primeira vez á discussão na camara, na sessão de sabbado, não tive eu duvida em declarar que apoiava inteiramente a proposta de adiamento, apresentada pelo meu illustre collega o sr. Sampaio, e que fazia minhas as rasões em que s. ex.ª a fundamentava. Mais tarde suscitou-se debate na camara sobre se a excepção de incompetencia allegada por áquelle meu esclarecido collega podia ou não sustentar-se em presença do decreto de 15 de abril de 1869.

Procurei examinar a questão com todo o cuidado, e reconhecendo, em virtude d'esse exame, que a camara não está privada de legislar a este respeito, quando o julgar conveniente, entendo comtudo, e n'isso vou inteiramente de accordo com o espírito do decreto com força de lei a que acabo de alludir, e que vem altamente esclarecido no relatorio que o precede, entendo, digo, mais conveniente que seja deixado ao poder executivo a resolução de questões da natureza d'aquella que n'este momento estamos discutindo; a menos que por uma insistencia inexplicavel por parte do governo, por uma tyrannia, a qual raras vezes ou nunca se poderá dar, porque se não coaduna com os nossos habitos governativos, se encontrasse no mesmo governo uma repugnancia injustificavel em attender os clamores dos povos, que obrigasse estes a virem á camara pedir justiça, a qual não haviam logrado encontrar junto ao poder executivo.

Mas creio que a hypothese que acabo de figurar, está hoje muito longe de se dar, pois me parece que ninguem verá no nobre marquez d'Avila o de Bolama um d'estes cruéis tyrannos a que alludi; pelo contrario, todos nós conhecemos e apreciámos a natural benevolencia de caracter de s. ex.ª, e podemos dar testemunho do interesse com que o illustre presidente do conselho e ministro do reino procura sempre attender as reclamações justas, da satisfação das quaes julga resultarem beneficios para os povos (apoiados).

N'este caso portanto, parece-me que seria altamente inconveniente que a camara viesse, esquecendo as boas praticas parlamentares, prostergando os bons principios de administração, legislar sobre um assumpto que, mais naturalmente, cabe hoje na esphera de acção do poder executivo, e se a excepção de incompetencia allegada pelo sr. Sampaio não póde sustentar-se em absoluto, todas as rasões de conveniencia indicam claramente ser a proposta de s. ex.ª aceitavel e não convir senão em circumstancias muito anormaes á camara o desviar se do principio ali consignado em harmonia com as disposições do decreto por vezes citado de 15 de abril de 1869.

O nobre deputado por Torres Novas leu á camara parte do relatorio que precede esse decreto. Vê-se pelo relatorio a que alludo que o governo julga, e com elle por certo julgarão todos, que os meios administrativos de que um ministro do reino dispõe para informação, lhe proporcionam esclarecimentos mais exactos para apreciar estas questões de um modo consciencioso e imparcial, e com melhor conhecimento de causa do que em geral o poderia fazer a camara dos senhores deputados, embora sejam ouvidas os representantes das localidades interessadas, os quaes não podem, sustento o que disse na sessão de sabbado, livrar-se em questões d'esta ordem da suspeita de parcialidade, de certo involuntaria; e a esse respeito eu logo responderei á parte do discurso do meu collega, o sr. Mariano de Carvalho, no qual s. ex.ª se referio a tê-lo eu taxado de parcial, e procurarei mostrar que não merecia do illustre deputado uma indignação tão forte a accusação que lhe fiz de caír involuntariamente em uma culpa, em que eu começava por me declarar incurso.

Não pretendo eu por certo sustentar que uma ampla faculdade concedida ao governo para alterar circumscripções territoriaes, mesmo no caso mais simples da rectificação dos limites de um concelho ou de uma freguezia, ou ainda no de annexação de uma freguezia inteira a um concelho, fosse isenta de graves inconvenientes; se porém essa faculdade for limitada por sabias e bem meditadas restricções que tornem impossivel ao governo o fazer mau uso d'ella, este deverá, possuindo os melhores elementos de informação, resolver sempre estas questões no sentido da verdadeira conveniencia dos povos.

Diz-nos o relatorio que precede o decreto de 15 de abril:

«A interferencia das côrtes só deve exigir-se quando se trata de crear ou de supprimir circumscripções territoriaes, acto que tem por necessaria consequencia dar ou tirar entidade juridica, e alterar a ordem das jurisdicções.

«As hypotheses porém, a que diz respeito o decreto que submettemos á approvação de Sua Magestade, não produzem estes resultados, são de tão pequena importancia, e dependem tanto de informações e conhecimentos locaes, que podem, sem inconveniente, ser resolvidas pelo poder executivo, até porque na maior parte dos casos a interferencia do poder legislativo é pela natureza das cousas quasi que uma homologação das propostas d'aquelle poder.»

E ainda mais adiante:

«Com estas restricções, a faculdade concedida ao governo, habilitai o ha a remediar alguns defeitos que se encontram na divisão territorial, e accommoda la mais aos habitos, tendencias e interesses das localidades.»

No caso que estamos discutindo as formalidades a que o governo teria de attender, estão tão bem combinadas no artigo 3.° do decreto, no qual se prescreve a fórma do processo para chegar a um resultado com respeito a modificações na circumscripção administrativa, ou na divisão parochial, que outra qualquer fórma de processo ou systema de inquerito que se imaginasse, seria forçosamente inferior a esta, e não poderia garantir a mesma segurança nas decisões finaes. Basta proceder para o demonstrar á leitura do artigo 3.°, a camara ouvindo-o, de certo se persuadirá de que é mais convergente deixar o governo resolver questões d'esta ordem, para isso que dispõe de elementos de informação que nós não temos.

O artigo 3.° diz expressamente:

«Fica o governo igualmente auctorisado para demarcar os limites entre concelhos e freguezias, ouvidas as camaras ou as juntas de parochia que forem competentes, e o governador civil do respectivo districto, em conselho, guardadas tambem as formulas de direito.»

Por este systema ouvem-se os interessados, e aquelles que têem completo conhecimento das circumstancias das localidades; e a decisão que se tome não poderá deixar de ser baseada nos principios da justiça e proferida em harmonia com a conveniencia dos povos.

Não póde em geral dar-se este caso com uma decisão a tal respeito tomada pela camara dos senhores deputados, onde apesar do sentimento de justiça e do desejo de acertar, os elementos indispensaveis de informação hão de sempre faltar.

Portanto, creio que a incompetencia da camara, proposição que eu primeiro queria demonstrar, quando não possa julgar-se uma proposição absoluta, deve comtudo, na grande maioria dos casos, ser adoptada como bom principio a

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seguir, e n'este sentido a proposta apresentada pelo sr. Rodrigues Sampaio conserva-se de pé, apesar dos argumentos em contrario dos srs. deputados que a combateram.

Parecia-me pois mais justo e mais em harmonia com as boas praticas que a camara aceitasse na questão a solução indicada pelo sr. Sampaio, e que deixasse para o caso excepcional e pouco provavel, que possa um dia apresentar-se, do governo se oppor tenaz e energicamente aos desejos dos povos, o fazer uso da iniciativa a este respeito, concedendo então a justiça que se negava aos humildes'e opprimidos.

Fallei ainda agora em parcialidade, e referi-me por essa occasião ás phrases um pouco exaltadas, mas de certo sempre convenientes que o illustre deputado pela Chamusca, o sr. Mariano de Carvalho, empregou quando me accusou de ter lançado em rosto a s. ex.ª e á camara mesmo a nota de parcialidade. Responderei a isso que o mesmo calor que s. ex.ª mostrava n'esse momento e que animou todo o seu discurso, era a prova mais evidente de que eu me não enganara na apreciação que havia feito; e, note s. ex.ª, quando lancei em rosto ao sr. Mariano de Carvalho essa asserção que o maguou, lancei-a tambem a mim proprio, e uma certa excitação com que fallei indicava igualmente, que não estava isento de parcialidade quando defendia os interesses dos meus constituintes, dos quaes conheço uma grande parte, e que de certo lamentariam muito, estando eu n'esta casa, pela sua benevolencia, não me verem tomar calor na defeza de interesses seus e tão justos. Esse calor, esse enthusiasmo provam porém até certo ponto a minha parcialidade n'esta questão; reconheci-o eu, e por isso n'esse momento me collocava no banco dos réus, com s. ex.ª; alguma desculpa pois devia merecer, se acaso a proposição que avançara podesse ter ido mais longe do que o recommendam as conveniencias e praticas respeitadas sempre nos parlamentos.

Não esqueço porém a rasão que s. ex.ª allegou asseverando que se na defeza dos interesses dos nossos respectivos circulos, nós podesaemos ser sempre taxados de parciaes, nunca chegaria a camara a resolver questões de ordem qualquer; assim por exemplo, com relação aos impostos, eramos todos interessados em que elles se não lançassem, para muito particularmente isentarmos do seu peso os nossos constituintes. Mas do facto de que ao tratarem se questões de interesse geral, a elle sacrifiquemos gostosamente o interesse particular dos nossos circulos, não se segue que, tratando-se de negocios que exclusivamente os affectem, nós conservemos a mesma abnegação e sangue frio.

Eu vejo n'este momento um illustre deputado sentado ao meu lado, o sr. Barros e Cunha, o qual, pugnando ha dias pelos interesses da provincia do Algarve, allegava que aquella provincia havia sido abandonada pelos poderes publicos, que de nenhum recurso lhe tinham sido as quantiosas sommas, levantadas a credito pelo nosso thesouro, para desenvolver a viação, e com ella fomentar a riqueza; e quando s. ex.ª assim defendia os interesses do Algarve e procurava chamar para aquella provincia os capitães de que o governo podesse dispor, d'aquelle lado da camara (o direito), os illustres deputados representantes da Beira, erguendo a voz, amargamente se queixavam, que não era o Algarve, mas sim aquella provincia que não tinha sido attendida, como devia sê-lo pelos poderes publicos, e iguaes clamores se levantavam pouco depois em nome dos interesses de Traz os Montes.

Já vê V. ex.ª que n'esta questão e do mesmo modo em todas as outraa de natureza analoga, em que só se trata de interesses particulares dos nossos circulos, das provincias ou districtos que representamos, se é conveniente e preciso ouvir a opinião dos deputados respectivos, se essa opinião deve incontestavelmente ser presente ao governo, para este, com melhor conhecimento de causa, poder resolver em harmonia com aa conveniencias geraes e particulares, não basta, nem póde bastar o ouvir essa opinião, porque na maior

parte dos deputados não póde em taes casos deixar de existir uma certa parcialidade.

Aqui tem v. ex.ª explicada a rasão por que me dei por suspeito, defendendo os interesses do concelho de Santarem, que eu tenho a honra de representar n'esta casa, e por que lanço em rosto ao sr. Mariano de Carvalho a accusação que tanto pareceu affligi-lo.

Desejando ouvir a opinião do sr. presidente do conselho de ministros e ministro do reino, que na sessão de sabbado não estava presente quando se tratou esta questão, sobre alguns dos pontos a que eu me referi por essa occasião, eu peço desculpa á camara de me alargar um pouco mais no exame d'este assumpto, para o que até certo ponto me auctorisa o facto de não haver n'este momento nenhum projecto demais importancia para discutir, nem questões de interesse geral que por isso mais naturalmente devessem fixar a nossa attenção. Anima-me essa circumstancia a repetir algumas das rasões que já aqui apresentei, e que me parecem dever influir na maneira por que a este respeito tenha de se manifestar a opinião do governo.

O projecto que estamos discutindo passou n'esta camara em 1864, sem que nenhum sr. deputado se levantasse para o impugnar; n'essa mesma sessão porém, no principio da qual se verificava este facto, uma outra questão menos importante relativa á transferencia da capital do concelho de Proença a Nova para Sobreira Formosa soffria uma larga impugnação, propunha-se-lhe um adiamento, e o sr. Mártens Ferrão,. erguendo então a sua voz auctorisada, e sustentando as boas doutrinas, declarava reputar inconveniente o resolver a retalho questões d'esta natureza, a menos que o governo, dando á camara todas as informações para ella se pronunciar com conhecimento de causa, começasse por provar a absoluta urgencia de tomar a tal respeito uma decisão.

Citando estes factos e referindo-me á sorte provavel que ainda hoje esperava este projecto na camara dos dignos pares, alleguei eu que elle não podéra ali passar em 1864, e o sr. Mariano de Carvalho, julgando repetir as minhas palavras, asseverou que eu tinha dito não ter sido possivel arranca-lo então das gavetas da commissão de administração publica d'aquella camara, e procurou achar n'esse facto uma interpretação pouco lisonjeira. Protesto eu porém energicamente contra ella. A resistencia da camara alta não póde nem deve ser interpretada d'esta fórma; uma tal accusação iria ferir a independencia d'aquella casa do parlamento e dos membros illustres que a compõem, os quaes devemos respeitar, para que d'elles mereçamos respeito, e pela rasão que se devem acatar mutuamente os differentes poderes publicos. Nem é crivel que uma corporação tão elevada podesse ficar sujeita a uma pressão e cedesse a considerações que não tivessem uma explicação perfeitamente digna.

A rasão unica, leal e em harmonia com os bons principios que a camara dos pares oppoz á adopção d'este projecto não foi, nem podia ser outra, senão a que eu alleguei; foi o achar-lhe inconvenientes, foi o acatamento do principio de que se não deve legislar senão em casos muito excepcionaes em questões de administração, na ausencia de bases geraes sobre que assente uma reforma na divisão territorial, administrativa, ecclesiastica ou judiciaria.

O perigo de estar a todo o momento procedendo a novas annexações, alterando as circumscripções particulares d'este ou d'aquelle concelho, sem conhecimento perfeito que a camara não póde ter das circumstancias das localidades, tal foi a rasão, repito, que influiu no animo dos cavalheiros que«Compunham na outra casa do parlamento a commissão de administração publica para não darem seguimento a este projecto. E eu espero que aquelles cavalheiros continuarão a manter as boas doutrinas, se acaso elle novamente for adoptado n'esta camara.

O sr. Mariano de Carvalho apresentou-nos uma representação assignada por pessoas tão respeitaveis, e pela sua

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riqueza, illustração e elevadíssima posição social, conhecidas não só por esta camara, mas por todo o paiz, que eu ao ouvir a longa lista dos seus nomes, vendo citados entre elles os representantes das nossas primeiras casas, julgava estar assistindo a uma leitura do livro de oiro da nossa aristocracia, e não podia explicar como o prestigio d'esses nomes não tivesse influido na camara dos dignos pares, levando-a a approvar o projecto que se discute; mas felizmente não foi assim, e se alguma prova se precisasse da independencia d'aquella casa do parlamento achava-se no facto do projecto não ter achado o apoio que se esperaria vê-lo ali encontrar, em presença das altas influencias que o patrocinavam.

Mas ainda ha mais, como a camara sabe não se conseguiu sequer que dois terços dos eleitores da freguezia dá Azinhaga reclamassem ao governo a sua annexação ao concelho da Gollegã, nem se conseguiu igualmente que muitos dos habitantes das pequenas povoações de Torres Novas, que hoje se pretendem arrancar violentamente aquelle concelho, para augmentar o da Gollegã representassem a favor da annexação; e havendo comtudo ali proprietarios muito importantes, empregando no amanho dos seus campos um crescido numero de trabalhadores, não poderam, ainda assim, influir no animo d'aquelles individuos, a fim de os fazer trilhar o que esses proprietarios reputavam o bom caminho, aquelle que melhor se harmonisava com os seus interesses; e não o poderam conseguir, porque? A resposta só póde ser uma; porque os eleitores, cuja vontade devemos respeitar, entendiam que os seus interesses eram diversos dos que lhes figuravam, e estavam ligados á conservação do estado actual.

Não quero no que acabo de dizer lançar a minima insinuação. Nãò supponho nem por um momento os grandes proprietarios da Gollegã capazes de recorrer a qualquer meio de pressão, por isso que ao caracter honrado d'aquelles cavalheiros, muitos dos quaes eu conheço e aprecio, repugnaria uni tal modo de proceder; mas quem de nos ignora os grandes meios de legitima e salutar influencia de que um grande proprietario dispõe, sobretudo quando reside no centro das suas propriedades? Não bastou porém n'este caso essa influencia tão poderosa para demover os eleitores do proposito firme em que estavam de resistir á alteração do cousas que se lhe propunha.

N'esta questão de interesse puramente local, pode-se comparar, se é permittido oppor ás grandes as pequenas cousas, o concelho da Gollegã a um Piemonte em miniatura, cujo systema annexatorló encontrou talvez hoje no sr. Mariano de Carvalho o seu Cavour, que, defendendo na Camara a sua politica invasora, espera encontrar n'esta discussão occasião de mais uma vez confirmar com o triumpho á sua habilidade diplomatica.

Allega-se que o concelho de Santarem, e n'estas observações a que estou procedendo não me refiro senão incidentemente ao concelho de Torres Novas, porque este ultimo tem n'esta casa um representante muito digno que de certo ha de defender eloquentemente os seus interesses, refiro-me exclusivamente aquelle que eu conheço e sobre o qual possuo mais elementos de informação proprios para esclarecerem a camara, allega-se pois, repito, ser o concelho de Santarem tão grande, que á desannexação d'esta importante porção de terreno que se lhe quer cercear, não póde influir sensivelmente ao Seu rendimento collectavel total nem diminuir-lho a importancia, por isso que a área e a população ainda ficam muito consideraveis e é seu rendimento collectavel conserva se muito superior á maior parte do dos concelhos onde existem as capitães de districto.

Mas á circumstância do rendimento collectavel de Santarem ter muito grande tem uma explicação tambem muito natural e que abona aquelle concelho, e nunca deveria por isso ser uma rasão para o restringir. Essa eírcumstancía depende de eu e muitos outros proprietarios pagarmos 13 e hoje cem os addicionaes 15 porcento do rendimento liquido das nossas propriedades.

Se em todo o paiz a propriedade rustica estivesse collectada por esta fórma, parece-me que as dificuldades do thesouro não seriam, tamanhas. Eis-aqui a explicação natural porque muitos concelhos onde existem capitães de districto e cidades importantes têem um rendimento collectavel inferior ao de Santarem, que é na ordem decrescente o 3.° depois de Lisboa e Porto.

Pelo contrario o concelho da Gollegã, cuja área se pretende alargar é de todos do districto o mais pequeno.

Tenho aqui presente um mappa coordenado por um illustre cavalheiro, que por varias vezes tem sido membro do parlamento, e que n'este trabalho prestou mais um serviço ao seu paiz. Refiro-me ao livro intitulado «alguns elementos para estudo da questão de fazendas coordenado e publicado sob a direcção do meu antigo mestre e amigo o sr. Fradesso da Silveira.

N'este livro lê-se a pag. 14 sobre os differentes concelhos do districto do Santarem, o teguinte: Abrantes tem uma área de 77:033 hectares; Almeirim de 31:427 hectares; Benavente, 64:322 hectares; Chamípca, 78:950 hectares; Coruche, 118:297 hectares; Santarem, 62:342 hectares; Torres Novas, 32:704 hectares; havendo inferiores a 9:000 hectares apenas os concelhos da Barquinha, Constan-cia, Sardoal e Gollegã, o sendo de todos este ultimo o mais pequeno, porque apenas tom 4:088 hectares de superficie.

A população da Gollegã constitue uma freguezia unica que não excede a 3:538 almas. Creio que é a população ordinaria de uma aldeia pouco mais importante que os pequenos logares que se encontram dispersos pelo paiz.

Emquanto á população de Santarem é de 62:342 almas e a de Torres Novas não desce á o 32:704.

Eu comprehendo e aceito, e defenderia com a minha fraca voz, se para isso tivesse auctoridade, um principio tão importante do administração como aquelle que s. ex.ª sustentou na sessão em que teve logar o começo d'esta discussão, de que é inconveniente e talvez menos liberal supprimir todos os concelhos pequeno?, e pretender regular por uma nova legislação a circumscripção administrativa, tomando como unico ponto de partida a grandeza da população e da área. Seja concelho quem o queira ser, uma voz que satisfaça a todos os preceitos e encargos da vida municipal, que a nova legislação, tendendo cada vez mais para uma larga descentralisação, diariamente vae aggravando. Mas sustentar aquella theoria, não é o mesmo que pretender veios concelhos pequenos alargarem-se á custa dos grandes.

Vivam á sua custa se poderem e quizerem; mas não pretendam restringir os grandes, tirando-lhes assim os recursos indispensaveis para satisfazer aos, encargos que lhes são lançados. Ainda ha poucos dias apresentou o sr. ministro do reino n'esta casa uma proposta de lei sobre instrucção primaria; se essa proposta for approvada, as camaras municipaes ficarão muito sobrecarregadas com a despeza que terão de fazer na manutenção das escolas que ficam a seu cargo.

Por exemplo, o concelho de Santarem que tem 28 freguezias terá de sustentar pelo menos igual numero de escolas de instrucção primaria; e a Gollegã com uma só freguezia terá de sustentar apenas uma unica escola. Já se vê portanto que, cerceando-se em cincoenta e tantos contos de réis o rendimento collectavel de Santarem, sobre 283:000000 réis que elle possuo ao todo, não poderá por fórma alguma esse concelho satisfazer aos encargos que a lei já hoje faz pesar sobre elle, e muito menos aos que de futuro lhe lancem.

Se alguma cousa pois se devesse concluir d'esta discussão, seria, e eu não o desejo por fórma alguma, porque conheço os elementos de boa administração que se encontram no concelho da Gollegã, que este fosse annexado a Santarem e Torres Novas. Não o desejo porém, repito, e, para prova da minha sinceridade, não duvido citar um relatorio do go-

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vernador civil do districto, aonde se diz que áaquelle concelho tem os elementos e o pessoal necessario para a sua existencia; notando-se mesmo que na administração de alguns estabelecimentos de caridade que ali existem póde até certo ponto ser dado como modelo para outros concelhos maiores.

Eu não discuto, note-se bem, a administração do concelho da Gollegã, apenas me refiro a ella de passagem e para a elogiar.

Desejo portanto que áquelle concelho se possa manter, mas não desejaria que o fizesse á custa de outros limitrophes que represento na camara, e sim com os elementos de que dispõe, e que o sr. Mariano de Carvalho assevera serem tantos e tão importantes.

Se porém, abstrahindo da sua boa administração, nós attendessemos unicamente as rasões allegadas no parecer da commiasão de estatistica, só poderiamos inferir, como ha pouco sustentava, que a Gollegã com uma população tão limitada deveria, em logar de se engrandecer á custa dos seus vizinhos, ser dividida pelos outros concelhos mais proximos.

Seria esta a conclusão mais logica, mas não pretendo eu chegar a ella, porque não quero engrandecer-me á custa de outros, e não sou partidario da politica das annexações.

Acreditando porém na palavra do illustre deputado e do magistrado administrativo que citei, os quaes ambos nos asseveram ter a Gollegã tantos elementos de vida, parece-me que ella não deveria precisar para se manter firmar-se nos principios da politica piemonteza, alargando a sua área para ter alguns meios de governo á custa e em detrimento de Santarem e Torres Novas, que se têem grande área e grande vida, ainda assim não terão talvez os sufficientes meios para satisfazer a todos os encargos que as leis hoje estão lançando sobre os municipios.

Trouxe-se esta questão para a camara, e eu, como disse, desejaria antes que ella fosse attendida era instancia mais naturalmente chamada a decidir sobre ella; refiro-me ao governo, precedendo o processo de previa informação, indicado pelo decreto de 1869, a que por algumas vezes tenho alludido.

E ainda mais me fortifico n'esta opinião, quando vejo o silencio significativo a tal respeito guardado nos relatorios dos differentes governadores civis que têem estado á frente da administração do districto de Santarem, e tambero nas consultas das juntas geraes de districto, que têem sido presentes a esta camara, e que todos temos tido occasião de examinar.

Era muitas d'essas consultas, referindo-se os ilustres membros de successivas juntas geraes de districto á necessidade de melhorar a divisão territorial, quando se cita o concelho da Gollegã, aponta se um facto que effectivamente chama muito a attenção de todos, e que revela um inconveniente gravissimo a que era necessario attender de prompto; era esse facto a má circumscripção ecelesiastíca da freguezia do Pinheiro Grande, que tem para o norte do Tejo uma porção de territorio sujeita no espiritual á sua auctoridade, apesar de se achar separada da séde parochial, da qual está dependente, pelo rio de maiores dimensões e mais importante do paiz.

Este inconveniente era tão grave que se insistiu por mais de uma vez em pedir providencias a este respeito, requerendo-se uma melhor divisão parochial, que remediasse de prompto um estado tão anomalo.

Tenho presentes, por exemplo, as consultas das juntas geraes de 1857, e vejo na de Santarem o seguinte:

«A freguezia do Pinheiro Grande no concelho da Chamusca, que se estende o sul do Tejo, são sujeitas no espiritual ás povoações de S. Caetano e Pedrogoso ao norte do mesmo rio. Esta divisão que se conserva desde tempos antigos, em que o convento de Thomar da ordem de Christo era senhor dos terrenos de ambos os lados, e provia de parocho a igreja do Pinheiro, não póde hoje subsistir, e só realmente subsiste no nome, porque é injusto que essas povoações, tendo proximas os soccorros espirituaes, sejam obrigadas a procura-los a grandes distancias, atravessando o maior rio de Portugal, e muitas vezes em tempo de cheias, com imminente perigo de vida, ou a desistir d'esses auxilios pela impossibilidade de os obter. Hoje convem reformar similhante arbitrio; se essas povoações são administradas civil e judicialmente pelas auctoridades do julgado e concelho da Gollegã, detém igualmente estar sujeitas ào parocho da mesma villa, por ser pelas auctoridades do concelho feita a derrama da congrua respectiva».

Estas palavras acham-se tanscriptas no relatorio do governador civil do mesmo anno, e em todos os relatorios posteriores do mesmo e de outros magistrados apresentados em annos diversos; por exemplo era 1856 e 1858 encontram-se referencias á necessidade de uma melhor circumscripção ecclesiastica da freguezia do Pinheiro Grande, passando para a freguezia unica que constitue o concelho da Gollegã estes terrenos ao norte do Tejo.

Não vejo porém n'estes primeiros relatorios, nem nas consultas das juntas geraes da mesma epocha, allegar-se a necessidade de se modificar o concelho da Gollegã, alargando-se a sua área. Só muito mais tarde é que, procurando-se os relatorios dos governadores civis de Santarem, se encontram n'elles referencias a essa exigencia, ou antes a essa aspiração da camara da Gollegã; exigencia e aspiração a respeito da qual se lê por exemplo no relatorio do governador civil de Santarem, de 1866, a que já ha dias alludiu o sr. Sampaio — que o concelho da Gollegã pedia um alargamento da sua área, mas aquelle dignissimo magistrado parecia muito mais conveniente que materias d'essa ordem fossem entregues ao exame da commissão, encarregada de uma melhor divisão ecclesiastica do paiz, por isso que existindo essa commissão, tendo sido nomeada deproposito para se encarregar d'estes trabalhos, e podendo ella dispor de elementos, de que não podia dispor nem o proprio governador civil, que accusa até certo ponto a sua falta de conhecimento a respeito das circumstancias locaes, parecia-lhe que só ella poderia pronunciar se a esse respeito, em harmonia com os preceitos da justiça e o bem entendido interesse dos povos; e n'este caso, constando o concelho da Gollegã de uma unica freguezia, tratava-se mais de uma divisão ecclesiastica do que de uma circumscripção concelhia.

Alem d'esta referencia, no relatorio do governador civil que estava á frente da administração do districto de Santarem, em 1859, ainda se lê a seguinte:

«A camara municipal da Gollogâ propõe por interesse do concelho e boa administração de justiça, que o seu concelho seja limitado pelo rio Almonda até Carriços, e seguindo d'este ponto por traz do Vidigal, entre os Riachos e Minhoto, na direcção do casal da Amendoeira á ponte da Cardiga e margem direita do Tejo até á embocadura do Almonda».

O governador civil de Santarem, como se vê, abstem-sa prudentemente de formular a sua opinião a este respeito, e pelo contrario referindo-se á divisão ecclesiastica, diz o seguinte:

«Tratando da divisão ecclesiastica propõe, que os logares do S. Caetano o Cardiga, separados pelo Tejo da freguezia de Pinheiro Grande, a que pertencem, passem para a freguezia da Gollegã, de cujo concelho fazem parte. São obvias, a meu ver, as rasões da conveniencia d'esta proposta ».

N'este caso pois, o governador civil não duvida pronunciar-se ácerca da nova circumscripção ecclesiastica indicada, mas abstém-se prudentemente, repito, de entrar na questão de saber, se convem ou não alargar os limites de um concelho tão pequeno como o da Gollegã, o qual embora rico pela fertilidade do terreno que o constitue, nenhuma importancia póde ter pela pequenez da sua área e insignificância da população; e sendo esse alargamento obtido á custa de

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concelhos limitrophes que têem interesses importantes, encargos consideraveis a sustentar, tradições historicas que nos devem a todos merecer respeito, e que a esta camara merecerão de certo, ainda o espero, a consideração de não ir votar sem maduro exame, e sem pausado e reflectido estudo, o projecto que se discute, e com elle a diminuição na importancia e riqueza, e o injusto cerceamento d'esses concelhos.

Parece-me que tenho dito o que basta para de certo modo justificar, primeiro, a conveniencia de que este negocio seja remettido ao governo; e em segundo logar, quando a camara entenda que póde desde já deliberar a esse respeito, o que a meu ver importará o tomar uma decisão menos regular para a boa resolução da questão, a indispensabilidade de que s. ex.ª o sr. ministro do reino formule aqui do modo mais claro as rasões em que o governo se funda para approvar este projecto; porque, como disse a principio, começando por declarar que me dava por suspeito, assim dou ainda por suspeito o sr. Mariano de Carvalho, apesar de s. ex.ª ver n'isto uma accusação, da qual se defendeu com calor, e continuo a ver no sr. presidente do conselho o unico que dispõe de elementos de informação cabal, para que a camara resolva com justiça e em harmonia com as justas exigencias e mesmo conveniencias das localidades.

Portanto, novamente peço, e de algum modo insto com o sr. ministro do reino, que me está ouvindo n'este momento, para que s. ex.ª nos faça o favor de elucidar desde já a camara com todos esses esclarecimentos que deve possuir, que nós não conhecemos, e que s. ex.ª de certo não pretenderia occultar-nos; porque em frente dos principios geraes de administração, este projecto de lei está condemnado, e só circumstancias muito particulares que o governo deve conhecer, é que podem levar a camara a adopta-lo.

Por parte do sr. ministro do reino, e não do sr. deputado pela Chamusca, é que eu espero ver esclarecer a camara a este respeito.

Tenho concluido. Fiz o que me era possivel para defender os interesses do concelho que represento, cumpri com um dever; e espero, seja qual for a decisão final da camara, que os meus constituintes me farão a justiça de acreditar que zelei como me cumpria os interesses justos, cuja defeza elles tinham entregue nas minhas mãos.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Santos e Silva (sobre a ordem): — Pedi a palavra sobre a ordem para ter a honra de mandar para a mesa uma representação dos srs. despachantes da alfandega grande de Lisboa. As rasões em que elles fundam a sua representação...

O sr. Presidente: — Peço perdão; o sr. deputado pediu a palavra sobre a ordem, e o que apresenta não é uma moção de ordem sobre o assumpto que se discute.

O sr. Santos e Silva: — A rainha moção de ordem é esta; é mandar para a mesa uma representação, e creio que todos os srs. deputados estão no direito de assim proceder. Não quero negar importancia á questão que se está debatendo, mas parece-me menos conveniente que supprimamos o tempo que se destina antes da ordem do dia para tratar de assumptos tambem importantes, e parece-me que na occasião presente é importante que se recebam todas as representações que os differentes contribuintes mandam contra o projecto da contribuição industrial (apoiados). Foi por isso que tomei a ousadia de pedir a palavra sobre a ordem para apresentar esta representação, e peço a v. ex.ª que tenha a bondade de a mandar á commissão de fazenda, mandando-se imprimir no Diario do governo, como a camara resolveu.

O sr. Eduardo Tavares: — Eu pedi a palavra sobre a ordem para o mesmo fim, e se v. ex.ª entende que posso usar d'ella, mando para a mesa duas representações, uma da camara municipal e mais contribuintes do concelho de Aldeia Gallega do Ribatejo, reclamando contra as medidas de fazenda; e outra dos srs. fabricantes e mercadores de

chapéus, da capital, igualmente reclamando contra as mesmas medidas, esperando que a camara lhes faça justiça.

O sr. Presidente: — Não sei se a camara quer que as cousas continuem a marchar d'este modo. Não se respeitando o regimento, não é possivel haver ordem nas discussões (apoiados). O direito que tiveram os srs. deputados de pedir a palavra sobre a ordem e mandarem para a mesa representações, têem todos os srs. deputados que tinham a palavra antes d'aquelles dois senhores, que, procedendo d'este modo, preteriram a discussão e preteriram todos os srs. deputados que tinham a palavra antes d'elles.

Tem a palavra a favor do projecto em discussão o sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Mariano de Carvalho: — Seguirei passo a passo a argumentação do illustre deputado que me precedeu, e responderei como as minhas forças o permittirem ás diversas rasões por s. ex.ª allegadas.

O meu illustre collega começou a sua oração, procurando ainda sustentar a excepção de incompetencia apresentada n'uma das ultimas sessões pelo sr. Rodrigues Sampaio. Eu já n'essa mesma sessão tive ensejo de combater similhante excepção, porque não se póde admittir nem em face dos bons principios liberaes, nem em face das praxes parlamentares, nem em face da propria lei.

O decreto de 15 de abril de 1869, confirmado mais tarde por uma carta de lei, deu faculdade ao governo para alterar a circumscripção territorial em limitada hypothese. Todas as vezes que dois terços dos eleitores de uma freguezia pedirem a annexaçâo d'essa freguezia a um concelho diverso d'aquelle a que pertence, o governo póde, ouvindo as corporações locaes e o conselho d'estado, decretar a annexação; fóra d'esta hypothese restricta e limitada, ao governo não pertence nem incumbe alterar a circumscripção territorial. D'este modo, em todos os casos em que por meio de representação ou de proposta de lei de origem do governo, ou de projecto de lei de iniciativa de qualquer deputado se trate de alterar a circumscripção territorial, não havendo a hypothese restricta de a requererem dois terços de eleitores, o poder legislativo é chamado a decidir, e póde faze-lo. Ainda mesmo na hypothese posta pelo decreto de 15 de abril de 1869, o parlamento poderia resolver, porque a auctorisação concedida ao governo n'aquelle decreto não foi illimitada em tempo. Mas essa hypothese não vem nada para o caso, basta-me considerar os factos como elles são.

Aqui não ha dois terços dos eleitores da freguezia da Azinhaga, pedindo a annexação d'esta freguezia ao concelho da Gollegã, ha um projecto de lei cuja iniciativa eu renovei, que já foi approvado por esta camara, que tem parecer conforme de tres commissões da administração publica e de outras tantas de estatistica, que tem a opinião conforme dos governos de 1864 e do anno passado; e n'esta hypothese a camara póde e deve resolver, porque cabe nas suas attribuições. Nas do governo é que não cabe por faltar a condição essencial das assignaturas de dois terços dos eleitores.

Allega-se contra a doutrina que n'este momento acabo de expor com o artigo 3.° do decreto de 15 de abril de 1869, mas eu sustento que essa allegação tambem não é bem feita.

O artigo 3.° d'esse decreto diz que o governo póde fixar os limites dos concelhos e das freguezias.

O que quer isto dizer? Quer dizer que todas as vezes que entre duas freguezias ou concelhos limitrophes se travar discussão sobre os seus limites, o que está auccedendo a cada passo, o governo está auctorisado a fixar esses limites, porque essa é uma questão de minima importancia, como diz o relatorio do decreto; porém quando se tratar de circumscripções de concelhos ou freguezias que alterem essencialmente as condições de existencia de qualquer concelho ou freguezia, esse é um caso mais importante e por isso o governo bó o póde resolver quando requerem dois

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terços dos eleitores interessados. Esta é que é a doutrina do decreto do seu relatorio.

Diz-se que = ha grande conveniencia em deixar ao poder executivo a completa liberdade de acção, porque elle pelos seus agentes, pelas corporações administrativas locaes e pelas auctoridades subalternas, póde ter as melhores informações para resolver os negocios d'esta ordem =. Respondo que não é mais facil ao governo resolver negocios d'estes do que ao poder legislativo depois de ter ouvido a opinião do governo e a de todos os deputados que quizerem tomar parte no debate. Pois os meios de exame e de apreciação por este modo não são mais facéis e seguros.

Vejamos o que succede n'este mesmo caso.

Tratou-se de annexar uma porção da freguezia da Azinhaga ao concelho da Gollegã; consultaram-se os corpos locaes da Gollegã e declararam que a justiça estava de seu Jado; a camara municipal de Santarem tambem foi consultada e declarou que a sua conveniencia não admittia a annexação. E o concelho de districto sendo tambem consultado a esse respeito, disse apenas: «A annexação não convem a Santarem, porque perde alguma cousa de seus interesses! As considerações de justiça e de conveniencia da administração publica estão acima das conveniencias de um individuo, de uma parochia ou de um conceibo, e o proprio ministerio do reino na portaria de 1869 em que indeferiu a representação dos habitantes da Azinhaga, reconheceu que as rasões apresentadas pelo conselho de districto não tinham nenhum valor (apoiados).

E preciso, sr. presidente, apreciar com mais justiça os factos que se passaram n'aquella epocha; e emquanto ao sr. Sampaio declarar que confia mais nos conhecimentos das auctoridades locaes do que na decisão do parlamento, direi que a junta de parochia da Azinhaga, sendo consultada sobre a annexação de parte da freguezia da Azinhaga ao concelho da Gollegã, apresentou a esse respeito duas opiniões inteiramente contrarias! Primeiramente a junta de parochia da Azinhaga, legalmente constituida, deu parecer favoravel á annexação da freguezia ao concelho da GollegS; mas a camara de Santarem, de um modo tumultuario e illegal, modificou a constituição da junta de parochia, e ella, assim viciada na sua constituição, deu parecer contrario á annexação da freguezia da Azinhaga ao concelho da Gollegã. Aqui estão quaes os elementos que as auctoridades locaes dão ao governo, aqui estão os principios que te querem sobrepor á sabedoria collectiva do poder legislativo! (Apoiados.)

Diz-se que «se destroem as boas praticas quando o poder legislativo se envolve em limitar as circumscripções territoriaes». Direi que mais se invertem as boas praticas quando se pretende tirar faculdades ao poder legislativo para as dar ao poder executivo (apoiados). Cada um tem as suas.

O poder executivo póde alterar as circumscripções territoriaes em certas hypotheses, mas não póde em muitas outras que se dêem. É note-se, sr. presidente, que este decreto de 15 de abril de 1869 está adoecendo de tão graves inconvenientes, que tem dado logar a contestações importantissimas entre o ministerio da justiça e o ministerio do reino. Portanto, parece-me que antes devemos fiar-nos na apreciação imparcial do corpo legislativo e informações que o governo lhes deve dar, do que nas disposições de um decreto cujos inconvenientes estamos reconhecendo e que estão mesmo na sua raiz. Pois não temos nós a experiencia do que acontece com as eleições? Quem não sabe que os homens que estão á frente do governo, tratando-se davuna eleição, trazem sempre á camara uma grande maioria, e quando deixam de ser governo e se procede a nova eleição ficam sempre em minoria? Quem duvida que as auctoridades influem sempre segundo as ordens que recebem do governo? Que não farão ellas quando se trata de interesses, que são os do seu bolso?

Voltando á questão, repito o que já disse outro dia n'esta casa. A camara municipal de Santarem, querendo promover os seus interesses, deteve de um modo irregularissimo este processo tanto tempo que o governo duas vezes se viu obrigado a exigir do governador civil que intimasse a camara a dar-lhe andamento. Depois foram as auctoridades de Santarem á freguezia da Azinhaga procurar convencer e ameaçar os eleitores que tinham assignado a representação para que retirassem as suas assignaturas, conseguindo que alguns a retirassem, mas não tantos que na representação não figurasse ainda a maioria d'elles. Depois a camara de Santarem dissolveu a junta de parochia, que era favoravel á annexação á Gollegã, e arranjou outra que lhe era hostil, e só depois de tudo isto feito é que a camara de Santarem soltou o processo. É d'esta pressão exercida pelas auctoridades de Santarem contra a vontade d'aquelle povo que eu me queixo. Mandem para a Azinhaga auctoridades imparciaes e verão como o resultado é outro.

O sr. deputado voltou de novo á questão da minha parcialidade. Eu declarei já, e declaro de novo, que não aceito nem para mim nem para s. ex.ª essa nota de parcialidade que tende a lançar sobre as nossas opiniões a nota de suspeitas. Declaro que sempre que estiver convencido de que defendo uma boa causa, hei de sustenta-la, sem comtudo fazer aquelles que a combateram a injustiça de os julgar parciaes.

O sr. Barros Gomes trouxe tambem para a questão o que succedeu n'esta casa na sessão de 18 de abril de 1864, quando se discutiu este projecto de lei.

Disse s. ex.ª que tendo sido approvado então este projecto sem discussão, appareceu logo depois outro similhante a respeito de Proença a Nova e Sobreira Formosa, e levantou varias resistencias e debate acalorado, ao qual tomou parte o sr. Mártens Ferrão. O que quer isto dizer? Qner dizer que o projecto a respeito da Gollegã não teve uma só voz que o impugnasse, porque não era contestável; pelo contrario: a questão de Sobreira Formosa era contestável e foi contestada na camara. O voto do sr. Mártens Ferrão é a meu favor. S. ex.ª combateu com vigor o projecto a respeito de Sobreira Formosa e approvou o da Gollegã. Qual a consequencia? Que o sr. Mártens Ferrão tinha este por justo e áquelle por injusto e inconveniente.

As palavras proferidas pelo sr. Mártens Ferrão com respeito á questão de Sobreira Formosa influem na apreciação que devemos fazer d'este projecto de lei. Dizia s. ex.ª que este expediente de transferir a sede de um concelho sem ser ouvido o governo era inconveniente nas vesperas de uma eleição; por se julgar que tal acto iria influir nas eleições. Propoz o adiamento até ser ouvido o governo. Não se propoz mais nada.

N'essa occasião dizia o sr. Mártens Ferrão (leu).

Tal era o systema que s. ex.ª indicava n'esta sessão de 1864, isto é, não queria que fosse resolvida uma questão d'estas sem ser ouvido o governo.

No projecto de lei de que se trata o governo não deixa de ser ouvido, nem eu queria que isso assim fosse; aceitei o adiamento até que estivesse presente o sr. ministro do reino.

Portanto as considerações feitas pelo sr. Mártens Ferroa e invocadas contra este projecto de lei, se alguma cousa provam é a favor d'elle.

N'esta questão o governo está conforme hoje, como o estava em 1870 e em 1864. E por isto mesmo que o sr. Mártens Ferrão notou e combateu o projecto relativo a Sobreira Formosa.

O sr. Barros Gomes para tirar força ás representações que apresentei n'esta casa, veiu lamentar que sejam ouvidos só os grandes da terra e que se despreze a voz dos pequeninos. Mas eu já n'esta casa apresentei umas representações dos pequenos, que são os 64 cultivadores não proprietarios cujos nomes tenho aqui. Se alguem insultou os pequenos foram as auctoridades de Santarem, quando em 1869 davam por vendidos e coactos os 166 habitantes da

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Azinhaga que pediam a sua annexação á Gollegã. Os pequeninos cuja opinião é favoravel á Gollegã são nem menos de 230; os grandes são 35. Todos foram ouvidos e todos são conformes.

Mas os votos dos grandes, porque sobre elles pesa maior responsabilidade, porque esses grandes são illustrados, têem um grande peso. Pois grandes proprietarios e pares do reino, que como membros do poder legislativo devem respeitar as leis, ter sempre em vista os interesses da nação e nunca falta aos preceitos da justiça, ousariam assignar esta representação a favor da Gollegã, se a circumscripção proposta não fosse justa e conveniente? O sr. José Maria Eugenio de Almeida, grandissimo e illustrado proprietario, vem pedir-nos que se ceda este terreno do caminho de Santarem para a Gollegã, porque assim é de justiça e conveniencia; o sr. visconde da Vargem da Ordem, o sr. marquez de Sampaio, o sr. conde do Rio Maior e tantos outros cavalheiros respeitaveis concordam no mesmo parecer, e havemos de crer que faltem á verdade homens collocados em tal posição social? O sr. Barros Gomes que pede ao parlamento que não seja feita a annexação, é o proprio que presta homenagem á probidade das testemunhas invocadas, allegando que os pequenos podem ser movidos pela pressão dos maiores proprietarios, mas reconhecendo ao mesmo tempo que os proprietarios de que se trata, são incapazes de exercer pressão sobre os pobres.

Repito, porque isto deve ficar bem lembrado. Em 1869, 166 individuos, habitantes da freguezia de Asinhaga requereram a annexação. Em 1871 são 64 cultivadores e 35 grandes proprietarios que pedem a annexação ao concelho da Gollegã.

Por consequencia não são só os grandes da terra que vem suBtentar a justiça d'esta annexação, são tambem os pequenos; são todos. Contra isto levanta-se apenas uma unica rasão não convem aos interesses de Santarem. Mas se não convem aos interesses de Santarem, convem á justiça e á boa administração publica.

Pois que é dizer: «A conservação das cousas como estão convem aos interesses de Santarem e portanto, deve manter-se, este estado, porque é justo. Mas justo, como, justo porque? Porque convem aos interesses de Santarem, é a resposta unica e invariavel!»

Não é assim? Porque uma certa cousa convem aos interesses de Santarem, não se segue que seja justa.

A camara toda ouviu a argumentação do sr. Barros Gomes e viu que s. ex.ª nunca apresentou, nem podia apresentar, outra rasão senão que «não convem aos interesses de Santarem». Ora, como não convem aos interesses de Santarem, partiram-se todas as boas regras de administração, fira-se a justiça e offenda-se a verdade. Faça-se isto tudo comtanto que Santarem fique com o que lhe convem. Esta é que é a questão, e não é outra. A suprema regra de justiça a boa administração é a conveniencia de Santarem?

Aceito tambem o outro argumento apresentado pelo sr. Barros Gomes para sustentar os interesses de Santarem, que são sempre superiores á justiça e á boa administração publica.

Disse s. ex.ª, que no concelho de Santarem ha 28 ferguezias em cada uma das quaes se vae crear uma cadeira de instrucção primaria, no caso de ser approvada uma proposta do governo. E como é que n'este caso aquelle concelho poderá com os encargos de 28 professores? Exclama o sr. Barros Gomes. Em primeiro logar direi, que se quizerem dar 5 ou 6 freguezias do concelho de Santarem ao concelho da Gollegã, estou certo que as não rejeitará, e que aceitará os encargos dos professores das cadeiras de instrucção primaria que ali se crearem. Em segundo logar observarei, que o illustre deputado não leu bem a proposta de reforma de instrucção primaria, apresentada ha poucos dias a esta camara pelo nobre ministro do reino. Ahi se determina, que duas ou mais freguezias podem reunir-se ou confederar-se para manter uma escola de instrucção primaria para cada sexo, ou uma escola mixta. Portanto não haverá as taes 28 escolas de instrucção primaria no concelho de Santarem a que o sr. Barros Gomes se referiu. E pois uma despeza phantastica o que tanto o assusta. Mas se o concelho de Santarem ceder ao da Gollegã todo o excesso de freguezias que o incoromodam, o concelho da Gollegã de boamente as aceita. Do modo nenhum se levanta contra a annexação de 8 eu 9 freguezias.

Aceito tambem o argumento do sr. Barros Gomes com relação aos documentos officiaes ácerca da optima administração do concelho da Gollegã e dos seus estabelecimentos de beneficencia e piedade, os quaes o governador civil apresenta como modelo a todos os concelhos do districto de Santarem.

Quando os concelhos pequenos dão estes exemplos de boa administração aos grandes concelhos, são estes que se pretendem oppor a uma cousa que é justa e de boa administração publica. Ha grandes concelhos onde as regras e actos de administração não são muito para seguir. Está aqui presente, e ao pé de mim, um illustre deputado de Torres Novas (referiu-se ao sr. José Antonio Maia) e elle que diga como tem corrido a administração no concelho de Torre» Novas, que é um concelho poderoso; s. ex.ª sabe bem o que lâ se tem passado: entretanto é optima a administração no concelho da Gollegã, que é um concelho pequeno; as suas instituições de beneficencia e caridade são todas como modello.

Eu não quero entrar na analyse do que se tem passado em Santarem ha pouco tempo, se o fizesse a comparação seria mais desfavoravel. Nos grandes concelhos os grandes devedores das camaras e das misericordias não são executados. Nos pequenos a lei é cumprida. E entretanto não se querem conservar nem melhorar os pequenos concelhos, que apresentam exemplos de administração que os honram.

Quando se mostra que a falta da annexação das freguezias de que se trata ao concelho da Gollegã e, portanto, que a continuação da actual divisão é iniqua e prejudicial aos interesses d'aquelles povos e aos da boa administração, porque por exemplo, a freguezia do Pinheiro Grande que fica ao sul do Tejo, tem dependentes algumas pequenas povoações ao norte; o sr. Barros Gomes diz nos que esperemos pelas medidas geraes, quando se fizer a circumscripção de todo o reino para attendermos aos povos que estão vexados e opprimidos! Deixemos destruir os formosos campos do Tejo, deixemos continuar a iniquidade... até ás medidas geraes.

O sr. Barros Gomes accusou de ambicioso o concelho da Gollegã, que se limita a querer o que é seu, mas s. ex.ª deixou esquecidas a politica silenciosa de certos influentes de Santarem, que têem lançado os germens da ruina d'aquelle tão rico districto, porque a verdade é que essa politica invasora e avida é mal vista em todo o districto. 0 concelho de Santarem que está ao norte do Tejo possue tracto des terreno ao sul, e todo o rendimento collectavel e outras vantagens revertem para Santarem.

Ha propriedades inteiras encravadas no concelho e freguezia de Almeirim pertencentes a freguezias de Santarem; se procurar as causas d'este facto acho que são propriedades de grande valor, mas em que não ha almas.

Inverto o argumento, porque o sr. Sampaio disse que a Gollegã não queria saber de almas, e do que queria saber era de territorio. Parece que é Santarem que procede assim.

Esta politica ambiciosa manifesta-se por todos os modos. Santarem possue ecclesiasticamente uma pequena porção de terreno na orla do concelho de Almeirim, para poder appropriasse de todo o rendimento das barcas, e esbulhar Almeirim.

Já o sr. Barros Gomes nos disse que as matrizes de Santarem estão elevadíssimas, de maneira que todos os proprietarios pagam contribuições excessivas.

Não tenho aqui elementos para avaliar a matriz predial de Santarem, mas o que posso avaliar é a pessoal e a in

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dustrial, e deduzir o que será a predial. Não hei de trazer para aqui os predios e a matriz, mas posso lançar mão de outros factos.

Ora, quer a camara saber o que é a matriz pessoal de Santarem? Eu o digo. O concelho de Santarem, com a cidade de Santarem, com 63:000 hectares de área, e com 31:000 habitantes, tem sujeitas á contribuição pessoal 81 cavalgaduras; quando se vae ver o concelho da Chamusca, que é a quarta parte ou menos, encontram-se 208 cavalgaduras sujeitas a essa contribuição, e com relação aos creados achámos phenomeno similhante.

No que toca á contribuição industrial achámos que o concelho de Benavente sem industria nenhuma, com uma população seis vezes menor, paga a quarta parte do que é lançado a Santarem, com a populosa e commercial cidade d'este nome. O mesmo succede a Salvaterra e a outros concelhos.

Ha mais. No districto de Santarem, os concelhos em que a percentagem da contribuição predial é menor são os de Ourem, Coruche e Santarem; e em relação ao real d'agua quasi todos os concelhos do districto pagam mais do que Santarem. Este concelho paga 53 réis por cabeça, a Gollegã, a opprimida Gollegã, 76 réis, Almeirim 64 réis, Barquinha 66 réis, Benavente 106 réis, Cartaxo 72 réis, Constancia 61 réis, Salvaterra 90 réis, Torres Novas, que é outro colosso como Santarem, paga apenas 33 réis.

Por estes factos se póde avaliar o que será a matriz predial, e em todo o caso se continua a avaliar o que valem os concelhos enormes.

Quando seja desannexada do concelho de Santarem, a freguezia da Azinhaga, fica esse concelho com 231:000$000 réis de rendimento collectavel, rendimento superior ao dos concelhos Setubal, Braga, Guimarães, etc.. Se estes concelhos podem viver com o rendimento que têem, não se póde conceber que o de Santarem, tenha de fallecer. Viverá melhor ainda do que Guimarães, Setubal, Aveiro, Vizeu e quasi todos os concelhos importantes do reino, quasi todos os que são cabeças de districto, e que têem rendimentos collectaveis muito inferiores ao de Santarem. Administre-se bem, que os recursos não lhe faltam. Portanto, afastemos o receio de prejudicar os interesses de Santarem, interesses que desejo ver assegurados e promovidos, interesses que tenho zelado, não obstante não ser deputado d'aquelle eirculo. Mas eu quero os seus interesses legaes, os interesses que são consentaneos com a justiça, reclamados pela pratica da boa administração, e desejados por toda a gente intelligente e trabalhadora de Santarem. A politica invasora que póde matar um districto com tantos elementos de vida, não é a das classses d'aquelle concelho que primam na illustração ou que se distinguem pelo trabalho activo e intelligente. E a de meia duzia de ambiciosos que da politica fazem profissão.

Em 1836, quando se publicou o primeiro codigo administrativo, ao concelho da Gollegã, não só pertencia a freguezia de Azinhaga toda, e não uma porção, mas tambem a de Pombalinho. Mais tarde, em 1842, quando se fez a nova circumscripção administrativa, as freguezias de Azinhaga e de Pombalinho foram tiradas ao concelho da Gollegã.

Não quero lançar suspeitas sobre ninguem. Narro simplesmente os factos. Quando isto se fez servia de ministro do reino o sr. conde de Thomar, que desejava comprazer com as exigencias eleitoraes de Santarem, onde quasi sempre vencia as eleições.

Note-se o seguinte phenomeno. Quando este-projecto jazia nas gavetas da camara dos dignos pares, d'onde, como disse o sr. Barros Gomes, não foi possivel arranca-lo, ainda era relator d'elle o sr. conde de Thomar. Não pertendo lançar suspeitas sobre caracter algum; refiro factos. Com a doutrina de parcialidade posta pelo sr. Barros Gomes, dir-se-ía que o sr. conde, impressionado a favor de Santarem, via primeiro os interesses d'este concelho que os de outro.

Parece-me ter respondido aos argumentos que o sr. Bar-os Gomes apresentou.

Cumpre-me agora em brevissimas palavras entrar na materia propriamente dita, embora quasi não tenha sido discutida. Não se discutiu porque os meus illustres adversarios não têem que discutir. Em duas sessões consecutivas só uma rasão acharam: «Não convem aos interesses de Santarém». Notará a camara que não ha outro argumento, mas esse destroe-se com uma simples e evidente resposta convém á justiça, convem á boa administração, convem aos interesses publicos.

Ora, vejamos se convem á justiça, se convem á boa administração, se convem os interesses.

Os limites que se pedem para o concelho da Gollegã são o Tejo, o rio Almonda, uma grande valia que separa os campos da Gollegã do campo das Cordas, e a ribeira de Santa Catharina até ao rio da Ponte da Pedra. Assim convem á justiça e á boa administração d'aquelle concelho, poroue são estes os seus limites naturaes. Portanto é conveniente, é necessario, é impreterivel que se lhes dêem, e que o campo da Gollegã pertença á Gollegã.

O campo da Gollegã é dividido ao meio pelos limites entre o concelho de Santarem e o da Gollegã. Este limite fica a 2 e meio kilometros da Gollegã e a 20 e tantos de Santarem. Todo este campo é sujeito simultaneamente aos insultos do Tejo e do rio Almonda. Conhecem todos que tem percorrido os mais ferteis terrenos de Portugal, os terrenos de ribeira, que sob pena de se perderem, é mister defende-los contra a acção das aguas, que ora formam goivos e abrem albercas, no que se tem perdido dezenas de moios das melhores terras, ora areiam e asoriam os campos tornando os estereis de fecundíssimos que eram.

A parte que pertence ao concelho da Gollegã é defendida dos insultos do Tejo pelo concurso dos proprietarios e da camara da Gollegã, roas a parte que é do concelho de Santarem não está defendida, nem o será, é por isso que os proprietarios, a cuja representação já me referi, é por isso que os cultivadores, a cuja representação tambem me referi já, pedem todos elles esses terrenos para o concelho da Gollegã. Assim será possivel, de commum accordo, e com auxilio municipal, melhorar os campos estragados e salvar os ameaçados.

Os proprietarios e cultivadores da Gollegã acham injusto, e inconveniente que estejam pagando impostos elevadíssimos unicamente para serem melhoradas as calçadas de uma cidade que fica a cinco leguas de distancia, a cidade de Santarem, e ao mesmo tempo se arruinem os melhores campos de Portugal. Effectivamente em todo áquelle torreno não ha um só palmo de estrada municipal, não ha um unico trabalho que mostre a solicitude das corporações administrativas da localidade.

Não ha nada d'isto, mas ha impostos pesadíssimos só para aproveitarem aos que não a pagam. Ha propriedades continuadas que pertencem a tres freguezias, o que produz o facto de uma só alma pagar mais de 30$000 réis de congrua, porque tem de pagar em todas as tres freguezias.

Com tal situação, e necessario confessa-lo, não ha boa administração, nem ha reformas de fazenda. Pois, se as congruas chegam a tal ponto, pois, se as despezas locaes pesam de tal modo sobre os cidadãos, como é que havemos de ir augmentar os impostos geraes? Pois se as despezas locaes assoberbam por tal fórma os contribuintes, como havemos de suppor que elles tenham ainda algumas mealhas para darem ao thesouro publico? Não póde ser. Pagar impostos e não lhe ver o fructo é injusto e prejudicial.

E o que digo a despeito da parte dos terrenos que pertence á Azinhaga, digo-o tambem a respeito dos que pertence ao concelho de Torres Novas. As circumstancias são as mesmas. Não se trata de nenhum Piemonte que pretende invadir a Italia. Trata-se apenas de proprietarios e cultivadores que querem defender os seus interesses, que são identicos com os do paiz. Não será isto justo e conveniente?

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Será justo e conveniente, que os proprietarios e cultivadores da Gollegã, deixem as repartições publicas, que têem ao pé de si e vão a cinco leguas de distancia resolver os seus negocios? Será justa e conveniente a acção municipal de Santarem, que se faz sentir só pelos tributos e pelos vexames?

Contra estes argumentos allega se apenas a rasão suprema de Santarem: «isso convem-me, logo é meu!» Aqui não appâreceu ainda outra rasão.

Estes terrenos foram arrancados á Goílega e desde que o foram tem estado, completamente abandonados pela administração local. É preciso que isto não continue. A camara dos senhores deputados, o poder legislativo, e o governo não podem continuar a consentir que os melhores terrenos de um concelho se estejam perdendo, emqnanto os impostos que elles pagam servem unicamente para os melhoramentos das calçadas de uma cidade que aliás póde fazer estes melhoramentos com os seus rendimentos proprios.

Estes é que são os factos, e contra isto é que não se apresenta senão a eterna rasão: a desannexação não convem a Santarem! Creio que nunca similhante rasão se apresentou perante nenhum corpo legislativo.

Não se quer saber se é justo ou não é justo. Não convem a Santarem, e como não convem a Santarem não se faça!...

Deixem arrasar-se, deixem perder se terrenos importantissimos, despreze-se tudo isso por uma só rasão: porque convem a Santarem.

Pois os proprietarios, os melhores proprietarios de Portugal, tiveram a audacia de representar, reclamando uma cousa que não convem a Santarem?!... Pois os cultivadores que possuem terrenos, para a conservação dos quaes não ha defeza alguma, tiveram a ousadia de reclamar contra essa incuria?!... Parece incrivel que n'este paiz o atrevimento chegasse a tanto!...

Pares do reino, governos, proprietarios e cultivadores que dispõem de terrenos valiosissimos, ameaçados de completa ruina pela incuria municipal, todos estes homens ousam levantar a voz, peiindo uma cousa que não convem a Santarem!...

E inaudito! Era preciso chegar este anno de 1871, era preciso que tivesse havido uma revolta e uma dictadura, era preciso que voltássemos ao exercicio pleno do systema constitucional para haver quem commettesse tal attentado! Toda esta gente, todos estes homens são criminosos de le-sa-Santarem!...

Eu estou fatigado, e não proseguirei. Só peço á camara que não tome o calor com que eu entrei n'esta discussão, como symptoma de parcialidade. Todos os homens honestos sentem este calor, quando sabem que estão defendendo a causa da justiça e da verdade.

Nada mais me resta responder ás observações deduzidas pelo sr. Barros Gomes, e se algumas considerações novas se apresentarem, pedirei a v. ex. que me dê a palavra,

O sr. Sampaio: — Ousei propôr á camara uma questão de incompetencia, uma declinatoria fori, irritou contra mim a prerogativa parlamentar, e creio que commetíi um grande attentado.

Eu só commetti um crime, qual foi o de citar uma lei d'este paiz, lei que não apoiei quando se promulgou, e contra a qual vejo hoje com admiração apparecer, um zêlo serodio e tardio, e dizer que é imperfeita e que tem causado graves inconvenientes. Isto prova a sabedoria das dictadura?, a prudencia do parlamento, e o quanto ficámos auctorisados para poder decidir as reclamações dos povos, desprezando as representações e consultas das auctoridades locaes!

Tratarei do principio e depois da hypothese.

Ha uma lei d'esta terra, que diz que estas pequenas questões, como a de que se trata, devem ser decididas pelo modo que a mesma lei estabelece; e então a questão toda é, se eSte assumpto está nos termos da mesma lei. Eu julgo que a camara é incompetente para decidir o negocio, e desde que se apresenta a questão da incompetencia parlamentar, parece-me que a primeira cousa que se deve fazer é decidir se o juiz é competente.

Todos reconhecem que o poder legislativo delegou esta auctorisação, e não sei como depois de o reconhecerem negam o direito do seu exercicio.

Pergunto eu, se o parlamento votar hoje este projecto, póde ámanhã o governo deferir a questões identicas que se lhes apresentem?

Uma voz: —Pôde.

O Orador: — Quer dizer: fazemos um acto nullo; é querer conservar ao mesmo tempo a delegação e o poder. Isto é uma subversão do systema constitucional.

Pois para que é que delegaram? Se o decreto é inconveniente para que o applaudiram? Eu combati esta dictadura, mas aquelles que a approvaram e applaudiram, aquelles que disseram que o decreto era descentralisador, que o parlamento como o pretor não devia cuidar das cousas minimas, entregando-se a administração ás localidades, não podem hoje vir dizer que o decreto tem inconvenientes, e que não se deve cumprir! Fostes vós que o publicastes e louvastes.

Mas, desde que promulgaram uma lei, desde que me obrigaram a obedecer a ella, dizerem que é inconveniente nas suas determinações é uma contradicção; mas seja o que for, emquanto se não revogar, ha de se obedecer ás suas prescripções.

Os que desconhecem os principios são aquelles que accusam os outros de os postergar!

Mas diz-se: esta hypothese não está no decreto. E se não está lá porque é? Porque não se pôde achar o numero de eleitores suficiente para que o governo podesse decidir. E o que se segue d'ahi? Segue-se que podemos e devemos admittir a excepção rei judicatœ.

Se vós insistis em affirmai que os eleitores não quizeram condescender com os vossos desejos, para que vindes fundar o vosso direito na parte de se terem recusado? Da recusa d'elles é que vem a nossa incompetencia.

Pôde dizer-se de vós o que dizia Tácito de um consul romano: suarum legum auctor ac destructor. Mas emquanto são leis do paiz as suas disposições são obrigatorias. Isto quanto aos principios.

Eu não quero entrar nos negocios das gavetas, nem em negocios nenhuns particulares.

Sinto que viessem aqui mofar de uns poucos de eleitores, desgraçados eleitores que tiveram a triste lembrança de querer ser sepultados nos cemiterios dos seus maiores.

Pois é isto cousa que se allegue? Pois o Creador daria a estes homens uma alma? Pois dar-lhes-ia as tres potencias d'ella, memoria, entendimento e vontade? Pois elles haviam de querer agora recordar-se dos principios religiosos que lhes foram ensinados? Pois elles hão de ter entendimento para conhecerem as suas necessidades? Pois podem ter vontade para as manifestar?

Não, senhores, não é debaixo d'este ponto de vista que se deve considerar a questão.

Nos grandes proprietarios, nos ricos e poderosos da terra, 6 que é preciso ir buscar um que está em París, outro que está na Madeira, outro que está no Brazil, outros que estão em diversos districtos, e ahi é que está a vontade e a força!

Não foram estas potestades consideradas no decreto dictatorial, assim como não se concedeu o direito de intervir na desannexação, não sei se bem ou mal, ao homem que não é cidadão, ao homem que não póde exercer direitos activos; mas desde que estes usam d'esse direito e dizem não queremos, conclue-se que se elles não querem, querem os ricos, os argentarios, os poderosos a quem não se conferiu esse direito! Estes que vivem bem longe é que sabem o que convem ou não; e por consequencia calem-se as conveniencias de Torres Novas e as de Santarem.

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Conveniencias, está claro! Pois o que se aliega em favor da Gollegã não é tambem a conveniencia?

Nós estamos aqui a estabelecer os direitos; mas eu não sei que direito tenha a Gollegã a querer aquillo que pertenceu e pertence a Torres Novas e a Santarem.

E quando tratâmos a questão de conveniencia, diz-se-nos que elles não podem dizer o que lhes convem!

Pois os democratas puros estranham que se attenda aqui á conveniencia! Pois o nosso mandato restringe se á decisão e conhecimento dos negocios de direito! Pois os interesses e a conveniencia publica ficam fóra da alçada do parlamento? Por isso a arguição que se nos faz é absurda e contradictoria.

Mas, depois da questão do direito, ouvi ainda quasi que insultar os vereadores de Torres Novas...

O sr. Mariano de Carvalho: — Nem sequer fallei n'elles,

O Orador: — Fallou na camara municipal.

Eu não sei se é do illustre deputado um discurso que appareceu publicado em seu nome, ou se esse discurse estava feito para outro parecer, e que foi por equivoco annexado a este; mas vejo aqui umas phrases que me impressionaram altamente. Disse o illustre deputado:

«Concelho grande para mim é o concelho suficientemente rico para satisfazer os encargos que devem pesar sobre elle. O concelho da Gollegã é grande, porque tem meios para satisfazer os seus encargos, porque paga a despeza dos seus expostos, porque cresce em progressos e melhoramentos, emquanto o concelho de Torres Novas precisa das esmolas do concelho da Gollegã e dos concelhos do sul do Tejo para sustentar os expostos. É maior o concelho que tem melhores recursos; se o concelho da Gollegã não é maior em área e em população, é maior em riqueza, em zêlo, em boa administração, e no progresso que se tem desenvolvido n'aquella povoação. A Gollegã dá, Torres Novas pede, »

Aqui está uma proposição que eu agradeço ao illustre deputado, mas tem só um defeito, combate o parecer da commissão de estatistica e o da commissão de administração.

Estas commissões favorecem o engrandecimento do concelho da Gollegã, em attenção á sua pobrezs, dizendo que os concelhos de Torres Novas e Santarem são ricos, não os prejudicando o que se lhes tira; e o illustre deputado allega a pobreza e a miseria d'estes para d'elles se dar uma esmola ao rico concelho da Gollegã.

É preciso que nos entendamos; o discurso do illustre deputado está em contradicção manifesta com os pareceres das commissões. As commissões dizem que o concelho da Gollegã não se póde sustentar, e o illustre deputado diz que é rico, riquissimo, e que os outros concelhos vivem das suas esmolas.

Pois não vivem das suas esmolas, e podiam viver, que muita gente ha que vive das esmolas dos outros, e nem por isso se julga deshonrada.

Mas se isso assim é, para que nos conta o illustre deputado tanta parola, e acaba depois pedindo esmola? (Riso.)

Ouvimos aqui dizer tambem: «tudo é miseria n'aquella districto, e a Gollegã sustenta a todos»; mas em nome d'esta riqueza venham para a Gollegã as migalhas dos outros, porque estes podem talvez durar mais algum tempo com esta parcimonia acrescentada á miseria de que até aqui gosava!

Eu não comprehendo, e nunca pude comprehender as rasões do illustre deputado para que a Gollegã cresça. Se esse concelho no estado actual não póde satisfazer ás soas necessidades, não sei se é justo que, em nome da conveniencia publica, um concelho que não póde subsistir subsista, e vá pedir aos outros elementos para se sustentar; e se pede esmola não sei para que se diz que é rico.

E preciso pois ou rasgar os pareceres das commissões, ou fazer desapparecer. este trecho do discurso do illustre deputado.

Não comprehendo. Digo sómente isto á camara.

A commissão diz que o concelho não póde viver, e o illustre deputado não provou senão a sua grandeza; não provou senão que os potentados da terra pediam o seu engrandecimento, elles, que só pelos seus haveres eram capazes de fazer tudo isso!

Mas embora não houvesse maioria na localidade, arranjou-se maioria para o parlamento, inventando um novo methodo de contagem. Contou-se os que votariam se podessem votar. Tenho já visto contar assim.

Os eleitores, aquelles que se disse que eram competentes para decidir a que concelho se devia fazer a annexação, são em maior numero a favor dos dois concelhos de Torres Novas e de Santarem. Para contrariar esta maioria foi-se buscar o sr. duque do Cadaval, que não requereu, porque não reconhece o nosso regimen; assim como tambem não assignou.

Os pares do reino! Lâ se inclina a disposição da lei diante d'elles, por isso que são pares, e por terem interesses que allegaram e que não se deveriam allegar d'onde se estranhou que Santarem e Torres Novas não podiam allegar os seus.

O sr. duque de Palmella estava para assigoar e não assignou, e porque? Por ser par. E elogiou-se o seu honrado escrupulo. Creio que isto fui para dirigir uma allusão lisonjeira aquelles que sendo pares assignaram, encarecendo o seu voto por essa qualidade.

Não comprehendo a rasão por que se elogiaram os que assignaram e os que não assignaram, conhecendo-se que a acquiescencia e a recusa significam a mesma, cousa.

Fez se uma maioria de presentes e de ausentes, como eu tenho por muitas vezes visto fazer entre nós nas deliberações que tomâmos.

Não se póde arranjar maioria na localidade apesar de haver tantos poderosos que são interessados n'isto.

Aquelles desgraçados, aquelles plebeus, aquella canalha, não se deixou levar por aquelles potentados, aos quaes não quero que se lhe negue justiça, porque os ricos têem tanto direito a zelar o que é seu, como os pobres. Cada qual tem direito aquillo que é seu, e não se póde estranhar que allègue o que lhe convir a favor dos seus interesses. Mas não se queria que os pobres viessem para requerer perante o parlamento, porque na assembléa não convem a democracia! Esta gente do futuro apraz-se em se mostrar poderosa contra uns pobres homens aos quaes bastava a sua desgraça para que d'elles tivessem compaixão.

Desejando saber os teres e haveres d'estes diversos municipios, entre os quaes se acha a Gollegã, que com a sua nobreza nos vem pedir esmola, procurei a conta da receita e da despeza do districto de Santarem, e achei lá uma relação das dividas activas e passivas das camaras, e entre estas não se encontra na conta da 1869-1870 a da Gollegã; mas na conta do anno de 1868-1869 era ella devedora de uns 270$000 réis.

Mas eu não quero accusar a camara da Gollegã; não quero desacreditar nem censurar a sua administração, porque não tem nada de irregular nem de reprehensivel. Mas examinando uma relação das camaras credoras d'esse anno de 1869-1870, acho que estes pobres de Torres Novas são credores ao districto de Santarem por 3:507$790 réis. Estes, que recebem as esmolas da Gollegã, são credores d'esta quantia. Entre os devedores encontro Almeirim, Coruche, Benavente, etc.

Uma voz: — E a Gollegã?

O Orador: — Devia no anno anterior 270$000 réis, mas pagou e não deve nada. E estes que são credores, não o são das esmolas que receberam.

Devo agora advertir que referindo-se o governador civil no seu relatorio á camara da Gollegã diz que ella tem a pretensão de arredondar a sua freguezia; e que a com-

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missão respectiva não tinha ainda dado o seu parecer; mas confessa este magistrado que ella tinha a pretensão de se lhe annexarem certos terrenos.

Eu tive o cuidado de ir á secretaria da justiça; pedi os trabalhos da commissão respectiva relativos á freguezia da Gollegã, e vi que a divisão ecclesiastica se achava composta dos mesmos fogos, e não pedia ou propunha a annexação de povo algum. Portanto, todas as informações mostram que a pretensão do illustre deputado carece de mais alguns esclarecimentos.

E lembrarei á camara que os inconvenientes do decreto de 1869 não cessam ou desapparecem com a nossa decisão. Pois, pergunto eu, se nós decidirmos na conformidade do projecto, as jurisdicções ficam mais bem estabelecidas? Alterâmos porventura a divisão ecclesiastica? Pois esses são os embaraços. E a divisão judicial como fica? Repito, são estes os embaraços que o projecto não remedeia.

Se se tratasse só da questão da localidade, podiam remediar-se, mas da fórma como está o projecto não se remedeia nada, porque não ha cousa alguma com relação á auctoridade ecclesiastica, e nem sei se foi ouvida a auctoridade judicial.

Estes embaraços existem e são conhecidos na secretaria do reino e na secretaria da justiça, e tem dado logar a graves difficuldades que o illustre deputado não acautelou no seu projecto, porque não acautelou nada, e então segue-se que não podemos resolver esta questão que é pequena para o parlamento, mas grande para os povos, sem mais alguns esclarecimentos, e que o governo póde decidir.

E porque se não podem arranjar os dois terços dos eleitores, segue-se que se devam ir violentar os que não querem a annexação? Não creio que isto seja uma gloriosa missão do parlamento.

E não venham trazer para aqui o voto de individuos que estão ausentes, uns dos quaes se acham em París e outros no Brazil, espalhados nas diversas partes do mundo, assoberbando-nos com a grandeza dos seus interesses para punir a miseria d'aquelles pobres homens que não têem por si senão a sua vontade e o seu direito, mas que não podem empregar nenhum outro meio de influencia.

Mas se não quero negar os direitos de ninguem, não me posso associar a este cortejo dos homens ricos contra os pobres, nem aceitar o fundamento da sua representação.

Se elles podem exercer influencia legitima, que a exerçam, e se o governo lhes póde deferir, guardadas as formulas de direito, que defira. Elles têem sido tão condescendentes! Admira que uns pobres homens tenham, desvalidos e miseraveis como são, resistido á força que se tem empenhado para defender tantos interesses offendidos e tantos direitos estragados.

Não sei como isto é; parece-me tudo uma fabula. E eu não tenho entrado no exame d'esta questão; comparei os pareceres que allegam pobreza no concelho da Gollegã, e em nome d'essa pobreza é que pedem a annexação. Tenho ouvido ostentar riqueza do concelho que se dizia pobre, e em nome d'essa riqueza pedir a annexação de uns pobres e desgraçados. A Gollegã pede por ser pobre; o seu defensor quer se lhe dê esmola por ser rica. Concluindo, é minha convicção que o parlamento, ainda quando o possa fazer, não deve intervir n'estes negocios.

Se ha justiça, porque não confiam no exercicio liberrimo dos poderes publicos?

(Interrupção.)

Não sei. Receiaes que as sombras dos maiores d'esses pobres homens que querem ser enterrados ao pé d'elles venham perturbar o vosso socego, e precisaes d'este arrojo do parlamento para vossa tranquillidade?

O sr. duque de Cadaval ou qualquer outro, todas as pessoas respeitaveis têem direito de querer, mas não foi a isso, de certo, que a vossa lei conferiu o direito de intentar a iniciativa da transferencia da parte de uma povoação ou de uma freguezia.

Reformae primeiro a vossa lei, renegae os principios que são mais alguma cousa que ella; porque os principios podem ser verdadeiros emquanto que as disposições dos seus artigos podem ser mal applicadas.

A lei desde que tirou a competencia ao parlamento, conferiu-a ao executivo. O parlamento resulvia até aqui em questões como o faziam as commissões de 1860 e 1864, porque então o poder legislativo não havia delegado. Vós podieis invocar então as attribuições do parlamento? Porque não tinheis entregado á auctoridade local o direito de decidir, mas delegar o poder e conserva-lo é querer sophismar as vossas proprias leis.

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Candido de Moraes: — Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra.

O sr. Pereira de Miranda: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação. A occasião não é muito propria, mas visto a hora estar muito adiantada, e tendo receio de não a poder mandar hoje para a mesa, aproveitei esta occasião.

O sr. Presidente; — Isso não é permittido pelo regimento.

O sr. Pereira de Miranda: — Peço perdão a v. ex.ª eu segui o exemplo que me foi dado por alguns meus collegas.

O sr. Presidente: — Isto não póde ser, por que então tinha que dar a palavra a muitos senhores que a pediram (apoiados).

Agora compete a palavra ao sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Mariano de Carvalho: — Tenho realmente muito pouco que responder ao meu illustre collega o sr. Rodrigues Sampaio, porque s. ex.ª não tratou de destruir nenhum dos argumentos que eu apresentei, mas cuidou só de comover a camara com o triste espectaculo de 13 homens que pretendem dormir o somno derradeiro ao lado dos seus maiores, e por isso nos pedirão qualquer dia, que restabeleçamos os enterramentos nas igrejas, bem como de appellar para os instinctos democraticos de nós todos contra a pretensão de que se pratique um acto justo e conforme as praticas da boa administração.

Começarei por analysar reflexões de s. ex.ª relativamente á lei de 15 de abril de 1869.

Disse o illustre deputado que, desde que ha uma lei que auctorisa o governo a annexar uma freguezia a um concelho, quando dois terços dos eleitores o pedirem, a consequencia immediata é que o poder legislativo junto com o poder executivo não póde modificar a circumscripção territorial senão quando o peçam dois terços dos eleitores.

As camaras, que deram ao governo uma auctorisação limitada, podiam derogar a lei vigente e avocar estes negocios a si; mas procederiam mais regularmente, deixando ao poder executivo o encargo de resolve-los.

Eu podia argumentar a este respeito, dizendo que a lei é facultativa, que póde deroga-la quem a fez; porém não vale a pena, nem é preciso. A questão é outra, e eu não deixo que o meu contradictor lhe fuja.

As camaras auctorisaram o governo a modificar a circumscripção unicamente no caso em que dois terços dos eleitores o requeressem. Mas as camaras reservam a sua soberania para todos os outros casos, e este é um d'elles.

O governo só póde modificar a circumscripção n'uma certa hypothese; a camara póde em todas. Esta é a verdadeira doutrina que o sr. Sampaio não contestou, mas de que pretendeu fugir. Depois s. ex.ª appellou para os sentimentos democraticos da camara, quando exclamou que vinham aqui os grandes proprietarios do paiz conspirar para que os pequeninos sejam sepultados no cemiterio doa seus maiores.

O sr. Sampaio não tinha argumentos para convencer, quiz commover. Mas mostrou-se esquecido.

Pois eu não tenho dito umas poucas de vezes que tenho

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aqui uma representação de mais de dois terços dos proprietarios dos terrenos em questão, e ao lado d'ella tenho outra dos pequeninos, uma representação de 64 proprietarios não cultivadores, e ainda alem d'esta ha outra de 166 habitantes da freguezia da Azinhaga, pedindo a annexação á Gollegã?

São os grandes e os pequeninos a concordarem no mesmo desejo. Provavelmente o sr. Sampaio, tornando a fallar, pede-me os medianos. Tambem cá estão.

Declaro que não posso aceitar a theoria materialista do sr. Sampaio, de que tudo n'este mundo se decide por conveniencias. Acima das conveniencias está a regra suprema da justiça.

O nosso voto deve subordinar-se á conveniencia e ao interesse publico, quando estiverem em harmonia com os principios eternos da justiça e da moral; o que não póde é subordinar-se ao interesse de nenhum deputado o direito maximo da justiça.

As doutrinas do sr. Sampaio justificam todas as violencias e todas as iniquidades. Rejeito a. A causa que eu advogo é justa, proveio. Mostrei tambem que a annexação que se pretende é conveniente, e apresento de novo os motivos.

Não se deve obrigar um cidadão a ir a cinco leguas de distancia tratar dos seus negocios com as auctoridades, quando as tem ao pé da porta. Não se deve permittir que sejam arruinados os melhores campos de Portugal, só porque convem assim a Santarem ou a Torres Novas. Não é justo nem conveniente que aproveite os impostos quem não os paga. Não ha administração municipal, quando se dão abusos e absurdos, como na circumscripção da Gollegã.

Aqui tem s. ex.ª alhadas as justiças e a conveniencia como deve ser. Se fossem contrarios, eu iria pelo caminho da justiça, e s. ex.ª que seguisse o da conveniencia.

Depois fez o sr. Sampaio largas considerações a respeito dos presentes e dos ausentes, Não vejo bem para que isso lhe podesse servir.

O que eu disse n'esta casa está escripto.

Nos termos de cuja annexação se trata, ha 46 proprietarios, dos quaes dois terços são 31. A representação está assignada por 35 proprietarios dos terrenos qüe se trata de annexar á Gollegã, por consequencia este numero ainda excede os dois terços (apoiados).

Como simples observação disse que o sr. duque de Cadaval não representava, porque não reconhecia o nosso regimen, nem está no paiz; assim como não representava o sr. duque de Palmella, porque s. ex.ª, como par do reino, teve escrupulo de não assignar á representação. Conclui apenas que os votos d'estes cavalheiros não podem julgar-se contrarios ao projecto, mas contem-nos como quizerera; aqui estão assignados 35 que são mais de dois terços de 46.

Receia a camara que não seja bem imparcial o testemunho d'estes illustrados lavradores e possuidores de terrenos? Aqui está a sua representação que allega os interesses da justiça e da administração. Respondam-lhe. Aqui estão os 64 cultivadores não proprietarios dos terrenos em questão que pedem tambem a annexação, e estão igualmente assignados na representação. E estão os 166 habitantes da Azinhaga, e 14 eleitores sobre 25, pedindo a mesma cousa.

Quer v. ex.ª saber quem se oppõe a esta annexação? São as camaras municipaes de Torres Novas e de Santarem, cujas conveniencias se não podem sobrepor á rasão e á justiça; e finalmente 13 cultivadores da freguezia de S. Thiago, os quaes dizem apenas: « Queremos ser sepultados no mesmo cemiterio em que jazem os nossos maiores!» Eu entendo, sr. presidente, que os sentimentos religiosos não são questão de cemiterio, e que este negocio não se resolve pelo sentimentalismo, mas sim pelo interesse publico e pela justiça (apoiados),

Mas diz-se: « Respeitem o voto d'estes 13 individuos, porque elles têem memoria, entendimento e têem vontade! Vamos a ver que entendimento têem elles. Dizem: «No concelho da Gollegã paga-se 50 por cento de contribuição municipal!! Isto é falso, e por consequencia não têem entendimento, nem sabem julgar. N'este caso é difficil que tenham vontade attendivel, se julgam mal e se não têem ao menos a memoria de factos presentes.

Tambem aqui se fallou em concelhos ricos e em concelhos pobres. Eu entendo que se o concelho de Torres Novas precisa dos subsidios do concelho da Gollegã e dos concelhos do sul do Tejo para sustentar os seus expostos, nem por isso se deve concluir que seja pobre pelas circumstancias naturaes, é pobre porque não tem havido ali a boa administração, o zêlo e a dedicação que existe na Gollegã para sustentar a existencia d'este concelho.

O sr. Sampaio allega que o concelho de Torres Novas é grande, é rico, porque é credor. Engana se, e eu lhe provo o seu engano. No districto de Santarem as despezas com os expostos são lançadas a todos os concelhos na proporção das contribuições predial e industrial que pagam, e não pelo numero dos expostos ou pela população. Os concelhos do sul do Tejo e o da Gollegã pagam mais em virtude d'esta distribuição que o necessario para sustentar os seus expostos; o concelho de Torres Novas para sustentar os seus expostos precisa subsidios e esmolas dos outros concelhos.

É credor á junta geral não por ser rico, mas porque precisa subsidios. E não precisa de subsidios por ser absolutamente pobre, mas porque a sua administração não é tão boa como a da Gollegã. Repito, se é credor, é porque a sua administração não lhe permitte manter a sua policia municipal, assim como não lhe permitte ter os meios necessarios para sustentar os seus expostos (apoiados).

O sr. Sampaio julga que eu e as commissões nos contradizemos, porque ellas dizem ser pequeno e relativamente pobre o concelho da Gollegã, e eu affirmo que é rico.

Mas o concelho da Gollegã é rico, pelo aferro que seus habitantes têem á terra natal, pelo seu instincto progressivo, porque não lhes importa o peso dos impostos comtanto que gosem dos melhoramentos modernos, porque emfim querem progredir e satisfazer os seus encargos, porque a sua administração é modelo para ser imitado.

O concelho de Torres Novas tem área muito maior, é muito mais populoso; porém aquelle concelho apresenta-se em circumstancias administrativas inferiores ao da Gollegã, não pela riqueza material, mas pela riqueza intellectuel.

No projecto trata-se de fortificar esta riqueza intellectual com a material, e os habitantes do concelho da Gollegã merecem-o, porque apresentam as maiores provas de que ali se administra bem, se administra com zêlo, honestidade e actividade e com o desejo de progresso e aperfeiçoamento (apoiados).

Tambem o sr. Sampaio tocou n'um ponto que não valia a pena trazer para o debate, porque é estranho ao assumpto.

Disse elle: «que quando citei os escrupulos que tinha tido o sr. duque de Palmella em assignar a representação, tinha irrogacto censura aos que assignaram! Mas onde está a censura. Aqui ha um facto de fôro intimo, cada um julga segundo a sua consciencia e não póde ser increpado por esse julgamento. Uns pensaram que podiam assignar, outros pensaram que não, e cada um procedeu como julgou melhor.

Serei eu um grande criminoso, porque tenho uma opinião religiosa e outro individuo tem opinião muito contraria?!

Pois eu sou criminoso, porque acredito mais na artilheria de Krupp, ou v. ex.ª é criminoso, porque acredita mais na artilheria franceza?

O decreto de 15 de abril de 1869 causa grandes embaraços, porque não está perfeito, nem podiamos exigir que as obras humanas fossem perfeitas. Uma das principaes difficuldades é que o poder judicial duvida se é tambem applicavel á circumscripção das comarcas.

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Mas no projecto de lei que temos presente, parece-me que está tudo definido, e se o não está, defina-se, Prescreve-se que ficam modificadas e alteradas a divisão administrativa, a divisão parochial e a divisão judicial para todos os effeitos, e o poder judicial não se póde nem quer insurgir contra a aceno legitima dos poderes publicos, nem pensa n'isso.

Desde que haja uma lei que diga — esta porção de terreno pertence á Gollegã, para todos os effeitos, o poder judicial tem obrigação de a fazer cumprir e respeitar.

Aqui não existe essa duvida, porque no projecto tudo está bem definido, e se o não está, defina-se bem, que ficam ao mesmo tempo modificadas a divisão administrativa, parochial e judicial.

Não tenho mais nada que dizer, porque me pareço desnecessario responder ás asserções do sr. Sampaio, quanto á allusão dos meus sentimentos democraticos, porque isso tem muito pouco com a questão da Gollegã. Todas essas cousas seriam muito convenientes para fazer effeito n'uma assemblés apaixonada, mas não para uma assembléa imparcial como esta, que ha de julgar friamente e segundo o que for de justiça.

Se assim não fôra, eu poderia fozer a s. ex.ª uma serie de perguntas que seguramente o embaraçariam, e narrar uma serie do factos pouco em harmonia com o amor de s. ex.ª pela democracia. S. ex.ª attribuiu-me opiniões que nunca tive, e condecorou-me com sentimentos que nunca foram os meus. Pela minha parte podia responder-lhe; não vale a pena. Quem póde allegar rasões serias, não se envolve em questiunculas alheias ao assumpto.

Tenho a honra de representar n'esta casa os concelhos da Chamusca, Gollegã, Almeirim, Benavente, Salvaterra e Coruche, e admiro-me que o sr. Sampaio, querendo citar os concelhos do districto de Santarem que são devedores á junta geral, só se lembrasse de citar os que pertencem ao meu circulo, esquecendo se dos outros todos.

O que tem a divida do concelho de Almeirim com as cousas da Gollegã, ou o que tem com a Gollegã as dividas da camara de Coruche?.

O facto é que a Gollegã não deve nada e paga pontualmente. Quanto aos outros concelhos, limita-se a dizer que a causa das suas dividas dependo da má administração do districto.

Não vale a pena perder tempo cem questões estranhas ao que se debate.

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto, vae votar se sobre a generalidade do projecto.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — O sr. Saraiva do Carvalho tinha pedido a palavra para um requerimento antes de se fechar a sessão. Tem a palavra.

O sr. Saraiva de Carvalho: — O meu requerimento está prejudicado, mas aproveito a occasião para mandar para a mesa varias representações de differentes industrias, que vem protestar contra a proposta de fazenda apresentada pelo governo, e fazer varias considerações a respeito dos seus interesses.

São da corporação dos relojoeiros, dos donos de armazens de vinhos d'esta cidade, dos tendeiros, dos individuos que têem estabelecimentos de salchicheiro, dos commerciantes que exercem a industria denominada de capellista, dos cuteleiros, dos latoeiros de folha amaralla e de outros.

A respeito de cada umaa d'estas industrias, terei eu de fazer varias considerações quando for discutido o projecto de contribuição industrial, e que julgo agora inopportuno. Peço a v. ex.ª que mande publicar estas representações na folha official, como se resolveu a respeito de outras.

O sr. Presidente: — Passa-se á discussão na especialidade do projecto que acabou de ser votado na generalidade.

Artigo 1.°

O sr. Barros Gomes: — Nada mais tenciono dizer sobre a doutrina do projecto que estamos discutindo, e se n'este momento pedi a palavra, foi simplesmente para fazer notar a v. ex.ª e á camara, que tendo eu, representante de Santarem, insistido, junto ao sr. ministro do reino, para que, em nome do governo, nos fossem indicadas as rasões que o levaram a concordar com este projecto de lei, s. ex.ª entendeu que não devia dar á camara as informações que eu lhe pedia, e sem as quaes eu julgava, em minha consciencia, que ella não se achava habilitada para votar. A camara resolveu de outro modo; a camara, no uso liberrimo de sua soberania, que eu respeito, entendeu que estava esclarecida; nada direi a esse respeito; mas peço que fique notado, que se faça sobresaír bem o facto de que, n'uma questão de circumscripção territorial, o governo não emittiu a sua opinião senão no parecer da commissão. E não bastava de certo essa circumstancia só por si para elucidar a camara, podia ver-te n'esse accordo uma asserção gratuita; as ratões que levaram o governo a aceitar o pensamento do projecto não foram apresentadas aqui, e era necessario que o tivessem sido por parte do sr. ministro respectivo.

Este facto constituo, quanto a mim, um precedente perigoso. Se ámanhã apparecerem n'esta casa cinco, seis, uma infinidade de projectos de lei d'esta ordem, apresentados por nós, que temos interesse respectivo em engrandecer os nossos circulos, será grande a cuufusão que ha de resultar para a administração do paiz, so a camara se quizer pronunciar sobre esses projectes, sem que o governo seja ouvido, não lhe sendo prestados os necessarios e insuspeitos esclarecimentos para resolver com conhecimento de causa. Não passa pelo meu animo, n'este momento, fazer a mais leve censura á camara, que de certo decidiu a questão, porque tinha amplo conhecimento das circamstancias locaes, embora para as apreciar bem sejam precisas muitas condições, das quaes nem é licito suppor o contrario, a camara estava senhora d'ellas; quiz simplesmente advogar mais uma vez o que reputo um bom principio de administração, de que não é conveniente, sobre questões d'esta ordem, que o sr. ministro do reino não de esclarecimentos á camara, para ella poder votar sem receio de praticar uma injustiça.

O sr. Ministro do Reino (Marquez d'Avila e de Boloma): — Parece-me que não é exacta a observação que fez o illustre deputado, porque o governo foi ouvido no seio das duas commissões, de administração, publica e de estatistica (apoiados). Era então ministro do reino o sr. bispo de Vizeu, e eu declarei que me conformava plenamente com os motivos pelos quaes o sr. bispo de Vizeu tinha dado a sua approvação a este projecto. Eis aqui o que a este respeito dizem os pareceres das commissões de administração publica e de estatistica (leu).

Ora, tanto um como outro parecer foram dados na occasião em que era ministro do reino o sr. bispo de Vizeu, o como eu era membro do gabinete, em todo o caso não podia ter uma opinião diversa da que tinha o meu illustre collega e predecessor (apoiados). Conformo me inteiramente com os motivos que s. ex.ª teve pura dar a sua adhesão a este projecto, mas não julguei necessario repeti-los, tanto mais que o illustre deputodo, o sr. Mariano de Carvalho, tinha esgotado completamente o assumpto.

O sr. Nogueira Soares: — Quando pedi a palavra era para dizer o mesmo que acaba de dizer o sr. ministro do reino. O governo foi ouvido tanto pela commissão, de administração publica, como pela de estatistica; não havia portanto motivo para a censura que acabou de fazer o meu nobre amigo.

O sr. Pinheiro Borges: — Pedi a palavra simplesmente para dizer ao illustre deputado o sr. Barros Gomes, que eu não aceito a insinuação que s. ex.ª me dirigiu e aos meus collegas. Eu votei o projecto n.º 23 com pleno conhecimento de causa, conhecimento que adquiri não só pela larga discussão que houve a este respeito, mas tambem porque, quando estive ao serviço do ministerio das obras pu-

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blicas em Santarem, tive occasião de conhecer topographicamente o terreno. Foram estas as rasões que me levaram a votar a favor do projecto.

0 sr. Barros Gomes: —Uso novamente da palavra para agradecer ao sr. ministro do reino, cavalheiro por quem todos nós temos a maior consideração, e que me merece a mim particularmente o maior respeito, as explicações que teve a bondade de me dar. Parece-me porém que ellas em nada destruiram os principios que eu tinha assentado.

Eu não contestei que s. ex.ª estivesse de accordo com o projecto. S. ex.ª era solidario com o sr. bispo de Vizeu, e portanto muito naturalmente se conformara com a opinião adoptada pelo seu collega. Sabia eu tambem d'esse accordo pelas declarações terminantissimas do illustre deputado o sr. Mariano de Carvalho, e não porque me tivesse informado particularmente da opinião de s. ex.ª o actual ministro do reino. Mas o que eu pedi aqui, aquillo porque eu instei com o sr. ministro do reino, foi que s. ex.ª dissesse á camara as rasões em que se fundava o governo para sustentar esta opinião.

Se o sr. bispo de Vizeu ainda fosse ministro do reino, te-las-ía dito com certeza; mas s. ex.ª deixou essa pasta, que passou para o sr. presidente do conselho, e este ultimo, aceitando as opiniões do seu antecessor quanto a este projecto, o que era natural pela boa camaradagem em que tinham vivido como collegas, de certo o fez tambem movido das ponderosas rasões de justiça e equidade que deveriam ter actuado no animo do nobre prelado de Vizeu, a ponto de levar s. ex.ª a dar o seu voto de approvação a este projecto.

O que era indispensavel porém era apresentar essas rasões á camara. E quando ha dias eu e os meus collegas aceitámos o adiamento da discussão até que estivesse presente o sr. ministro do reino, não foi seguramente para ouvir da bôca de s. ex.ª a declaração de que o governo estava de accordo com o projecto, porque isso já nós sabia-mos; foi para que s. ex.ª esclarecesse a camara quanto á materia do projecto, a fim de que os meus illustres collegas podessem votar com conhecimento de causa depois de ouvir as explicações do governo, que nem foram dadas pelo sr. bispo de Vizeu, nem pelo sr. marquez d'Avila e de Bolama.

Peço desculpa á camara, se por acaso a excitação natural em que estava me fez elevar mais a voz do que o aconselhariam as praticas do parlamento e o respeito que me. merecem todos os membros d'esta casa.

O sr. Francisco de Albuquerque: - Não posso conformar-me de modo algum com as idéas apresentadas pelo illustre deputado, o sr. Barros Gomes, de que era preciso ouvir e justificar a opinião do governo ácerca da conveniencia e justiça do projecto n.º 23.

Pela minha parte votei com pleno conhecimento de causa, porque tendo estado tres annos em Santarem como secretario geral do districto, tive occasião de adquirir os esclarecimentos precisos que me habilitaram a votar hoje a favor do projecto.

Se o sr. Banos Gomes precisa esclarecimentos, creio que os ouviu de sobra da bôca do sr. Mariano de Carvalho; e se ainda esses lhe não bastavam, podia ter pedido maia alguns, que de certo lha seriam dados pelo sr. Mariano do Carvalho.

Este projecto não era de iniciativa do governo; mas o governo fóra ouvido sobre elle, e conformou-se com a sua doutrina. Esta circumstancia vem exarada em ambos os pareceres, de um dos quaes eu tive a honra de ser relator. Apesar de ter saido do ministerio o sr. bispo de Vizeu, a opinião do governo a este respeito não mudou, porque ficou gerindo aquella pasta um cavalheiro que era solidario com s. ex.ª Portanto era claro que o governo estava perfeitamente de accordo com a materia do projecto,

E tendo sido dadas, por parte do sr. Mariano de Carvalho, todas as explicações, tendo sido ministrados todos os esclarecimentos precisos, não vejo rasão alguma para que se julgasse necessario que se dissesse ainda mais alguma cousa sobre o projecto.

Tenho concluido.

Não havendo mais ninguem inscripto, foi posto á votação, e por artigos, o projecto na sua especialidade, e logo approvado.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Tenho a honra de mandar para a mesa uma proposta de lei, que o sr. ministro da fazenda me pediu que apresentasse á camara, visto que objectos de serviço reclamaram a saída de s. ex.ª d'esta casa.

Antes porém de a ter, V. ex.ª e a camara permittirão que diga duas palavras para justificar o que ha pouco disse, porque vejo que não fui bem comprehendido pelo illustre deputado, o sr. Barros Gomes.

Eu terminei dizendo que depois da defeza brilhante do projecto, feita pelo sr. Mariano de Carvalho, nada tinha a acrescentar.

Depois d'esta declaração, tudo que dissesse seria repetir explicações.

A proposta de lei é a seguinte (leu).

Parece-me que a camara apreciará os motivos de equidade que motivou a presente proposta que o governo se lisonjeia de apresentar á camara.

A proposta é a seguinte:

Proposta de lei

Senhores. — Pela lei de 1 de julho e respectivo regulamento de 4 de setembro de 1867 ficaram sujeitas ao imposto do sêllo as quitações por escriptura ou escripto particular, ainda mesmo sendo a quitação objecto secundario, incidente ou accessorio da esoriptura ou escripto particular, como se fez expresso na verba n.º 1 da tabella n.º 2 annexa aquelle regulamento. Sem embargo d'esta terminante disposição, muitas escripturas de compra e venda, em que o vendedor dá quitação ao comprador do preço recebido, têem sido apresentadas nas conservatorias sem o pagamento do sêllo devido, facto pelo qual os conservadores duvidam admitti-las.

Esta falta de sêllo provém de se. ter interpretado a lei no sentido de que se referia á quitação unicamente em materia de mutuo ou pagamento de divida, e não ao contrato de compra e venda no qual se permutam valores.

Que uma tal intelligencia é menos exacta, demonstra-o a disposição interpretada pela clareza com que está redigida; no entretanto para evitar de futuro a repetição do mesmo erro na verba n.º 1 da tabeila n.º 2 do regulamento do sêllo de 2 de dezembro de 1869, actualmente em vigor, precisou-se a hypothese da quitação nos contratos de compra e venda.

Existem portanto escripturas, o porventura escriptos particulares tambem de compra e venda, nos casos em que são permitidos, que pela falta do pagamento do sêllo da quitação são insanavelmente nullos, segundo o artigo 4.° da lei de 1 de julho de 1867; penalidade esta que invalida aquelles documentos, pondo assim em risco de nullidade muitos contratos feitos em inteira boa fé, e sobre os quaes importantes interesses têem sido creados.

Não vendo portanto, na falta commettida, a intenção dolosa de defraudar os legitimos interesses da fazenda publica, julgo da maior equidade permittír a revalidação de taes documentos do meio do pagamento do sêllo que os interessados poderão realisar dentro de um praso rasoavel. E porque os tabelliãcs que intervieram n'esses documentos tenham incorrido na penalidade do artigo 91.° do regulamento de 2 de dezembro de 1869, tambem entendo que, por identidade de rasão, d'ella devem ser relevados.

Por analogas rasões se dispõe no artigo 2.° da proposta que sejam revalidadas as escripturas em que se não hajam inserido as guias para o pagamento do imposto do sêllo, quando se provar que este foi opportunamente pago. N'estes casos a fazenda nacional não foi prejudicada, porque

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

recebeu a importancia do imposto, e a equidade pede que, por falta de uma simples formalidade, não sejam invalidados contratos importantes.

Por todos estes motivos, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° As escripturas e escriptos particulares de compra e venda, contendo quitação do preço recebido, que tenham sido feitos durante o regimen da lei de 1 de julho e respectivo regulamento de 4 de setembro de 1867, sem o pagamento do imposto do sêllo da quitação, podem ser revalidados quando os interessados satisfaçam o sêllo devido no praso de tres mezes, a contar da execução da presente lei.

§ unico. Este pagamento será feito com o sêllo de verba: nos escriptos, apresentando-se os proprios escriptos; e nas escripturas, por meio de guias passadas pelos respectivos tabelliães, as quaes, depois de conterem a verba de sêllo pago, ficarão archivadas nos seus cartorios, para em face d'ellas lançarem nos competentes documentos as declarações que forem necessarias.

Art. 2.º São sanadas as escripturas que estiverem nullas por falta de inserção das guias para pagamento do imposto do sêllo quando se mostre que este se acha pago.

Art. 3.º Os tabelliães que tiverem commettido a falta a que se referem os artigos antecedentes são relevados da penalidade que por tal motivo incorreram.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio da fazenda, 22 de março de 1871. = Carlos Bento da Silva.

O sr. Presidente: — Vae ser publicada no Diario do governo e remettida á commissão de fazenda,

O sr. Pinheiro Borges: — Requeiro que se prorogue a sessão, a fim de poderem usar da palavra os srs. deputados que estavam inscriptos para faltarem antes da ordem do dia.

Consultada a camara, foi o requerimento approvado.

O sr. Pinheiro Borges: — Mando para a mesa uma representação dos algibebes de Lisboa, contra a proposta de fazenda que tem era vista regular a contribuição industrial.

Mando tambem para a mesa um requerimento de alguns officiaes dos extinctos batalhões nacionaes de Lisboa, moveis e fixos, dos poucos que ainda restam de 1833, em que pedem lhes seja applicado o decreto de 14 de agosto de 1860.

Este requerimento parece-me que deve ir ás commissões de fazenda e guerra, como foi o apresentado pelo sr. Dias Ferreira, e entendo que deve ser considerado conjunctamente com elle.

Mando igualmente um requerimento de José Joaquim Soares Castro, sargento ajudante de infanteria n.º 10, que vem corroborar asserções que eu já apresentei á camara.

O sr. Villaça: — É para declarar a v. ex.ª e á camara que não tenho podido comparecer ás sessões, por motivo justificado; assim como para agradecer á mesa e á camara a parte que tomaram na minha justa dor,

O sr. Lisboa: — Mando para a mesa um projecto de lei.

O sr. Pinto Bessa: — Mando para a mesa uma representação (leu).

Estes peticionarios na minha opinião têem muita rasão no pedido que fazem, e tanto assim, que já em 1851, o actual sr. presidente do conselho, sendo ministro da fazenda apresentou n'esta casa uma proposta de lei em que se estabeleciam as formas de pagamento a estes diversos credores do estado.

Conheço que a occasião não é muito opportuna para isto; mas reconhecendo a justiça que assiste aos peticionarios, não tenho duvida em mandar para a mesa a representação que me foi apresentada, para v. ex.ª lhe dar o devido destino.

O sr. Luciano de Castro: — Mando para a mesa uma proposta (leu).

Esta proposta ha de ter segunda leitura na primeira sessão, por isso não digo agora mais nada sobre ella.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que seja nomeada pela mesa uma commissão especial composta de sete membros, para dar parecer sobre o projecto de lei do sr. Barros e Cunha sobre a distribuição do imposto da contribuição predial pelas juntas geraes. = José Luciano de Castro.

Foi admittida e ficou para segunda leitura.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é trabalhos em commissões, e para sexta feira o projecto n.º 20, e apresentação de pareceres.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e um quarto da tarde.

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