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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Castello Branco os papeis reclamados para o effeito do exame judicial, devendo ser devolvidos com toda a brevidade, e aguardar o resultado do exame e a remessa do corpo de delicto indirecto para se pronunciar sobre o parecer em discussão. — Manuel Pinheiro Chagas.
Apoiado o adiamento, ficou em discussão conjunctamente com o parecer.
O sr. Pedroso dos Santos: — Usando da palavra que v. ex.ª acaba de conceder-me, permitta-me v. ex.ª e a junta que eu faça para já uma declaração solemne e cathegorica.
Não estou agora preparado, nem creio que alguma vez me julgarei habilitado n'esta casa, para entrar em discussões acerbas, violentas e apaixonadas. Nem me permitte isso o meu temperamento, onde sinto extincto o fogo e os arrebatamentos da mocidade; nem eu posso de outra maneira significar melhor, não só o respeito que devo a mim mesmo, mas a alta consideração que sinto por v. ex.ª e por esta assembléa. E com discussões taes não lucra por certo o systema constitucional e representativo, a que todos vimos prestar homenagem. (Vozes: — Muito bem.)
Mas isso não quer dizer que eu tenha ou deva ter receio de, aqui, ou em qualquer parte, em campo aberto, com as armas do raciocinio e da rasão, é por um modo digno e decoroso, sustentar a lealdade e legitimidade dos meus proprios actos; sustentar e defender convictamente a pureza dos actos dos meus amigos, quer particulares, quer politicos. É este um dever sagrado para mim, e que eu folgo de poder desempenhar cabalmente. (Vozes: — Muito bem.)
Não quer tambem dizer que eu, se tenho paciencia e prudencia para ouvir, hei de deixar de ter a coragem de dizer, bem alto, todas as verdades que poder comprovar por factos e por documentos que eu possa exhibir.
Sr. presidente, a discussão corre esteril de provas para justificar as arguições que se têem apresentado contra a invalidade da minha eleição pelo circulo de Castello Branco.
S. ex.ª, o sr. conselheiro Dias Ferreira, é o primeiro que diz: «Eu não tenho provas das falsificações que arguo, mas tiro da ausencia d'essas provas a certeza de que taes falsificações se deram; e por isso, se peço o adiamento da discussão, como meio do me elucidar, voto pela rejeição do parecer se o adiamento não for acceite.»
E, todavia, a assembléa não póde determinar-se nem pela auctoridade, embora muito respeitavel, do sr. conselheiro Dias Ferreira, nem pelas impressões do apaixonado discurso do illustre orador que me precedeu.
Acima de tudo o que importa é o compulsar e examinar o processo eleitoral, e criticar as provas que d'elle constam o derivam. (Apoiados.)
E seja-me licito affirmar bem alto, que nem a logica nem a hermeneutica exigem que aquelle que é accusado de um crime deva exhibir as provas da sua innocencia. Quem affirma e quem accusa é quem tem obrigação rigorosa de provar. (Apoiados.)
Nem admiraria que o sr. Pinheiro Chagas, proclamando a sua incompetencia para tratar esta questão, sob o ponto de vista juridico, por não ser jurisconsulto, esquecesse aquella regra do hermeneutica, se ella não fosse tambem a expressão da logica e do bom senso, que de certo abunda em s. ex.ª a par de um espirito esclarecido e illustrado.
Sr. presidente, causou-me agradavel surpreza, confesso, ver n'este debate e na vanguarda dos combatentes o vulto respeitavel do meu antigo mestre, o sr. conselheiro Dias Ferreira, a quem tenho votado profunda e constante sympathia, consideração o admiração, apesar de distanciado de s. ex.ª na politica, e foi agradavel a minha surpreza, porque nós, os que vivemos nas provincias, encostados lá nas faldas da Serra da Estrella, pensavamos que os chefes de partido não desciam da região olympica da sua gravidade para virem occupar a tribuna n'estas questões de validação de diplomas, e reservavam a sua intervenção para quando se ferem nos parlamentos as batalhas decisivas de que depende a vida ou a morte dos governos, ou para esclarecerem com o seu alto entendimento as questões em que se ventilam os problemas mais vitaes da administração e da politica. (Vozes: — Muito bem.)
E de mais, sr. presidente, um partido que tem nas suas fileiras contendores tão valentes como o sr. visconde do Moreira de Rey, e o sr. Pinheiro Chagas, escusava muito bem de mandar á estacada, n'esta questão, o seu chefe. Todavia é para mim uma honra, que tenho em muito apreço e que muito agradeço a s. ex.ª
Folguei, ainda e muito, com a declaração de s. ex.ª, de que não era um sentimento do inimisade ou menos digno, ou menos nobre, que o impellia a tomar parte n'este debate. E folguei com essa declaração, porque em vista d'ella não haverá praguentos ou malevolos a quem seja licito affirmar que no coração de s. ex.ª se abrigam sentimentos ruins e mesquinhos, antes devemos acreditar que s. ex.ª procedeu d'esta vez, como sempre, determinado por um motivo honroso, que eu respeito e acato, e traduzo-o pela necessidade que s. ex.ª tinha de affirmar umas certas ligações e allianças de que lhe resulta, por agora, a dilatação dos seus dominios nos mappas geographicos da politica militante.
Está ainda mais authenticamente sellado o pacto feito entre o sr. Dias Ferreira, como chefe de um partido, e os seus novissimos amigos no districto de Castello Branco. (Vozes: — Muito bem.)
Sr. presidente, permitta-me o sr. Pinheiro Chagas que eu lhe diga muito á puridade, que se s. ex.ª allegou a sua incompetencia para tratar esta questão sob o aspecto juridico, o unico por que ella póde e deve ser tratada e encarada, eu me dispenso de responder á maior parte do seu discurso, onde a louçania e primor de estylo não póde substituir a falta de argumentos e de rasões de decidir na censura das leis.
N'esta questão não se está á mercê dos recursos da imaginação de um poeta ou dos devaneios de um folhetinista. É antes indispensavel que, compulsando o processo, se desentranhe a prova, que n'elle se contém, que se analysem os documentos, e que se tirem os corollarios juridicos d'esse exame e da discussão que possa provocar. (Apoiados.)
Permitta-me ainda s. ex.ª, que eu deixe na penumbra o nome de s. ex.ª para lhe responder mais tarde, e considere na primeira plana o seu chefe politico, que por todos os titules tem maior jus á nossa deferencia; ou o consideremos pela prioridade de combatente, ou na ordem hierarchica que elle occupa entre os do seu partido, não fallando já das rasões de indiscutivel competencia e proficiencia que elle ostenta, sobre todos, para discutir qualquer questão do direito.
Para mim mesmo, ainda que seja mais arriscado, é mais glorioso ter por principal competidor uma das illustrações d'este paiz. (Vozes: — Muito bem.)
S. ex.ª apparece-nos n'este debate sob uma dupla face da sua physionomia. parlamentar; como jurisconsulto, e como chefe de um partido politico, mas chefe infatigavel que elle é, e dotado de uma energia pouco vulgar, procurando alargar a área da sua popularidade e o numero dos proselitos das suas doutrinas e dos seus principios, para apressar o seu advento ao poder, com o intuito nobilissimo de prestar a este paiz os serviços que elle tem direito a esperar do seu zêlo e do seu civismo. (Apoiados.)
Mas este desejo, este empenho, não é monopolio exclusivo do chefe do partido constituinte. Todos os que aspiram a dirigir o leme da governação, procuram, por sem duvida, levantar o nivel de prosperidade da sua patria, honrando-a o engrandecendo-a como ella reclama e merece.
Justiça para todos, pois que todos se inspiram nos elevados sentimentos de patriotismo. (Muitos apoiados — Vozes: — Muito bem.)
Mas permitta s. ex.ª o eu dizer-lho que o jurisconsulto,
Sessão de 20 de janeiro de 1879.