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SESSÃO DE 21 DE JANEIRO DE 1878

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Antes da ordem do dia remettem-se para a mesa requerimentos e notas de interpellação. — Os srs. presidente do conselho e ministro das obras publicas respondem a diversas considerações feitas pelo

sr. Alves. - Na ordem do dia continua a discussão da proposta de censura ao governo apresentada pelo sr. Dias Ferreira, fallando sobre a materia os srs. presidente do conselho e Julio de Vilhena.

Presentes á chamada 60 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano Sampaio, Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto (Alfredo), Pereira de Miranda, Cardoso Avelino, Antunes Guerreiro, A. J. d'Avila, A. J. Teixeira, Carrilho, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Mello Gouveia, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Vieira da Mota, Conde da Graciosa, Custodio José Vieira, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Cardoso de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Francisco Costa, Pinto Bessa, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Palma, Illidio do Valle, Jeronymo Pimentel, Barros e Cunha, J. M. do Magalhães, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Correia de Oliveira, Pereira da Costa, Guilherme Pacheco, Namorado, Ferreira Freire, Julio de Vilhena, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Camara Leme, Bivar, Faria e Mello, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Alves Passos, Mello e Simas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Pedro Jacome, Placido de Abreu, Thomás Ribeiro, Visconde de Guedes Teixeira.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Braamcamp, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, Cunha Belem, Arrobas, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Neves Carneiro, Conde de Bertiandos, Conde da Foz, Mouta e Vasconcellos, Van-Zeller, J. Perdigão, Jayme Moniz, Ferreira Braga, Matos Correia, Dias Ferreira, José Luciano, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, José de Mello Gouveia, Mexia Salema, Pinto Basto, Sampaio e Mello, Freitas Branco, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Miguel Coutinho (D.), Pedro Franco, Visconde da Azarujinha, Visconde de Carregoso, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Teixeira de Vasconcellos, Forjaz de Sampaio, Francisco Mendes, Cardoso Klerck, Figueiredo do Faria, Moraes Rego, Nogueira, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde da Arriaga, Visconde de Sieuve de Menezes.

Abertura — ás duas horas da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio do reino, participando, em satisfação ao requerimento do sr. Jeronymo Pimentel, que no ministerio não existe correspondencia alguma do governador civil de Braga, ácerca de uma tentativa de alteração na ordem publica no dia 8 de julho ultimo.

Foi enviado á secretaria.

2.° Do ministerio da fazenda, acompanhando documentos relativos ao estado da divida fluctuante, ao emprestimo de quatro milhões de libras e á importancia das sommas realisadas pelo thesouro, provenientes da renovação dos contratos sobre as classes inactivas.

Foi enviado á secretaria.

3.° Do mesmo ministerio, acompanhando copia do officio do delegado do thesouro no districto de Faro, sobre a suspensão que impoz ao proposto do recebedor da comarca de Loulé, Manuel Lourenço Callado. Foi enviado á secretaria.

4.º Do mesmo ministerio, acompanhando 120 exemplares do orçamento rectificado para o actual exercicio de 1877-1878.

Mandaram-se distribuir.

5.° Do ministerio da guerra, acompanhando 100 exemplares do relatorio da gerencia d'aquelle ministerio, referido ao periodo decorrido desde março ultimo até ao presente.

Mandaram-se distribuir.

6.° Do mesmo ministerio, acompanhando nota do estado do contingente distribuido no anno de 1876 ao districto de Braga.

Foi enviado á secretaria.

7.° Do ministerio das obras publicas, acompanhando 100 exemplares da memoria ácerca do regimen do Tejo e outros rios.

Mandaram-se distribuir.

Representações

1.ª Da camara municipal do Cartaxo, contra o projecto da reforma eleitoral apresentado pelo governo.

Foi apresentada pelo sr. deputado Palma, e enviada á commissão de administração publica.

2.ª Dos professores em commissão no lyceu nacional de Braga, pedindo ser considerados como proprietarios, a fim de lhes ser abonados por inteiro os vencimentos por lei abonados aos professores proprietarios.

Foi apresentada pelo sr. deputado Alves Passos, e enviada á commissão de fazenda, ouvida a de instrucção publica.

3.ª De cidadãos eleitores do concelho dos Arcos de Valle de Vez, contra o procedimento do governador civil do districto de Vianna do Castello, e do seu delegado e administrador do concelho, com relação á posse dos vereadores d'este municipio para o biennio corrente.

Foi apresentada pelo sr. deputado Alfredo Peixoto, e enviada á commissão de infracções.

Participações

1.ª Declaro que tenho faltado ás sessões por incommodo de saude. = O deputado pelo Carregal, Fortunato Vieira das Neves.

2.ª Declaro que por incommodo de saude não me foi possivel fazer parte da deputação, para que tive a honra de ser nomeado, para dar os pezames a Sua Magestade pela infausta morte de Sua Magestade o Rei da Italia Victor Manuel. = O deputado, Visconde de Villa Nova da Rainha.

3.ª Declaro que pedi a palavra a favor da moção do illustre deputado o sr. Dias Ferreira. = Osorio de Vasconcellos, deputado por Trancoso.

4.ª Declaro que por motivo justificado não compareci ás sessões anteriores. = Antunes Guerreiro.

Mandaram-se lançar na acta.

Interpellação

Declaro que pretendo com urgencia interpellar o sr. presidente do conselho de ministros e ministro do reino, ácerca dos successos occorridos na eleição da commissão de recenceamento no concelho do Monsão, do districto de Vianna,

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e dos motivos que impediram a installação da mesma commissão. = O deputado, Alfredo Peixoto.

Mandou-se fazer a devida participação.

O sr. Presidente: — O sr. ministro de Italia junto d'esta côrte, marquez de Oldoini, procurou-me aqui na camara para expressar em seu nome e no do governo que representa, emquanto este o não faz por outro modo, o seu sincero reconhecimento pela maneira por que esta camara manifestou o seu profundo sentimento pela morte de El-Rei de Italia Victor Manuel.

A camara fica inteirada com a communicação que eu acabo de fazer.

A grande deputação, que ha de apresentar a Sua Magestade El-Rei a resposta ao discurso da corôa, e composta, alem da mesa, dos seguintes srs. deputados:

Telles de Vasconcellos.

Augusto Maria de Sousa Lobo.

Conde de Bertiandos.

Francisco d'Almeida Cardoso de Albuquerque.

Jeronymo da Cunha Pimentel.

José Maria de Magalhães.

Pereira Rodrigues.

Francisco Van-Zeller.

José Guilherme Pacheco.

Luiz Frederico Bivar.

Visconde de Guedes Teixeira.

A deputação será avisada do dia e hora em que Sua Magestade se dignará recebel-a.

As commissões que a mesa foi incumbida de organisar são as seguintes:

De guerra

Miguel Maximo da Cunha Monteiro.

Placido Antonio da Cunha e Abreu.

Hermenegildo Gomes da Palma.

Visconde de Villa Nova da Rainha.

Antonio José d'Avila.

D. Luiz da Camara Leme.

Alberto Osorio de Vasconcellos.

José Joaquim Namorado.

Antonio Maria Barreiros Arrobas.

José Maria de Moraes Rego.

José Frederico Pereira da Costa.

João Maria de Magalhães.

Antonio Manuel da Cunha Bolem.

De marinha

D. Luiz da Camara Leme.

Hermenegildo Gomes da Palma.

Joaquim José Gonçalves de Matos Correia.

Visconde da Arriaga.

Antonio Maria Barreiros Arrobas.

Carlos Testa.

Joaquim José Alves.

Visconde de Villa Nova da Rainha.

José Frederico Pereira da Costa.

Do ultramar

Joaquim José Gonçalves do Matos Correia.

José Maria Pereira Rodrigues.

Filippe Augusto de Sousa Carvalho.

Visconde da Arriaga.

Thomás Ribeiro.

Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos.

Antonio Maria Barreiros Arrobas.

Luiz Adriano Magalhães e Menezes de Lencastre.

Henrique Ferreira de Paula Medeiros.

Augusto Cesar Ferreira de Mesquita.

Antonio José de Seixas.

Dos negocios ecclesiasticos

Luiz Frederico Bivar Gomes da Costa.

Manuel Maria de Mello Simas.

Manuel d’Assumpção.

Manuel Bento da Rocha Peixoto.

Augusto Correia Godinho Ferreira da Costa.

Julio Marques de Vilhena.

Marçal de Azevedo Pacheco.

Luiz de Freitas Branco.

Augusto Neves dos Santos Carneiro.

Dos negocios estrangeiros e internacionaes

Luiz de Freitas Branco.

Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos.

Visconde de Villa Nova da Rainha.

Pedro Jacome Correia.

Augusto Cesar Ferreira de Mesquita.

Julio Marques de Vilhena.

Barão de Ferreira dos Santos.

De infracções

Visconde de Sieuve de Menezes.

Visconde da Arriaga.

José Guilherme Pacheco.

Joaquim José Gonçalves de Matos Correia.

Augusto Zeferino Rodrigues.

Luiz Frederico Bivar Gomes da Costa.

Antonio Rodrigues Sampaio.

Saude publica

Antonio Manuel da Cunha Belem.

Filippe Augusto de Sousa Carvalho.

Fortunato Vieira das Neves.

Illidio Ayres Pereira do Valle.

Joaquim José Alves.

José Baptista Cardoso Klerck.

José Pedro Antonio Nogueira.

Manuel Joaquim Alves Passos.

Miguel Maximo da Cunha Monteiro.

Petições

Adriano Carneiro de Sampaio.

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.

Antonio José Boavida.

Augusto Maria da Costa e Sousa Lobo.

Augusto Zeferino Rodrigues.

Carlos Vieira da Mota.

Francisco Antonio Pinheiro da Fonseca Osorio.

João Vasco Ferreira Leão.

Pedro Jacome Correia.

Regimento

Francisco Joaquim da Costa e Silva.

Manuel Pinheiro Chagas.

Ricardo de Mello Gouveia.

Thomás Ribeiro.

Visconde de Sieuve de Menezes.

Redacção

Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos.

Luiz de Freitas Branco. Manuel d’Assumpção.

Commercio e artes

Antonio José de Seixas.

Diogo Pereira Forjaz de Sampaio Pimentel.

Illidio Ayres Pereira do Valle.

José Maria Pereira Rodrigues.

Pedro Roberto Dias da Silva.

Ricardo Julio Ferraz.

Visconde de Carregoso.

Visconde de Guedes Teixeira.

José Maria dos Santos.

Recrutamento

Antonio José d'Avila.

Antonio Manuel da Cunha Belem.

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Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.

Guilherme Augusto Pereira de Carvalho e Abreu.

Henrique Ferreira de Paula Medeiros.

Jacinto Antonio Perdigão.

José Joaquim Namorado.

D. Luiz da Camara Leme.

Manuel Bento da Rocha Peixoto.

Relatórios das juntas geraes

Agostinho da Rocha e Castro.

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.

Augusto Correia Godinho Ferreira da Costa.

Augusto Maria de Mello Gouveia.

Eduardo Tavares.

Francisco Van-Zeller.

Henrique Ferreira de Paula Medeiros.

José Correia do Oliveira.

José Guilherme Pacheco.

Estatistica

Alberto Osorio de Vasconcellos.

Antonio Maria Pereira Carrilho.

Fortunato Vieira das Neves.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos.

João Ferreira Braga.

José Guilherme Pacheco.

Manuel Joaquim Alves Passos.

Ricardo de Mello Gouveia.

Visconde de Moreira do Rey.

Agricultura

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos.

Jeronymo da Cunha Pimentel.

João Maria de Magalhães.

José Joaquim Figueiredo de Faria.

José Alaria dos Santos.

Luiz de Sousa Faria e Mello.

Visconde da Azarujinha.

Visconde de Sieuve de Menezes.

Visconde da Arriaga.

Especial para dar parecer sobre a reforma da lei eleitoral

Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos.

Francisco Van-Zeller.

Alberto Osorio do Vasconcellos.

Thomás Ribeiro.

D. Luiz da Camara Leme.

Marçal de Azevedo Pacheco.

Custodio José Vieira.

Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.

Lopo Vaz de Sampaio e Mello.

O sr. Paula Medeiros: — Mando para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.)

A maior parte d'estes infelizes, comquanto lhes fosse concedida esta pensão, ainda estão sem a receber, e alguns só a recebem depois que ha um processo demoradissimo; e tanto que já têem morrido uns poucos sem terem participado d'este beneficio.

Por consequencia entendo que este negocio é urgente, porque é um escandalo que estes desgraçados não sejam contemplados como os mais servidores do estado.

O sr. Vieira das Neves: — Mando para a mesa uma declaração de que tenho faltado ás sessões por incommodo de saude.

O sr. Namorado: — Mando para a mesa alguns requerimentos de almoxarifes de engenheria, pedindo augmento de vencimento.

O sr. Godinho: — Mando para a mesa alguns requerimentos dos officiaes empregados na administração militar, que vem pedir a esta camara augmento de vencimento.

Associo-me ás observações já apresentadas em fórma de petição dos officiaes do exercito, e peço a v. ex.ª se digne mandar estes requerimentos á commissão respectiva, para os tomar na consideração que merecem.

O sr. Lopo Vaz: — Mando para a mesa um requerimento de Miguel Vaz Guedes Bacellar, capitão do exercito do reino em commissão na provincia de Moçambique, em que pede, fundando-se nas rasões que expõe no seu requerimento, que lhe seja contada a sua antiguidade de tenente desde o dia 12 de dezembro de 1872, pretensão esta que não prejudica pessoa alguma em direitos adquiridos.

Peço a v. ex.ª que este requerimento seja remettido á illustre commissão de guerra, á qual peço tambem o tome na consideração que elle merece.

O sr J. J. Alves: — Mando para a mesa sessenta e seis requerimentos, sendo trinta e quatro de officiaes de artilheria n.º 1 e trinta e dois de officiaes de infanteria n.º 5;

Estes requerimentos vem concebidos nos mesmos termos de varios outros officiaes do exercito, que igualmente têem pedido augmento de vencimento.

Peço a v. ex.ª que envie estes requerimentos ás respectivas commissões, esperando que ellas os hão de tomar na consideração que merecem.

Como estou com a palavra, continuarei a usar d'ella, sentindo não se achar presente o sr. ministro da guerra, a quem tinha de dirigir-me, S. ex.ª, porém, verá no extracto das actas as minhas palavras, e procederá como lhe cumpre.

Sr. presidente, na sessão de 24 de fevereiro de 1875 apresentei um projecto de lei, que tem o parecer n.º 108. Tende este projecto a proporcionar justiça e tornar extensivos aos fieis, amanuenses, mestres, apparelhadores, vigias, operarios e serventes dos estabelecimentos fabris da direcção geral de artilheria e deposito geral do material de guerra as vantagens que são concedidas a iguaes servidores do arsenal de marinha.

Espero que o sr. ministro da guerra se interessará para que esse projecto seja convertido em lei, e eu reservo-me para na occasião da discussão demonstrar, não só a injustiça de que os funccionarios d'aquelle estabelecimento são victimas, comparados com os seus collegas do arsenal de marinha, mas da injustiça relativa que soffrem no mesmo estabelecimento, onde individuos competentissimos e encarregados de serviços de grande responsabilidade, são inferiormente retribuidos, sem que haja rasão que justifique similhante procedimento.

Confiando em que v. ex.ª dará este projecto para a discussão, reservo-me para então historiar alguns factos, que hão de elucidar a camara e comprovar o que tenho avançado.

Agora desejo chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para o seguinte ponto.

Consta-me que os operarios, que têem trabalhado nas obras do asylo de D. Maria Pia, pedem ha dois mezes o pagamento da feria de uma semana. Têem feito todas as reclamações n'este sentido, porém até hoje, segundo me informam, ainda não têem sido attendidos, deixando assim de receber a paga do seu trabalho.

Desejava que o sr. ministro das obras publicas me dissesse a rasão por que não se tem pago áquelles pobres homens a feria a que têem direito, que motivos têem dado logar a isto?

Aguardo a resposta de s. ex.ª, para depois proseguir nas considerações que tiver de fazer.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Barros e Cunha): — Ignoro completamente o facto a que o illustre deputado se refere. V. ex.ª sabe que não sou o pagador das obras publicas do districto de Lisboa, a cargo de quem estão os trabalhos que se fazem no asylo Maria Pia, nem o chefe de secção encarregado d'aquelles trabalhos. Ao meu

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conhecimento não chegou cousa alguma a este respeito; comtudo pedirei informações, e darei conta ao illustre deputado e á camara do que souber a tal respeito, e mandarei proceder immediatamente como costumo. Se por acaso houver a falta a que o illustre deputado se refere, hei de dar as providencias para que não continue.

O sr. J. J. Alves: — Continuando ainda com a palavra, vou dirigir ao sr. presidente do conselho algumas phrases com respeito a uns homens, que, embora militassem em campo opposto áquelle a que nós pertencemos, e tendo em seu favor a lei, têem sido pelos governos votados ao mais completo abandono, e reduzidos á miseria.

Refiro-me, sr. presidente, aos officiaes convencionados em Evora-Monte. Estes officiaes, submettendo-se, ficaram ao abrigo do governo constitucional, e com direitos adquiridos, e não têem sido contemplados, como ha quarenta e tres annos lhes foi promettido no decreto de 27 de maio de 1834, assignado pelo Senhor D. Pedro IV, Duque de Bragança.

Effectivamente o artigo 3.º do citado decreto diz o seguinte. Permitta-me a camara que o leia.

(Leu.)

Este decreto não teve execução; e quando muito em 13 de agosto de 1870, estando á frente do ministerio o sr. duque de Saldanha, apparece outro decreto, concedendo a estes infelizes uma pensão annual de 120$000 réis, organisando-se em seguida no ministerio da guerra uma commissão para tomar conhecimento dos individuos n'elle comprehendidos.

Caíu este gabinete, e succedeu-se a elle outro, presidido pelo sr. marquez d'Avila, que annullou o decreto assignado pelo Rei o referendado pelos ministros seus antecessores.

Então os interessados, vendo de todo perdidas as esperanças de um pequeno abrigo para a velhice, recorrem ao sr. marquez d'Avila, presidente do conselho, imploram-lhe justiça, e a resposta, que me affirmam ter sido dada por s. ex.ª, foi que «tendo o decreto ficado sem effeito, elle se encarregava de apresentar um projecto de lei ás camaras n'aquella mesma sessão, onde os ditos officiaes convencionados haviam de ficar mais bem considerados».

S. ex.ª, porém, saíu do ministerio, e teve a infelicidade de não poder cumprir a sua promessa.

O nobre duque de Saldanha, militar que com a espada e influencia politica tanto concorreu para a terminação da guerra em Evora-Monte, é insuspeito quando quiz beneficiar os vencidos.

Poderá argumentar-se com a verba elevada que d'aqui podia resultar; mas se attendermos a que é pequeno o numero dos infelizes, que ha quarenta e tres annos debalde pedem justiça; se attendermos a que se tem dispensado n'esta casa tantas pensões, eu, sem querer duvidar da sua justiça, direi que estes deviam ser os primeiros, não só por dever rigoroso de cumprir a lei, mas para attestar o magnânimo coração dos vencedores contra os vencidos nas lutas pela liberdade.

Sr. presidente, os pretendentes já haviam servido no exercito antes de começar a luta em 1832; obedeceram ao seu dever, juraram bandeiras, e não merece por isso castigo esse punhado de homens septegenarios.

Este procedimento é triste, e, diga-se, improprio de uma nação que se governa por um regimen representativo.

Sr. presidente, sou insuspeito no meu pedido; recebi sempre educação liberal, e como sou filho d'essa escola, e ella tem por base a tolerancia, entendo que temos sido injustos deixando a sangue frio, no avançado espaço de quarenta e tres annos, succumbir á fome e á miseria alguns dos vencidos.

Acudamos ainda a esses poucos que restam, esqueçamos os partidos, olhemos a que são todos portuguezes e expozeram seus peitos ás balas pela causa que lealmente defendiam, e não consintamos por mais tempo que elles continuem a estender a mão á caridade publica.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Lembro-me de que recebi uma deputação dos militares a que se referiu o illustre deputado, mas não me recordo da resposta que lhe dei, que não podia ter deixado de ser no sentido de muita sympathia por elles.

Prezo-me de que desde que entrei na vida publica, e entrei n'uma occasião solemne, quando a guerra estava ateiada, e se preparava o exercito que da ilha de S. Miguel partiu para desembarcar nas praias do Portugal, eu dei logo toda a protecção aos vencidos, e considerei-os sempre como portuguezes.

Applaudi as idéas generosas do augusto principe, cujas palavras citou o illustre deputado, com quem tive a honra de servir; e vindo mais tarde para o continente, e exercendo um alto cargo no districto de Evora onde se tinham asylado muitos dos homens comprehendidos na convenção de Evora-Monte, elles sabem a decidida e rasgada protecção que lhes dei, porque tem sido o fito de toda a minha vida trabalhar para reconciliar quanto possivel, não só todos os membros da familia liberal, mas todos os membros da familia portugueza.

Circumstancias levaram alguns d'esses homens a militar n'um campo opposto ao nosso; respeito os motivos que tiveram para isso.

Nós combatíamos do outro lado; mas a verdade é que muitos d'esses homens eram dignos, pelos seus precedentes, pelos seus serviços á patria, de militar nas fileiras da causa liberal (Apoiados); e alguns estão n'ellas.

Por consequencia póde a camara ter a certeza de que me vou occupar incessantemente d'este negocio. Elle corre principalmente pelo ministerio da guerra; entender-me-hei com o sr. ministro da guerra, e qualquer medida que nós possamos apresentar ao parlamento que melhore a sorte crestes officiaes, e que, por assim dizer, os congrace com a familia liberal, onde desejo de todo o coração que elles entrem, póde a camara ter a certeza de que ha de ser submettida á sua consideração.

O sr. J. J. Alves: — Agradeço as expressões do nobre presidente do conselho. Tenho a certeza de que a sua promessa não ha de ficar sem ser cumprida, e oxalá s. ex.ª tenha occasião de a realisar.

Faria ainda outra pergunta a s. ex.ª. Desejava saber a rasão por que não está ainda approvado o orçamento da camara municipal de Lisboa. Se s. ex.ª não está habilitado para responder desde já, espero melhor occasião.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Effectivamente não posso dar ao illustre deputado uma resposta tão cathegorica a este respeito como lh'a dei em relação ao outro assumpto; mas examinarei os motivos que podem ter demorado a approvação do orçamento da camara municipal de Lisboa. Entretanto não ha prejuizo para o serviço municipal, porque em quanto o ultimo orçamento não for approvado, está vigorando o antigo.

O sr. Guerreiro: — Mando para a mesa dezoito requerimentos de officiaes do regimento de cavallaria n.º 6, pedindo augmento de vencimento.

Não faço agora considerações sobre este assumpto, porque vejo que a camara está impaciente por entrar na ordem do dia, mas reservo-me para o fazer quando este negocio vier á discussão.

O sr. Alfredo Peixoto: — Vinte cidadãos do concelho dos Arcos, districto de Vianna, vem, perante esta camara, pedir justiça que não encontraram nos tribunaes que as leis estabelecem!

Triste necessidade!

Por elles fui encarregado de apresentar aqui a representação que remetto para a mesa.

São vinte cidadãos, dos mais importantes d'aquelle concelho; o primeiro é o presidente da junta geral do districto; e entre elles todos não ha um unico que tenha n'esta ques-

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tão algum interesse que não seja simplesmente o consciencioso dever de eleitor.

Entre estes vinte apenas vem um dos sete cidadãos a quem os magistrados administrativos do districto de Vianna e concelho dos Arcos, auctorisados, ou mandados, pelo sr. presidente do conselho de ministros e ministro do reino, e dirigidos pelo secretario geral d'aquelle districto, extorquiram violentamente os votos que a urna honradamente lhes havia dado.

Refiro-me á questão da camara municipal dos Arcos, ou antes, ás tres camaras municipaes, porque tantas ha n'aquelle concelho. Uma foi eleita por todo o municipio com votos obtidos legalmente; a outra, a do ultimo biennio, entendeu dever continuar no exercicio das suas funcções, em virtude dos artigos 110.° e 354.° do codigo administrativo, que dizem:

(Leu.)

Alem d'estas, uma outra, que foi eleita apenas por quatro assembléas eleitoraes, e está exercendo o governo economico e municipal pela força de quarenta ou sessenta bayonetas do sr. ministro do reino!

Sim, srs. deputados, os votos da vereação que preside aos destinos d'aquelle municipio, contra o direito da urna, foram as bayonetas do sr. presidente do conselho de ministros!

Na primeira sessão em que levantei aqui a voz sobre este assumpto, disse o sr. ministro do reino, que n'esta casa era s. ex.ª o governador civil de cada districto. Pois bem; a s. ex.ª cabe a responsabilidade de quanto fazem os governadores civis; e posso dizer então, que quarenta ou sessenta bayonetas foram, ás ordens do sr. ministro do reino, quebrar a urna e eleger a vereação no concelho dos Arcos!

Esta questão é um dos mais importantes artigos da interpellação que annunciei ao sr. ministro do reino, ácerca da administração publica do districto de Vianna.

Estes cidadãos não recorrem a esta camara, sem se terem dirigido primeiramente aos tribunaes estabelecidos pelas, leis. Reclamaram, como deviam, e conforme o seu direito, perante o conselho de districto; e este tribunal occupou-se de tão grave questão com a seriedade, solicitude e animo de justiça, que sempre têem tido os seus vogaes, com excepção do presidente, a quem o secretario geral arrasta até ao facciosismo inconsciente e feroz.

O governador civil, porém, ou antes o sr. ministro do reino, impediu que o tribunal julgasse como as leis prescreviam; e os vogaes do conselho, verdadeiros juizes, foram obrigados a retirarem-se da sala das suas sessões, sem proferir a sentença que a justiça reclamava!

O presidente, depois de ter fugido do seu lugar no tribunal, voltou unicamente para fugir segunda vez!

A responsabilidade é sómente do sr. ministro do reino; é elle mesmo quem o diz.

Desde então até hoje o sr. ministro do reino não tem dado providencia alguma para que cesse tão funesta anarchia na administração d'aquelle districto!

Na primeira sessão d'este anno, depois de constituida a camara, perguntei a s. ex.ª que ordens tinha dado, ou tencionava dar, para que fossem cumpridos accordãos interlocutorios do conselho d'aquelle districto, que eram, senão indispensaveis, do conveniencia para a decisão definitiva d'esta e de uma outra reclamação; não me respondeu, e fez uma larga e curiosa conferencia sobre a posse de camaras municipaes, assumpto sobre o qual eu não tinha fallado, nem lhe tinha dirigido pergunta alguma.

Não respondeu ás perguntas que lhe dirigi, por duas ou tres vezes, e agora acaba de dizer que não responde.

(Áparte do sr. presidente do conselho.)

Pareceu-me ter-lhe houvido que não respondia.

A verdade é que não respondeu ás perguntas que lhe dirigi por mais que uma vez; assim como agora tambem acredito que não responderá; mas fez uma larguissima dissertação ácerca das ordens que tinha dado para se conferirem as posses ás camaras municipaes, assumpto para que eu não chamara a attenção de s. ex.ª.

Appellaram tambem os auctores d'esta representação para o mesmo sr. ministro do reino. Sei que se dirigiram a s. ex.ª, mas não obtiveram ainda resposta. Tendo decorrido já muito tempo, e sem encontrarem justiça nos tribunaes em que as leis lh'a garantiam, dirigem-se agora á representação nacional, como á ultima instancia que póde ouvil-os.

N'estes termos, apresento esta representação, e peço a v. ex.ª que consulte a camara se permitte que ella seja publicada no Diario do governo.

Devo notar que esta representação não é um documento de queixas vãs; é uma exposição fiel e logica dos successos occorridos no concelho dos Arcos, acompanhada de documentos authenticos, cada um para cada facto, para cuja publicação no Diario do governo tambem peço a v. ex.ª que consulte a camara.

Esta anarchia do concelho dos Arcos, e, para o que vou dizer, peço especialmente a attenção da camara; esta anarchia foi reflectir-se no concelho de Monsão, onde não ha commissão do recenseamento, ou antes, não póde esta funccionar, porque o sr. ministro do reino a impede de cumprir as obrigações que a lei eleitoral prescreve com prasos determinados.

No dia 14 de janeiro nem appareceu nos paços do concelho o presidente, nem o vice-presidente, nem qualquer dos vereadores da camara municipal; e nenhum appareceu, porque era sabido que o sr. ministro do reino tinha sómente por si uma fracção muito pequena, insignificante, da corporação eleitoral dos 40 maiores contribuintes.

N'estas circumstancias os cidadãos presentes escolheram um presidente e um secretario, conforme o preceito geral; constituiram-se assim em assembléa, e fizeram a eleição com todas as formalidades legaes. Ainda assim, no dia seguinte tornaram a apparecer na casa da camara, lembrando-se de que alguem da vereação procedesse a outra eleição por surpreza e ás occultas; mas ninguem mais concorreu.

Quando a commissão de recenseamento assim eleita, e bem legalmente, tratou de se installar, em conformidade da lei, appareceu o vice-presidente da camara municipal, ou um dos vereadores, a declarar que por ordem do governador civil impedia que a commissão se installasse! E a verdade é que não está installada ainda hoje!

(Áparte.)

Um illustre deputado e meu amigo diz-me que foi eleita hoje uma outra. Esse facto ainda não era do meu conhecimento; mas, em todo o caso, não comprehendo que se faça hoje uma nova eleição, tendo sido feita a outra legalmente o no dia designado pela lei.

Ácerca d'este assumpto mando tambem para a mesa alguns documentos, cuja publicação no Diario do governo igualmente peço; e a seguinte nota de interpellação ao sr. ministro do reino.

(Leu.)

Não vou occupar o meu logar na mesa, sr. presidente, antes de ter levantado uma insinuação que o sr. ministro do reino me dirigiu na ultima sessão, sem ter direito para isso. É muito elevada a posição de s. ex.ª, mas não lhe dá direito de dirigir insinuações a qualquer cavalheiro, nem aqui nem lá fóra. Eu, por mim, não lh'o admitto.

Quando chamei a attenção do sr. presidente do conselho de ministros e ministro do reino para uns documentos que tinha pedido pelo ministerio a seu cargo, disse-lhe que entre elles havia alguns que podiam ser remettidos logo, ou os originaes ou copias, pois estas eram faceis de se obter em poucas horas, e outros que reclamavam mais tempo.

Acerca d'estes não fiz observação alguma a s. ex.ª, porque reconheci logo que não tinha havido ainda tempo para poderem ser remettidos; ácerca dos outros, que men-

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cionei, e disse serem quatro portarias expedidas pelo ministerio do reino, e os autos de juramento e posse de um governador civil, disse eu que podiam ter vindo sem demora os originaes ou copias.

N'essa occasião acrescentei que precisava d'estes documentos, ou antes, que me convinham estes documentos para a questão principal que está occupando a attenção da camara, e que, com elles ou sem elles, havia de provar que o sr. ministro do reino tinha violado os direitos individuaes, usurpando as attribuições dos tribunaes do contencioso administrativo, e attentado contra a independencia do poder municipal.

S. ex.ª respondeu com uma insinuação que não lhe admitto, nem póde ser tolerada aqui, dizendo que eu tinha inventado o poder municipal, e que naturalmente de reserva teria mais alguns poderes.

O illustre presidente do conselho de ministros usa frequentemente lembrar-nos que somos novos e que nos tem faltado o tempo para estudar a vida larguissima de s. ex.ª. Permitta-me s. ex.ª que lhe recorde eu, agora, o preceito adagial «aprender até morrer».

Ainda que eu tivesse proferido um erro em materia constitucional ou administrativa, o sr. ministro do reino não tinha o direito de me corrigir n'este logar, e muito menos o de acrescentar á correcção uma insinuação.

Mas quem errou foi o sr. ministro do reino; o erro não foi proferido por mim.

A carta constitucional diz no artigo 11.º:

Leia-o, sr. presidente do conselho do ministros; veja a carta, que n'este artigo falla sómente de poderes politicos.

Eu não disse que o poder municipal era um poder politico.

O sr. ministro do reino proferiu aqui um erro, que no exame de direito publico constitucional seria punido com um R inexoravelmente.

A carta constitucional reconhece o poder municipal, e diz no artigo 133.°

(Leu.)

Este artigo foi revogado e substituido pelo artigo 11.° do acto addicional, que tambem reconhece o mesmo poder.

(Leu.)

Sabe v. ex.ª e a camara quem reconheceu tambem o poder municipal, e com todos os seus fóros, foi o sr. Alexandre Herculano, cuja cova é um altar de summa veneração para todos os que prezam a patria e adoram a sciencia.

É certo que o sr. Alexandre Herculano nunca foi cidadão honorario do concelho da Meda, nem nobre da republica de S. Marino, nem sequer vice-presidente da academia real das sciencias; mas é certo, de todos bem sabido, que ninguem contesta o saber aquelle homem verdadeiramente grande, aquelle honradissimo e sublime genio.

Disse o sr. ministro do reino que eu teria de reserva mais alguns poderes.

Pois não sabe s. ex.ª que as leis reconhecem outros?

S. ex.ª parece que nunca leu o codigo civil! Pois leia-o desde o artigo 137.º até ao artigo 170.º, e lá encontrará o poder paternal, que a Providencia não concede a todos, poder reconhecido pela lei, depois de ter sido reconhecido pela natureza.

É prudente que para esta casa não venham sentimentos menos benevolos; é prudente que aqui nos lembremos sobretudo da missão que a cada um cumpre, tanto a nós deputados, como aos ministros.

Se me dirigi ao illustre presidente do conselho, não digo com menos respeito, porque respeito muito todos os homens publicos do paiz, mas com menos benevolencia, foi porque s. ex.ª me dirigiu uma provocação que eu não merecia; e, emquanto a essa provocação, declaro a s. ex.ª que não a admitto, nunca lh'a admitti, nem admittirei.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Sente muito o illustre deputado que eu pretenda corrigil-o quando diz algumas inexactidões, e tendo eu de fallar depois do illustre deputado sou obrigado a reparar essas irregularidades. Agora mesmo vou eu corrigil-o sem querer!

O illustre deputado, fallando do sr. Alexandre Herculano, disse, não sei a que proposito, que elle não tinha sido cidadão honorario da Meda, ou da republica de S. Marino, nem mesmo vice-presidente da academia real das sciencias! O illustres deputado, o sr. Thomás Ribeiro, póde dizer-lhe que está perfeitamente enganado. O mesmo succede com outros erros que o illustre deputado pronunciou, e que eu sou obrigado a corrigir. (Apoiados.)

O sr. Alexandre Herculano foi vice-presidente da academia real das sciencias; e peço ao illustre deputado que acredite que n'esta camara não ha ninguem que respeite mais a memoria honrada do sr. Alexandre Herculano do que eu: haverá muitos que a respeitem tanto, mas mais do que eu, posso dizer que ninguem. Fui amigo do sr. Alexandre Herculano quarenta annos, que é um espaço de tempo bastante largo, e posso apresentar á camara um documento em que o sr. Alexandre Herculano confessa, não a mim, mas a um amigo meu e d'elle, que de todos os homens com quem tinha tido relações em sua vida, eu era talvez o unico com quem não tinha tido nunca motivo para o menor desgosto.

Repito, o sr. Alexandre Herculano foi vice-presidente da academia real das sciencias, e deixou de ser, porque se despediu por motivos que respeito, mas apesar d'isso a academia reelegeu-o, e só depois do sr. Alexandre Herculano não acceitar a reeleição, é que a academia real das sciencias me honrou com a eleição de seu vice-presidente, honra maior que tenho tido em minha vida e de que o illustre deputado pareceu indicar eu não era digno. Sou o primeiro a reconhecel-o, e tenha o illustre deputado a certeza de que pelo que me diz respeito sou o primeiro a reconhecer que tenho occupado posições que nunca esperei occupar e que outros mais dignos deviam ter occupado.

Agora diz o illustre deputado, que eu lhe fiz insinuações, mas custou-lhe a proval-o. Em que consistem essas insinuações?

O illustre deputado fallou em poder municipal, e ha muitos escriptores que fallam n'esse poder... (Interrupção do sr. Alfredo Peixoto.)

Peço perdão, mas então tudo são poderes, e o poder eleitoral tambem é um poder. Por consequencia, quando se falla n'um parlamento, é preciso fallar-se em linguagem precisa, que não dê logar a enganos. (Apoiados.)

O illustre deputado, quando fallou em poder municipal, dava a entender que era um poder igual aos outros poderes reconhecidos pela carta, e a isso respondi eu, que n'esse caso ainda tinhamos talvez outros poderes, alem dos que são reconhecidos pela lei fundamental do estado.

Emquanto a insinuações, não as fiz; entretanto peço mil desculpas ao illustre deputado, declarando que a minha intenção não era fazer-lhe insinuações, nem tinha precisão de as fazer. (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, o illustre deputado foi mais longe do que queria, de certo, quando disse que eu era responsavel pelos actos dos governadores civis. Eu declarei effectivamente, que respondia aqui pelos governadores civis, mas isso não quer dizer que eu tenha conhecimento de todos os actos que os governadores civis praticam, e que, n'um momento dado, e do repente citando-se aqui um acto qualquer de um governador civil, e de que eu não tenha conhecimento, queiram tornar-me responsavel por esse acto!

Quando tiver conhecimento de actos illegaes e menos prudentes, praticados pelos governadores civis, sei muito bem o que hei de fazer.

O illustre deputado tem tanta pressa, que no meio d'este debate grave, e em que a camara está empenhada, no qual o illustre deputado tenciona tambem entrar, quer s. ex.ª

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cortar esta discussão para verificar as suas interpellações?!

Se a camara está d'accordo n'isso eu estou prompto.

(Interrupção do sr. Alfredo Peixoto, que não se percebeu.)

Pois então não vem fallar-se sobre assumptos a respeito dos quaes ha interpellações pendentes, e quando o governo ainda não declarou que estava para isso habilitado. (Apoiados.) O que o illustre deputado está a fazer, por este modo, é tratar as suas interpellações, sem se terem dado para ordem do dia e sem se estar habilitado com os necessarios documentos para responder a ellas!!

Permitta-me s. ex.ª que lhe diga que isso não é regular. (Apoiados.)

Vamos agora á questão dos Arcos.

S. ex.ª disse que eu só respondia áquillo que me não tinha sido perguntado.

Eu disse o que entendi que era preciso para mostrar a legalidade do meu procedimento.

Quererá o illustre deputado tambem ensinar-me o modo porque hei de responder?! Respondi como entendi que devia responder. (Apoiados.)

Diz s. ex.ª que nos Arcos ha tres camaras municipaes! Quem é o culpado d'isso?!

Pois eu não li na camara a portaria do sr. Rodrigues Sampaio, que não é suspeita para esta casa, na qual o sr. Sampaio declara, com o codigo administrativo na mão, que as camaras devem tomar posse impreterivelmente no dia 2 de janeiro, e que se alguem tem a apresentar duvidas, sobre a legalidade das suas eleições, as vá apresentar nos tribunaes competentes?!

Pois ha uma camara eleita nos Arcos, e não queria o illustre deputado que essa camara tomasse posse, allegando o artigo 110.° do codigo!!

As camaras eleitas, repito, tomam posse no dia 2 de janeiro, embora haja reclamações; porque n'esse caso lá estão os tribunaes. (Apoiados.)

O que quer s. ex.ª que eu faça?!

Quer que vá dizer ao conselho de districto, que resolva n'um certo sentido a reclamação que lá esta pendente?!

O governador civil de Vianna é um magistrado intelligentissimo.

O sr. Alfredo Peixoto: — Não cumpre a lei.

O Orador: — Quando se tratar da interpellação, esta questão ha de ser aqui esclarecida, e o illustre deputado talvez se arrependa ainda de a ter levantado.

O sr. Alfredo Peixoto: — Não arrependo.

O Orador: — Pois espere o illustre deputado pela interpellação.

Diz s. ex.ª que o ministro do reino não deu resposta!! A quê?!

A uma representação que o illustre deputado mandou agora para a mesa?!!

Está-me a parecer que ha engano da parte do illustre deputado; mas, emfim, como o illustre deputado pediu a publicação d’estes documentos, eu terei a satisfação de os examinar, e na occasião da interpellação, repito, creio que a camara ha de ficar satisfeita com as explicações que lhe hei de dar.

O sr. Presidente: — O sr. Alfredo da Rocha Peixoto pediu a publicação no Diario do governo de alguns documentos que ha pouco apresentou.

Vou consultar a camara a este respeito.

Consultada a camara resolveu afirmativamente.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão da moção apresentada pelo sr. Dias Ferreira na sessão de 18 de janeiro

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. presidente, nas poucas palavras que pronunciei na ultima sessão procurei rectificar algumas apreciações mexa elas que o illustre deputado, o sr. Lopo Vaz de Sampaio, fez com relação a actos da minha vida publica.

Quero acreditar que o illustre deputado não teve em vista ferir a minha susceptibilidade, e que procedeu assim porque julgou que era isso conveniente para a causa que defende.

Eu não o entendo da mesma maneira, mas julgo que em vista da gravidade do debato de que esta camara se está occupando, uma palavra que possa offender mais ou menos a susceptibilidade de algum orador deve ser considerada como não dita intencionalmente, e parece-me que o que eu disse na ultima sessão a este respeito é bastante.

Não voltarei, portanto, a este assumpto.

Procurei eu tambem n'essa occasião fazer bem conhecer qual era a situação do governo, com relação a esta camara, desde que se abriu o parlamento.

O illustre deputado, auctor da moção que se está discutindo, deu muita importancia a este ponto; mais claramente, á nossa conservação n'estas cadeiras, apesar das manifestações d'esta e da outra casa do parlamento contra nós.

O illustre deputado deu tal importancia a esta circumstancia, que até foi tirar argumentos de um trecho do relatorio do meu illustre collega o sr. ministro da fazenda, e disse: «se vós conhecieis perfeitamente que não tinheis o apoio da camara, porque vos conservastes nas vossas cadeiras?»

Respondo, sr. presidente, porque os factos apresentados pelo illustre deputado para demonstrar esta falta de apoio não tinham para o governo, e não têem ainda, o intuito, a significação que s. ex.ª lhes deu.

O illustre deputado disse: «um cavalheiro na outra casa do parlamento não acceitou a nomeação de supplente á presidencia, e appareceu depois eleito para a commissão de resposta ao discurso da corôa.»

Primeiramente, não houve nenhum cavalheiro nomeado supplente para a camara dos dignos pares que não acceitasse essa nomeação. Houve, é verdade, um cavalheiro que muito prezo, a cujos altos dotes eu fiz sempre justiça, que me fez saber que, no caso de ser nomeado, não acceitaria a nomeação, e que preferia, por consequencia, não ser nomeado; e depois a camara elegeu-o membro da commissão de resposta ao discurso da corôa.

Fez-lhe justiça. A camara quiz dar áquelle cavalheiro uma demonstração de consideração e respeito, não só pelos seus altos dotes, que já reconheci, mas tambem pela maneira por que elle tinha dirigido os seus trabalhos desde que eu, pela minha posição actual no ministerio, deixei de ter a honra de estar encarregado d'essa direcção.

Eu associo-me de todo o coração á manifestação que fez áquelle cavalheiro a camara de que tenho a honra de fazer parte; nunca podia, nem levemente, imaginar que esta simples circumstancia fosse considerada como um acto praticado contra o gabinete, e que os ministros tivessem de abandonar por causa d'elle as suas cadeiras. E o facto veiu provar que eu tinha rasão, porquanto posso affirmar á camara que a resposta ao discurso da corôa n'aquella casa do parlamento não tem nem a menor expressão de desconfiança para com o governo. Isto aconteceu exactamente na commissão de resposta n'esta casa; e foi outro argumento que o illustre deputado apresentou: disse s. ex.ª «esta camara elegeu tambem um membro evidentemente hostil ao governo, e o governo ficou impavido nas suas cadeiras».

Respondo que o governo fez muito bem; porque essa commissão, apesar de contar no seu seio esse cavalheiro, não praticou acto algum hostil ao ministerio. Parece-me que uma commissão composta dos amigos mais dedicados do ministerio não procedia de outra fórma. É verdade que os membros d’essa commissão declararam nobremente que consideravam aquelle acto como um acto de mera cortezia ao chefe do estado. Assim é considerado ha bastantes annos; e nenhum partido, nenhum ministerio entendeu que essa declaração era uma intimação da camara para que os ministros abandonassem as cadeiras ministeriaes. Abandonar as cadeiras do ministerio por estes dois factos era um

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acto de insigne covardia, de que nos deviamos envergonhar diante do paiz.

Diz, porém, o illustre deputado: «mas não vieis que havia um sentimento de hostilidade a vosso respeito?» Supponhamos que viamos, mas tambem viamos as intenções do illustre deputado; viamos que o illustre deputado e os seus amigos não queriam tomar a responsabilidade do conflicto que queriam levantar contra o ministerio; não queriam tomar a responsabilidade das consequencias d'esse conflicto, e queriam que o governo lhes fizesse o favor de os alliviar d'essa responsabilidade. (Apoiados.) Não nos merecem tanto os illustres deputados, que nós devessemos praticar, para os obsequiar, um acto que eu já declarei que seria um acto de insigne covardia, e que nenhuns homens que se respeitem deveriam praticar.

Nós fomos recebidos n'esta camara em 6 de março de 1877 com applausos geraes, unanimes, exceptuando o voto de um illustre deputado que, unico, fallou contra nós. A nossa consciencia diz-nos que não desmerecemos do apoio que nos foi dado; a nossa consciencia diz-nos que o nosso programma está intacto, que não só satisfizemos o que declarámos n'esse dia á camara, moralidade e economia, mas o que promettemos nos dias seguintes respondendo a considerações feitas por um ou outro deputado. Tudo cumprimos religiosamente.

Nós dissemos que haviamos de apresentar uma proposta de lei para remediar os inconvenientes da lei eleitoral; ahi está já essa proposta de lei: que haviamos de apresentar medidas para o equilibrio entre a receita e a despeza; tambem já se apresentaram. Podem não ser tão completas, como nós desejavamos, mas a discussão é que o ha de provar. (Apoiados.)

Por consequencia, o ministerio cumpriu religiosamente as promessas que fez á camara e ao paiz.

O ministerio quer ser julgado pelos actos que praticou, e não por outra fórma. Portanto o governo, mantendo-se n'estas cadeiras, desejava, como disse hontem, que a luz se fizesse sobre a sua gerencia. Felizmente está-se fazendo a luz, e o governo não teme os resultados d'este debate.

O governo conseguiu, pois, o seu fim, que era obrigar os illustres deputados a tomarem a responsabilidade do conflicto. Para este fim conservou-se firme nas suas cadeiras, esperando o ataque, e conserva-se na atitude firme de quem tem a consciencia tranquilla, e espera que ha de responder cabalmente a todas as accusações que lhe forem feitas. (Vozes: — Muito bem.)

Queriamos conhecer os aggravos que se apresentavam contra nós. Já se levantou um pouco o véu; e os aggravos que se tem apresentado contra o governo por parte do illustre deputado que abriu o debate, e do cavalheiro que foi o ultimo a fallar, são os seguintes.

«O governo, disse o primeiro, não cumpriu o programma das economias, porque creou uma aula de sãoskrito, porque nomeou conegos, porque nomeou supplentes para o tribunal de contas e para o supremo tribunal administrativo». Alem d'estes aggravos ha ainda as providencias tomadas pelo governo quanto aos enterros civis; e o illustre deputado, o sr. Lopo Vaz, acrescentou, que «nós não tinhamos auctoridade para resolver a questão de fazenda, porque tinhamos dado commissões exageradas, porque tinhamos empenhado obrigações dos caminhos de ferro sem estarem creadas, e porque tinhamos excedido as auctorisações do orçamento».

Por ultimo o illustre deputado fallou tambem nos contratos com os bancos para o pagamento ás classes inactivas, e fez uma comparação entre a receita e a despeza dos quatro primeiros mezes d'este anno economico com a dos quatro primeiros mezes do anno anterior..

Que mais? Mais nada! São estes os crimes que tem commettido o governo. Da penitenciaria, nem uma palavra! (Apoiados.) Da administração dos caminhos de ferro do Minho e Douro, nem uma palavra! (Apoiados.) Do que eu julgava que eram os pontos vulneraveis para esta situação, nem uma palavra! (Apoiados.) E os illustres deputados que têem requerido documentos sobre documentos a este respeito, que estão inscriptos, e que provavelmente tomarão parte n'este debate tratando d'esta questão se lhes parecer conveniente, ficam desde já sabendo que para o illustre deputado que abriu o debate, e para o sr. Lopo Vaz, estes factos não têem importancia alguma.

O que tem importancia é a nomeação de conegos, é a creação da aula de sãoskrito, são os supplentes, são as medidas de fazenda que nós tomámos.

Da penitenciaria, que tantas antipathias trouxe a este ministerio, da questão dos caminhos de ferro do Minho e Douro, nada! Na opinião dos illustres deputados, que já fallaram, e que tanto aggrediram o governo, o governo andou bem n'estas questões, e na minha opinião andou muitissimo bem. (Apoiados.)

Vamos á questão dos supplentes.

A questão dos supplentes é simplicissima: e eu tenho pena de que estejamos a metter argumentos d'esta natureza n'uma questão d'esta ordem.

Pois provoca-se uma crise ministerial por motivos tão futeis como estes que eu acabo de apresentar? Pois quando a camara está no ultimo anno da sua existencia, quando a camara póde receiar não ter já a opinião do paiz por si (Apoiados.), porque ainda não houve nenhum projecto de reforma da carta, apresentado n'esta casa, em que se não consignasse o praso de tres annos para a duração da camara, praso que todos têem entendido bastante, porque a camara, depois d'elle, póde ser considerada como não representando já a opinião do paiz; pois é n'esta occasião que a camara se dá ares de camara nova, e quer provocar, por motivos tão futeis, repito, uma crise ministerial!

E a camara sabe se o paiz está do seu lado? (Apoiados.)

Uma voz: — Não se póde dizer aqui.

O Orador: — Eu estou prompto a responder a todos os ápartes. Fazem-me até muito favor, porque me deixam descansar um pouco.

Ouvi tudo o que se disse. Confesso que muitas cousas não me agradaram; mas não interrompi os oradores que as disseram. Entretanto creiam os illustres deputados que no meu discurso não me arredarei nunca da consideração que devo a todos, da sympathia que devo á maior parte d'elles; e creiam tambem que no meu coração, nem hoje, nem nunca, se albergou o menor sentimento de odio (Apoiados.); nem o podia haver para com cavalheiros que tenho encontrado nas lides parlamentares, para com moços esperançosos que vejo diante de mim, que me hão de substituir em breve, e Deus queira que para bem do paiz e gloria sua; que não tenho absolutamente a respeito d'elles senão sentimentos de respeito, e que em todas as occasiões em que o poder manifestar o farei com prazer.

Mas, senhores, reparem que sou chefe d'uma situação politica que defendo, que estou defendendo o governo de que faço parte, que estou defendendo os meus collegas e os homens que nos sustentaram, e nos sustentam, no paiz; que, finalmente, estou defendendo a grande maioria d'esta casa que no anno passado nos honrou tambem com o seu apoio. (Apoiados.)

Reparem ainda que o paiz está assistindo a este debate; o paiz que está assistindo a este debate, não se illudam, ha de julgar-nos a todos. (Apoiados.)

O paiz deve ter ouvido com assombro as rasões que foram apresentadas até agora para provocar uma crise, que os illustres deputados desejam, e tambem o deseja o governo, que tenha um desfecho proximo. (Apoiados.)

Volto á questão dos supplentes.

O que são os supplentes do tribunal de contas? São o resultado de uma proposta do ministerio que nos precedeu para se crearem dois supplentes para aquelle tribunal. (Apoiados.)

Tambem quererá o auctor da moção, que se discute, tor-

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nar-me responsavel pela apresentação d'esta proposta, pela approvação que teve nas duas casas do parlamento, e pela sua conversão em lei do estado? Não o póde querer. (Apoiados.)

Esta lei foi uma lei util, porque d'ahi resultou que esses dois supplentes já funccionaram no tribunal. Prova que faziam falta ali, e que conveniente foi preencher essa falta.

E, comtudo, veiu apresentar-se esta questão como prova de que este ministerio não é digno de occupar as cadeiras ministeriaes! Nem ao menos reparam que estão a fazer o seu processo, porque quasi todas essas propostas, pelas quaes me censuram, foram approvadas pela maioria. (Apoiados.)

Segue-se a questão dos supplentes do supremo tribunal administrativo; e levarei esta questão ao ultimo grau de evidencia, que só a não vê quem a não quer ver.

Eu disse, quando se discutiu a proposta, que apresentei a este respeito, que o supremo tribunal administrativo tinha então tres membros impedidos: o sr. conde de Thomar, que estava em Roma; o sr. Fontes Pereira de Mello, que estava doente; e eu, que estava no ministerio.

Como haviam ser preenchidas estas tres vagas?

Só com os dois supplentes podiam preencher-se tres vacaturas?

E se algum membro d'este tribunal tivesse uma dôr de cabeça, ou outra cousa que o impossibilitasse de comparecer, quem havia de substituil-o?

Eu vim pedir, pois, á camara a creação de mais tres logares de vogaes supplentes do supremo tribunal administrativo, a camara votou depois de uma larguissima discussão, e foi convertida em lei esta proposta.

Não quero citar o nome de ninguem, mas fallo diante de cavalheiros que fazem parte, directa ou indirecta, d'esse tribunal, e sabem que já ali tem funccionado um d'esses supplentes com grande proveito para o serviço publico.

Tomo a responsabilidade d'esta proposta, mas a camara que a approvou não me póde censurar por ella. (Apoiados.)

Vou entrar agora n'outra questão, que foi já perfeitamente tratada aqui pelo illustre deputado o sr. Pinheiro Chagas. Não a poderei tratar tão bem como elle; mas peço que me desculpe se o não podér acompanhar na maneira lucida e eloquente com que expoz as suas idéas.

Quero fallar da questão da nomeação dos conegos.

A minha intenção era responder primeiramente ao sr. Lopo Vaz, com relação ás arguições que nos fez em materia do fazenda; mas ficará para logo, se tiver tempo, e a camara me quizer honrar com a sua benevolencia.

A questão dos conegos tem maior alcance do que lhe quiz dar o illustre deputado que abriu o debate.

A questão dos conegos está essencialmente ligada a dois decretos, um dos quaes tive a honra de referendar; é o decreto, por virtude do qual se crearam no quadro da sé metropolitana da Estremadura seis canonicatos com onus de ensino.

Não disse bem, estavam creados, determinou-se que no preenchimento das vacaturas que occorressem se havia de attender a que seis d'esses canonicatos teriam onus de ensino, para o que seriam preferidos, necessariamente, doutores em theologia ou em direito. Esta medida tinha por fim fazer funccionar o seminario de Santarem.

O digno prelado da igreja lisbonense, o sr. cardeal patriarcha, Manuel Bento Rodrigues, fez-me essa proposta, sendo eu então ministro da justiça, em 1858. Conformei-me com as opiniões de sua eminencia, e foi lavrado o decreto de 21 de setembro d'esse anno, pelo qual se determinou que á medida que se fossem provendo as vacaturas que tivessem logar no quadro d'aquella sé, só haviam de ser providas seis cadeiras em doutores em theologia ou em direito, para poderem servir de professores no seminario de Santarem.

O sr. Mártens Ferrão, creio que não é suspeito á maioria da camara, que me succedeu no ministerio da justiça, no anno seguinte entendeu que essa medida era tão boa, que se devia estender a todas as dioceses do reino, e ordenou que em todos os cabidos de todas as dioceses do reino haveria quatro cadeiras canonicaes com onus de ensino, devendo ser providos ecclesiasticos com as habilitações analogas aos da diocese de Lisboa, para poderem desempenhar as funcções d'essas cadeiras. Mas com relação á sé de Lisboa seriam seis os conegos designados para aquelle fim, como tinha sido determinado por decreto do 1858.

Veiu depois um decreto do sr. José Luciano de Castro. Cito este nome, porque quero que o louvor vá a quem pertence. Nunca fui cioso da gloria alheia. Nós somos tão poucos, que todos que tiverem boa vontade de servir o paiz, têem logar largo e larguissimo para o fazer.

O sr. José Luciano de Castro determinou, n'um decreto que lhe faz muita honra, que do cofre da bulla se separariam 8:000$000 réis annuaes para serem applicados ás congruas dos conegos que tivessem o onus de ensino. Esta circumstancia é indispensavel para a demonstração que vou apresentar.

É preciso notar-se que o sr. Barjona de Freitas (parece-me que tambem não é suspeito para os illustres deputados); e os illustres deputados, quando votarem a moção do seu novo chefe, o sr. José Dias Ferreira... (Apoiados — Riso — Sussurro.)

Eu creio que não faço injuria a ninguem. O sr. José Dias Ferreira foi escolhido para se pôr á frente d'este debate, levantando a bandeira; é por conseguinte o chefe dos illustres deputados e da futura situação.

Vozes: — Não é.

O Orador: — Isso é com os illustres deputados, e o sr. José Dias Ferreira que agradeça a boa vontade dos seus alliados; mas para mim e para todos os que respeitam as indicações parlamentares, n'esta questão o chefe, o senhor da situação futura, é o sr. José Dias Ferreira.

Portanto, se approvarem sem correctivo a moção mandada para a mesa pelo sr. José Dias Ferreira, moção que tem para interpretação as considerações que s. ex.ª aqui fez, votem uma bella censura á maioria e aos seus homens mais distinctos. (Apoiados.) Mas, repito, isto é com os illustres deputados, com isto não tenho eu nada.

O sr. Barjona de Freitas, em uma circular que dirigiu aos prelados, dizia expressamente isto:

«Pelos decretos de 12 de novembro de 1869 é defesa a nomeação e apresentação de prelados em varias dioceses, em algumas das quaes ao mesmo tempo ficam subsistindo cabidos e seminarios, e os beneficios que vagarem nos quadros capitulares não podem ser providos, ainda quando a vacatura tenha logar nos cabidos das dioceses que pelos mesmos decretos não deviam ser supprimidos. Esta situação inspirada pelos motivos expendidos nos relatorios que precederam aquellas disposições é verdadeiramente insustentavel. (Reparem bem os illustres deputados.) É verdadeiramente insustentavel, diz o sr. Barjona de Freitas, que é por consequencia a primeira pessoa, com cujo apoio hei de contar na questão que me está occupando. (Vozes: — Muito bem.) Insustentavel, diz elle, contradictoria e prejudicial aos legitimos interesses do estado e da igreja lusitana.»

S. ex.ª mostrou, como era de esperar, a sinceridade d'esta declaração, vindo apresentar á camara a proposta que foi convertida na lei de 20 de abril de 1876, a respeito da qual tanto o sr. José Dias Ferreira, como o sr. Lopo Vaz, apresentaram considerações que eu não posso deixar de repellir com todas as minhas forças, apesar de já o terem sido tambem pelo sr. Pinheiro Chagas; mas o sr. Lopo Vaz apesar d'isso não se fez cargo das considerações apresentadas por aquelle illustre deputado, e repetiu o que tinha dito o sr. José Dias Ferreira.

Aqui está o que diz a lei:

«Emquanto se não realisar a reducção das dioceses e a fixação dos quadros capitulares, não serão providos os be-

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neficios vagos, exceptuados aquelles que, precedendo representação dos prelados, se julguem precisos para a decente sustentação do culto, necessidades do ensino nos seminarios ou nos governos das respectivas dioceses.»

O sr. José Dias Ferreira disse, que isto era uma auctorisação de que o governo podia usar ou deixar de usar, conforme quizesse, e o sr. Lopo Vaz disse o mesmo.

Perdoem-me s. ex.ªs, disseram um gravissimo erro. (Apoiados.)

Em hermeneutica juridica este artigo é perceptivo. Se em logar do artigo ser redigido assim, fosse redigido da fórma que vou ler, que é o mesmo, queria perguntar-lhes se era ou não perceptiva esta disposição.

Uma voz: — Não é.

O Orador: — Pois é, sim, senhor. Tenha a bondade de ouvir-me, e convencer-se-ha. (Interrupções.)

Olhem que não ganham nada com o interromper-me, pelo contrario fazem me sempre um grandíssimo favor. Façam de conta que o decreto estava redigido assim:

«Emquanto se não realisar a reducção das dioceses e fixação dos quadros capitulares serão providos os logares que, precedendo representação dos prelados, se julgarem precisos para a decente sustentação do culto, necessidades de ensino nos seminários ou do governo nas respectivas dioceses.»...

Será perceptivo isto? (Apoiados.) Pois é o que está aqui na lei; a linguagem é outra, mas o resultado é o mesmo; e eu vou ler o artigo outra vez.

(Leu.)

Isto é um negocio serio, e não se illudam os jovens deputados que me ouvem. Este negocio é mais serio do que se julga, porque eu hei de, no decurso d'esta argumentação, mostrar que os illustres deputados, nas considerações que fizeram, sem o querer, estiveram dando força ao programma da internacional, d'essa associação nefasta... (Riso.)

Os illustres deputados não se riam, e quem me ouvir não ha de ter direito de rir. Repito, estiveram sustentando aqui os principios da internacional, d'essa associação nefasta que declarou guerra a tudo o que existe — guerra a Deus, guerra á propriedade, guerra á familia. Foram estes principios que estiveram a sustentar, sem quererem; foram estes os principios que sustentou o cavalheiro que levantou a bandeira da opposição a este ministerio.

Hei de levar esta demonstração á ultima evidencia, e podem ter a certeza d'isso.

Volto ao artigo.

(Leu.)

(Vários srs. deputados pediram a palavra.)

O illustre deputado, que rompeu o debate, disse que o eminentissimo patriarcha de Lisboa era mais liberal do que o ministerio; e repetiu esta phrase muitas vezes.

Não serei eu, sr. presidente, quem negue a sua eminencia a qualidade de homem liberal: é a consciencia de ser sua eminencia verdadeiro christão; porque á doutrina christã está vinculada a unica liberdade pratica. Portanto não havia de ser eu quem negasse esta qualidade ao meu prelado, que eu muito respeito.

O illustre deputado, o sr. Dias Ferreira, citou a representação de sua eminencia.

Eu tambem tenho essa representação, que prova exactamente o contrario do que diz o illustre deputado.

Diz sua eminencia:

(Leu.)

«Il.mo e ex.mo sr. — Em virtude da carta de lei de 20 de abril de 1876, artigo 2.°, § 2.°, tenho a honra de lembrar a v. ex.ª a conveniencia do provimento de alguns canonicatos vagos na sé patriarchal, para o ensino no seminario de Santarem, bem como a urgencia inquestionavel de serem tambem providos alguns dos outros logares vagos no quadro d'esta sé, para o serviço coral da mesma.

«Na verdade, sendo certo que no seminario já referido ha sómente quatro conegos com onus de ensino theologico, estando um d'elles, o conego Augusto Henriques, ultimamente impossibilitado de reger cadeira, e sem obrigação de continuar, porque completou o serviço, não serei importuno em pedir mais quatro conegos com onus de ensino, a fim de se completar o numero dos seis conegos professores, na conformidade do decreto de 21 de setembro de 1858.

Sua eminencia interpretou, pois, a lei de 20 de abril da mesma maneira que eu a estou interpretando.

Não quereria o sr. patriarcha o provimento d'estes canonicatos, cuja urgencia tanto recommenda?

Mas ha ainda n'essa representação uma phrase que vou tambem ler:

(Leu.)

«Salvo se o thesouro soffre com esta medida, ou algum outro inconveniente, que não discuto, a ella se oppõe.»

Esta phrase é que serviu de fundamento á argumentação do illustre deputado.

O eminentissimo prelado de Lisboa não queria, segundo o illustre deputado, a nomeação dos conegos que pedia, porque dizia «salvo se o thesouro não pôde».

Vergonha para nós, sr. presidente, se por uma despeza insignificante que é a que vem a resultar do provimento d'estes canonicatos, parassemos diante da obrigação imperiosa de os prover, que nos impoz a lei. (Apoiados.)

Prometto a v. ex.ª e á camara não dissimular cousa alguma.

Foram providos quatro canonicatos na diocese do Porto, a pedido do respectivo prelado, todos com onus de ensino; foram providos mais quatro na diocese de Lamego, a pedido tambem do respectivo prelado, com onus de ensino; estão a concurso seis na sé de Lisboa, dos quaes quatro com onus de ensino; e outros seis tambem a concurso na sé de Evora, sendo tres com onus de ensino.

São, pois, vinte canonicatos preenchidos, ou a preencher, dos quaes quinze têem o onus de ensino.

Pergunto, e o thesouro paga toda esta despeza?

Não; porque as congruas dos conegos, que têem o onus de ensino, saem do cofre da bulla.

Restam, pois, só cinco canonicatos a attender.

Mas d'estes pertencem tres á diocese de Evora.

Ignora por acaso o illustre deputado, que a despeza do cabido de Evora sáe dos seus proprios, e não pésa por conseguinte sobre o thesouro?

Restam por consequencia dos vinte canonicatos providos, ou a prover, só dois, cujas congruas serão pagas pelo thesouro. Estes dois canonicatos pertencem á diocese de Lisboa, os quaes não tem onus de ensino; mas ainda assim essas duas conesias podem ser providas em conegos de outras dioceses, que concorrerem, os quaes têem de côngrua 400$000 réis cada um.

Esta grande economia, com que se quer organisar a fazenda publica, limita-se, pois, a não prover de professores os seminarios, onde o clero catholico recebe a instrucção, que é necessaria para um paiz catholico. Qual era o governo que havia de recuar diante da nomeação de 15 conegos, que eram ao mesmo tempo professores dos seminarios, e nada custavam ao thesouro?

O illustre deputado, o sr. Dias Ferreira, disse que preferia menos pontificaes e mais economia; deveria dizer com mais exactidão: menos professores e mais economias. N'este caso, sr. presidente, poder-se-ia fazer uma mais rasgada economia supprimindo todos os professores. Se não ha necessidade que o clero seja illustrado, tambem a não ha que o povo o seja. Vejam as consequencias do principio luminoso, vastissimo, que estabeleceu o illustre deputado. Estabelecido elle está salva a fazenda publica.

Sr. presidente, o illustre deputado, lente da universidade do Coimbra, ministro que foi dos negocios ecclesiasticos, sem querer fez uma profissão de obscurantismo.

Foi accusar até a creação da cadeira do sãoskrito, que eu

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julgava que honrava o ministro que tinha tomado a responsabilidade de a crear. Mas o governo não devia crear a cadeira de sãoskrito por causa da despeza! Pois eu vou mostrar que no que se fez, em logar de haver despeza, houve pelo contrario rigorosa economia.

Eu podia fazer largas considerações para provar qual é o interesse que resulta á civilisação, e ao nosso bom nome como nação civilisada, do estabelecimento de uma aula de sãoskrito; mas tenho um documento á mão, que é assignado pelo sr. Corvo, que me parece que tambem não é suspeito á maioria, e n'esse documento, que faz muita honra áquella illustrado cavalheiro, diz-se tudo quanto, eu podia dizer, e muito melhor do que eu poderia fazer. É a portaria de 16 de março de 1875, assignada por s. ex.ª como ministro dos negocios estrangeiros.

Eu vou ler essa portaria, porque desejo que ella venha inserta no meu discurso, para que todo o mundo que ler o Diario d'esta camara tenha conhecimento d'ella.

Leu, e é a seguinte.

Portaria

Manda Sua Magestade El-Rei, pela secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, communicar para os devidos effeitos ao conselheiro, Emilio Achilles Monteverde, secretario geral do mesmo ministerio que:

Considerando quão extraordinario e fertil tem sido para o conhecimento das origens historicas dos povos da Europa e da parte principal da Asia, o estudo da lingua vedica e do sãoskrito;

Considerando que estas linguas são a chave dos problemas mais reconditos da philologia, o melhor guia do que o grego e o latim para o conhecimento da estructura, connexão historica e correlação das linguas de toda a familia aryana, ou indo-europea, a que pertence a portugueza; e que o sãoskrito é ainda hoje a lingua dos homens mais considerados entre os indios, e a das leis, instituições e litteratura d'estes, e o fio conductor para chegarmos ao conhecimento da sua condição social e moral;

Considerando que o grande progresso das colonias inglezas no Indostão é devido em grande parte ao conhecimento da origem historica do povo da India, á verdadeira comprehensão, obtida pelo estudo do sãoskrito, da sua religião e instituições; e que as colonias portuguezas d'aquella peninsula carecem de ser administradas segundo tal conhecimento;

Considerando que nenhum paiz póde ficar estranho ao movimento extraordinario que estes estudos philologico-orientaes têem dado a todos os ramos da sciencia historica;

Considerando que Portugal, não só pelo seu interesse colonial, mas tambem pelo internacional, e ainda pelo do seu progresso na instrucção publica, carece de entrar n'esta ordem de estudos;

Considerando que se Portugal não póde fundar já estabelecimentos scientificos a exemplo da Allemanha, da Inglaterra, da França, dos Estados-Unidos da America, etc. creados para o desenvolvimento das modernas descobertas no campo da historia pre-historica, da glotica, ou sciencia da linguagem, da mythologia comparativa, da ethmologia, deve, porém, supprir, a exemplo da Italia, estas necessidades da civilisação actual subsidiando em paiz estrangeiro os individuos que mais vocação mostrem por estas disciplinas, para depois virem fomentar estudos sobre que assenta a renovação intellectual e o verdadeiro conhecimento das reformas litterarias, e o das administrativas das colonias do ultramar:

Ha por bem ordenar que o bacharel em mathematica, Guilherme Augusto de Vasconcellos Abreu, passe a seguir na Allemanha, em França, e, se o julgar necessario, em Inglaterra os cursos de philologia oriental; devendo, terminada que seja a sua missão cientifica, dar conta d'ella em um relatorio ao governo, indicando a organisação d'esses estudos, e as vantagens praticas e immediatas que resultam

do seu conhecimento para a organisação scientifica em Portugal e de administração colonial.

Paço, em 16 de março de 1875. = João de Andrade Corvo.

Sr. presidente, podem os illustres deputados desenvolver toda a sua opposição contra o sr. Corvo: eu declaro que tomo toda a responsabilidade d'esta portaria. O sr. Corvo não carece do meu tenue auxilio; mas é um acto de consciencia que pratico, porque é verdade que fui eu que pedi ao sr. Corvo que tomasse esta resolução, que s. ex.ª comprehendeu na sua vastissima intelligencia, porque, sem fazer injuria a ninguem, é um dos homens do mais vasta instrucção que ha no paiz. (Muitos apoiados.)

Quer a camara saber o que deu origem a essa portaria, para poder avaliar o crime por mim praticado contra as regras de economia do programma do governo? Eu lh'o vou dizer.

O sr. Guilherme Augusto de Vasconcellos Abreu, bacharel em mathematica, procurou-me um dia, e disse-me, que tendo feito muitos estudos sobre a lingua o litteratura sãoskrita, vedica e classica, desejava ir aperfeiçoar-se n'esses estudos fóra de Portugal, mediante um tenue subsidio para vir estabelecer em Portugal uma cadeira em que as podesse professar; mas que se não dirigia para esse fim a nenhum dos srs. ministros, porque não tinha relações com s. ex.ªs

Respondi-lhe que eu fallaria ao sr. ministro dos negocios do ultramar, que era ao mesmo tempo ministro dos negocios estrangeiros, e que estava certo que o sr. Vasconcellos Abreu encontraria no nobre ministro todo o apoio de que carecia para conseguir o seu fim.

O nobre ministro, que era então o sr. João do Andrade Corvo, prestou-se, como eu esperava, aos desejos d'aquelle cavalheiro, e perguntou-lhe do que subsidio carecia para ser encarregado d'aquella commissão. Respondeu-lhe elle, que apesar de não poder deixar de levar comsigo sua mulher e um filho de tenra idade, de cuja educação se occupava, se contentava apenas com 20 libras mensaes para as suas despezas.

Pergunto eu se haverá alguem que julgue exagerada essa subvenção. Não ha de certo. (Apoiados.)

O bacharel Vasconcellos Abreu tinha de ir a Inglaterra, á Allemanha, á França e á Italia, e pedia para isso o módico subsidio de 90$000 réis mensaes. O sr. Corvo, como disse, mandou immediatamente abonar-lh'o; porém mais tardo reconhecendo que aquelle subsidio era insuficiente, ordenou que se lhe dessem mais 8 libras, vindo por consequencia a receber durante a commissão 28 libras mensaes.

Sáe o sr. Corvo do ministerio, entro eu, e logo que aquelle bacharel tem conhecimento d'este facto em Florença, onde estava continuando os seus estudos, escreve-me dizendo o seguinte:

«Ainda poderia cá estar dois annos, e aperfeiçoar-me-ía mais nos meus estudos; mas entendo que já estou em estado de pagar a minha divida ao paiz, e se v. ex.ª assim o entender digne-se mandar abonar-me para despezas da viagem de Florença para Lisboa 900 francos. Não póde haver podido mais modesto.

Ordenei-lhe que partisse, e logo que chegou encarreguei-o de preparar o seu relatorio, e todos os trabalhos indispensaveis para poder abrir o curso.

Disse-lhe que a minha intenção era propor a creação de uma cadeira junto ao curso superior de letras, e dar-lhe um ordenado igual aos que têem os professores d'aquelle curso, isto é, 50$000 réis mensaes, ao que elle annuiu. Quer dizer: de 28 libras, ou 126$000 réis por mez, ficou reduzida esta despeza a 50$000 réis mensaes; e é este o acto que foi considerado aqui como um esbanjamento, sendo aliás uma economia. (Muitos apoiados.)

Mas ainda não é tudo. Approxima-se a epocha da abertura das aulas, o diz-me o sr. Vasconcellos:

«A cadeira não está creada legalmente; e se v. ex.ª

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espera pela abertura do parlamento, para depois ser approvada a competente proposta, não podemos começar o curso senão no mez de outubro do anno seguinte, emquanto que podiamos começal-o já. Custa-me perder-se um anno, entretanto v. ex.ª fará o que lhe parecer.»

Ora como elle não recebia, pelo facto de se abrir o curso, mais do que os 50$000 réis que estava recebendo, entendi que devia acceitar immediatamente a sua indicação, e tomei a responsabilidade de o encarregar provisoriamente da regencia da cadeira.

A proposta ahi está submettida ao exame do parlamento, e elle resolverá na sua alta sabedoria se o governo merece ou não um voto de censura no modo como procedeu. (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

Não é tudo. Não sei que jornal atacou asperamente o governo por este facto inaudito, escandaloso, de ter creado esta cadeira sem auctorisação parlamentar.

Sabendo isto o sr. Vasconcellos Abreu, procurou-me, e disse-me: «Renuncio o subsidio, e vou reger a cadeira de graça».

Nenhum dos illustres deputados aconselharia que se acceitasse este offerecimento a um homem pobre, com familia e fazendo um trabalho d'esta natureza! (Apoiados — Vozes: — Muito bem.) Aqui está o grande crime do estabelecimento da aula de sãoskrito.

Mas o sr. Lopo Vaz disse: «o governo creou a cadeira, mas o que não soube foi crear discipulos». Está muito mal informado, e não foi só mal informado n'isto, foi-o em muitas outras cousas; tenho pena, porque o illustre deputado é um moço de merecimento.

No dia em que foi aberta esta aula eu queria ir assistir a esta cerimonia; tinha prazer n'isso, porque estava convencido do que era uma demonstração de consideração que eu dava ao novo professor, que é um moço cheio de fé nos estudos de que se occupou, e continua a occupar-se, mas foi-me absolutamente impossivel.

Pedi ao director geral de instrucção publica, o sr. Amorim, que me fosse representar n'aquelle acto, e dissesse ali a rasão por que eu não compareci. O sr. Amorim assistiu á chamada dos estudantes matriculados, e responderam dezesete. Mais tarde foi este numero elevado a dezenove.

Foi, pois, mal informado o illustre deputado, e tinha um meio excellente de se convencer de que o tinham informado mal, que era ir frequentar esse curso (riso); vá lá o illustre deputado, e verá se ha discipulos ou não; e digo mais, homens de situação elevada lá estão admirando a capacidade d'aquelle moço, a sua vasta intelligencia, a maneira por que comprehende um ramo a respeito do qual não ha em Portugal, por ora, quem lhe podesse servir de guia.

Tambem se disse «proveu-se uma cadeira sem concurso». Ora pergunto eu - com quem se havia de fazer o concurso? (Apoiados.)

Quem estava aqui habilitado para examinar em sãoskrito um professor que foi estudar lá fóra, por isso mesmo que não tinha no paiz quem o ensinasse? (Apoiados. — É verdade.) E isto não foi dito pelo illustre deputado; eu não quero aggravar a sua situação; foi dito lá fóra.

Portanto, os grandes crimes d'este ministerio foram duas grandes homenagens que elle prestou á illustração e á civilisação d'este paiz. (Apoiados.)

Portugal seria a unica nação da Europa onde não haveria esta aula; isso seria apontado em todos os jornaes litterarios e seria uma grande vergonha para nós. (Apoiados.) Salvei-o d'essa vergonha; venham embora os votos de censura por este acto que pratiquei. (Apoiados. — Muito bem.) Não quero dizer que levarei commigo, por camaradagem, o sr. Corvo; porque, repito, tomo sobre mim toda a responsabilidade do acto, e reservo para o sr. Corvo a gloria de ter, pela sua iniciativa rasgada e illustrada, comprehendido a conveniencia de estabelecer estes estudos em Portugal.

Eu soltei uma phrase severa, que não tem outra attenuante que não seja a convicção em que estava de que o illustre deputado que sustentou as doutrinas a que eu appliquei essa phrase, pensando melhor, ha de comprehender que se lançou n'um mau caminho. O illustre deputado disse que «o sr. patriarcha era mais liberal do que o ministerio, porque não exigia a nomeação dos conegos professores». Já provei que isto não é exacto, mas quando o fosse equivalia isto a dizer que a liberdade consiste no obscurantismo, porque consiste em não querer professores para os seminarios diocesanos. A este respeito acrescentei eu que era melhor suprimir todas as escolas; disse mais — disse que era o programma da internacional, e repito-o.

(Interrupção do sr. Manuel d'Assumpção.)

O illustre deputado tem a palavra, e ha de provar que a internacional é uma bella instituição. Não prova decerto, nem o illustre deputado tem taes idéas: faço-lhe essa justiça. Repito, que é o programma da internacional. Não se illudam; a internacional está fazendo progressos mais rapidos do que os illustres deputados entendem. O socialismo, está levantando o collo em toda a parte.

Vozes: — É melhor a reacção.

O Orador: — O que é a reacção?

O sr. Marçal Pacheco: — É uma figura de rhetorica.

O Orador: — Será a reacção a nomeação dos conegos professores? E não querem que eu seja severo expressando o meu pensamento! Pois reacção é nomear professores para os seminarios, para podermos ter um clero illustrado digno da sua missão?

Vozes: — Não é.

O Orador: — A internacional, que declarou guerra a Deus, á propriedade, á familia, é a unica que lucra com a existencia de um clero ignorante, como parecem querer os illustres deputados.

Já que se fallou tanto aqui de politica clerical, perguntarei quem é que fez aqui politica clerical?

Quando tratar da questão dos enterramentos civis, hei de provar que fui eu que me colloquei á frente das medidas para evitar esse escandalo inaudito que se estava praticando n'este paiz, ás faces de um governo catholico; escandalo, a respeito do qual senti que o illustre deputado viesse declarar que lhe soffriam os nervos quando via que havia um ministro que praticava o acto inaudito de querer que um catholico fosse enterrado como catholico, que uma creança baptisada fosse enterrada como catholica. O nobre deputado soffreu com este acto escandaloso que eu pratiquei; mas ha de soffrer mais ainda quando vir que eu me glorio d'esse acto, que é todo meu, e para o qual não fui arrastado por nenhuma influencia clerical, como se pretendeu inculcar.

Repito: esse acto é todo meu, não fui arrastado pelo clero para o praticar.

O clero veiu ajudar-me e esclarecer-me. Fui eu que lho pedi auxilio, para poder pôr termo aos actos criminosos que se estavam praticando com os cadaveres dos catholicos n'um paiz catholico.

Appellei para o clero, e tive a fortuna de o encontrar a meu lado com a maior dedicação e desinteresse, como é proprio da missão divina que lhe foi confiada.

Aqui vem outra vez a internacional; e vem porque? Porque me é forçoso fallar da associação do registo civil, porque a internacional é como Protheu, que se revestia de diversas formas.

A associação do registo civil é uma succursal da internacional. (Sussurro.)

Vozes: — Ouçam, ouçam.

O Orador: — Eu disse a associação do registo civil. Tenho aqui os seus estatutos, que provam que essa associação é uma associação de atheus, é uma agencia do enterros por dinheiro, e que do que se occupa menos é do registo civil.

O registo civil!... O registo civil queremol-o nós todos; está nas leis.

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E, se não está realisado ainda, pergunte o nobre deputado as rasões ao ministerio que durou cinco annos e meio (Apoiados), e não o levou a effeito.

Pois queria o nobre deputado que este ministerio em dez mezes de existencia fizesse o que não foi feito em cinco annos e meio?! (Apoiados.)

Era muito querer! (Apoiados.)

Repito: não confundo o registo civil com a chamada associação do registo civil.

Quero o registo civil. Direi mais ainda, que eu fui o primeiro magistrado n'este paiz que cumpriu o registo civil. E eu era provedor, ou antes administrador do concelho da Horta em 1832, quando foi creado o registo civil pela lei de 16 de maio de 1832, e dei execução n'esta parte a essa lei.

Não tenho, portanto, odio ao registo civil; mas a associação do registo civil é outra cousa; é, como disse, uma associação do atheus, é uma agencia de enterros por dinheiro. Posso proval-o aqui com os estatutos na mão. É uma succursal, repito, da internacional.

Querem ver os meios que tem empregado esta benemerita, esta piedosa associação, para fazer propaganda! Eu vou dizel-o ao illustre deputado.

Entre muitos factos citarei o seguinte:

Na sexta feira santa de 1876...

(Havia algum sussurro na sala).

Peço aos srs. deputados que me façam a honra de me ouvir.

Não posso levantar a voz, porque estou tão cansado, que duvido mesmo de que possa levar a cabo a tarefa de dizer á camara o que desejava a respeito das accusações que nos foram feitas.

Na sexta feira santa de 1876, em uma das freguezias d'esta capital, uma mulher, achando-se gravemente doente, mandou chamar o parocho.

O parocho foi, e, confessando-a, ficou tão edificado com a confissão que ella lhe fez, que perguntou logo quando queria receber os sacramentos.

Hoje, respondeu ella, é um dia muito occupado para o sr. prior; eu mandarei dizer quando desejo receber os sacramentos.

Mas a pobre mulher reconheceu que os seus dias estavam acabados, e mandou pedir os sacramentos logo no sabbado de alleluia.

O parocho, querendo dar a esta mulher uma prova de consideração, acabada a ceremonia da igreja, a festa da alleluia, foi processionalmente, com toda a irmandade e pessoas que assistiam á festa, levar-lhe os sacramentos.

Quando acabou, e depois de a ter ungido, ella disse diante de todas as pessoas que poderam entrar na sua humilde casa: «muito obrigada, sr. prior; é a maior consolação que tenho tido na minha vida, e agora posso morrer descansada.»

E o que fez a tal agencia de enterros civis? Metteu-se-lhe em casa, e logo que ella falleceu seduziu um homem que vivia em companhia d'ella, e enterrou-a civilmente, com escandalo de todos os que sabiam que esta mulher tinha morrido no seio da igreja!

Eu não me podia oppor a este escandalo, não estava então no ministerio, e creio que o honrado ministro que me precedeu na pasta do reino, se o tivesse sabido, tambem o tinha evitado.

Os esforços d'esta gente eram fazer propaganda com cadaveres de catholicos que arvoravam em livres pensadores depois de mortos.

Fallou-se aqui no poder da familia. Qual poder? Pois o illustre deputado, que é jurisconsulto, não sabe que a familia não tinha poder para se oppor a que se cumprisse a ultima vontade d'esta mulher, que era ser enterrada como catholica, sepultada no cemiterio consagrado pela igreja? Pois não diz o codigo civil, no artigo 170.° (pejo-me de estar a citar artigos do codigo a um eminente jurisconsulto):

«O poder paterno acaba com a morte de pae ou do filho?» Depois da morte do filho, o pae não tem poder no cadaver, não póde pegar n'elle e mandar deital-o ao Tejo.

Fallou-se n'uma questão de tribunaes, que não tem applicação alguma a este caso. Ambos os litigantes eram catholicos: do que se tratava era de saber em qual dos jazigos catholicos havia repousar o cadaver.

Podia citar muitos artigos do codigo civil, que demonstram que o poder paterno tem limites.

Tomei providencias para pôr termo a estes escandalos que me horrorisavam, mas não horrorisam o illustre deputado. Ao illustre deputado só horrorisam as providencias que eu adoptei para se sepultarem cadaveres de creanças baptisadas, mas menores de 7 annos.

Eu podia ler muitos documentos, que poriam patente a boa fé, o desinteresse dos propagadores dos enterros civis, mas estou muito fatigado agora. Só direi ainda, que sei d'isto alguma cousa. Sei, porque em 1846 fui mandado pelo governo á ilha da Madeira, onde havia tambem um propagandista philanthropo, que curava de graça, mas recebia largos subsidios de uma igreja protestante ingleza. Pagavam-lhe para adquirir adhesões á sua doutrina contra o catholicismo. No ministerio do reino existem os documentos, e eu estou fallando diante de cavalheiros que sabem que isto é a pura verdade.

O juramento que todos aqui prestâmos, que eu prestei, impõe-nos outros deveres. O que diz esse juramento? «Juro ser inviolavelmente fiel á religião catholica apostolica romana».

Como se comprehende a fidelidade á religião catholica apostolica romana, é approvando actos d'esta natureza, que tem por fim unicamente fazer propaganda contra essa religião?

A liberdade! Qual liberdade?! Quem é que quer a liberdade n'este caso? São os que me combatem, ou sou eu que estabeleci na minha portaria liberdade para todos: quem quer ser enterrado como livre pensador, seja-o, muito embora; mas deixem-nos a nós, que somos catholicos, a mesma liberdade. Não comprem cadaveres de catholicos para fazer propaganda contra a religião de nossos paes, a religião do paiz, a nossa religião.

Que fez a minha portaria? Estabeleceu, como disse, a liberdade para todos (Muitos apoiados.); e glorio-me d'isso.

Vou dizer ainda duas palavras com relação á questão financeira, porque não quero que o illustre deputado, o sr. Lopo Vaz, julgue que estive a fugir d'essa questão para me occupar das outras.

«Este governo, disse o illustre deputado, não tem auctoridade para resolver a questão de fazenda!»

E entre varios capitulos de accusação, a que parece ter feito na camara maior impressão foi a de que este governo tinha ido hypothecar obrigações do caminho de ferro que não estavam creadas, mas o illustre deputado occultou que estas obrigações estavam auctorisadas!

Pergunto: onde está o crime?

O governo estava auctorisado a crear essas obrigações. (Apoiados.)

O governo tinha feito adiantamentos consideraveis ao ministerio das obras publicas para os caminhos de ferro do Douro e Minho, carecia continuar esses adiantamentos; e que fez? Creou scrips em Londres que representavam essas obrigações, levantou dinheiro sobre elles, e antes das obrigações estarem creadas já os tinha resgatado. Onde está aqui a illegalidade? Confesso que não comprehendo.

Se o illustre deputado viesse dizer: hypothecaram-se obrigações que não estavam auctorisadas, de accordo, mas obrigações que estavam auctorisadas por lei, mas que ainda não estavam creadas, não comprehendo. (Apoiados.) Onde está aqui o crime?

Aqui estão as portarias.

(Leu.)

«Achando-se o governo auctorisado, pela carta de lei de

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7 de abril de 1877, publicada no Diario do governo n.º 83, a levantar até á quantia de 3.271:043$229 réis para o resto das despezas com a conclusão das obras de construcção dos caminhos de ferro do Minho e Douro, e convindo dispor provisoriamente de scrips que representem as obrigações a crear com o juro annual de 6 por cento para collocação da referida somma: manda Sua Magestade El-Rei, pela direcção geral da thesouraria do ministerio da fazenda, que por conta da mesma somma se proceda á emissão de 6 scrips no total de 267:000 libras ou 1.201:500$000 réis, sendo um de 125:000 libras, um de 50:000 libras, tres de 20:000 e um de 32:000 libras, que serão amortisados logo que sejam creadas as obrigações correspondentes.

«Paço, 11 de maio de 1877. = Carlos Bento da Silva.»

«Em additamento ás instrucções expedidas em portaria de 11 do corrente, determina Sua Magestade El-Rei, pela thesouraria geral do ministerio da fazenda, que, com fundamento na carta de lei de 7 de abril ultimo, se proceda á emissão de 6 scrips, no total do 240:000 libras, representando obrigações de 6 por cento da 5.ª serie do emprestimo para os caminhos do ferro do Minho e Douro, cuja creação foi auctorisada pela referida lei, sendo um de 60:000, dois de 32:000 libras, um de 58:000 libras, um de 6:000 libras, e um de 52:000 libras, a fim de servirem de caução a supprimentos contratados em Londres, devendo ser amortisados logo que forem creadas as obrigações correspondentes.

«Paço, 14 de maio de 1877. = Carlos Bento da Silva.»

Ora aqui estão as portarias por virtude das quaes o governo creou os titulos que empenhou, e note-se que não quero com isto fazer injuria a ninguem; o que noto simplesmente é que o illustre deputado, sem se dar ao incommodo de pedir ao governo estes documentos, os tenha na sua mão.

O sr. Lopo Vaz: — Estão na secretaria d'esta camara.

O Orador: — Então retiro o que disse.

(Interrupção do sr. Lopo Vaz que não se percebeu.)

Aqui estão as taes portarias.

Aqui está o acto criminoso que praticámos!

Pois este acto, repito, teve pior fim indemnisar o thesouro das sommas que se tinham adiantado para os trabalhos dos caminhos de ferro do Douro o Minho.

O sr. Filippe de Carvalho: — Isso não se publicou no Diario do governo.

O Orador: — Peço ao illustre deputado que tenha a bondade de prestar attenção.

(Leu.)

O sr. Filippe de Carvalho: — Isso é a carta de lei, não é a portaria.

O Orador: — Para que queria o illustre deputado a portaria?

O sr. Filippe de Carvalho: — Para saber a operação.

O sr. Presidente: — Peço aos srs. deputados que não interrompam o orador.

O Orador: — O enthusiasmo do illustre deputado é tanto mais notavel quanto é o desejo de conhecer a operação. A operação foi empenhar, como o foram, os titulos.

O sr. Filippe de Carvalho: — Mas a operação fez-se occultamente.

O Orador: — Como se fazem occultamente todos os levantamentos em Inglaterra sobre cauções.

São d'estes argumentos que se apresentam, e que é preciso estar costumado a elles.

Ora aqui está o primeiro ataque do illustre deputado!!

O segundo ataque é as despezas não auctorisadas!

Perguntarei ao illustre deputado, que culpa tem este ministerio de que no orçamento de 1876-1877 se votassem só os meios precisos para 18:000 praças de pret, e quando este ministerio entrou em exercicio houvesse cerca de 23:000 praças! A lei foi feita, portanto, com relação a 18:000 homens, mas havia 22:785, e mais; porque isso já era tendo sido deduzidas muitas praças de pret.

Queria o illustre deputado que se não pagasse a estas praças que estavam no serviço?

Que culpa tem este governo de que o orçamento fosse mal calculado nesta parte?

O mesmo posso responder ao illustre deputado com relação a muitas outras despezas nos outros ministerios, e tudo isso está explicado no orçamento rectificado.

Tenho pena de que o sr. Filippe de Carvalho se retirasse, e não quizesse tambem ouvir ler este documento.

(Leu.)

Ora, sr. presidente, eu convido o illustre deputado, que fez estas observações, a examinar estes documentos.

Se, depois do os examinar, ainda entender que este governo commetteu o crime de esbanjamento da fazenda publica, pagando despezas que não estavam descriptas no orçamento, mas que se estavam fazendo o que não podiam deixar de se continuar a fazer, se achar isso, eu espero que ainda, hei de ter occasião de lhe responder; mas emfim terá uma base para o seu exame, em logar de pegar simplesmente na ultima lei e dizer: o governo gastou mais tanto, e excedeu, portanto, a auctorisação.

Excedeu, é verdade. É o proprio governo que o vem declarar.

E por esta occasião respondo á observação que fez o illustre deputado, que abriu este debate, de que o governo tinha commettido o grande escandalo de abrir um credito extraordinario nas vesperas da abertura do parlamento.

Esse credito foi para se continuarem as obras da fortificação de Lisboa.

Note a camara bem isto.

O illustre deputado julgou que devia censurar o governo, porque no discurso da corôa se não fallou no armamento do paiz nem nas obras de fortificação da capital, facto que expliquei já; e agora vem censurar o governo por se ter habilitado com um credito extraordinario para continuar essas obras de fortificação no mez de janeiro.

Porque fez o governo isto? Porque, tendo sido unicamente votadas as sommas precisas para taes obras até 31 de dezembro, o governo entendeu que não era possivel que o parlamento no mez de janeiro votasse logo, apenas se abrisse, a auctorisação para essa despeza.

Por consequencia, o governo abriu um credito extraordinario até 31 de janeiro, para continuarem, como continuaram até hoje e como hão de continuar até essa data, as obras de fortificação do Lisboa. Veiu trazer já aqui a proposta para que as côrtes approvem esse credito, e eu pergunto ao illustre deputado: onde está essa proposta? Ainda não ha parecer, e afigura-se-me que o governo ha de ver-se obrigado em 31 de janeiro a abrir outro credito extraordinario.

Que querem os illustres deputados? Querem que parem as obras, quando o governo toma a responsabilidade da medida que adoptou para que ellas continuem?

Aqui está o grande crime da abertura do credito extraordinario.

Agora as commissões. Eu não quero que me escape esta questão das commissões.

Este ministerio tem dado largas commissões!

Querem ver como o illustre deputado, que se referiu a este assumpto, comprehendo as commissões que tem dado o governo?

Ha, por exemplo, o contrato para o pagamento das classes inactivas.

As sommas adiantadas pelos bancos para pagamento das classes inactivas venciam de juro 7 por cento sem commissão, e vem o sr. Carlos Lento commetter o erro inaudito do reduzir o juro a 6 por cento dando uma commissão de meio por cento.

O illustre deputado viu a commissão e não viu o juro.

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Pois que, perguntarei eu ao illustre deputado, 6 1/2 por cento não são menos do que 7 por cento?

Pois este facto é que se póde apresentar como prova das grandes commissões? Pois 6 1/2 por cento não serão menos do que 7 por cento? E note-se, que esta commissão é paga uma só vez.

Pois 6 1/2 não serão menos de 7?

O sr. Lopo Vaz: — Eu apontei esse facto unicamente como um acto illegal, porque a lei de 1 de julho de 1877 apenas permittia o encargo dos juros; e o governo estipulou alem d'esse encargo uma commissão de 1/2 por cento.

O Orador: — Eu admiro como o illustre deputado queria fazer perder ao thesouro a vantagem de 1/2 por cento por não ser esta a interpretação que se devia dar á lei. Seria melhor dizer o encargo? D'esta fórma ficava o governo inhibido, quando podia fazer uma economia, que em logar do 1/2 fosse reduzir a 5 o juro, mediante uma commissão, de fazer uma operação vantajosa para o thesouro; e havia de atacar o governo dizendo — praticou um acto illegal. Santa illegalidade!

Eu acceito as censuras da camara por estes actos illegallissimos, e dos quaes resultam uma economia real para o thesouro. Aqui está a natureza das objecções, que demonstram que este ministerio é incapaz de resolver a questão de fazenda.

Vamos ao emprestimo. Que tem o illustre deputado que dizer quanto ao emprestimo? Não sabe que este emprestimo foi feito emittindo-se titulos a 50 por cento? Pois não valia a pena dar então alguma commissão modica para se effectuar a emissão d'este emprestimo, n'estas alturas em que nunca se fez emprestimo algum n'este paiz? Repito, não preciso para me defender vir censurar os actos do ministerio passado. Longe d'isso.

Disse o sr. Dias Ferreira que «eu estava sempre silencioso na camara dos pares, que só uma vez votei contra o governo».

Eu acceitei a presidencia da camara dos pares. Nunca a solicitei; tive muita difficuldade em a acceitar; mas quando a acceitei considerei que era um diploma de reforma. Limitei-me a dirigir os trabalhos como pude para pugnar constantemente pela dignidade d'aquella camara, e mais nada. O ministerio apresentava propostas e eu approvava-as; apresentou uma que não mereceu a minha approvação: não o disse á camara, não desci da mesa para a combater, lemitei-me a dar o meu voto no fim da sessão. Que mais queria o illustre deputado que fizesse? Acha que devia fazer o contrario d'isso, devia descer da cadeira para combater o governo? A minha missão não é derribar ministerios, porque não os quero substituir; guarde para si a gloria de derribar ministerios quem quizer. Eu não a quero para mim. Não me cega a ambição ao ponto de julgar, que nas horas de angustia que passâmos seja eu mais capaz que outro qualquer para resolver as difficuldades com que lutâmos. Façam-me justiça.

Não quero censurar acto nenhum do ministerio que me precedeu.

Dei-lhe sempre quanto pude um apoio sincero, como costumo dar aos ministerios que apoio, e são quasi todos, porque eu faço justiça ás difficuldades com que todos lutam; entendo que é grande crueldade que homens que vem occupar estas cadeiras, com grande sacrificio, ainda sejam obrigados a responder a arguições, como aquella de que se trata de 1/2 por cento, de reduzir encargos de 7 a 6 1/2 por cento, porque o meio por que se obteve, essa economia não era legal.

A verdade é que o sr. ministro da fazenda de então, homem que eu estimo, homem de grande intelligencia e de grandes recursos, que procurou gerir muito bem, como os seus collegas, a pasta que lhe estava confiada, o sr. Antonio de Serpa (Apoiados.), porque as circumstancias lh'o não permittiram, não pôde obter, como eu obtive, uma cotação tão elevada nos quatro milhões, parte do emprestimo dos 6 e 1/2 milhões. A operação mais consideravel que em Portugal se tinha feito foi a do chamado emprestimo nacional dos 38 mil contos: e o illustre deputado sabe, tão bem como eu, que o encargo d'esse emprestimo foi de 7,3 por cento.

O sr. Godinho: — Mas note v. ex.ª qual era a cotação dos fundos n'essa epocha, e qual é a actual.

O Orador: — Era 45,25, e o emprestimo foi feito a 43,25, e o governo actual tinha os fundos a 51,50, e nós fizemos a emissão a 50. Este parallelo tambem o illustre deputado o devia ter feito.

(Áparte.)

Mas apesar de tudo, e esta é a questão principal, o encargo para o thesouro foi de 6,23 por cento, em quanto que na outra operação o encargo foi de 7,3 por cento.

Custa-me estar a descer a estas minuciosidades; e o illustre deputado, que eu espero que não tardará a vir occupar esta cadeira como ministro da fazenda, se tiver de voltar depois para o seu logar de deputado, não ha de argumentar como argumentou na ultima sessão a este respeito.

Mas o illustre deputado esqueceu-se ainda de outra cousa. O ministerio não tinha credito, como disse o illustre deputado, mas nós reduzimos o juro da divida fluctuante a 5 por cento, a 4 1/2, e até a 4. Hoje está a 5. Demonstre-me o illustre deputado qual a epocha em que o juro da divida estivesse assim. Deste facto não fallou o illustre deputado. Trata só de atacar. Mais nada. Veja o illustre deputado se na epocha de maior florescencia do nosso credito, que eu não vejo, o desconto chegou a este preço! Pois o que então não se póde fazer, fizemol-o nós. (Apoiados.)

Tambem o illustre deputado não fallou na emissão da 5.ª serie de obrigações do caminho de ferro.

(Áparte.)

É isso! Se as cousas foram mal feitas, a culpa foi do governo: se foram bem feitas, não foi o governo. (Apoiados.) Já viram uma logica assim! Se a operação é bem feita, não é o governo; mas se é mal feita, é o governo!

Mas abre-se a subscripção para a emissão da 5.ª serie de obrigações, e quantas vezes é ella coberta? Setenta e cinco vezes!!

Pois não valia a pena apresentar este facto diante do parlamento para que o paiz visse, que ao mesmo tempo que se faziam amargas censuras a uma situação, tinha sido durante essa mesma situação que se tinha dado uma tal demonstração do credito e das forças vivas do paiz? Valia a pena, creio eu, citar este facto.

Eu convido o illustre deputado a apresentar um facto similhante occorrido em outra qualquer epocha.

Este debate promette ser largo. Estão inscriptos muitos srs. deputados; hoje mesmo já uns poucos me fizeram a honra de inscrever-se de novo; por consequencia hei de ter ainda occasião de fatigar a attenção da camara, por isso termino aqui dizendo, que até agora as accusações feitas a este ministerio não têem fundamento algum. (Apoiados.) Se os illustres deputados não têem outras de mais força do que estas, permittam que lhes diga, que o paiz não as póde considerar como fundamento para se provocar um conflicto entre a camara e o governo (Apoiados.), com todas as funestissimas consequencias que este conflicto poderá produzir. (Muitos apoiados.)

(O sr. ministro foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Julio de Vilhena: — (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado neste logar.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para quarta feira é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Representação

Senhores deputados da nação: — Os vencimentos que

Sessão de 21 de janeiro de 1878

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actualmente percebem os professores nomeados provisoriamente para a regencia das cadeiras vagas nos lyceus nacionaes, tornam tão precaria a sorte dos mesmos professores, que a mais rigorosa justiça reclama a adopção de uma medida qualquer legislativa, que melhoro a sua posição.

Regulados os vencimentos pelo § 4.° do artigo 97.º do regulamento dos lyceus de 31 de março de 1873, o professor, que rege uma só disciplina, só tem direito a metade do proprietario, na rasão do tempo que servir; mas, porque lhe não são contados os tres mezes de ferias, só vem a receber annualmente 131$250 réis, isto é, 360 réis por dia em todo o anno.

Acresce ter-se prolongado o estado de interinidade, ficando assim os professores em commissão ha muito tempo impossibilitados de fazerem concursos, a fim de obterem provimento difinitivo nas cadeiras que regem: acresce mais não terem garantia alguma, que lhes assegure a effectividade no magisterio.

Em presença do exposto, os abaixo assignados, professores em commissão no lyceu nacional de Braga, vem respeitosamente perante a assembléa nacional pedir que sejam considerados como proprietarios, a fim de lhes serem abonados por inteiro os vencimentos por lei abonados aos professores proprietarios.

Braga, 17 de janeiro de 1878. = Manuel Messias Mendes Fragoso = João Manuel Correia = Joaquim José Malheiro da Silva.

(Segue o reconhecimento.)

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