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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
ao serviço do chefe de partido, foi completamente eclipsado na discussão.
O jurisconsulto não teve força bastante para proclamar e assentar os principios mais correntes de direito criminal.
O chefe de partido, fazendo sobresaír a sua feição saliente, soube melhor affirmar-se, e apresentou-se por fórma muito digna e muito habil, mas que nos fez esquecer de que estavamos ouvindo tambem um dos primeiros professores — o já agora immortal commentador do codigo civil portuguez. (Apoiados.)
Se s. ex.ª fosse simplesmente jurisconsulto, prescindindo da sua qualidade de chefe de um partido, dir-nos-ia com toda a certeza: — Olhae, que é elementar em direito, que não póde haver crime sem a preexistencia de um facto voluntario declarado punivel pela lei penal; que não póde haver processo-crime sem base ou corpo de delicto, o qual se póde fazer indirectamente por inquirição de testemunhas, ou pela inspecção ocular, quando o facto deixa vestigios permanentes. E se no crime que aqui se aventa, a existencia do corpo de delicto é essencialmente indispensavel para a averiguação do facto, o facto será possivel, mas não é juridicamente certo, porque nem está apurado, nem o processo tem ainda base.
S. ex.ª havia de dizer-nos ainda mais: — Ha sobre a mesa um officio do juiz de direito de Castello Branco, em que nos diz que, por virtude de uma queixa feita por um cidadão, a proposito de uma pretendida falsificação de actas, está instaurado um processo. Vejam, pois, que se por um lado se diz existir uma falsificação, pelo outro se evidenceia que a prova d'esse facto é, n'este momento, impossivel, porque não consta, nem póde constar, do processo-crime instaurado.
E d'ahi dissertaria com a prosufficiencia que todos lhe reconhecemos, ácerca da necessidade de não dar assentimento a queixas, ou a protestos, desacompanhados da prova dos factos em que se baseiam.
Mas s. ex.ª procedeu de modo differente, e por isso despertou a minha surpreza por o não ver erguido á altura da respeitabilidade que s. ex.ª merecidamente tem. (Apoiados.)
Apontando-nos para o processo, continuaria s. ex.ª: — Ahi está um officio em que se diz que é preciso um exame directo nas actas, que se dizem falsificadas. Nem corpo de delicto ainda ha, e assim o facto da falsificação não passa do dominio da chimera e das suspeitas.
E um dos primeiros oradores e dos primeiros estadistas do paiz, em nome de uma suspeita e em nome de uma chimera, diz: — Condemno, porque julgo a existencia de um crime!
(Muitos apoiados.)
Se o sr. Dias Ferreira fosse unicamente jurisconsulto, e como tal tratasse esta questão á luz da sua esclarecida intelligencia, prescindindo da qualidade de chefe de um partido, dir-nos-ía que não póde haver condemnação sem provas controvertidas em processo plenario; que é necessario ouvir o auctor e réu contradictoriamente para que, da contradicção saia a faisca da verdade; e que um juiz, na ausencia de provas, ou quando as provas não são sufficientes, deve pronunciar fatalmente a absolvição, porque os crimes não se presumem (Apoiados.), porque ninguem deve ser condemnado sem ser ouvido (Apoiados.), e porque todo o homem se presume bom emquanto se não provar concludentemente o contrario. (Apoiados.)
Mas a s. ex.ª conveiu estabelecer outra doutrina. Apesar de não haver ainda corpo de delicto, dá como existente aquillo que carece de existencia, e tem como demonstrado aquillo que carece de demonstração.
Prefere, bem se vê, envergar a toga de advogado ardente e apaixonado por parte da accusação, a vestir a capa de juiz austero para se pronunciar segundo os dictames da sua esclarecida rasão. Tanto custa o ser chefe de um partido! (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)
Ainda mais. Se s. ex.ª fosse simplesmente jurisconsulto, e não chefe de um partido, havia de dizer, porque é tambem doutrina corrente até para quem, como eu, é um modesto cultor da sciencia do direito, que, quando o réu está silencioso, não ha confissão nem negação, e se ha é mais a negação do que confissão.
Affirmaria ainda que a propria confissão do réu não suppre a falta do corpo de delicto.
Mas s. ex.ª partindo da hypothese, meramente gratuita, de que os preconisados e hypotheticos réus do crime de falsificação das actas, tendo sido chamados á autoria na imprensa, se tinham conservado silenciosos, diz:
«Elles que se calam é porque são criminosos, o silencio aqui equivale á confissão.»
Sr. presidente, eu sei que s. ex.ª consagra todas as horas do dia a trabalhos muito importantes, mas se porventura lhe tivessem restado alguns momentos para ler o que se escreve na imprensa periodica havia de ver pelos jornaes Revolução de setembro, Diario Ilustrado, Jornal da noite e Correspondencia de Coimbra, que essas asserções não ficaram sem contestação, e sem contestação vantajosa e irrefutável.
Se s. ex.ª fosse simplesmente jurisconsulto, e não se revestisse ao mesmo tempo do caracter do chefe de partido n'esta questão, veria que não era justa a censura á commissão do verificação de poderes por ella não aconselhar que fosse mettida em processo a mesa eleitoral de Villa Velha pelo facto de se darem descargas, como tendo votado nos nomes de quatro cidadãos que, na epocha da eleição, se allega tinham já fallecido.
Para isso era indispensavel que do documento, junto por s. ex.ª, constasse a identidade d'esses cidadãos; quer dizer, se os fallecidos eram precisamente os mesmos que se achavam inscriptos nos cadernos do recenseamento, e não outros do mesmo nome; era ainda indispensavel, sr. presidente, e provar-se que a mesa tinha procedido dolosamente, excluindo-se a possibilidade do erro no reconhecimento da identidade d'esses individuos.
E depois diz-nos s. ex.ª:
«N'estas questões não ha politica, as paixões devem ficar lá fóra, e a junta deve proceder com o maximo escrupulo de acertar.»
Mas, se não se intromette a politica n'estas discussões, para que lança s. ex.ª desfavor sobre a commissão de verificação de poderes que apresentou o parecer, que se discute, favoravel á minha eleição? (Muitos apoiados.)
Emfim se s. ex.ª não fosse chefe politico de um partido que tem largas aspirações, e fosse simplesmente um jurisconsulto distincto, como é, não viria censurar o governo, como censurou, por lhe ter negado as copias de uns telegrammas, officiaes e particulares, e por lhe não ter mandado a copia do processo judicial instaurado em Castello Branco.
Esta questão dos telegrammas parece-me suficientemente discutida e julgada, e creio mesmo que não admitte contestação, que o governo procedeu segundo o dever, quando temos a letra viva do decreto de 30 de dezembro de 1864, no artigo 36.°, onde encontramos esta terminante disposição:
«A violação de segredo dos despachos telegraphicos, officiaes ou particulares, será punida com a demissão.»
E o decreto de 17 de janeiro de 1860, no artigo 11.°, diz tambem assim:
«É garantida a inviolabilidade do segredo das correspondencias.»
E no artigo 16.°:
«Os empregados que revelarem, por qualquer modo, o segredo das correspondencias telegraphicas, officiaes ou particulares, as subtrahirem, supprimirem, ou abrirem, serão immediatamente demittidos e immediatamente entregues aos tribunaes para serem punidos com as penas impostas na lei penal.»